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ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL 2018 ST 23 Migrações, Exílios e Diásporas em Narrativas Orais

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ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL 2018

ST 23 “Migrações, Exílios e Diásporas em Narrativas Orais”

MOVIMENTOS DE IMIGRAÇÃO, RETORNO E REFÚGIO A PARTIR DAS CONTRIBUIÇÕES DA HISTÓRIA ORAL

Samira Adel Osman Docente de História da Ásia da EFCLH-UNIFESP

samira.osman@unifesp.br

RESUMO

As imigrações têm ocupado um importante espaço de discussões nas mais diferentes áreas de conhecimento, assim como nas questões públicas e mesmo no debate político das primeiras décadas deste recém-iniciado século XXI. A proposta desta comunicação é tratar das contribuições da História Oral para os estudos concernentes à imigração, retorno e refúgio, em um contexto atual e em uma complexidade que está além da mudança de uma região para outra, e numa perspectiva diferente dos movimentos migratórios ditos históricos ou tradicionais como os ocorridos em grande escala entre o final do século XIX e meados do século XX. As pesquisas que ligam história oral e migração destacam a importância da experiência subjetiva na mudança de um lugar ao outro. Tais estudos, entretanto, deveriam ir além da experiência da passagem de um lugar ao outro que, embora de extrema importância para o processo como um todo, não abarcam questões tão relevantes como a experiência migratória em si, os conflitos decorrentes do encontro de velhos e novos padrões culturais, a necessidade de adaptação, reinserção e inserção a uma nova sociedade, além da perspectiva da construção e manutenção de um projeto familiar que engendra e sustenta a migração em todas as suas dimensões. Pretende-se tratar sobre as questões de identidade e memória, do deslocamento e da inserção a um novo meio, da condição de ser um imigrante, um exilado ou um refugiado nas mais diferentes facetas do pertencimento e da segregação a que podem estar submetidos estas pessoas em movimento.

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2 As migrações podem ser consideradas como um dos processos mais completos de construção cultural externos a uma sociedade, sendo tal fenômeno parte inerente da formação das mais diferentes nações desde o século XIX, quando os movimentos e circulação de pessoas se intensificaram numa proporção cada vez mais ampla. A dimensão desse fenômeno está condicionada a diferentes fatores que alavancam a mobilidade demográfica entre a origem e o destino, sendo responsável por grande parte do desenvolvimento dos países. Para Mary Louise Pratt “todo acercamiento a nuestro momento histórico reconoce la importancia de las profundas alteraciones y aceleraciones de los patrones de movilidad humana, siendo sus manifestaciones más evidentes la migración y el turismo masivos (Pratt, 2007, p.15).

Na atualidade, a imigração alcança novas dimensões e continua sendo um grande desafio do ponto de vista das políticas internas dos países e das relações internacionais entre países emissores e receptores dos fluxos migratórios. Ainda para Pratt:

la migración ha producido, entre otras cosas, una inversión del momentum expansionista de la modernidad desde el centro europeo y norteamericano hacia afuera. En los últimos 40 años, la trajectoria há sido al revés: los sujetos ex-coloniales se desplazan, con uma frequencia cada vez mayor, hacia las metrópolis (Pratt, 2007, p.15).

Desta maneira, as imigrações têm ocupado um importante espaço de discussões nas mais diferentes áreas de conhecimento, assim como nas questões públicas e mesmo no debate político das primeiras décadas deste recém-iniciado século XXI. A partir de 2015 alavancaram o interesse e as atenções sobre esta situação, enfatizada na questão dos refugiados ou da imigração forçada, evidenciada na Guerra Civil da Síria iniciada em 2011, afetando sobremaneira a população civil, do ponto de vista religioso, etário, socioeconômico, entre outros.

Nos últimos trinta anos, podemos constatar um contexto internacional de transformações econômicas, sociais, políticas, demográficas e culturais, genericamente associadas ao cenário da globalização, responsabilizada pela reestruturação do processo produtivo, pelas novas modalidades de circulação de capital, e pela maior mobilidade humana em diferentes partes do mundo. Além disso, temas alçados às questões de análise emergencial referente ao refúgio, provocados pelas guerras civis, desastres ambientais, condições de extrema pobreza, atualizam o debate, ainda que do ponto de vista histórico e do direito internacional o termo refúgio tenha surgido no contexto da Segunda Guerra Mundial.

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3 Como fenômeno social, a imigração é um marco das trocas culturais entre os diferentes povos, assinalando a rica relação estabelecida entre quem recebe e quem é recebido. Ao mesmo tempo, uma relação contraditória e conturbada, no contexto das nações e dos Estados e na ordem mundial do século XXI.

Para Abdelmalek Sayad a imigração deve ser compreendida como:

(um) fato social total (pois) falar da imigração é falar da sociedade como um todo, falar dela em sua dimensão diacrônica, ou seja, numa perspectiva histórica... e também em sua extensão sincrônica, ou seja, do ponto de vista das estruturas presentes da sociedade e de seu funcionamento... (Sayad, 1998, p.16).

Da mesma forma, o autor considera que a imigração só pode ser entendida como um processo duplo, que se dá em dois aspectos fundamentais. O primeiro deles é que toda chegada envolve uma partida, portanto todo imigrante é antes um emigrante, dividido entre o mundo que deixou para trás, mas com o qual estará ligado, e entre o mundo ao qual se chegou, ao qual não pertence ou jamais pertencerá de fato.

E segundo que toda imigração compõem-se da imigração e do retorno. Trata-se, portanto, de compreender o retorno como um fator intrínseco ao projeto de imigração e não somente motivado por dificuldades conjunturais no país adotado pelo imigrante. O retorno, como condição inerente ao próprio ato de emigrar/imigrar, apresenta-se como um objeto de estudo de grandes dimensões, também merecedor das atenções dos estudiosos dos assuntos relativos à imigração.

Ainda que relevante para os estudos das diferentes ciências humanas, do direito e das relações internacionais, os estudos existentes sobre a imigração e o retorno são fragmentários, unilaterais ou bastante generalizantes, em alguns casos até inexistentes, sobretudo pela falta de formas de registros adequados, centro de estudos que congreguem pesquisadores do tema, facilidades de acesso às fontes documentais seriadas (iconográficas, documentais, cartas, registros, periódicos), dados precisos (numéricos, censitários, demográficos, estatísticos), produções bibliográficas (artigos, dissertações, teses, obras), organização da produção dos próprios imigrantes (diários, cartas, biografias, genealogias), entre outros. Muitas vezes, tais fontes encontram-se indisponíveis para acesso e pesquisa.

De modo geral, a migração de trabalho, os processos de industrialização e a urbanização, a questão da legalidade e da clandestinidade dos grupos envolvidos têm sido os temas mais recorrentes nessa análise, sobretudo relacionados a três aspectos principais:

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4 estudos sobre as motivações da partida; estudos sobre a adaptação, assimilação e integração do imigrante na sociedade receptora; e, em menor proporção, estudos sobre as conseqüências da emigração para a sociedade e regiões de origem. Esses três aspectos foram analisados quase sempre separadamente, sem considerar as relações existentes entre eles.

Da mesma forma, a apresentação de dados é controversa, os estudos se limitam aos grandes centros urbanos ou aos locais de maior concentração de determinados grupos migratórios, desconsiderando-se, nesses mesmos locais, deslocamentos, rearranjos, mobilidades, ocupação do espaço físico e social, formação de territorialidades, características necessárias na análise do fenômeno migratório, de modo geral, e fundamentais para a análise do processo na realidade social ao qual o imigrante se insere, de modo particular.

O objetivo desta apresentação é tratar da importância da História oral nos estudos relacionados à imigração, ao retorno e ao refúgio. A História Oral, independentemente de ser considerada como ferramenta, método ou disciplina, é um campo de estudo multidisciplinar tendo seu uso se proliferado no campo da história, da sociologia, da antropologia, da psicologia, da educação, de acordo com as especificidades e interesses de cada área, mas tendo como base comum a realização de entrevistas, sobretudo as entrevistas de história oral de vida ganhando um interesse particular nos estudos migratórios.

Para Alistair Thomson, a história oral, histórias de vida e testemunhos orais contribuem para a melhor compreensão do processo migratório pois permitem vislumbrar o interior, o oculto e o subjetivo no ato de imigrar e ainda “mostram como estas políticas e padrões repercutem nas vidas e nos relacionamentos dos migrantes individualmente, das famílias e das comunidades” (Thomson, 2002, p. 345).

As pesquisas que ligam história oral e migração destacam a importância da experiência subjetiva na mudança de um lugar (país de origem) ao outro (país de destino). Tais estudos, entretanto, deveriam ir além da experiência da passagem de um lugar ao outro que, embora de extrema importância para o processo como um todo, não abarcam questões tão relevantes como a experiência migratória em si, os conflitos decorrentes do encontro de velhos e novos padrões culturais, a necessidade de adaptação, reinserção e inserção a uma nova sociedade, além da perspectiva da construção e manutenção de um projeto familiar que engendra e sustenta a migração em todas as suas dimensões, tendo ainda pouca ênfase nas questões de refúgio e dos traumas que ele carrega.

A realização de entrevistas de história oral de vida nos estudos migratórios é uma opção rica e apropriada para o estudo de tal fenômeno pois permite atentar para a experiência individual da imigração por aqueles que realizaram a ação, viveram o fato e lhe atribuíram

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5 significados. Pela experiência individual, compreende-se a experiência do grupo; e pelo processo individual infere-se o processo coletivo. De outra forma, as entrevistas de História Oral permitem tratar de questões mais complexas relevantes aos estudos migratórios como a inserção em uma nova sociedade (na imigração), a reinserção à sociedade de origem (no retorno), e a contraposição entre antigas e novas levas migratórias (no refúgio).

O processo migratório e de retorno e o refúgio devem ser, então, analisados do ponto de vista das experiências subjetivas, dos seus significados para aqueles que participaram do processo, numa perspectiva que não é individual, mas, sobretudo, familiar e de grupo. É necessário compreender os projetos anteriores e as concretizações possíveis, os desejos e a realidade, as intenções e as negociações feitas nesse projeto familiar e de grupo, no qual cada membro participa conforme as categorias de geração, gênero e papéis sociais.

Não se trata de uma intenção ingênua de evidenciar a história de vivida ou de explicar o complexo processo histórico como migrações apenas. Ainda que alguns estudos mantenham essa perspectiva, o que se defende nessa apresentação é antes evidenciar a visão individual e subjetiva na experiência migratória em diálogo com outros grupos dos quais o indivíduo faz parte, seja ele familiar, local, étnico, religioso, nacional, individual ou coletivamente analisados. Privilegia-se aqui a importância das experiências individuais no processo coletivo da imigração e na construção histórica desse fenômeno, numa intencionalidade que se evidencia na compreensão das especificidades do processo, nas múltiplas facetas dos indivíduos em trânsito e, sobretudo, em suas trajetórias, tramas e traumas.

Como alerta Thomson

...há o risco de se enxergar essas comunidades somente em termos de suas origens migrantes, especialmente onde elas podem ter raízes históricas profundas provindas de uma continuidade de residência e podem sustentar elementos de diferença cultural muitas gerações depois do período inicial de migração. Na experiência dos membros de uma comunidade étnica particular,a história da migração pode ser menos importante do que as questões atuais dessa comunidade e no que se refere ao seu relacionamento com a cultura dominante. Inversamente, a noção de “etnicidade” pode não ser atrativa ou adequada para alguns migrantes que optam por não se identificarem em termos de etnicidade ou local de origem. E assim como os migrantes individuais e seus descendentes lutam contra os rótulos de identificação, as sociedades migrantes lutam contra os rótulos que definem e moldam a experiência da

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6 migração:“estrangeiro”,“imigrante”,“refugiado”,“minoria étnica”,“comunidade étnica”,etc. (Thomson, 2002, p. 342)

É importante aqui abrir um parêntese sobre a questão da subjetividade na História Oral, ressaltando que ela se compõe de uma dupla subjetividade: a do historiador que conduz o projeto e realiza as entrevistas, e para realizar esta tarefa escolhe quem entrevista, conduz o momento, estabelece uma relação com o entrevistado; e a do entrevistado que apresenta uma visão pessoal e subjetiva da experiência migratória, seleciona o que vai relatar, constrói uma visão sobre o fenômeno que vivencia. Nessa vertente de compreensão das contribuições da História Oral para os estudos migratórios, considera-se que este método não é um instrumento para obter informações sobre o passado ou dado fato e acontecimento, mas sim como uma possibilidade para trabalhar a experiência e a subjetividade presentes no fenômeno migratório. Mais do que contar o que as pessoas fizeram, como afirma Alessandro Portelli (1998), a História Oral não conta o que as pessoas fizeram, mas o que elas gostariam de ter feito, o que elas acreditam que fizeram e o que fazem agora. Portanto, na visão do autor, trata-se da reelaboração do fato pelo indivíduo, da construção da memória como um processo criativo de construção de significados no qual silêncios, discrepâncias, irrelevâncias e inconstâncias são matéria prima fundamental dessas narrativas.

Nesse sentido que a História Oral contribui para os estudos migratórios, a partir de três vertentes fundamentais: a questão da memória, da identidade e das trocas culturais entre os migrantes e sociedade receptora e entre os retornados e sua sociedade de origem.

Em relação aos estudos migratórios vale a pena considerar a questão da memória coletiva do grupo, construída e legitimada, com a memória dos indivíduos, atores sociais desse processo. Na perspectiva migratória é importante considerar questões pautadas nas representações sociais do grupo em relação a si mesmo e aos demais; nas relações entre memória e história; nos processos e nos elementos de permanência e esquecimentos do grupo de imigrantes; dos “guardiões de memórias”, considerados como aqueles que têm a autoridade da fala em determinado grupo; dos “lugares de memórias” selecionados e preservados como patrimônio cultural e identitário. Alexander Freund defende a “inserção estratégica do conceito de memória coletiva na pesquisa sobre experiências de migração” pois ao tratar da memória coletiva no processo migratório é possível obter “respostas a questões sobre identidade e... respostas a questões a respeito de poder social” (Freund, 2012, p.249).

O tema da identidade também está por trás desta discussão sobre a memória. Para Stuart Hall (2004) a questão da identidade cultural está associada à identidade nacional, uma

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7 vez que é justamente nas culturas nacionais em que nascemos que se engendra a identidade cultural, pois “as pessoas não são apenas cidadãos/ãs legais de uma nação tal como representada em sua cultura nacional. Uma nação é uma comunidade simbólica e é isso que explica seu „poder para gerar um sentimento de identidade e lealdade‟” (Hall, 2004, p.44).

Freund (2012) aponta que a questão da identidade nacional é de uma grande complexidade no caso dos migrantes já que sua identidade é desenvolvida ao menos em duas nações, de forma vinculada, estando o sujeito consciente ou não desta condição. Aliada a outras identidades, como a familiar ou étnica por exemplo, a identidade nacional do indivíduo migrante permanece como um esboço dependente da ordem e do poder social no qual o indivíduo está inserido.

Já para Manuel Castells (1999), a construção da identidade cultural coletiva ocorre de três modos principais: a identidade legitimadora criada pelas instituições dominantes da sociedade sobre seus indivíduos; a identidade de resistência forjada pelos atores em posição desvalorizada ou de exclusão como forma de sobrevivência e resistência à dominação; a identidade de projeto construída como uma nova identidade, por meio de material cultural, como forma de redefinição de posição na sociedade a qual se pertence ou se insere.

Nos processos migratórios verifica-se o embate entre essas diferentes identidades, que podem ainda sofrer os efeitos da globalização sobre as identidades locais. Nesta relação constata-se a desintegração das identidades nacionais como resultado do crescimento da homogeneização cultural, o reforço das identidades nacionais e locais como forma de resistência à globalização, ou ainda um declínio das identidades nacionais em contraponto ao surgimento de novas identidades, entendidas por Hall (2004) como híbridas.

Diante deste quadro, advoga-se de certa maneira a homogeneização ou o retorno às raízes das identidades em jogo, mas numa postura ainda mais engajada aventa-se uma nova possibilidade, defendida por Hall (2004): o conceito de tradução, no qual as pessoas mantêm parte de sua identidade, mas precisam negociar com uma nova cultura. Essa alternativa vem ao encontro com esta proposta de estudo, uma vez que os imigrantes trazem consigo sua cultura, história e tradição mas devem interagir com a cultura nacional e, ao mesmo tempo em que absorvem parte da chamada identidade nacional, também influenciam a cultura local, imprimem sua marca, negociam suas identidades.

Para Freund:

quando as pessoas migram, elas não perdem apenas a sua integração à memória coletiva de seu país de origem: ao mesmo tempo, elas adentram um ambiente cuja memória coletiva lhes é estranha. Essa dupla alienação e

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8 desorientação, muitas vezes é descrita por migrantes através de uma imagem que expressa o fato de sentirem perdidos entre dois mundos ou até mesmo dilacerados. Isso ocorre comumente quando os imigrantes não têm a possibilidade de manter por anos e décadas um contato com sua antiga pátria, de modo que eles logo ficam excluídos da memória coletiva de seu país de origem (Freund, 2012, p.248)

Vivendo num país de imigração, mesmo com toda resistência às mudanças, o imigrante fez renúncias, escolhas e seleções de valores culturais trazidos de seu país e adquiridos no novo local. Considerando identidade e cultura como processos dinâmicos, em constante elaboração e reelaboração, há que se considerar que a inserção ao país implicará renúncias, escolhas e seleções, que serão negociadas pelo imigrante em relação ao grupo ao qual se inserirá. . Mas ao retornar ao país é necessário reinserir-se nele, numa ação entendida como a de “reintroduzir alguém em seu meio”. Retornar é voltar ao ponto de partida, no sentido físico do termo; reinserir-se é adequar-se a um modo de vida e de existência que se deixou para trás. É nessa dicotomia que se estabelece o conflito, o paradoxo da imigração e do retorno, como enfatiza Sayad (1998). Nesse sentido, podemos falar da construção de um sentimento de pertencimento, numa noção de fazer parte do grupo, de sentir-se parte dele, de ser aceito, ou ainda de querer ser aceito, de pertencer à cultura, ao lugar, ao modo de vida, de se adaptar, de (re) inserir-se ou (re) integrar-se.

Nestes estudos duas questões têm se colocado: a experiência da migração e do refúgio e a experiência de ser migrante e de ser refugiado. No primeiro caso trata-se do deslocamento no espaço, que nem sempre é só bilateral, mas que também pode envolver outros movimentos num constante ir e vir, que não é apenas físico. Como afirma Sayad, “o espaço dos deslocamentos não é apenas um espaço físico, ele é também um espaço qualificado em muitos sentidos, socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente...” (Sayad, 1998, p.15). Trata-se de compreender o que é estar no outro espaço ou no espaço do outro.

Em uma visita ao Museu Marítimo de Barcelona (2012), cuja exposição também abordava o porto como local de imigração, entre chegadas e partidas, havia a seguinte mensagem:

O espaço ente um porto e outro não se mede só em metros, mas também em distâncias políticas, culturais, sociais, linguísticas que fazem a proximidade e a distância serem conceitos muito relativos.

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9 No segundo caso, é a experiência de ser migrante que se destaca. Grinberg e Grinberg afirmam que no processo migratório ocorre a formação de um “‟espaço entre dois‟, entre o eu e o não-eu, entre o dentro (grupo ao qual se pertence) e o fora (grupo de recepção), entre o passado e o porvir” (Grinberg e Grinberg, 1984, p.26), aflorando o “sentimento do não pertencimento: não se pertence mais ao mundo que se deixa e não se pertence ainda ao mundo que se chega” (Grinberg e Grinberg, 1984, p.37).

Em minha experiência acadêmica, vinculada ao NEHO-USP e à UNIFESP, tenho trabalhado com a questão migratória da comunidade líbano-brasileira. No mestrado, intitulado Caminhos da Imigração Árabe em São Paulo: história oral de vida familiar, realizei dezessete entrevistas na primeira e na segunda gerações, a partir dos aspectos que compuseram a peculiaridade desse processo imigratório, a saber: a divisão religiosa (cristãos e muçulmanos), os processos de adaptação e integração à sociedade brasileira, a reorganização da vida familiar no país da imigração, entre outros.

O dinamismo social revelado por essas entrevistas permite compreender essas histórias de vida num contexto histórico mais amplo, e em sua análise a possibilidade de compreensão dos elementos determinantes e identificadores desse grupo enquanto agente histórico. A leitura dessas entrevistas revelou-se rica não só pela simples curiosidade de se conhecer histórias de vida dinâmicas, sofridas ou marcadas pela amargura, pela vitória ou pelo sofrimento. A sua relevância está em poder nos colocar diante de um universo ainda pouco privilegiado pela história, a história de vida, trazendo-se para os seus palcos a experiência de quem realmente as viveu.

No doutorado, intitulado Entre o Líbano e o Brasil tratei como tema central a História Oral de Vida de cinquenta imigrantes libaneses e seus descendentes de segunda e terceira gerações nascidos no Brasil, bem como de brasileiras não-descendentes, que empreenderam o retorno ao Líbano e cujo fluxo foi verificado com maior intensidade ao final da década de 1980. A problemática geral dessa pesquisa foi verificar e analisar a concretização do retorno, a partir da análise dos fenômenos de readaptação e adaptação, reinserção e inserção, destacando-se as dificuldades, os dilemas e os conflitos decorrentes desse ato.

Mais do que a ocupação de um espaço geográfico, devemos considerar que o retorno e restabelecimento nos vilarejos de origem significam uma apropriação (ou criação) cultural do lugar (aqui entendido em sua dimensão subjetiva), construindo-se sentimentos de identidade, de pertencimento ao grupo que, por meio de suas ações, controlam e influenciam pessoas, estabelecem relações, determinam valores e normas a serem seguidas. Considerando identidade e cultura como processos dinâmicos, em constante elaboração e reelaboração, há

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10 que se verificar que a reinserção e inserção ao país implicarão renúncias, escolhas e seleções, que serão negociadas pelo migrante em relação ao grupo de origem.

Na atual pesquisa em desenvolvimento tenho me dedicado à questão da chegada dos sírios ao Brasil decorrente da Guerra Civil que tem se desenrolado no país desde 2011, como decorrência da chamada Primavera Árabe. A ideia central é a realização de entrevistas de história oral de vida com imigrantes e refugiados chegados ao Brasil provenientes da Síria, em decorrência de guerra civil iniciada em 2011, além de discutir sobre as possibilidades e as contribuições da história oral para a temática da imigração e do refúgio, em sua complexidade política.

Partindo de um recorte de gênero, etário e religioso tem se realizado entrevistas de história oral de vida, abordando a vida antes do conflito, a eclosão do conflito a decisão de partida, a opção pelo Brasil, e os contatos mantidos com o país de origem. Sobretudo o interesse tem se concentrado nas seguintes temáticas: a vida na Síria anterior ao conflito; a guerra civil e suas decorrências sobre a vida cotidiana; a saída do país e o percurso feito até a chegada ao Brasil; a reorganização da vida no novo país e as relações mantidas com a Síria, sobretudo nas possibilidades ou desejo de retorno.

Em comum, essas pesquisas têm explorado o papel da família na imigração e no retorno, bem como a formação de redes de apoio, os padrões de relacionamento e as sutilezas das tessituras familiares; os conflitos, tensões e acomodações entre os novos e velhos padrões culturais principalmente em relação à formação de novos papéis sociais em relação ao gênero e às gerações, e na dinâmica intergeracional considerando como as famílias mantêm ou modificam as tradições familiares.

As questões dos grupos migrantes também ressaltam os dilemas culturais e as tensões familiares experimentados nas novas gerações nascidas em outro país, enfrentando as tensões e os desafios dos filhos que tentam negociar entre os padrões e valores familiares e aqueles da cultura de inserção, assim como na repetição dos conflitos e tensões vivenciados de uma geração para a outra.

As entrevistas passam por diferentes etapas: a entrevista em si, a transcrição da gravação e a produção do texto escrito, além da devolução da entrevista para a autorização do entrevistado. A partir daí elas são analisadas a partir das temáticas de refúgio e de imigração considerando, a partir dos referenciais teóricos sobre as questões de identidade e memória, do deslocamento e da inserção a um novo meio, a condição de ser um imigrante, um exilado ou um refugiado.

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11 Outra mensagem do Museu Marítimo de Barcelona (2012) que também me chamou a atenção no mesmo, e que uso para terminar este texto, é a seguinte:

Chegar a um novo porto é o final da viagem e o início de outra: de mover-se a comover-se. A viagem está além do trajeto e da mudança de paisagem. Supõe também iniciar um caminho de aprendizagem, de assimilação e de transformação pessoal.

Portanto, destaco aqui de mais um aspecto de abordagem para os estudos migratórios e História Oral: o território e o lugar como parte da experiência das migrações. Os sujeitos migrantes enfrentam não só o deslocamento de um lugar para outro, mas passam por um processo muito mais complexo de desterritorialização e territorialização, desenraizamento e enraizamento seja na ocupação e apropriação de novos lugares seja na busca de meios de construção de novas identidades e alteridades.

Thomson ainda afirma que

O processo de “dar testemunho”— dos migrantes, refugiados e de outras vítimas de opressão social e política — capacita os narradores individuais e pode gerar o reconhecimento público de experiências coletivas que têm sido ignoradas ou silenciadas. A história oral pode proporcionar uma afirmação positiva de identidade para o narrador, para os membros de uma comunidade particular e para o mundo lá fora (Thomson, 2002, 351).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Castells, Manuel. (1999). O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra.

GRINBERG, Leon e GRINBERG, Rebeca. (1984). Psicoanalisis de la Migración y del

Exílio. Madrid, España, Alianza.

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Desigualdades e Diferenças. Recife, Brasil,UFPE.

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Pratt, Mary Louise. (2007). Globalización, Desmodenización y el Retorno de los Monstruos.

Revista de História, 156, 13-29.

Pollak, Michael. Memória, Esquecimento e Silêncio. (1989). Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 3-15.

Portelli, Alessandro. (1998). What makes oral history different. En: Perks, Robert and Thomson, Alistair. The Oral History Reader. London, England and New York, USA, Routledge.

SAID, Edward W. (2003). Reflexões sobre o Exílio: e outros ensaios. São Paulo, Brasil, Cia das Letras.

SAYAD, Abdelmalek. (1998). A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo, Brasil, EDUSP.

THOMSON, Alistair. (2002). Histórias (co) movedoras: História Oral e estudos de migração.

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