Reflexões sobre a experiência de estar com idosos no
processo de preparo para colonoscopia :
Autores: Roncaratti E., Gama Habr A., Cherix K., Barbieri N., Peixeiro M., Prado L. Resumo
Este relato foi realizado a partir da experiência com pacientes que se submeteram ao exame de colonoscopia em um instituto privado que atende clientes com doenças gastrintestinais. O objetivo deste trabalho é ressaltar a importância da Consulta de Enfermagem como ferramenta que proporciona um espaço de acompanhamento onde ocorrem esclarecimento de dúvidas e orientações. É nesse encontro que o profissional pode oferecer uma escuta diferenciada ao paciente, considerando a singularidade de cada um e identificando suas necessidades tanto físicas como emocionais. Através desse acolhimento, cria-se a possibilidade de conscientizar o paciente e seus
familiares/cuidadores sobre as questões físicas e alterações emocionais relacionadas com o envelhecimento. Com as informações obtidas na Consulta de Enfermagem, a enfermeira alem de poder cuidar melhor do paciente, pode contribuir para melhorar sua qualidade de vida à longo prazo.
Apresentação
Minha formação universitária aconteceu entre 1980 e 1984 na Escola de Enfermagem, USP, onde me foi plantada a semente do “compromisso com o próximo”. Durante a graduação, iniciei um programa como estagiária voluntária no Hospital Alemão Osvaldo Cruz, por dois anos, e ao término da graduação fui contratada pela instituição para trabalhar em uma unidade de clínica médica com 30 leitos. A convivência diária com pacientes trouxe-me a consciência da necessidade de esclarecer procedimentos e condutas a serem seguidas por eles, bem como do
considerável número de idosos atendidos no hospital; 30% desses leitos eram ocupados por pessoas acima de 65 anos de idade.
Diante desse quadro, em 1986, busquei aperfeiçoamento em geriatria e gerontologia no Instituto Sedes Sapientae, PUC, para melhor entender o processo de envelhecimento e com isso estar mais próxima dos pacientes idosos e apta a oferecer orientações adequadas a eles ou a seus cuidadores ou familiares, uma vez que muitos dependem de apoio e auxilio até em cuidados básicos. Essa dependência me alertou para um aspecto essencial no atendimento ao idoso: sua condição afetiva, familiar e emocional. Junto com seu estado físico, a realidade que o cerca pode contribuir positiva ou negativamente para o resultado de procedimentos ou tratamentos. Acreditava que como enfermeira poderia interferir positivamente nessa realidade, mas para tanto necessitava de maior preparo. Em 1988, iniciei o curso de Especialização em Saúde Mental e Psiquiatria no Departamento de Enfermagem da Escola Paulista de Medicina. Lá tive a oportunidade de discutir as interações enfermeira – paciente – família o que muito contribuiu para meu amadurecimento profissional, refletido em abordagem mais ampla e profunda das questões únicas de cada paciente.
Ao ser transferida para outra unidade do hospital, entrei em contato com um grande número de pacientes com problemas gastrointestinais, muitos deles submetidos a cirurgias que resultavam em ostomias intestinais. O cuidado com esses pacientes exigia um conhecimento teórico que não possuía. Como no Brasil ainda não existiam cursos especializados, em 1989 fui para Cleveland Clinic USA, com o intuito de realizar o curso de estomaterapia que abrangia cuidados com feridas crônicas e cirúrgicas, estomas, incontinência fecal e urinária bem como fístulas e drenos. Após esse curso, estava mais bem preparada para oferecer cuidados adequados aos pacientes e orientações eficazes a eles ou seus familiares/cuidadores. Estimulada pelos resultados, reuni um grupo de enfermeiros para compartilhar meu conhecimento sobre orientação a pacientes com ostomia e incontinências e dessa forma, não somente a unidade em que me encontrava, mas todas da instituição puderam aumentar a qualidade do atendimento a pacientes que precisam superar as dificuldades trazidas por ostomias e incontinências.
A interação com pessoas portadoras de problemas gastrointestinais deixou-me clara a necessidade do cuidado diferenciado, não somente baseado em referencial teórico, mas no ser humano em toda sua totalidade e de forma verdadeira. Nessa época recebi convite para organizar e gerenciar o Serviço de Enfermagem de um instituto particular especializado em doenças gastrointestinais, pertencente a uma conceituada equipe médica. Nele são realizados procedimentos como a colonoscopia, cuja natureza invasiva costuma gerar ansiedade nos pacientes no período que a antecede. A colonoscopia nos últimos anos é um procedimento de primeira escolha na avaliação das doenças do cólon e pode ser diagnóstica ou terapêuticas e a qualidade desse procedimento está ligado diretamente a qualidade do preparo intestinal que é realizado com limpeza do cólon com laxativos e soluções que auxiliam o esvaziamento do cólon provocando muitas evacuações. Em se tratando de idosos, é fundamental adotar medidas especiais, para minimizar danos que eventualmente possam ocorrer como desidratação, queda de pressão arterial, quedas, traumatismos perianais, vômitos, distensão abdominal, desconforto generalizado e outros. Aproximadamente 25 pessoas acima de 75 são submetidas à colonoscopia mensalmente no instituto.
Graças à proposta do instituto de oferecer atendimento diferenciado, há espaço para interação enfermeira - paciente que permite a enfermeira oferecer esclarecimento e apoio ao paciente antes, durante e depois do procedimento. Assim pude introduzir a Consulta de Enfermagem no serviço de colonoscopia como ferramenta para otimizar essa interação. Com técnicas, normas e procedimentos que orientam e controlam a realização das ações destinadas à obtenção, análise, e interpretação de informações sobre as condições gerais e de saúde do paciente, a Consulta de Enfermagem é determinante para tomadas de decisão quanto à orientação e outras medidas que possam contribuir para minimizar o sentimento de invasão e descontinuidade de seu cotidiano. Percebemos um impacto positivo em relação a consulta que se reflete na preferência dos pacientes em realizar o exame no instituto e não em hospitais. Em geral o ambiente hospitalar gera desconforto e sensação de desamparo, pois o idoso necessita mais que o atendimento padrão lá oferecido. Além disso, a Consulta de Enfermagem favorece a proximidade entre enfermeira e paciente permitindo a ele
manifestar suas preocupações, revelar seus sentimentos, sentir que é ouvido e assim contribuir positivamente para a realização do procedimento. Por outro lado, durante a consulta e o preparo, a enfermeira pode detectar problemas como incontinência fecal ou urinaria, pele ressecada, feridas, úlceras de decúbitos, higiene inadequada, baixa auto-estima e com esses levantamento de problemas elaborar orientações ao paciente /cuidador para melhorar sua qualidade de vida.
É importante lembrar que toda orientação com relação aos problemas detectados tem de ser feita de forma sutil para que não seja interpretada pelo idoso e familiares/cuidadores como invasão. Outro aspecto a ser considerado é que pessoas que negligenciam seu auto cuidado ao longo da vida costumam intensificar essa característica quando idosas, tornando a tarefa do cuidador e dos profissionais de saúde bastante árdua. Além disso, velhos hábitos e apegos tem raízes tão profundas que é necessário muito diálogo com o idoso e pessoas envolvidas para se obter algumas melhorias. No nosso dia a dia também verificamos que o idoso entregue a empregados ou cuidadores tem dificuldade em aderir a tratamentos quando acham que distúrbios, como a incontinência, por exemplo, fazem parte da velhice e preferem se acostumar com eles a investir em sua qualidade de vida.
Algumas Intervenções
Situação: 85 anos, sexo masculino. Assadura intensa perianal e dermatite de contato, Uso inadequado de fraldas. Familiares desconheciam sua incontinência urinária pois ela mora com empregada. Dificuldade dos familiares em aceitar a realidade do idoso. Conduta: Orientação para uso de pads masculinos (semelhantes ao absorvente
feminino) e creme barreira protetora. Maior ingesta de líquido até 16 horas para evitar necessidade de ir ao toalete durante a noite. Uso de roupa fácil de tirar, prática, fácil acesso ao toalete. Muito diálogo com familiares para esclarecimento e orientação, sempre ressaltando a importância de sua presença e atenção aos sinais indicativos de problemas.
Situação: 89 anos, sexo feminino, mora com filho que trabalha o dia todo e fica com uma empregada. Obstipação severa e consequente dificuldade para evacuar. Perda de peso. Durante o preparo percebemos que a paciente tinha muita dificuldade em ingerir líquidos e de deglutição.
Conduta: Discutimos com o médico que solicitou exame para verificar sua
musculatura do esofago. Com o resultado, ela foi encaminhada à fonoaudiologista para tratamento. Além disso a cuidadora foi orientada a ministrar dieta laxativa, de fácil mastigação e fracionada e a insistir na ingestão constante de líquido. Após um mês sua condição geral estava significativamente melhor.
Situação: 84 anos, sexo feminino. Prótese dentária totalmente solta, dificultando fala e alimentação. Desnutrida.
Conduta: Solicitamos ao filho retornar ao médico da equipe para ser orientado. Foi
quando foi informado das condições da prótese e da necessidade de consultar um dentista para avaliar a possibilidade de troca e um nutricionista para adequação da alimentação.
Considerações Finais
Diante das grandes transformações vividas pelo país em relação a sua pirâmide etária, que nos últimos 50 anos teve o número de idosos alterado de dois para quatorze, percebemos que existe a necessidade de um sistema que mais do que com a excelência de instalações e equipamentos, conte com a interação entre o ser humano e a excelência técnica. É nessa realidade que como enfermeira me preocupo em ressaltar a importância do conhecimento sobre o processo de envelhecimento, bem como do desenvolvimento de técnicas e procedimentos que contribuam para a promoção da qualidade de vida da população crescente de idosos no Brasil .
1- SDDIQUI, ALI A, MD, at all: Duration of the interval between the completion of bowel preparation and the start of colonoscopy predicts bowl-preparation quality. Publicado na revista Gastrointestinal Endoscopy, Março 2009 2- ALVES, P.R.A; HABR-GAMA, A. Colonoscopia: indicações e técnica. In:
PINOTTI, H.W. Tratado de clinica cirúrgica do aparelho digestivo. São Paulo, Atheneu, 1994. cap.129, p. 1086-90.
3- VOLICHI,R.M. Publicado em o mundo da saúde, ano 24,v4,jul/ag2000,p 237-245
4- RONCARATTI,E. Dissertação de Mestrado Escola de Enfermagem USP 2000
5- AYRES,J.R.C. Tão longe tão perto: o cuidar como desafio para o pensar e fazer nas praticas de saúde Ribeirão Preto 2002