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Palavras-chave: Direitos da Personalidade. Direito Constitucional. Dignidade da pessoa humana. Repersonalização do direito civil.

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1 A NOVA ONDA DE CODIFICAÇÃO IMPULSIONADA PELA RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E SUA

INFLUÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: OS DIREITOS DA PERSONALIDADE1

Camila Scaraboto Fernandes

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Resumo: O trabalho tem por objetivo a analisar o desenvolvimento dos direitos da personalidade no Código Civil brasileiro de 2002 a partir da reconstrução dos direitos humanos impulsionado pelo princípio da dignidade da pessoa humana no contexto da segunda metade do século XX, para fins de observar a superação do total isolamento entre direito constitucional e o direito civil.

Palavras-chave: Direitos da Personalidade. Direito Constitucional. Dignidade da pessoa humana. Repersonalização do direito civil.

Abstract: This paper aims to examine the development of personal rights in the Brazilian Civil Code based on the human rights reconstrution leaded by human dignity principle that emerged in the context of the second half of the 20th century, which purpose is to observe that constitutional law is not isolated from the civil law anymore.

Key words: Personality Rights. Constitutional Law. Human dignity. Civil Law Repersonalization.

Introdução.

A relação entre o direito constitucional e o direito privado foi moldada a partir da publicização do direito civil ao longo do século XIX em razão de uma postura intervencionista adotada pelo chamado Estado Social tanto na atividade econômica como na vida social, a fim de que fosse superado o individualismo exacerbado, característico do período antecedente, em que as relações entre particulares durante o Estado Liberal foram expressões da autonomia da vontade.

Com o intuito de estudar as consequências oriundas da influência do direito público no direito privado parte-se do marco histórico da segunda metade do século XX, período em que se iniciou a transposição do princípio da dignidade da pessoa humana do plano ético para o jurídico, parte do estudo que será explicado com a leitura do texto “O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo” de Maria Celina Bondin de Moraes.

A valorização do ser humano que se inicia ao término da segunda guerra mundial refletirá na nova onda de codificação do direito civil, a qual priorizando o ser humano frente ao seu patrimônio é reconhecida por personalização do direito civil.

1 Artigo aprovado, apresentado e publicado nestes Anais do I Seminário Sociedade, Política e Direito, da Faculdade de

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2 De modo a compreender a própria existência do capítulo II do código civil brasileiro de que trata dos direitos da personalidade, intransmissíveis e irrenunciáveis, o trabalho analisa também o impacto da supremacia da constitucional, em que a Constituição Federal de 1988 assumirá o papel central no ordenamento jurídico, irradiando seus princípios e valores, em especial, a tutela da pessoa humana (art. 1º, III).

Em suma, o trabalho buscará analisar a superação da dicotomia entre direito público e privado, visto que a constitucionalização do direito civil, bem como sua repersonalização, comprova o encontro entre os direitos fundamentais constitucionais e o plano das relações jurídicas privadas.

1. A comunicabilidade entre Direito Constitucional e Direito Privado.

O fenômeno da constitucionalização do direito civil, o qual possibilitou a positivação dos direitos da personalidade no atual código civil brasileiro, é reflexo da comunicação entre o direito constitucional e o direito privado que se intensifica no momento do segundo pós-guerra mundial. Porém, o contato entre os dois ramos do direito é resultado de uma evolução histórica que não pode ser desprezada. Assim sendo, o presente capítulo se ocupa, mesmo que brevemente, de situar as principais fases por qual passou o direito privado até que se chegasse à conjuntura atual de inegável comunicabilidade com os princípios constitucionais.

1.1 Direito Constitucional e Direito Privado: caminhos separados.

O constitucionalismo moderno que se configura a partir dos processos revolucionários liberais pelos quais passou a França e os Estados Unidos é o marco de instituição do Estado de direito, caracterizado primordialmente pela supremacia da lei. Nesse ideal de formação de uma ordem jurídica fundada pela Constituição, esta exercia a função preponderante de limitar o exercício do poder estatal a normas prévias, bem como a de manter a separação dos poderes. Logo, tratava-se de uma Carta Política, que não se relacionava com o Código Civil, este último documento constituído para regular a relação entre os particulares, sendo a verdadeira “Constituição do direito privado”, conforme ensina Luís Roberto Barroso (2012, p. 391).

O expoente dessa época de separação entre direito constitucional e privado é o Código napoleônico, cuja base era a autonomia da vontade e o conceito formal de igualdade. A mudança de paradigma apenas acontece posteriormente ao advento do Estado Social, que questionará o individualismo exacerbado, propondo maior intervencionismo estatal em nome da solidariedade social e da função social das instituições como a propriedade e o contrato, a fim de que se protegesse o lado mais frágil das relações jurídicas. Esse começo de mudança culminará na constitucionalização do direito civil. (BARROSO, 2012, p. 391)

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3 Nesse momento histórico, o liberalismo clássico, do qual se contextualiza o rumo por caminhos distintos pelo qual passou a Constituição e o direito privado, o papel das normas constitucionais era primordialmente assegurar a tutela da autonomia privada frente a possíveis interferências estatais, posto que se vivia o tempo dos direitos humanos de primeira dimensão, significando ao Estado um papel de abstenção frente ao interesse individual. Primava-se, por exemplo, pela garantia do direito de propriedade em sua plenitude, o que esteve presente em nossas duas primeiras Constituições, como ensina Eugênio Facchini Neto (2010, p. 55).

Quanto aos códigos, estes também se impunham como verdadeiras barreiras ao Estado, estando imunes à sua possível ingerência. Firmavam-se como verdadeiras constituições no âmbito das relações jurídicas privadas, protegendo também o direito de propriedade, em consonância com o ideal de liberdade burguesa, segundo o qual “permitia aos particulares dispor de um espaço próprio, sem intromissões do Estado”. (NETO, 2010, p. 56).

Disso decorreu, então, que a Constituição liberal tinha importância secundária perante o direito civil, ainda mais quando se considera que não possuía a eficácia vinculante frente ao legislador ordinário como tem hoje. Logo, não o subornava a observá-la, o que impossibilitava sua influência sobre o direito privado, fosse para programar modificações futuras, fosse para exercer função de garantia, já que os princípios do código civil eram inatingíveis por ela. (NETO, 2010, p. 55)

1.2 Concepção unitária do ordenamento jurídico: Supremacia constitucional.

Ao longo do século XIX, conforme citado anteriormente, figurou-se o Estado de direito, identificado com a ideia de supremacia da lei, cujas características essenciais foram: separação dos poderes e proteção dos direitos individuais. A sua complementação é decorrente da evolução do constitucionalismo contemporâneo a partir de 1945, em que se reconhecerá uma posição de supremacia da Constituição com relação às demais normas do ordenamento jurídico, conjuntamente com a valorização da força normativa dos princípios. Dessa maneira, constituiu-se o Estado constitucional de direito. (BARROSO, 2012, p. 266)

Em face dessa mudança de paradigma, caracterizou-se um novo direito constitucional, chamado de neoconstitucionalismo. Sua importância, como ensina Ingo Wolfgang Sarlet (2010, P. 14), reside na influência do direito constitucional – especialmente através dos direitos fundamentais – sobre os demais ramos do direito. Isso se dará, conforme explica Barroso (2012, p. 267), em razão da “subordinação que a validade das leis terá perante a Constituição”, de modo que as leis infraconstitucionais devam adequar-se aos princípios e valores estabelecidos pelo texto

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4 constitucional, uma condição impensável no momento de total separação entre Constituição e direito privado.

A supremacia constitucional significa, portanto, que a Constituição ocupará o lugar central do sistema jurídico, “de onde passa a atuar como filtro axiológico” (BARROSO, 2012, p. 392), ou seja, nos dizeres, de Sarlet (2010, p. 14) “tanto a Constituição quanto os direitos fundamentais passaram a ser (...) fonte primeira e vinculativa do Direito”, fenômeno observado no Brasil apenas a partir de 1988 por motivos históricos.

O reconhecimento da posição de superioridade normativa da Constituição ensejará a constitucionalização do direito privado, especialmente em consequência da inserção do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que se irradiou desde o término da Segunda Guerra Mundial. Por efeito, tal princípio propiciará a releitura dos institutos jurídicos de direito civil à luz dos princípios constitucionais, promovendo assim a despatrimonialização do direito civil, bem como a repersonalização, ou seja, enfatizaram-se os valores existenciais do ser humano frente ao seu patrimônio, impondo ainda ao Estado atuação positiva no sentido de prover necessidades vitais básicas para que todos tivessem uma existência digna. (BARROSO, 2012, p. 393)

1.3 A transposição da autonomia da vontade para a autonomia privada nas codificações do século XX.

Gustavo Tepedino (2009, p. 14) faz interessante análise acerca da influência do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana sobre as relações jurídicas patrimoniais para explicar a alteração nos aspectos subjetivo e objetivo da autonomia da vontade até que esta se transformasse na autonomia privada, hoje vigente em nossa legislação.

Primeiramente, explica o referido autor que a dignidade da pessoa humana compõe-se dos seguintes princípios: liberdade privada, integridade psicofísica, igualdade substancial (art. 3º, III, CF) e da solidariedade social (art. 3, I, CF). Partindo-se dessa concepção será possível a análise da cada um dos aspectos citados. (TEPEDINO, 2009, p.14)

Quanto ao aspecto subjetivo, “observa-se a passagem do sujeito abstrato à pessoa concretamente considerada”, o que significa dizer, que a igualdade formal, embora tenha proporcionado a todos o tratamento igualitário perante a lei, não foi sensível às “diferenças que inferiorizam a pessoa, tornando-a vulnerável”. Nesse sentido, a ordem jurídica transformou-se para incorporar as singularidades da pessoa humana, que se traduzirá pela legislação especificamente voltada para os consumidores e para a criança e o adolescente, por exemplo. (TEPEDINO, 2009, p. 15)

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5 No que diz respeito ao aspecto objetivo, a autonomia privada que se desenvolveu a partir da dignidade da pessoa humana como valor e princípio diz respeito deverá se preocupar com os interesses existenciais já consagrados pelo direito civil, além de possibilitar a tutela da pessoa humana nas situações que se originam com a evolução da tecnologia, mesmo porque isso supera o interessa exclusivamente patrimonial, objeto do direito civil quando era pautado pela autonomia da vontade. (TEPEDINO, 2009, p. 16)

Em síntese, Cláudio Ari de Mello (2006, p. 70) afirma que a alteração do sistema jurídico, deslocando a atenção do direito civil para a proteção da dignidade humana, foi importante passo para que o direito deixasse de ser pluridisciplinar para tornar-se interdisciplinar. O expoente desse fenômeno será a constitucionalização do direito civil, em que as Constituições democráticas instituídas depois de 1945 passarão a incorporar institutos do direito privado, como foi o caso da Itália em 1947, da Alemanha em 1949, de Portugal em 1976, da Espanha em 1978 e a do Brasil, em momento um pouco mais tardio, em 1988.

2. A consagração do princípio da dignidade da pessoa humana como consequência da valorização do ser humano.

Em razão do papel centralizador que assume com a positivação em inúmeras Constituições, o princípio da dignidade da pessoa humana tornou-se objeto de estudo não apenas na ciência do direito, mas também tem sido abordado no campos filosófico e sociológico na tentativa de definir seu significado. A razão disso adverte Maria Celina Bodin de Moraes (2010, p. 114), é “a polissemia do conceito e o atual uso indiscriminado”. Logo, neste capítulo, posteriormente ao conceito do pós-positivismo, a intenção será tratar a dignidade humana sob enfoque do conceito filosófico político de Kant, para compreender esse momento de reconstrução dos valores humanos no mundo ocidental.

2.1 O pós-positivismo como marco filosófico do princípio da dignidade da pessoa humana. Na lição de Barroso (2012, p. 269), o pós-positivismo é o marco filosófico do novo direito constitucional que vincula o jusnaturalismo e o positivismo. O primeiro, desenvolvido a partir do século XVI, sustentava-se em princípios de justiça universalmente válidos, constituindo uma das maiores forças para as revoluções liberais. Porém, foi superado pelo positivismo no século XIX com a justificativa de que lhe faltava cientificidade, posto que o discurso positivista era em defesa da objetividade científica do direito, afastando-se da filosofia e de demais cargas valorativas alheias à ele próprio. O direito deveria se identificar, portanto, somente com a lei.

A partir da segunda metade do século XX, com o findar da segunda guerra mundial, redefiniu-se o papel do direito – e consequentemente da Constituição, no chamado

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6 neoconstitucionalismo – de modo que este não mais seria avesso às questões que o circundassem, uma vez constatada a insuficiência da teoria positivista frente aos acontecimentos decorrentes do nazi-fascismo, sobretudo quando se considera que foram possíveis sob amparo legal, dentro de um Estado de direito, ainda que antidemocrático.

Justifica-se desta forma, o retorno aos valores, característica preponderante do pós-positivismo, concretizado através da “inserção dos princípios de justiça no interior da ordem jurídica”, momento chamado de virada kantiana, em razão da influência do pensamento do filósofo Kant que será posteriormente analisado. (BARROSO, 2012, p. 270)

Em síntese, Barroso explica o pós-positivismo (2012, p. 270):

(...) não se trata com desimportância as demandas do Direito por clareza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. Contesta, assim, o postulado positivista de separação entre Direito, moral e política (...).

Esse avanço possibilitará o desenvolvimento dos direitos fundamentais a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana, mediante positivação sob forma de princípios constitucionais dos valores morais compartilhados pela coletividade, reaproximando, dessa maneira, a ética e o direito, delineamento em que se fundamente o imperativo categórico de Kant. (BARROSO, 2012, P. 272)

2.2 A virada kantiana e o conceito filosófico de dignidade.

A virada kantiana, marco do pós-positivismo, é referida como o momento em que se reconhece às pessoas a dignidade, enquanto que as coisas apenas tem o preço, pensamento formulado por Immanuel Kant através da obra “Crítica da Razão Prática”.

Moraes (2010, p. 117), ao sintetizar o pensamento do filósofo, afirma que o respeito à dignidade da pessoa humana decorre diretamente do imperativo categórico, identificado com máximas morais que identificam o homem como um fim em si mesmo, jamais visto como meio para atingir outras finalidades.

O respeito à dignidade humana representada por tais máximas “tornou-se um comando jurídico no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988”, como explica a autora. Para fins de compreender como se deu essa transposição, ela prossegue na explanação dizendo (MORAES, 2010, p. 118):

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7 O Direito enuncia o princípio, cristalizado na consciência coletiva de determinada comunidade, dispondo sobre sua tutela, através de direitos, liberdades e garantias que a assegurem. (...) antes de se incorporar tal princípio às Constituições, foi imperioso que se reconhecesse o ser humano como sujeito de direitos, e, assim, detentor de uma “dignidade” própria, cuja base é o universal direito da pessoa humana a ter direitos.

Moraes (2010, p. 119) então conclui que “da mesma forma que Kant estabelecera para a ordem moral, é na dignidade humana que a ordem jurídica (democrática) se apoia e constitui-se”. Em complementação, adiciona Barroso (2012, p.275):

O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. (...) dele de extrai o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais, para a tutela da liberdade, da igualdade e para a promoção da justiça.

O reconhecimento da dignidade humana implicará em da tutela da pessoa em sua diversidade e complexidade primeiramente na esfera constitucional, que irradiará seus princípios e valores ao direito privado. As codificações que se originam no pós-positivismo do século XX experimentarão um processo de personalização que culminará na incorporação dos direitos da personalidade ao Código Civil.

3. O surgimento dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002.

Neste capítulo busca-se estabelecer conexidade entre a força normativa da Constituição, o princípio da dignidade humana e o consequente fenômeno da repersonalização do direito civil na perspectiva do direito pátrio, para compreender como se deu o impacto reformador da promulgação da Constituição Federal de 1988 sobre o direito privado, fato que se concretiza com a instituição dos direitos fundamentais da personalidade no Código Civil de 2002.

3.1 A repersonalização do direito civil como efeito decorrente da supremacia constitucional. O intervencionismo estatal que resultou do Estado Social gerou consequências que alteraram profundamente a relação entre o direito público e o privado, como ressalta Neto (2010, p. 51). São elas: a publicização do direito privado, com o Estado intervindo para superar a autonomia da vontade que condicionava uma parte da relação jurídica ao arbítrio de outra; a constitucionalização direito privado, em que princípios e institutos do direito privado passaram a ser

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8 disciplinados na Constituição; a repersonalização do direito civil, como consequência direta da migração dos valores constitucionais para o âmbito do direito privado em razão do princípio da dignidade humana; a despatrimonialização do direito civil, decorrente da superação do individualismo característico das codificações do século XIX, que buscará valorizar os direitos da personalidade, estes últimos como “chave de leitura para todo o restante do estatuto civil”. (NETO, 2010, p. 54).

A opção por ressaltar a repersonalização do direito civil se justifica por guardar maior proximidade com o princípio da dignidade da pessoa humana, além de relacionar-se com a despatrimonialização do direito civil, que explica a superação do total isolamento entre direito constitucional e direito privado.

Porém, não é demais lembrar que tais fenômenos decorrem da constitucionalização do direito civil, ou seja, conforme explica Neto (2010, p. 56), a dignidade da pessoa humana e o valor da justiça social serão princípios informadores de toda a ordem econômica, abrangendo também a atividade negocial privada, de modo que vários institutos antes apenas disciplinados no código civil serão também disciplinados pela Constituição, como é o caso, por exemplo, da liberdade de constituir associações e cooperativas (art. 5º, incs. XVII a XX), da liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8), da necessidade de defesa do consumidor (art. 5º, inc. XXXII) dentre outros.

A repersonalização do direito, então, vem a significar o surgimento dos direitos da personalidade resultante do reconhecimento de que as relações jurídicas entre particulares e sem intervenção do Estado muitas vezes admitiam situações de vulnerabilidade de uma parte perante outra, condição que se supera a partir da proteção da subjetividade humana com a inserção de valores à ordem constitucional.

Em complementação, a despatrimonialização do direito civil significará efetiva proteção àquilo que a pessoa é, reclamando-se, mas palavras de Mello (2010, p. 74), “o que a pessoa tem de ser, não o que ela tem de seu”. Logo, os direitos da personalidade são direitos subjetivos que protegem a identidade e a subjetividade do homem.

Por fim, Mello (2010, p.86) conclui acerca da temática de aproximação dos dois ramos do direito trabalhados, bem como enfatiza a importância dos direitos fundamentais da personalidade citando Gustavo Tepedino:

A pessoa, à luz do sistema constitucional, requer proteção integrada, que supere a dicotomia direito público e direito privado e atenda à clausula geral fixada pelo texto maior, de promoção da dignidade humana.

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9 3.2 O fundamento constitucional de tutela dos direitos da personalidade na Constituição de 1988.

Da lição de Barroso (2012, p. 393) foi possível compreender que do momento posterior ao término da Segunda Guerra Mundial irradiou-se o princípio da dignidade humana como um desdobramento da reconstrução dos direitos humanos. Tal fato se concretizará com a publicação de documentos internacionais e promulgação de constituições democráticas versando sobre os direitos fundamentais de personalidade ao longo de seus respectivos textos.

Essa ressalva é importante para entender que, como ressalta Mello (2006, p. 76), “a proteção da personalidade pelos sistemas jurídicos não ocorreu através do direito privado”, mas, como se depreende do exposto, os direitos da personalidade como categoria de direito subjetivo para defender valores fundamentais do homem decorreram da positivação dos direitos humanos que versassem sobre a personalidade humana nas Constituições. Em outras palavras, a nova onda de codificação do direito privado que se iniciou a partir na segunda metade do século XX dependeu imensamente da mudança de paradigma pela qual passou a Constituição em busca da valorização do ser humano.

No Brasil, apesar do reflexo ter sido mais tardio em razão do regime militar que se findou apenas na década de 1980, a promulgação da Constituição de 1988, vigente até os dias de hoje, possibilitou a consolidação do Estado democrático de direito no país, condição que foi essencial para o florescimento da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da república (art. 1º, III). Para além da menção expressa do princípio em questão a Constituição também contempla extenso rol de direitos fundamentais no art. 5º caput e em seus quinze primeiros incisos, promovendo a tutela de diversos direitos da personalidade sob a categoria de direitos fundamentais, como é o caso, por exemplo, o direito ao igual tratamento pelo inciso I, a liberdade de expressão pelo inciso IV, a privacidade, a intimidade, a honra e a imagem tuteladas pelo inciso X e a liberdade de ir e vir assegurada pelo inciso XV. (MELLO, 2006, p. 80)

Em síntese, as normas de direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, tanto expressamente mencionadas ao longo do seu texto quanto oriundas de direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais (art. 5º, §2º), visam proteger os indivíduos do abuso estatal e também protegê-los nas relações jurídicas particulares mediante tutela de seus bens indisponíveis. (MELLO, 2006, p. 84)

Assim, a previsão constitucional da dignidade da pessoa humana impulsionará a criação do capítulo voltado para a proteção dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002 (Capítulo II, Livro I), mudança substancial no direito privado brasileiro que é reconhecido como processo de personalização do direito civil, ou seja, nas palavras de Mello (2006, p. 73) “o eixo axiológico do

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10 direito do direito civil deixou de ser a proteção do patrimônio e passou a ser a proteção do homem (...)”.

3.3 Os direitos da personalidade no Código Civil de 2002.

O antigo Código Civil brasileiro de 1916 não continha referência aos direitos da personalidade, pois foi influenciado pelo pensamento liberal do século XVIII e XIX cuja preocupação era a garantia irrestrita do direito de propriedade, vinculada à autonomia da vontade.

Por isso, “a cláusula geral do sistema de proteção dos direitos da personalidade do atual Código Civil”, como coloca Mello (2006, p.88), é recente no ordenamento e remonta a 2002. Diz ela que se pode exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, bem como reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (art. 12, CC).

No que diz respeito à definição dos direitos da personalidade, Maria Helena Diniz (2012, p. 161) traz com precisão a ideia:

São direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra; recato; segredo pessoal, profissional e doméstico; imagem; identidade pessoal, familiar e social).

Explica a autora que a personalidade é o primeiro bem da pessoa, para que ela possa ser o que é. Isso então lhe confere aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, condição que se estende a todos os homens por sua só existência no mundo e encontra proteção na legislação civil e constitucional. Importante ressalva faz a autora, citando Goffredo Telles, de que (DINIZ, 2012, p. 134):

“(...) a personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. (...) não é um direito [em si], de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade.”

Logo, os direitos da personalidade constituem uma categoria de direito subjetivo destinado a defender os mais diversos modos de manifestação da personalidade humana, como a vida, a liberdade, a imagem, a privacidade, a honra, nome, entre outros, que constituem direitos comuns da existência humana. (DINIZ, 2012, p. 131)

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11 Nesse sentido, por exemplo, Diniz (2012, p. 135) afirma que o direito à vida não significa uma concessão do Estado, mas na verdade é o direito ao respeito à vida tanto do próprio titular quanto de todos. Assim, os direitos da personalidade exigem um comportamento negativo por parte dos demais, no sentido de proteger um bem que nasce conosco, valendo-se, se preciso, de provimento jurisdicional que viabilize tal proteção ou que repare a lesão por ele sofrida.

Portanto, a tutela dos direitos da personalidade humana no âmbito do direito privado brasileiro tornou-se possível com a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988, como um dos fundamentos do Estado (art. 1º, III), e portanto, de observância obrigatória por toda a legislação infraconstitucional, como é o caso da codificação civil. (MELLO, 2006, p. 90).

Conclusão.

Tendo por desenvolvido o tema, cujo objetivo foi analisar o contexto de desenvolvimento dos direitos da personalidade a partir da reconstrução dos direitos humanos impulsionado pelo princípio da dignidade da pessoa humana para fins de observar a superação do isolamento entre direito constitucional e o direito civil, constata-se que o fator primordial foi a “positivação dos direitos humanos de defesa da personalidade humana nas constituições ocidentais desde 1945”, segundo observa Cláudio Ari Mello (2006, p.80), e na mesma linha, Fábio Siebeneichler de Andrade (2006).

A valorização do ser humano, que no Brasil se dará com a promulgação da Constituição Federal de 1988, refletirá ainda nos códigos editados após a segunda guerra mundial, priorizando-se o ser humano antes de seu patrimônio, num fenômeno conhecido como personalização do direito civil, segundo o qual o papel dos direitos da personalidade será o de “proteção de aspectos da subjetividade humana”, conforme ensina Mello (2006), num encontro entre os direitos fundamentais constitucionais e o direito privado.

Resta então superada a dicotomia entre o direito público e o direito privado, visto que a supremacia da Constituição permitirá uma releitura dos institutos antes exclusivamente regulados pelo direito civil, de modo que alguns irão para o texto constitucional enquanto valores e princípios constitucionais serão verdadeiro norte para a leitura do Código Civil.

Referências bibliográficas.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 513 p.

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12 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 131 - 162

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil – Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. P. 8-17 MORAES, Maria C.B. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 111-145

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SARLET, Ingo W. Neoconstitucionalismo e influência dos direitos fundamentais no direito privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 3ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. P. 13-36

ANDRADE, Fábio S. A. Considerações sobre a Tutela dos Direitos da Personalidade no Código Civil de 2002. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. P.101-118

MELLO, Cláudio A. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos da personalidade. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006. P.69-100

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