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O Kaiowá e o Guarani de Mato Grosso do Sul: uma contribuição aos estudos histórico-comparativos da família linguística Tupi-Guarani

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Academic year: 2021

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O Kaiowá e o Guarani de Mato Grosso do Sul: uma contribuição aos estudos histórico-comparativos da família linguística Tupi-Guarani

MARTINS, Andérbio Márcio Silva Martins (UFGD/LALI-UnB)1

No presente trabalho, temos como objetivo apresentar uma proposta de pesquisa envolvendo o subconjunto I da família Tupi-Guarani. Trata-se de uma contribuição aos estudos histórico-comparativos já produzidos no âmbito da família em questão, já que os trabalhos desenvolvidos nessa área acabaram não incluindo dados lexicais e fonológicos das línguas Kaiowá e Guarani (Nhandéva), ambas faladas na região sul do estado de Mato Grosso do Sul. Na pesquisa, que se encontra em andamento, estamos adicionando itens lexicais do Kaiowá, coletados na aldeia Panambizinho, e do Guarani, extraídos do dicionário organizado por Cecy (2008). Esses dados serão inseridos em uma lista comparativa já existente e que, por sua vez, envolve um grande número de línguas Tupi-Guarani. A ideia é realizar uma análise comparativa desses novos dados com os dados das outras línguas do sub-ramo I e com as formas já reconstruídas para a família Tupi-Guarani. Dessa maneira, será possível identificar os processos fonológicos que culminaram em mudanças nos sistemas fonológicos das duas línguas em análise (Kaiowá e Guarani-Nhandéva) e traçar as mudanças lexicais ocasionadas pelo contato linguístico com outros povos. Em seguida, os resultados encontrados permitirão ensaiar uma organização interna do sub-ramo I da família Tupi-Guarani e, na medida do possível, apresentaremos o grau de afinidade genética do Kaiowá e do Guarani com outras línguas que pertencem ao mesmo sub-ramo.

Palavras-chave: Família Tupi-Guarani; Kaiowá; Guarani; Linguística Histórica; Método

Histórico-Comparativo.

1. Introdução

A proposta de reunir dados das línguas Kaiowá e Guarani Nhandeva para realizar um estudo histórico comparativo se justifica pela ausência de dados lexicais e fonológicos das línguas Kaiowá e Guarani (Nhandéva) faladas na região sul do estado de Mato Grosso do Sul em um dos trabalhos histórico-comparativos mais recentes no que diz respeito à família Tupi-Guarani, que é o estudo desenvolvido por Mello (2000 – tese de doutorado). Em seu trabalho, o autor postulou a reconstrução de proto-fonemas, baseando-se na comparação dos fonemas encontrados nos cognatos (palavras de som e significado semelhantes) das línguas comparadas e, através dessa comparação, postulou também a reconstrução de 761 itens lexicais.

A nossa proposta, então, é (a) adicionar itens lexicais do Kaiowá (MARTINS et al., notas de campo, 20112) e itens lexicais do Guarani (CECY, 2008) à lista

1 Professor da área de Linguagens do Curso Superior de Licenciatura Indígena Intercultural da UFGD.

Doutorando em Linguística pela Universidade de Brasília – UnB e pesquisador associado ao Laboratório de Línguas Indígenas (LALI/UnB).

2 O trabalho de campo está sendo realizado na aldeia Panambizinho com os informantes mais antigos da

aldeia. A coleta de dados está sendo feita com a colaboração de três pesquisadores: profa. Adriana Sales, cedida pela Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso do Sul para atuar como profa. no Curso de

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comparativa de Mello e (b) realizar uma análise comparativa desses novos dados com as 761 proto-formas reconstruídas com o intuito de (c) identificar os processos fonológicos como causas internas de mudanças nas duas línguas em análise. Além disso, as alterações sofridas em Kaiowá e Guarani Nhandéva permitirão ensaiar uma organização interna do sub-ramo I da família Tupi-Guarani. Tal organização poderá ser visualizada a partir de um modelo arbóreo de representação do sub-ramo em questão. Todo o trabalho comparativo desenvolvido no estudo estará fundamentado no Método Histórico-Comparativo, assim como ele é caracterizado por Rodrigues (1986, 1999) e Hock (1991). Após a análise histórico-comparativa, apresentaremos o resultado do grau de afinidade genética do Kaiowá e do Guarani Nhandéva com outras línguas que pertencem ao mesmo sub-ramo.

Sabe-se que é indiscutível a classificação do Kaiowá como uma língua Tupi-Guarani do sub-ramo I, assim como classificou Rodrigues (1984/1985); no entanto, seu lugar dentro do sub-ramo I ainda não está claro, pois não se pode afirmar de que língua ele descende diretamente. Por fim, o estudo em desenvolvimento permitirá postular a trajetória do Kaiowá e a sua proximidade com o Guarani (Nhandeva) falado na mesma região.

2. Contextualização da proposta de pesquisa

Na verdade, o trabalho de comparação que nos propomos a realizar está inserido em um projeto de pesquisa maior que tem por título “A sistematização do conhecimento linguístico das línguas/dialetos Nhandéva, Kaiowá, Mbyá e Guarani Paraguaio”3

. A ideia é desenvolver um trabalho de revisão que reúna os conhecimentos linguísticos produzidos desde o início do século XX sobre os aspectos fonéticos, fonológicos, morfológicos, sintáticos e histórico-comparativos das línguas supracitadas. Após reunir toda a bibliografia disponível sobre os assuntos descritos acima, será feita uma leitura crítica dos textos sobre as diversas áreas de conhecimento que o projeto contempla. Dessa leitura, novos textos surgirão, mas com um caráter menos técnico e mais didático, justamente para suprir lacunas no processo de formação de professores de língua Licenciatura Indígena Intercultural Teko Arandu na área de Linguagens; os acadêmicos Misael Constança e Anardo Constança. Dois alunos Kaiowá da segunda turma de Linguagens do Teko Arandu. O resultado final do nosso estudo comparativo será publicado no momento oportuno, sendo esses pesquisadores supracitados co-autores do futuro artigo.

3

Esse projeto foi elaborado por mim e aprovado na Faculdade de Artes, Comunicação e Letras – FACALE/UFGD, mas se encontra em fase inicial.

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Guarani, de pesquisadores em formação na área de Linguística e estudantes de Letras. Os produtos finais do trabalho proposto nesse grande projeto serão publicados numa coletânea intitulada “Estudos Linguísticos de Línguas Indígenas”.

Como sabemos, muitos estudos à luz das teorias linguísticas foram desenvolvidos ao longo dos anos a partir do século XX das línguas Kaiowá, Nhandéva, Mbyá e Guarani Paraguaio. Desde descrições fonéticas, a análises fonológicas, além de estudos de aspectos da morfossintaxe e produção de dicionários das línguas. E, a partir desses conhecimentos, foi possível realizar estudos histórico-comparativos com o objetivo de identificar o grau de relações genéticas entre essas línguas.

Contudo, os trabalhos a respeito dessas línguas precisam ser reunidos e revisados para atender a necessidades didático-pedagógicas primeiramente, pois há muitos trabalhos descritivos das línguas em questão, no entanto, do lado brasileiro, por não terem sido desenvolvidos para serem utilizados em sala de aula, tornam-se densos e se apresentam como textos de difícil interpretação para quem não é linguista. Do lado paraguaio, os trabalhos de cunho gramatical priorizam um modelo latino de descrição gramatical que, muitas vezes, não correspondem a uma análise fiel ao que a língua pretende enunciar. Já outros trabalhos possuem uma boa descrição, mas acabam sendo, muitas vezes, inacessíveis aos professores/pesquisadores de língua Guarani, pois estão escritos em inglês e/ou espanhol.

O projeto de pesquisa Sistematização do conhecimento linguístico das línguas/dialetos Nhandéva, Kaiowá, Mbyá e Guarani Paraguaio torna-se relevante porque pretende realizar o levantamento bibliográfico e, posteriormente, uma análise acurada dos estudos anteriores, a fim de que se possam normalizar os dados fonético/fonológicos e morfossintáticos, bem como os de caráter léxico-semântico e os estudos histórico-comparativos das línguas em questão. Tornando assim, os resultados dessas pesquisas mais acessíveis a um público heterogêneo: linguista, estudantes de Letras, antropólogos, professores indígenas de língua Guarani, etc.

Como a síntese do projeto de pesquisa aqui apresentado limita-se à sistematização do conhecimento linguístico de quatro variedades do Guarani Moderno (Nhandéva, Kaiowá, Mbyá e Guarani Paraguaio), é importante informar que

no Brasil, os grupos Guarani estão assim distribuídos: no litoral brasileiro (regiões Sul e Sudeste), as aldeias Guarani estão localizadas na faixa geográfica que se estende do Rio Grande do Sul ao Espírito Santo e são formadas predominantemente por grupos Mbya; já os Kaiowá concentram-se, em sua maioria, no Estado do Mato Grosso do Sul, região Centro Oeste; e os

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Nhandeva convivem tanto com os Kaiowá quanto com os Mbyá, com aldeias em toda a porção centro-sul do país. Enquanto que o Guarani Paraguaio é falado no próprio Paraguai e nas regiões limítrofes entre Brasil e Paraguai (CARDOSO, 2010).

Em fim, percebe-se que o objetivo geral da pesquisa é reunir todo o conjunto de informações linguísticas disponíveis, revisando-as com o intuito de que esse conhecimento possa ser, depois de sistematizado, útil para a produção de materiais didático-pedagógicos e útil para dar continuidade aos estudos de cunho histórico-comparativos.

3. Sobre a classificação linguística do Kaiowá e do Guarani de Mato Grosso do Sul

Ao falarmos de línguas e famílias de línguas, vem à tona o fato de que as línguas do mundo são classificadas em famílias, segundo o critério genético. E, seguindo esse critério, Rodrigues (1986) afirma o seguinte:

uma família linguística é um grupo de línguas para as quais se formula a hipótese de que tem uma origem comum, no sentido de que todas as línguas da família são manifestações diversas, alteradas no correr do tempo, de uma só língua anterior.

Quando se fala em filos, troncos linguísticos, famílias linguísticas, línguas e dialetos, o objetivo é enfatizar o tratamento diferenciado sobre o grau de profundidade temporal numa análise diacrônica das línguas envolvidas. Rodrigues (1986) advoga que toda língua está em constante transformação e que essas transformações, ao longo do tempo, podem ocasionar múltiplas cisões a ponto de resultar em línguas diferentes, mas que compartilham de características que só podem ser explicadas por serem oriundas de uma mesma língua no passado (a língua-mãe).

O que entendemos como filo genético seria o mais alto grau de profundidade temporal que separaria um conjunto de línguas de outro conjunto e cujas evidências, para reuni-las em um único bloco (filo), não seriam tão explícitas, visto que o tempo conseguiu apagar boa parte das semelhanças que essas línguas guardavam entre si (cf. RODRIGUES, 1984/1985).

A ideia de tronco nada mais é do que um conjunto de famílias linguísticas que compartilham características entre si; contudo, possuem certas discrepâncias no que diz respeito às estruturas gramaticais das línguas e às próprias correspondências lexicais e fonético-fonológicas devido à profundidade temporal que as separa uma das outras. O

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que reunimos numa família são línguas que se mostram mais próximas uma das outras e cujas diferenças são mínimas, levando à conclusão de que a separação de uma língua para outra é recente (cf. RODRIGUES, 1984/1985).

Por fim, o que é comumente chamado de dialetos são variedades de uma mesma língua, falada na mesma época, podendo ou não compartilhar do mesmo espaço geográfico, o que implica numa necessidade constante de ajustes comunicativos de tal forma que a inteligibilidade mútua possa ocorrer naturalmente, sem que haja prejuízo na interação dos interlocutores no momento da fala.

Graças aos trabalhos histórico-comparativos, compreendemos hoje a família Guarani como uma das dez famílias que compõem o tronco Tupi, a saber: Tupi-Guarani, Tupari, Mondé, Mawé, Ramarama, Awetí, Puruborá, Munduruku, Arikém e Juruna (RODRIGUES, 1984/1985, 1986). E através desses mesmos estudos comparativos, já é possível afirmar também que a família Tupi-Guarani é composta por cerca de 40 línguas/dialetos, as quais foram subdivididas inicialmente por Rodrigues (1984/1985) em oito subconjuntos de acordo com o grau de semelhanças lexicais, fonológicas e morfossintáticas compartilhadas entre os sistemas linguísticos envolvidos e, na medida em que novos estudos foram sendo realizados, a classificação inicial sofreu algumas alterações. Hoje, compreendemos a família Tupi-Guarani como apresentada por Cabral e Rodrigues (2002):

- Ramo I: Guarani Antigo, Kaiowá, Nhandéva, Guarani Paraguaio, Xetá, Mbyá, Tapieté, Chiriguano, Izoceño e Guayakí.

- Ramo II: Guarayo, Sirionó, Horá.

- Ramo III: Tupi (LGP), Tupinambá (LGA).

- Ramo IV: Tapirapé, Asuriní do Tocantins, Parakanã, Suruí, Avá Canoeiro, Tembé, Guajajára, Turiwára.

- Ramo V: Araweté, Ararandewára, Amanajé, Anambé do Cairarí, Asurini do Xingu. - Ramo VI: Kayabí, Apiaká, Parintintin, Tupí-Kawahíb, Juma.

- Ramo VII: Kamayurá.

- Ramo VIII: Wayampí, Wayampipukú, Emérillon, Jo’e, Urubu-Ka’apór, Anambé de Ehrenreich, Guajá, Aweré e Awrá e Takunhapé.

A seguir, apresentamos um mapa em que é possível visualizar a posição geográfica de cada um dos povos que falam as línguas Tupi-Guarani4:

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De acordo com Rodrigues (1986), a família linguística Tupi-Guarani se destaca em comparação às outras por duas razões

A primeira é que se trata de uma família com uma grande dispersão territorial, ou seja, as línguas desse agrupamento são faladas em vários pontos do Brasil (Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo) e em vários países da América do Sul (Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Argentina, Paraguai e Bolívia. A segunda razão está relacionada ao grau de conhecimento que obtivemos das línguas que a compõem durante séculos de pesquisas, pois já são numerosos os trabalhos com línguas dessa família, incluindo dissertações de mestrado, teses de doutorado, compêndios gramaticais, dicionários, etc.

Sabemos que o trabalho de documentação, análise e descrição das línguas da família Tupi-Guarani começou ainda no século XVI por Anchieta (1595) e se estendeu pelo século XVII por Alonso de Aragona (1625), Ruiz de Montoya (1639-1640) e por Restivo no século XVIII (1722-1724) e que, durante o século XIX, não houve estudo específico dessas línguas. Só a partir do século XX é que são retomadas as pesquisas para compreender a organização e o funcionamento das línguas que hoje

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compreendemos fazer parte da família Tupi-Guarani. Dentro dessa perspectiva, muitos estudos foram desenvolvidos: fonético, fonológico, morfossintático, lexical e histórico-comparativo.

4.1 O Kaiowá dentro do sub-ramo I da família Tupi-Guarani

Em relação aos estudos histórico-comparativos já existentes sobre a família Tupi-Guarani, não se pode ainda informar com mais clareza a situação da língua/dialeto Kaiowá no desenvolvimento do sub-ramo I da família Tupi-Guarani, pois carece de mais dados dessa variedade do Guarani que, até o momento das publicações anteriores, não estavam disponíveis. Podemos citar como principais, o trabalho de Rodrigues sobre a constituição interna da família Tupi-Guarani (1984/1985), o trabalho de Lemle (1971) sobre reconstrução de proto-formas, o trabalho de Jensen (1989) sobre a comparação de aspectos morfológicos de língua Tupi-Guarani e a tese de doutorado de Mello (2000) na qual o autor acrescenta evidências lexicais e fonológicas sobre o agrupamento genético denominado Tupi-Guarani.

Com o desenvolvimento desse projeto de pesquisa, pretende-se, somado aos trabalhos já existentes, ensaiar uma organização das cisões ocorridas ao longo de século daquilo que compreendemos hoje como o sub-ramo I da família Tupi-Guarani. Rodrigues (1984/1985) nos dá algumas pistas para a reconstrução e representação arbórea dessas cisões, no entanto, não deixa claro (por falta de dados) qual seria a posição do Kaiowá dentro dessa organização interna do sub-ramo I5. Apresentamos abaixo uma possível estrutura arbórea do sub-ramo I com base nos indícios da organização interna desse sub-ramo segundo Rodrigues (1984/1985); contudo, espera-se confirmar tal estrutura a partir da re-análise dos dados disponíveis juntamente com o acréscimo de dados a serem analisados:

5 Para estabelecer o sub-ramo I, Rodrigues (1985) aponta as seguintes características ao comparar com o

Proto-Tupi-Guarani (PTG):

a) Perda das consoantes finais como, por exemplo: PTG *aipotár ‘eu o quero’> Mbyá aipotá. b) Conservação de *tx ou sua mudança em ts ou s. Exemplo: PTG *jatxý ‘lua’ > Mbyá djatxý. c) Mudança de *ts em h ou zero. Exemplo: PTG *otsó ‘ele vai’ > Guarani Antigo ohó : Mbyá oó. d) Mudança de *pw em kw ou k. Exemplo: PTG *opweráb ‘ele se recupera’ > Mbyá okwerá. e) Mudança de *pj em tx ou x. Exemplo: PTG *atsepják ‘eu o vejo’ > Mbyá aetxá.

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*Sub-ramo I da Família Tupi-Guarani

Mbyá

Guarani Antigo Xetá Guayakí Chiriguano

Izoceño Tapieté Guarani Paraguaio Nhandéva

Em sua reconstrução interna da família Tupi-Guarani (1984/1985), Rodrigues faz alguns apontamentos sobre o que deve ter ocorrido com o sub-ramo I, e sua argumentação nos direciona para o esquema apresentado anteriormente, no qual uma língua possivelmente se dividiu de início em dois grandes blocos: o Mbyá e o Chiriguano, este, por sua vez, cindiu no que conhecemos hoje como o Izoceño e o Tapieté; aquele teve dois estágios de cisão: o primeiro resultou em duas línguas/dialetos, que são conhecidos como Xetá e Guayakí; e o segundo resultou no Guarani Antigo que, por sua vez, certamente gerou o Guarani Paraguaio e o Guarani Moderno (Nhandéva):

Há diversas variedades do Guarani moderno, mas nenhuma das quais se pode afirmar que seja a continuação direta do Guarani Antigo. Fora o Guarani Paraguaio, cujo uso se generalizou no Paraguai e no nordeste da Argentina durante o período colonial, o candidato mais provável a descendente do Guarani Antigo parece ser o Ñandeva (Txiripá, Apapokúva). O Mbyá mantém ainda hoje um traço fonológico mais conservador que o traço correspondente do Guarani Antigo – o fonema tx, oriundo do PTG *tx, o qual é ts no Guarani Antigo. O Xetá da Serra dos Dourados no noroeste do Paraná, embora muito diferenciado em diversas propriedades fonológicas e lexicais, está, quanto a suas características diagnósticas, ligado mais intimamente ao Mbyá6 [...]. O Chiriguano, provavelmente, separou-se de um ancestral comum ao Mbyá e ao Guarani Antigo, portanto algum tempo antes da documentação deste último. O Izoceño é um dialeto do Chiriguano falado por descendentes dos índios Chané, originalmente de língua da família Aruák. O mesmo se dá com o Tapieté, falado por um povo chaquenho provavelmente de origem Matáko. O Guayakí (Aché), mais fortemente alterado na sua estrutura gramatical, coparticipa das propriedades diagnósticas deste subconjunto, aproximando-se mais particularmente do Mbyá7 [...] (RODRIGUES, 1984/1985).

6 Xetá: ne txó „morderam-te‟ : Mbyá: ne txu’ú : Kaiowá: ne su’ú : Guarani Antigo: ne tsu’ú. 7

Guayakí txu’ú „morder‟ : Mbyá txu’ú : Guayakí pytxý „pegar‟ : Mbyá pytxý : Guayakí ráa, raá

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No que diz respeito ao Kaiowá, não há nenhuma informação sobre o seu status de língua no trabalho de Rodrigues (op.cit) nem seu lugar no processo de transformações do sub-ramo I.

5. Sobre o trabalho de Mello (2000)

Mello, em sua tese de doutorado, destaca os trabalhos mais importantes acerca da classificação e comparação de línguas Tupi-Guarani, para isso cita os principais estudiosos e apresenta a contribuição de cada um deles, a saber : Rodrigues (1958a, 1958b, 1978, 1985, 1986), Lemle (1971), Jensen (1989), Dietrich (1991) e Mello (1992, 1994a e 1994b)8. A esses trabalhos, podemos adicionar a própria tese de Mello (2000) e o trabalho de Cabral & Rodrigues (2002), neste, os autores fazem uma revisão da classificação interna da família Tupi-Guarani.

A contribuição de Mello aos estudos histórico-comparativos foi o de ampliar a quantidade de itens lexicais reconstruídos (761 itens) a partir de uma comparação fonológica e lexical mais ampla fundamentada no Método Histórico-Comparativo com o auxílio de um programa de computador9. Sua comparação permitiu ainda confirmar alguns segmentos já reconstruídos em trabalhos anteriores, como o de Lemle (1971), e apresentar evidências de novos proto-fonemas e rever outros já postulados. Para seu estudo comparativo, fez uso dos dados disponíveis de línguas que representam os oito sub-ramos de Rodrigues (1984/1985):

LÍNGUA ABREVIAÇÃO LÍNGUA ABREVIAÇÃO

1. Guarani Mbyá, Mbyá GUM 19. Asurini do Xingu, Awaeté ASX

2. Nhandéva, Txiripá NHA 20. Araweté AWT

3. Guarani Antigo GAN 21. Kamayurá KAY

4. Guarani Paraguaio GUP 22. Tapirapé TAP

5. Chiriguano, Txiriguano TXI 23. Suruí do Tocantins SRU

6. Chané CHA 24. Tembé TEM

7. Izoceño IZO 25. Parakanã PAK

8. Guayakí GUK 26. Asurini do Tocantins ASU

9. Xetá XET 27. Wayampí do Jari WYJ

10. Guarayo GUY 28. Wayampí do Amapari WYA

11. Sirionó SIR 29. Emerrillon EME

12. Parintintin PAT 30. Guajá GUJ

13. Amundava, Amondawa AMD 31. Urubu-Kaapór, Kaapór URB

8 Para mais detalhes, consultar MELLO, Antônio Augusto Souza. Estudo Histórico da Família

Linguística Tupi-Guarani: Aspectos Fonológicos e Lexicais. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 2000. Tese de doutorado.

9

Sobre os fundamentos do Método Histórico-Comparativo, desenvolvemos uma seção específica para esclarecer a sua origem, desenvolvimento e funcionamento.

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14. Urueuwauwau UWW 32. Anambé ANA

15. Tenharín TEH 33. Aurê e Aurá AUA

16. Karipúna KAP 34. Tupinambá TUP

17. Apiaká API 35. Língua Geral Amazônica LGA

18. Kayabí KYB 36. Kokama, Omágua KOK

Proto-Tupi-Guarani – PTG

5. 1 A tentativa de reconstrução de proto-fonemas de Mello (2000)

Baseando-se nos dados comparáveis, Mello reconstrói as consoantes do Proto-Tupi-Guarani, um estágio de língua hipotética, para a qual Urban (1993) apud Mello (2000) postula sua existência acerca de 1500 a 2000 anos atrás, sendo, é claro, uma datação puramente impressionística, pois compara a diversidade da família Tupi-Guarani à diversidade da família Românica, para a qual temos registros históricos que permitam precisar o momento do desenvolvimento dessa família linguística em território europeu. A seguir, apresentamos as reconstruções dos proto-fonemas do Proto-Tupi-Guarani e os seus respectivos reflexos nas línguas que constituem hoje a família Tupi-guarani, conforme Mello (2000):

1. PTG *p

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2. PTG *pw

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3. PTG *pj

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4. PTG *t

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6. PTG *kw

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kw SIR : kw PAT : kw AMD : - UWW : kw KAP : - TEH : kw API : kw TAP : - SRU : kw TEM : - PAK :

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7. PTG *kj

PTG *kj > k GUM : k GAN : k GUP : k TXI : - CHA : k IZO : k GUK : - XET : - GUY : kj SIR : k

(*e>i) PAT : - AMD : - UWW : - KAP : - TEH : s API : k TAP : - SRU : ts / k TEM : - PAK : - ASU : s

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8. PTG *Ɂ

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9. PTG *m

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10. PTG *n

PTG *n > n e /___# GUM : n e /___# GAN : n e /___# GUP : n e /___# TXI : n e /___# CHA : n

e /___# IZO : n e /___# GUK : n e /___# XET : n e /___# GUY : n e /___# SIR : n PAT : n AMD : n UWW : n KAP : n TEH : n API : n TAP : n SRU : n TEM : n PAK : n ASU : n KYB : n ASX : n e () AWT : n KAY : n e /___# WYJ : n e /___# WYA : n EME : n e /___# GUJ : n URB : n e /___#

ANA : n e /___# AUA : n TUP : n LGA (< TUP) : n KOK.

11. PTG *ŋ

PTG *ŋ > ŋ e /___# GUM : ŋ e /___# GAN : ŋ e /___# GUP : ŋ e /___# TXI : /___# CHA : /___# IZO : /___# GUK : /___# XET : ŋ e /___# GUY : ŋ e /___# SIR : ŋ PAT : ŋ AMD : ŋ/___V-ant e /___V+ant UWW : ŋ KAP : ŋ/___V-ant e /___V+ant TEH : ŋ API : ŋ TAP : ŋ SRU : ŋ TEM : ŋ (g)

PAK : ŋ ASU : ŋ (g) KYB : ŋ ASX : ŋ e /___# AWT : ŋ KAY : ŋ e /___# WYJ : ŋ e /___# WYA : ŋ EME : ŋ GUJ : ŋ e /___# URB : ŋ e /___# ANA : ŋ e /___# AUA : ŋ () TUP : ŋ,  LGA (< TUP) :

n KOK.

12. PTG *ts

PTG *ts >  GUM : h, ts GAN : h (s) GUP :  (s) TXI :  (s) CHA : h () IZO :  GUK : tS ()XET : ts

GUY : s () SIR : h/___+ac. e /___-ac. PAT : h e /__a AMD : h,  UWW : - KAP : h TEH :  (h) API : 

TAP : h/___+ac. e /___-ac. SRU : h/___+ac. e /___-ac. TEM :  PAK : h/___+ac. e /___-ac. ASU :  KYB :

h/___+ac. e /___-ac. ASX : h AWT :  KAY :  WYJ :  WYA :  EME : h () GUJ : h () URB : h ()

ANA :  AUA : s TUP : s LGA (< TUP) : ts (tS, ) KOK.

13. PTG *tS

PTG *tS > tS GUM : ts GAN : s (h) GUP : s ()TXI : s (h, tS, ) CHA : h (S) IZO : tS GUK : tS () XET :

ts (tS) GUY : s SIR : h. e /___-ac. PAT : h/___+ac e /___-ac AMD : h/___+ac e /___-ac UWW :  [S] KAP

: h/___+ac e /___-ac TEH : h/___+ac e /___-ac API :  e h TA : h (s) SRU : h TEM :  (h) PAK

: h ASU :  KYB : h/___+ac. e /___-ac. ASX : h/___+ac. e /___-ac. AWT :  KAY :  (s) WYJ :  WYA :

(12)

14. PTG *β

PTG *β > β e /___# GUM : β e /___# GAN : v e /___# GUP : w e /___# TXI :  CHA :  IZO : w e /___# GUK : w e /___# XET : b e /___# GUY : b e /___# SIR : β PAT : β AMD : β e p/___#

UWW : β KAP : β/___V e p/___# TEH : w (p, ) API : w e m/___ã# e p/___# TAP : w (p) SRU : w e

/___# TEM : β PAK : w e m/___# ASU : w e p/___# KYB : w e p/___# ASX : β e /___# AWT : w e p/___# KAY : w e /___# WYJ :  (w) WYA : w e /___# EME : w e /___# GUJ : w e /___# URB : w

e /___# ANA : w e /___# AUA : β TUP : w e /___# e [b] LGA (< TUP) : w e /___# KOK.

15. PTG *r

PTG *r > r e /___# GUM : r e /___# GAN : r e /___# GUP : r e /___# TXI : r e /___# CHA : r e /___# IZO : r e /___# GUK : r e /___# XET : r GUY : r e /___# SIR : r PAT : r e /___# AMD : r

e /___# UWW : r (n) KAP : β/___V e r () TEH : r () API : r/___V e t/___# TAP : r (t) SRU : r TEM : r PAK : r e n/___# ASU : r e t/___# KYB : r e t/___# ASX : r () AWT : r e t/___# KAY : r WYJ : r e /___# WYA : r e t/___# EME : r e /___# GUJ : r e /___# URB : r e /___# ANA : r e

/___# AUA : r TUP : r LGA (< TUP) : r e () KOK.

16. PTG *j

PTG *j > j [dJ], [ŋ] GUM : j GAN : j GUP : j e /___# TXI : j e /___# CHA :  IZO : j e /___# GUK : j [dJ, ɲ] XET : j [ɲ] GUY : tS e j,  SIR : j [ɲ] PAT : j [dJ] AMD : j [J] UWW : j [dJ, ɲ] KAP : j [dJ, J, ɲ] TEH : s/___V e j/V___ API : tS/___V e j/V___ TAP : s/___V e j/___# SRU : z/___V e j/___# TEM : tS/___V e j/___# PAK : s/___V e j/___# ASU : j KYB : j [dJ] ASX : j [J, ɲ] AWT : j KAY : j e /___# WYJ : j WYA : j [dJ, z] EME : j GUJ : j URB : j e /___# ANA : j AUA : j TUP : j e /___# LGA (< TUP) : j e /___# KOK.

Os dados fonológicos apresentados acima foram extraídos da comparação lexical que Mello produziu a partir da comparação de palavras que possuem formas e significados semelhantes entre as línguas analisadas. Sendo que foi a correspondência sistemática entre essas formas que permitiram postular as reconstruções dos segmentos consonantais aqui apresentados. Segue um exemplo dessa estratégia para maiores esclarecimentos com a mesma organização apresentada em Mello (2000):

101. *ßeße „voar‟

(a) ASU wewe : TEM wewew : TAP wewe : AVA wewe : KYZ wewe : ASX wewe : PAT ee : KAY wewe : WYA ee : WYJ wewe : EME wewe : GUJ wewe : URB wewe : ANA wawa : TUP ee : YRL wewe : GUY veve : SIR veve : GUM ee : GUP veve : TXI ’wewe / veve : GAN ee : PAT veve : XET ‘ee.

Como já vimos nas reconstruções dos proto-fonemas, o /β/ foi reconstruído para o PTG, mas essa reconstrução não é arbitrária ou aleatória, foi justamente baseada na correspondência sistemática desse som em várias línguas Tupi-Guarani, mas em palavras que guardam forma e significado semelhantes. Podemos notar no exemplo acima a manutenção desse mesmo fonema nas línguas Wayampí do Amapari, Tupinambá, Guarani Mbyá, Guarani Antigo e Xetá, além da mudança de /β/ para /w/ em Asurini, Tembé, Tapirapé, Avá, Asurini do Xingu, Kamayurá, Wayampi do Jari, Emerillon, Guajá, Urubu-Ka’apor e Anambé, e de β/ para /v/ em Guaraió, Sirionó,

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Guarani Paraguaio e Parintintin, sendo que em Chiriguano a uma variação livre entre /w/ e /v/. Ocorrendo de maneira sistemática essas alterações (em outras palavras analisadas), pode-se afirmar que tais línguas tiveram uma origem em comum, pois de nenhuma maneira tal fenômeno se daria ao acaso ou por contato linguístico, como já defendia Rodrigues (1984/1985).

6. Nossa proposta de trabalho

Como nos trabalhos anteriores, principalmente o de Mello (2000) não foram utilizados dados do Kaiowá e do Guarani Nhandéva falados na região sul de Mato Grosso do Sul, nós nos propomos a retomar as 761 proto-formas de Mello e verificar como essas se comportam na fala dos Kaiowá e dos Guarani Nhandéva dessa região com o intuito de verificar o grau de semelhanças entre essas e as outras línguas do sub-ramo I da família Tupi-Guarani.

Para tanto, trabalharemos apenas com as línguas do sub-ramo I apresentadas por Mello (2000) e adicionaremos os dados do Kaiowá e do Guarani Nhandéva a essa lista de cognato, como no exemplo abaixo:

101. *ßeße „voar‟

(a) GUM ee : GUP veve : TXI ’wewe / veve : GAN ee : PAT veve : XET ‘ee : NHA (a)veve :

KAY (o)ßeße.

Como Mello trabalhou com dados fonemizados, será necessário também transcrevermos fonologicamente os dados do Kaiowá e do Nhandéva para, em seguida, estabelecermos a comparação. Sendo que os dados do Kaiowá serão coletados por meio da elicitação de dados em trabalho de campo e os dados do Nhandéva serão extraídos do dicionário produzido por Cecy (2008).

Após esse passo, será possível perceber as mudanças ocorridas em Kaiowá e em Guarani Nhandéva a partir das proto-formas sugeridas por Mello. No exemplo acima pode-se perceber que Kaiowá conservou o fonema original – uma fricativa bilabial sonora /B/ - e o Nhandéva mudou para uma fricativa alveolar sonora /v/.

6.1 Fundamentação da nossa proposta de trabalho

Para fundamentar nossa análise, recorreremos aos pressupostos do Método Histórico-Comparativo que teve o seu desenvolvimento reconhecido no século XIX. Durante esse período deu-se início aos estudos comparativos mais sistemáticos sobre as

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semelhanças entre línguas distantes no espaço como, por exemplo, o latim e o sânscrito. Estudos como esse, desenvolvidos ao longo dos séculos XIX e XX ajudaram a estabelecer graus de parentesco entre línguas indo-europeias e a postular reconstruções de estágios anteriores de uma língua hipotética ou proto-língua (proto-indo-europeu), da qual se originaram as línguas que hoje compreendemos como fazendo parte do tronco Indo-Europeu (HOCK, 1991).

O Método Histórico Comparativo, assim como este é definido e caracterizado por linguístas como Hock (1991), Campbell (2000), Kaufman (1990) e Rodrigues (1986), trata-se de um método de natureza indutiva cuja aplicação na identificação de relações genéticas entre línguas se dá mediante análise comparativa de dados linguísticos da mesma natureza - lexical, fonológica, morfológica e morfossintática. Os princípios que caracterizam esse método são bem definidos e fundamentados pelo conhecimento acumulado sobre o porquê e o como de as línguas mudarem, e sobre os tipos e direções das mudanças linguísticas que ocorrem ao longo da história de cada língua em particular ou de um grupo de línguas aparentadas.

Entre os requisitos do Método Histórico Comparativo que o fazem ser um método eficiente para o diagnóstico de parentesco genético entre línguas, citamos aqui alguns apresentados por Hock (1991) que são: (a) similaridades ou correspondências não devem ser reduzidas a poucos itens, mas recorrentes em um amplo conjunto de outros dados linguísticos; (b) têm mais peso, em um diagnóstico sobre parentesco genético, formas longas do que formas breves; (c) há certas partes do vocabulário de uma língua, como os nomes departes do corpo humano e os pronomes pessoais, entre outros, que são menos sujeitos a empréstimos; (d) a proto-língua sofre mudanças linguísticas nas diferentes regiões onde a língua é falada e os dialetos iniciam o processo de diferenciação das línguas; (e) há mudanças regulares e isso nos capacita a fazer correspondências sistemáticas entre línguas, tornando possível a reconstituição da história da língua; (f) o proto-fonema é postulado a partir da análise dos fonemas encontrados nas línguas irmãs, e por isso deve ser reconstruído de maneira que seja possível explicar as mudanças ocorridas nas línguas, já que a reconstrução deve estar pautada nas amostras encontradas nas línguas comparadas e (g) os sons mudam em uma certa direção e isso pode ser constatado através de uma análise comparativa entre as línguas que possuem relação genética, entre outros.

Enfim, o Método Comparativo consiste, então, no exame de palavras com significados semelhantes nas línguas suspeitas de descenderem de uma proto-língua em

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comum, na esperança de descobrir correspondências sonoras e reconstruir a proto-língua.

7. Conclusão

Apresentamos aqui um esboço de um projeto de pesquisa que visa, dentre outras coisas, sistematizar e ampliar o conhecimento linguístico das línguas Kaiowá e Guarani Nhandéva no que diz respeito à sua posição no sub-ramo I da família Tupi-Guarani.

Fez-se necessário retomar alguns aspectos sobre a organização da família Tupi-Guarani e de sua situação em termos de pesquisas histórico-comparativas.

Vale ressaltar aqui que o nosso trabalho não é o de classificar geneticamente o Kaiowá e o Nhandéva, pois essa tarefa já foi produzida por Rodrigues (1984/1985). Todas as etapas que o Método Histórico-Comparativo requer já foram anteriormente efetuadas. Cabe a nós apenas inserirmos os dados do Kaiowá e do Nhandéva à lista já existente de cognatos e verificarmos o grau de semelhança genética com base no que foi conservado dentro do sistema fonológico e do corpo vocabular selecionado, além identificarmos e descrevermos as inovações compartilhadas ou não por essas línguas dentro do sub-ramo I.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, A.S.A.C. e RODRIGUES, A.D. Revendo a classificação interna da família Tupi-Guarani. In: CABRAL, A.S.A.C. e RODRIGUES, A.D. Atas do I Encontro Internacional do GTLI da ANPOLL, 2002.

CARDOSO, V. F. A língua Guarani e o português do Brasil. In: Volker Noll e Wol Dietrich (Orgs.). O Português e o Tupi no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.

HOCK, Hans Heinrich. Priciples of historical linguistics. Berlin: Monton de Gruyter. 1991.

MELLO, Antônio Augusto Souza. Estudo Histórico da Família Linguística Tupi-Guarani: Aspectos Fonológicos e Lexicais. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, 2000. Tese de doutorado.

RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Relações internas na família linguística Tupi-Guarani. In: Revista de Antropologia, separata dos volumes XXXVII/XXVIII. São Paulo, 1984/1985.

______. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.

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