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Função Social do Contrato

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Academic year: 2021

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Motivação inerente ao projeto destes encontros:

Os cursos de graduação em Direito devem formar profissionais que revelem, entre outras, as seguintes competências e habilidades: • interpretação e aplicação do Direito;

• utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica;

• julgamento e tomada de decisões; e

• domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

Fonte: DCN dos cursos de Direito – MEC.

Função Social do Contrato

1. Prólogo

2. A Função Social do Contrato 3. Exercício Prático

1. Prólogo

“Com responsabilidade na administração dos recursos da Advocacia

e sensibilidade diante do delicado momento vivido pelo País no en-frentamento da pandemia do Coronavírus, as diretorias da OAB São Paulo e da CAASP aprovaram medidas financeiras iniciais para mi-nimizar os impactos da atual crise.

A Resolução 03/2020 da OAB SP e CAASP autoriza o adiamento por cinco meses do pagamento de parcelas das anuidades de 2020 e de parcelamentos de anos anteriores, como forma de auxiliar fi-nanceiramente a Advocacia, sem prejuízo da manutenção das suas atividades indispensáveis.”1

O comunicado acima pode ser interpretado sob diferentes ângulos: sob o ponto de vista de mera liberalidade (“boa vontade”), em que a OAB posterga unilateralmente pelo prazo de cinco meses as datas de vencimentos das obrigações dos advogados; sob ponto de vista da solidariedade, com a OAB a demonstrar empatia com os advogados pela prová-vel diminuição de rendimentos financeiros em razão da pandemia de Covid-19; sob ponto de vista da boa-fé, como determinado no artigo 113 do atual Código Civil: “Os negócios

1 Fonte: http://www.oabsp.org.br/noticias/2020/03/oab-sp-e-caasp-adiam-por-5-meses-o-pagamento-de-parcelas-de-anuidades.13468. Acesso em 27/07/2020

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jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebra-ção”.

Entretanto, no contexto do Direito das Obrigações, a análise deve ficar restrita à Teoria das Obrigações. A Ordem dos Advogados do Brasil é o Credor e o conjunto de advogados o Devedor. Entre esses polos existe um vínculo jurídico representado pela obrigação de todos os associados contribuírem financeiramente para o desempenho das funções da Ordem. Informando esse vínculo, existem três princípios: a integralidade, a pontualidade e a boa-fé2. Ora, no estudo de qualquer teoria devemos nos ater às suas partes

constituin-tes, sem acréscimo de elementos alienígenos. E a teoria contém a boa-fé como funda-mento (ou elefunda-mento constituinte).

Mas qual o significado de boa-fé na situação narrada?

Para responder o questionamento, revisitaremos duas argumentações apresentadas em encontros passados.

A primeira argumentação3 foi emitida por Pontes de Miranda4:

“Todo fato é, pois, mudança no mundo. O mundo compõe-se de

tos, em que novos fatos se dão. O mundo jurídico compõe-se de fa-tos jurídicos. Os fafa-tos, que se passam no mundo jurídico, passam-se no mundo; portanto: são. O mundo não é mais do que o total dos fatos e, se excluíssemos os fatos jurídicos, que tecem, de si mes-mos, o mundo jurídico, o mundo não seria a totalidade dos fatos”.

A argumentação do autor é clara no sentido que, aos fatos mundanos (“O mundo

compõe-se de fatos”), outros fatos se acrescentam por metamorfoses nos existentes (“no-vos fatos se dão”). Entre esses fatos acrescidos estão os fatos jurídicos (“Os fatos, que se passam no mundo jurídico, passam-se no mundo; portanto: são”). Assim, o mundo é

formado pelos fatos em geral acrescidos dos fatos jurídicos (“o mundo não é mais do que

o total dos fatos e, se excluíssemos os fatos jurídicos, o mundo não seria a totalidade dos fatos”).

A segunda argumentação é da lavra do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Edson Fachin, sob o significado da ideia de dignidade da pessoa humana5:

“Dignidade da pessoa é uma "qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consi-deração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asse-gurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra-2 http://direitocivil.abc.br/direito_civil-obrigacoes-conceitos.

3 http://direitocivil.abc.br/direito_civil-obrigacoes-negocio-juridico.

4 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado, Tomo 01. Campinas: Bookseller, 2000. Sem destaques no original.

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dante e desumano, como venham a lhe garantir as condições

exis-tenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e

promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres hu-manos."”6

A argumentação é objetiva ao associar dignidade com bem-estar material (“condições

existenciais mínimas para uma vida saudável”).

Por seu turno, a caracterização de boa-fé pode ser assim expressa7:

A boa-fé apresenta duas dimensões: subjetiva e objetiva.

A primeira representa condições psicológicas e envolve uma crença, ou “aparência” da realidade intuída pelo agente, é referenciada nos artigos 309, 686, 689, 1201, 1202, 1242, 1260, 1268 e § 1º e 1561 do Código Civil. A teoria da aparência está associada ao interesse do agir com boa-fé ao lado da lei.

A segunda dimensão está na objetividade emprestada a boa-fé, como o dever de lealdade ou confiança social mente reconhecido, e consta nos artigos 161, 164, 180, 295, 363, do Código Civil; e, nos artigos 4º, III e 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.

A boa-fé é indissociável do princípio da justiça contratual, pois deve prevalecer, nas disputas, o princípio da igualdade material entre as partes.

Como dever e expressão da justiça contratual, a boa-fé objetiva im-plica três funções:

(i) a função ativa; (ii) a função reativa; e, (iii) a função interpretativa.

Na função ativa está a emergência dos deveres acessórios, que não se vinculam à vontade das partes, pois o que vincula é a presta-ção principal derivada da relapresta-ção com suporte na vontade.

6 SARLET, Ingo. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Na Constituição Federal de

1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60, apud FACHIN, Luiz Edson; PIANOVSKI, Carlos

Eduardo. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz

dogmática do neopositivismo constitucionalista. Disponível em

http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf. Acesso em 04/03/2020. Sem destaque no original.

7 MOLINARO, Carlos Alberto; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro. Anotações sobre o princípio da

boa-fé (subjetiva e objetiva) no direito contratual e o sobreprincípio da boa-boa-fé processual. Porto Alegre:

Re-vista Páginas de Direito, ano 9, nº 870, 09 de fevereiro de 2009.

Disponível em https://www.paginasdedireito.com.br/index.php/artigos/56-artigos-fev-2009/5824- anotacoes-sobre-o-principio-da-boa-fe-subjetiva-e-objetiva-no-direito-contratual-e-o-sobreprincipio-da-boa-fe-processual. Acesso em 27/03/2020.

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Os deveres acessórios são consequências da boa-fé em si mesma considerada. A doutrina os associa aos deveres de lealdade, de

in-formação, de cooperação e de segurança ou garantia.

O dever de lealdade se mostra no respeito aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade. Implica fidelidade aos compro-missos assumidos e é o núcleo de uma “relação de confiança”. O dever de informação ou de conhecimento serve para evitar a in-certeza do resultado, pois o desconhecimento por uma das partes de fato essencial vicia a autonomia da vontade e constitui deslealda-de negocial.

O dever de cooperação é consequência do dever de informação, pois supõe o empenho das partes para realização efetiva dos inte-resses que motivaram a obrigação.

O dever de segurança ou garantia tem a finalidade de assegurar a integridade dos bens, direitos ou serviços objeto das relações con-tratuais.

Na função reativa incorpora-se na boa-fé um instrumento de defesa regular e indireto, que inclui a contestação na hipótese de ação judi-cial temerária proposta por um dos contratantes.

As possibilidades de reação com arguição da boa-fé objetiva são inúmeras. Uma delas a doutrina intitula “venire contra factum pro-prium”, que consiste na vedação aos comportamentos contraditó-rios, ou comportamentos inesperados que abalem significativamente a confiança da outra parte.

A função interpretativa é cláusula geral acolhida pelo Código Civil de 2002. Ao interpretar a lei ou o contrato de acordo com a boa-fé, buscar-se-á a conduta ética das relações jurídicas, com aplicação da norma (princípios e regras) ao caso concreto que melhor atenda equitativamente aos interesses das partes.

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Fato importante, de natureza jurídica, e contida no mundo dos fatos, é a determinação contida no artigo. 5º da Resolução 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça, in verbis: “Ficam suspensos os prazos processuais a contar da publicação desta Resolução, até o

dia 30 de abril de 2020”8. Ora, a Ordem tem plena consciência que a suspensão de

pra-zos por mais de 30 dias (a data da resolução é 19/03/2020) tem impacto direto nos rendi-mentos dos advogados, inclusive os de natureza alimentar (§ 14, Art. 85, do Código de Processo Civil vigente: “Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza

ali-mentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sen-do vedada a compensação em caso de sucumbência parcial”). Assim, um fato jurídico

in-contestável combinado com a dignidade do advogado, interpretado sob o princípio da boa-fé objetiva, atende de modo equânime os interesses do Credor (OAB) e Devedor (conjunto de advogados), pois a prorrogação no recebimento das contribuições devidas pelo prazo de cinco meses não causa dano aos interesses daquele e não constitui este em mora.

2. A Função Social do Contrato

O comunicado da OAB pode ser apreciado sob outro ponto de vista, de maior complexida-de que o da boa-fé objetivo, qual seja, o da Função Social do Contrato, que também se insere na Teoria das Obrigações (um contrato nada mais é que uma obrigação com carac -terísticas particularizadas).

Humberto Theodoro Júnior9 assim define a Função Social do Contrato: “consiste em abor-dar a liberdade contratual em seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das relações entre as partes que o estipulam (contratantes). Já o princípio da boa-fé fica restrito ao relacionamento travado entre os próprios sujeitos do negócio jurídi-co”.

8 https://atos.cnj.jus.br/files/original221425202003195e73eec10a3a2.pdf. Acesso em 27/03/2020.

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Entretanto, uma concepção de maior alcance social propõe que “O contrato possui uma

função social que não pode ser olvidada, devendo ser meio de circulação de riquezas hábil à satisfação das necessidades, por meio dele buscadas, pelos seus signatários. Caso contrário, o interesse chega a ser apenas o fruto de um mero exercício jurídico me-tafísico [abstrato], quando, na realidade, deve suceder à constatação concreta do fim coli-mado”10.

Esta concepção, ao declarar que a obrigação deve “ser meio de circulação de riquezas”, endereça de forma direta dois dos três pilares do direito privado: o contrato, a proprieda-de e a família11 (os dois pilares mencionados estão em destaque).

Segundo Tomasevicius Filho12, “função social” tem três significados:

1. Sentido amplo, enquanto finalidade econômica, sendo que todos os institutos jurídi-cos apresentam função social. Exemplo encontra-se no artigo 1.228, § 1º, primeira parte: “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais” (sem destaque no original);

2. Sentido estrito, que é o ato praticado em benefício de outrem. É exemplo o papel de-sempenhado pelo curador, que age em benefício do curatelado.

Tomasevicius Filho chama atenção para o direito de propriedade. O proprietário pode usar, fruir e dispor do bem, sendo esse direito oponível erga omnes (ninguém pode des-respeitar esse direito). Entretanto, por ser oponível contra todos, outras pessoas, embora necessitadas, não obtém benefício daquele bem específico. Por isso,

“O instituto da função social constitui uma "solução de compromisso" entre esses interesses em conflito. Permite-se o exercício de deter-minado direito, mas pode-se exigir que esse exercício seja social-mente útil. Portanto, nesse sentido, a essência do termo "função so-cial" implica compensação, a qual se dá por meio da realização de deveres de ação ou de abstenção por parte do titular de um direito subjetivo”13.

Exemplo encontra-se no artigo 1.228, §1º: “O direito de propriedade deve ser exercido em

consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preser-10 LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos: a função social do contrato. São Paulo: Saraiva,

2012, 4ª ed., p. 103.

11 FACHIN, Luiz Edson; PIANOVSKI, Carlos Eduardo. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito

Contem-porâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do neopositivismo constitucionalista, p. 17.

Dispo-nível em http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima5-Conselheiros/Luiz-Edson-Fachin.pdf. Acesso em 04/03/2020.

Referenciado em http://direitocivil.abc.br/direito_civil-obrigacoes-sujeito_de_direito.

12 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato. Conceito e critérios de aplicação, 2005. Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/42/168/ril_v42_n168_p197.pdf/view. Acesso em 27/03/2020.

13 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato. Conceito e critérios de aplicação, p. 201. Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/42/168/ril_v42_n168_p197.pdf/view. Acesso em 27/03/2020.

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vados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a po-luição do ar e das águas”.

O fundamento do direito de propriedade, em termos contemporâneos, não é o acúmulo de bens, mas a geração e circulação de riquezas na sociedade. Geração porque é a propri-edade de determinados bens que permite a produção de frutos. Esses frutos circularão na sociedade, com transferências de riquezas entre sujeitos. Por exemplo, o agronegócio: a propriedade da terra permite o cultivo economicamente viável de bens que serão comerci-alizados no mercado, com geração de ocupações para milhares de pessoas.

3. Sentido de “Responsabilidade Social” e surge como atribuição de um dever ao exercí-cio de determinada atividade econômica. Assim, a atividade empresarial deve primar pela preservação ambiental e combate aos problemas sociais, como erradicação da miséria. Tomasevicius Filho defende que a função social do contrato é uma adaptação da função social da propriedade14 e está expressa no artigo 421 do Código Civil vigente: “A liberda-de liberda-de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Ao referenciar a “liberdade de contratar”, o Código impõe a necessidade de análise do instituto. Novamente, Tomasevicius Filho aponta dois sentidos: uma visão realista e uma visão legalista.

Na visão realista, o direito aceita e reconhece a autonomia da vontade como fonte do di-reito objetivo e a protege, sendo a obrigação uma promessa que, se não cumprida espon-taneamente, deve sê-la de forma coercitiva. Esta era a visão adotada no Código Civil de 1916, de orientação individualista e com predomínio absoluto do Pacta sunt servanda. Na visão legalista, a liberdade de contratar existe somente porque o Estado permite aos sujeitos criarem, modificarem e extinguirem direitos, mas esse Estado pode impor deter-minadas formas e condições às obrigações permitidas.

Quando as formas e condições às obrigações estiverem condicionados por fins específi-cos determinados pelo Estado, a liberdade será “positiva”. Por outro lado, se aos sujeitos for permitido o autorregramento, desde que não contrário aos preceitos jurídicos, a liber-dade será “negativa”, como estabelece o artigo 187 do Código Civil: “Também comete

ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites

impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (sem destaque no original). Daí que a função social do contrato, no contexto brasileiro, corres -ponder à concepção negativa da liberdade de contratar e será cumprida quando a obriga-ção em que se aplicar atingir os objetivos a que se destina, sem causar danos a terceiros. Ora, no contexto das contribuições obrigatórias dos advogados à OAB, estas objetivam manter a instituição em funcionamento regular e adequado, com prestação de serviços necessários para todos os membros. Foge totalmente à sua finalidade impingir quaisquer

14 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato. Conceito e critérios de aplicação, p. 202. Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/42/168/ril_v42_n168_p197.pdf/view. Acesso em 27/03/2020.

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danos a quem quer seja, principalmente quando os meios de evitação estão disponíveis, como a hipótese de postergação do vencimento de obrigações. Por essas razões, ao co-municar que “Com responsabilidade na administração dos recursos da Advocacia e

sensi-bilidade diante do delicado momento vivido pelo País no enfrentamento da pandemia do Coronavírus” a Instituição “autoriza o adiamento por cinco meses do pagamento de par-celas das anuidades de 2020 e de parcelamentos de anos anteriores” nada mais faz que

efetivar a função social do contrato.

Sugestão de Leitura:

TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A função social do contrato. Conceito e critérios de aplicação15.

“RESUMO: A função social do contrato é um dos institutos que melhor refletem a ideia de

socialidade no Código Civil brasileiro de 2002.

A socialidade é, ao lado da eticidade e operabilidade, um dos valores que nortearam a elaboração do novo Código. Segundo Miguel Reale (2003), essa consiste no prevaleci-mento dos valores coletivos sobre os valores individuais, sem, no entanto, suprimir a ideia de que o ser humano é o valor-fonte da hierarquia dos valores.

No presente texto, serão traçados os significados do termo "função social", e qual o al-cance dos efeitos desse instituto jurídico nas relações privadas”.

3. Exercício Prático

Questões dissertativas para identificar a compreensão conceitual

Os códigos civis nada mais são que manuais com regras gerais para soluções de conflitos sobre direitos subjetivos. Se não existissem conflitos, não existiram Códigos Civis.

As crises sociais, como a pandemia de coronavírus ora em curso, são conflitos que extra-polam o nível subjetivo e se tornam objetivos, porque afetam milhares de pessoas inde-pendentemente de suas vontades.

As crises não são objetos dos códigos civis, mas podem permitir o entendimento objetivo de princípios que muitas vezes informam as regras neles contidas. Isso porque, de modo amplo, os códigos não apresentam definições e deixam essa tarefa para a doutrina.

Com base no texto e na função social do contrato, justifique logicamente as seguintes afir-mações:

15 Disponível em https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/42/168/ril_v42_n168_p197.pdf/view. Acesso em 27/03/2020.

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1. É legal a imposição por governadores de diversos estados brasileiros da obrigatorieda-de obrigatorieda-de interrupção temporária das atividaobrigatorieda-des comerciais.

Resposta: As atividades comerciais são compostas por inúmeras obrigações (contratos em sentido amplo) de efeito imediato, como a compra e venda de bens.

Na visão legalista da liberdade de contratar, o Estado permite aos contratantes se autorre-gularem desde que não excedam, no exercício desse direito, os limites impostos pelo fim social da obrigação, que é o consumo. Ora, se em decorrência do contrato existir a possi-bilidade de disseminação do Covid-19, com possíveis danos a terceiros, ainda que de for-ma não intencional, então a função social da liberdade de contratar terá sido extrapolada. Daí a legalidade da imposição obrigatória e temporária de interrupção de atividades co-merciais.

Nota: os direitos fundamentais, de origem constitucional, incidem sobre todas as normas infraconstitucionais, entre elas o Código Civil. Assim, na aplicação dos direitos fundamen-tais nas relações particular-Estado, diz-se que a eficácia é vertical. Quando da aplicação dos direitos fundamentais às relações entre particulares, que apresentam igualdade jurídi-ca entre si, diz-se que a eficácia é horizontal.

Complemento à resposta:

“A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser

exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especi-almente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações priva-das, em tema de liberdades fundamentais”.16

Sobre as garantias positivadas em sede constitucional e aplicável ao entendimento apre-sentado, está o direito à saúde (artigo 6º).

2. Foi anunciada pelo governo federal uma linha de crédito para pequenas e médias empresas pagarem os salários de seus colaboradores. O crédito terá limite de até dois salá -rios-mínimos por colaborar, será depositado diretamente na conta-corrente do beneficiá-rio, terá carência de seis meses, taxa de juros anual 3,75% ao ano e poderá ser quitado em até 36 meses. A empresa que tomar o empréstimo não poderá efetuar demissões no prazo de dois meses.

Resposta: A liberdade de contratar será positiva quando fins específicos estiverem deter-minados pelo Estado enquanto consequências das relações obrigacionais. No caso em tela, o governo federal, na qualidade de credor, propõe a criação de obrigações com

pe-16 Recurso Extraordinário nº 201.819 – Diário da Justiça – 27/10/2006. Disponível em

http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?

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quenas e médias empresas com o objeto de manter a atividade econômica, pois garante momentaneamente o salário e emprego dos trabalhadores. Mas, em contrapartida, o de-vedor assume o “encargo” de não efetuar dispensas de colaboradores pelo prazo de dois meses. Este é exemplo de liberdade de contratar em sentido estrito positiva.

Também é uma liberdade de contratar legalista: o devedor pode optar entre contratar e não contratar, mas o exercício da autonomia da vontade estará restrita ao contexto delimi-tado. Se contratar, o objeto de contrato (recursos financeiros) somente poderão ser utiliza-dos nos pagamentos de salários limitautiliza-dos ao teto de dois salários-mínimos.

Assim, o texto caracteriza a liberdade contratual legalista em sentido estrito positiva.

3. Viagens por aplicativos são exemplos da função social do contrato.

Resposta: Não é clara a função social de uma obrigação em que um automóvel seja ad-quirido para transporte de seu proprietário, já que o destinatário da utilidade de uso pro-porcionada pelo veículo concentra-se nas necessidades do comprador. Entretanto, quan-do um veículo é empregaquan-do como forma de geração de riquezas, como o transporte de passageiros possibilitado pelos aplicativos, então a função social do contrato (cada passa-geiro transportado ou serviço realizado em benefício de outrem) fica caracterizada. Este exemplo também se ajusta perfeitamente a dois dos pilares que fundamentam o direito privado: o contrato e a propriedade (o outro pilar é a família).

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