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As paisagens da longevidade

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Academic year: 2021

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As “paisagens” da longevidade

O envelhecimento está cada vez mais presente na mídia, alertando sobre os territórios tenebrosos que nos aguardam caso nenhuma intervenção seja feita por autoridades, vizinhos, familiares e instituições de apoio social. Todos nós estamos convocados a preparar esses terrenos.

Desde o início do ano não param de aparecer na imprensa portuguesa casos de vários idosos encontrados mortos nas suas residências, após dias, meses ou até anos de terem sido vistos pela última vez, como é o da idosa de mais de 80 anos encontrada em casa (junto com o esqueleto de seu cachorro), morta há oito anos, em Rinchoa, distrito que faz parte da grande área metropolitana de Lisboa, capital de Portugal, um dos países que mais tem envelhecido no mundo sem ter se preparado para tal como os demais países da Europa.

O corpo da octogenária, que estava desaparecida desde 2002, isto é, há oito anos, foi encontrado pela polícia, chamada ao local a pedido da nova proprietária da habitação, que adquiriu o imóvel num leilão realizado pelo Ministério das Finanças, que vendeu o imóvel por falta de pagamentos de impostos sem uma avaliação prévia, isto é, sem que ninguém tenha entrado no imóvel antes da realização do leilão A idosa foi encontrada na cozinha, junto a um esqueleto de um cão: O corpo, em completo estado de decomposição, estava deitado de bruços.

Casos trágicos como este obriga a opinião pública a tomar consciência do isolamento em que muitas pessoas idosas - especialmente aquelas acima de 80 anos -, vivem e que é muito mais frequente do que se imagina, principalmente na área urbana, pois em zonas rurais a rede de vizinha é muito mais forte. Estes casos refletem também a solidão em que vivemos em sociedade, levando porta-vozes da Igreja Católica do país a afirmarem que é “necessário humanidade e que as pessoas não tenham apenas critério de utilidade funcional, não tenham apenas o pragmatismo de quem é útil, e que não estejam a pôr as pessoas defuntas antes delas morreram... Isto é a prova acabada de uma desumanidade da sociedade".

Como se pode estar morto, durante tantos anos no próprio apartamento sem que ninguém perceba, nem um vizinho?! Nem percebam os maus cheiros, o latido do cachorro até morrer??!

Notícias também nos relatam que no Japão, após o Tsunami, a “busca por sobreviventes se transformou em uma procura por corpos. E a maior parte desses corpos era de pessoas velhas – muito velhas para fugirem do tsunami”. Isso porque em um desastre desse tipo, as pessoas mais idosas não são capazes de se proteger, até porque, em pânico e desesperados, os mais novos empurram e passam por cima daqueles que se movem mais vagarosos.

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Outra paisagem vem sendo divulgada pelo governo chinês, que está planejando atrasar a idade da aposentadoria, para tentar aliviar a “pressão” sobre a Segurança Social e responder ao “envelhecimento da sociedade”. No Brasil, uma paisagem cada vez mais presente nas primeiras páginas dos jornais anunciam: a transformação demográfica do país, com o aumento da expectativa de vida e da parcela de idosos na população, vai duplicar os gastos públicos na área social até o ano de 2030, cuja União, Estados e municípios terão que arcar com a conta do envelhecimento que vai gerar mais encargos com aposentadorias, pensões, assistência social e serviços de saúde. Ainda no país observamos mais notícias divulgando o aumento de crimes cometidos contra pessoas idosas, especialmente maus-tratos familiares e abandono. Paisagens como estas demonstram a urgência de uma intervenção face ao envelhecimento no país. Esta edição da Revista Portal de Divulgação traz alguns questionamentos a este respeito.

O  que  se  fez?  O  que  se  faz?  E  o  que  deverá  ser  feito?  

Estas são as perguntas colocadas no artigo A Atenção ao idoso: Existente e

Necessária! e que todos nós, que atuamos na área gerontológica, fazemos

diariamente, ante a complexidade do crescente longeviver.

As reflexões do autor oferecem, primeiramente, um panorama do envelhecimento populacional mundial e, especificamente, no Brasil. Traz dados relevantes sobre o que se fez - o processo de implantação de uma política de cuidados de atenção aos idosos até a implementação da Lei nº 8.842 (de 1994), que dispõe sobre as responsabilidades da família e do Estado em relação aos indivíduos acima de 60 anos.

Traça também um interessante histórico dos caminhos da Geriatria e Gerontologia no Brasil, a partir da década de 1960, bem como dos trabalhos realizados por diferentes Instituições e organizações sociais que buscam, ao longo destes últimos 40 anos, atender as necessidades dos idosos, com projetos e programas que buscam uma melhor qualidade de vida e sentimentos de bem estar, registrando ações concreta - do que se faz - para atingir estes objetivos.

Mas, como ressalta o autor, o que deverá ser feito, pressupõe um processo, integrando o que já se fez; aquilo que continua a ser feito e tendo em mente “que a atenção ao idoso precisa de planejamento e continuidade, para que possamos chegar ao nível positivo de saúde pública aos cidadãos do futuro” –

o que deverá ser feito.

As respostas às perguntas que também podem ser guias para as reflexões propostas em Envelhecimento e Família: novas perspectivas, que, como no artigo precedente, aborda o valor das atividades sociais dirigidas aos idosos, especialmente quando este encontra apoio e é prestigiado pela família. Apesar das muitas mudanças na sua estrutura, novos arranjos e composições, ela

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ainda se constitui o lugar de referência para os seus diferentes membros, incluindo os idosos de maneira ampla e sem preconceitos, abrindo espaço para mostrar a velhice como “uma experiência diferenciada, afirmando-os como sujeitos de desejos e direitos, de modo a contribuir, cada vez mais, para uma nova concepção social”.

Se o apoio e acolhida familiar são benéficos aos idosos não podemos deixar de abordar uma questão crucial a respeito dos conceitos de dependência e autonomia, que, muitas vezes, ultrapassa o contexto familiar, como bem explicita as reflexões propostas em Idosos Dependentes: Velhice com Dignidade. A autora articula sua experiência profissional, no cuidado com

idosos mais longevos residentes em Instituições de Longa Permanência – ILPIs, com os vários estudos realizados na França e Estados Unidos – o que

se fez e o que se faz - apontando para a necessidade de uma definição

adequada dos conceitos – dependência e autonomia - que fundamentem ações gerontológicas adequadas nos espaços públicos e privados – o que deverá ser

feito.

Neste sentido, indica a educação continuada como eixo fundamental para uma mudança de atitude dos profissionais, que promova: a implantação de projetos inovadores nesta área de cuidados, objetivando: transformar positivamente o cotidiano dos mais longevos; construir um novo imaginário social a respeito das ILPIs, indicando seus aspectos positivos como sociabilidade, e estímulo da autonomia possível; indicar, assim, os caminhos do envelhecimento “como uma fase que pode ser plena de novos desafios!”.

Esta “atitude” frente ao envelhecimento é o pressuposto para o desenvolvimento da contínua construção de uma “Cultura da Longevidade”, que envolva não só profissionais, mas as famílias e, como decorrência, a sociedade como um todo. Não podemos esquecer que estes “constructos estigmatizadores” sobre os idosos e a velhice são formados e (re) alimentados no interior das estruturas nucleares - familiares e grupos sociais próximos – e se expandem para a sociedade ampliada.

Essa educação continuada pode ser realizada de muitas maneiras. Hoje, com o avanço das mídias eletrônicas, muito pode ser feito neste sentido, seja com idosos – favorecendo a utilização de ferramentas de contato com o mundo – Internet, facebook e twiter - incluindo aí as gerações mais jovens - filhos, netos e novos amigos – e diminuindo um pouco a sensação de abandono, exclusão e solidão; como também entre profissionais, idosos e familiares; e entre os diferentes profissionais da área gerontológica. Se o envelhecimento é um assunto complexo, pois envolve as múltiplas dimensões dos seres – biológicas, sociais, psicológicas e filosóficas – a perspectiva interdisciplinar se impõe também como uma “atitude” de respeito, reconhecimento e trocas solidárias de saberes, entre profissionais de diferentes áreas de atuação, idosos e familiares. Esta é a filosofia que fundamenta o projeto Portal do Envelhecimento desde seu início, há mais de 6 anos, e que tem como objetivo o acesso democrático ao conhecimento sobre esta instigante e nova!!! fase da vida, com o lema Rede

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de Comunicação e Solidariedade. O Portal nestes anos se consolidou, foi premiado e se transformou, buscando sempre tornar o acesso aos seus conteúdos mais fácil e dinâmico. Seguindo este propósito, iniciou uma nova fase com mudanças no layout do site e o início da publicação da Revista Portal

de Divulgação, a partir de agosto de 2010.

Foi em sua 3ª edição (outubro de 2010) que um artigo denominado O idoso

estrangeiro em sua cidade: significado de um passeio1 foi publicado, gerando uma abertura e reflexão muito significativa por parte de estudantes de pedagogia, que em pesquisas on-line tiveram acesso a ele. Os resultados deste inovador movimento dos alunos, de aproximação de um tema e de uma prática profissional, para eles desconhecidos, por meio do artigo publicado e de sua autora - uma pedagoga que busca, como indicando no artigo anterior, transformar (pré) conceitos e indicar as possibilidades de vivência partilhada em uma ILPI, estão relatados no artigo Portal que abre portas.

A reflexão sobre este trabalho responde de forma objetiva as três perguntas: O que se fez? O que se faz? E o que deverá ser feito? Envolvendo as inovadoras

inter-relações que se estabelecem, entre teoria e prática, nas áreas da Pedagogia e Gerontologia.

Natal com Alzheimer é um comovente e digno relato de uma filha cuidadora, e

cuidadosa, que busca fazer do encontro natalino mais uma oportunidade de alegrar sua mãe, mesmo que por fugazes momentos, trazendo-a para o convívio familiar festivo. A autora, colaboradora habitual da Revista Portal de

Divulgação, sempre aborda de modo sensível, e baseada em sua prática, um

tema de extrema importância, e nos faz pensar no árduo caminhar dos familiares cuidadores destes idosos, cuja patologia os torna, gradativamente, tão distanciados de si, e dos que os querem tão bem!

Relatos como estes, difíceis e, simultaneamente, repletos de coragem, amor e superação nos fazem acreditar nas dimensões maiores dos seres humanos, uma visão que transcende as recompensas imediatas, que regem as relações humanas neste “mundo” apressado de prazeres fugazes.

Reflexões mais filosóficas também guiam nossa leitura em Bergman e Cícero:

um colóquio sobre a velhice e a morte. Neste artigo temos um diálogo

improvável sobre a vida, o envelhecimento e a morte, entre o filósofo romano Marco Túlio Cícero (106AC – 43AC) e o cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007). A autora nos convida “a um encontro íntimo, de confissões mútuas e de saberes partilhados [...] colóquio... para ser degustado, vagarosamente, letra por letra, palavra por palavra até ser incorporado nesta imensidão que somos todos nós, sujeitos tão inconformados, tão ausentes de si”.

1 Trabalho de autoria de Rita Amaral, apresentado no Concurso de Experiencias Gerontológicas “Una sociedad para

todas las edades”. Cuarta Edición - Año 2010, e vencedor com Primera Nominación - Categoría Personas Naturales.

http://www.gerontologia.org/portal/archivosUpload/archivosConcurso2010/Personas%20_Naturales_Primera_Nominaci on_2010.pdf.

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Das reflexões filosóficas aos saberes e práticas cotidianas formamos, ao longo desta edição, um círculo virtuoso de (re) conhecimentos e ações comprometidas na busca de um harmonioso longeviver, e que podem ser observadas também nas duas entrevistas que encerram a edição nº 9 de abril de 2011.

Habitat Plural - um desenho para cada usuário traz as palavras de duas

arquitetas (e futuras gerontólogas) argentinas que, a partir de 2009 em Mar Del Plata, idealizaram um espaço de criação visando planejar, arquitetonicamente, o bem viver de um número sempre crescente de idosos. Abordam o campo da acessibilidade necessária, tanto das cidades como das residências, “centrado nos usuários”, ampliando a discussão sobre o habitat como “espaços de vida”.

Entrevista sobre Odontogeriatria também aborda uma inter-relação importante

e que temos buscado divulgar na Revista – o papel fundamental da odontogeriatria na perspectiva do cuidado integral à saúde do idoso, tema ainda pouco referido em publicações na área gerontológica ampla.

Estas entrevistas, bem como os outros artigos, nos fazem ver que o envelhecimento populacional traz desafios constantes às diferentes profissões que, (re) articuladas com criatividade e perspectiva de futuro, podem construir um mundo melhor para os cidadãos de todas as idades, buscando saber o que foi feito em relação às paisagens trágicas da longevidade apresentadas no início deste Editorial, bem como respostas às nossas perguntas: “O que se fez? O que se faz? E o que deverá ser feito?”.

Boa leitura!

Beltrina Côrte e Vera Brandão Editoras

Referências

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