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Explorando o desenho de políticas públicas mais sustentáveis : é possível a transição energética de baixo-carbono?

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INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais

sustentáveis: é possível a transição energética de

baixo-carbono?

Campinas

2017

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INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais

sustentáveis: é possível a transição energética de

baixo-carbono?

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA RÊIS MARIA, ORIENTADA PELO PROF. DR. PAULO SÉRGIO FRACALANZA E COORIENTADA PELO PROF. DR. RENATO DE CASTRO GARCIA.

CAMPINAS 2017

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Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Economia

Célia Maria Ribeiro - CRB 8/3492

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Exploring the design of more sustainable public policies : is it

possible the low-carbon energy transition?

Palavras-chave em inglês:

Environmental economics Carbon lock-in

Energy policy Clean energy

Área de concentração: Teoria Econômica Titulação: Mestra em Ciências Econômicas Banca examinadora:

Paulo Sérgio Fracalanza [Orientador] Anapatrícia de Oliveira Morales Vilha José Eduardo de Salles Roselino Júnior Célio Hiratuka

Data de defesa: 17-11-2017

Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas

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INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIANA RÊIS MARIA

Explorando o desenho de políticas públicas mais

sustentáveis: é possível a transição energética de

baixo-carbono?

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza – orientador

Prof. Dr. Renato de Castro Garcia – co-orientador

Defendida em 17/11/2017

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Paulo Sérgio Fracalanza

Instituto de Economia / UNICAMP

Prof.ª Dr.ª Anapatricia de Oliveira Morales Vilha

Universidade Federal do ABC (UFABC)

Prof. Dr. Célio Hiratuka

Instituto de Economia / UNICAMP

Prof. Dr. José Eduardo de Salles Roselino Júnior

Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Escrever uma dissertação de mestrado é um grande desafio. São meses de muito estudo, leituras, debates, questionamentos, dúvidas e escrita. Com toda certeza esse processo seria mais difícil sem a presença de todas as pessoas que estiveram ao meu lado.

Agradeço primeiramente ao meu querido orientador Paulo Sérgio Fracalanza com que venho trabalhando há mais de quatro anos. Foram duas iniciações científicas, uma monografia e uma dissertação em que pude usufruir de seu grande estusiamo com os temas e sua impressionante inteligência. Um intelectual capaz de transitar por vários assuntos complexos com grande facilidade e clareza, sem medo de alçar vôos mais altos e muito fiel àquilo que acredita. Com ele pude aprender muito, não só intelectualmente, mas também com o grande coração que possui, tratando com respeito e estima todos que o cercam. Sem ele, com certeza, esse trabalho não seria o mesmo.

Agradeço também ao meu também querido co-orientador Renato de Castro Garcia que tornou a confecção desse trabalho muito mais leve e prazerosa. Devo imensamente esse trabalho a sua dedicação nas leituras de cada capítulo, nas inúmeras conversas que tivemos sobre o tema e sobre a vida acadêmica e também a sua disposição em organizar seminários e apresentações para que meu trabalho pudesse ser compartilhado. Sua alegria e disposição fizeram a diferença em cada página aqui escrita.

Ao meu marido, Douglas, os mais sinceros agradecimentos. Sem ele meus dias não seriam tão alegres. Agradeço à paciência, o amor e o sempre incondicional apoio.

À minha família, especialmente aos meus amados pais Edson e Sirlei, agradeço primeiramente o sacrifício de vida que fizeram para que eu chegasse até aqui. Meus pais abriram mão de qualquer luxo e muitas vezes até do básico para que eu me formasse na melhor universidade da América Latina e hoje, graças a eles, estou terminando um mestrado na mesma universidade.

Não posso deixar de agradecer a todos os professores do Instituto de Economia da UNICAMP, que participaram da minha formação, tanto da graduação quanto do mestrado, especialmente aos professores Célio Hiratuka e Antônio Carlos Diegues que compuseram minha banca de qualificação e cujos comentários e sugestões enriqueceram muito essa dissertação. Além da qualificação, agradeço imensamente pela disposição e prontidão de ambos sempre que precisei coversar sobre o tema. Além dos professores do Instituto de

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Anapatrícia Moraes Vilha pelos comentários feitos a esse trabalho, que foram de fundamental importância para o aprofundamento e constante melhora do debate.

Aos meus amigos da pós-graduação, Larissa, Christian, Lucas, Carol, Rafael Cattan, Rafael Gava, Lílian, Nathalie, Elias, Felipe, Daniel, Ana, Fernanda, Thomáz, Guilherme e muitos outros, agradeço pelos inúmeros almoços no restaurante universitário, pelas diversas pausas para o café, pelas inúmeras risadas e pelos intermináveis questionamentos e mais profundas conversas desses mais de dois anos de mestrado. Aos meus amigos da graduação, Marcos, Fabiana, Sandro, Luís, Bárbara, Fábio, Dennis, Mariana, Leonardo, Lucila também dirijo o meu imenso carinho e agradecimento pela presença constante e apoio que transcenderam a vida acadêmica. Além da UNICAMP, devo um grande agradecimento especial aos meus amigos Erivania, Henrique, Tiago, Abner, Paula, Ariane, Elisabeth e Marina por me aguentarem tagarelar sobre o meu tema em diversos momentos desses meses e por sempre estarem com os ouvidos abertos a ouvir meus questionamentos do mundo.

Agradeço também aos funcionários do Instituto de Economia da Unicamp, sempre atenciosos no dia-a-dia e na resolução de grandes e pequenos problemas. Agradeço

especialmente à Lorenza, Jonathan, Fátima e Camila e também aos funcionários da Biblioteca Lucas Gamboa.

Gostaria de agradecer também a FAEPEX que tornou possível minha dedicação exclusiva a esse projeto nos meus dois anos de mestrado.

Agradeço por último e acima de tudo a Deus pelo dom da vida e pelo carinho que tem guiado meus passos.

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“A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma que não permite cumprir o objetivo de erradicar a pobreza” (Papa

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RESUMO

A discussão acerca da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono tem sido cada vez mais presente no meio acadêmico e político. O entendimento de que ações inteligentes precisam ser tomadas em um espaço cada vez mais curto de tempo e a percepção de que as transformações necessárias se dão em ritmo mais lento do que deveria devem lançar luzes sobre a necessidade de entender quais são as barreiras existentes ao crescimento e dominância de energias mais limpas no sistema energético dos países e de que maneira essas barreiras, cujo conjunto é denominado de lock-in do carbono, podem ser rompidas. A dominância de determinadas tecnologias e o surgimento de novos paradigmas estão intimamente relacionados a uma trajetória de desenvolvimento em que muito importam a história e as escolhas políticas realizadas em seu caminho. A transição para uma economia de baixo-carbono somente será acelerada quando se tornar uma escolha dos policy-makers e da sociedade. Assim, essa pesquisa buscou discutir o arcabouço teórico necessário para entender os entraves colocadas pela Sociedade do Hidrocarboneto à transição, o papel das políticas públicas na construção de um Sistema de Inovação Sustentável e o regime político para a transição construídos por dois países que têm declarado e realizado medidas concretas em direção a um futuro mais limpo: Alemanha e China.

Palavras-chave: Economia ambiental; Lock-in do carbono; Política energética; Energia limpa.

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The debate about the need of a transition toward a low-carbon economy has been increasingly present in the academia and politics. The acquaintance that intelligent actions must be taken in a progressively shorter period and the realization that the required transformations occur at a slower course that it should must throw lights on the understanding of what kind of barriers exist to the growth and dominance of cleaner energies and how these barriers, called carbon lock-in, can be broken. The dominance of certain technologies and the emergence of new paradigms are closely related to a developmental trajectory in which the political choises and history matters. The transition to a low-carbon economy will only be accelerated when it becomes a choice of the society and policy-makers. Thus, this research sought to discuss the theoretical framework needed to understand the obstacles posed by the ‘Hydrocarbon Society’ to the transition, the role of public policies in the construction of a Sustainable Innovation System and the political regime for the transition tha has been built by two countries that have declared and implemented concrete measures toward a cleaner future: Germany and China.

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Quadro 2- Linha do Ttempo da Energiewende, 1974-2011, fatos selecionados. ... 106

Quadro 3- Redução de emissões, medidas selecionadas, Alemanha. ... 120

Quadro 4- Medidas selecionadas: fontes renováveis e eficiência energética. ... 123

Quadro 5- Da abertura econômica à transição energética chinesa, 1978-2007, fatos selecionados. ... 136

Quadro 6- Metas de eficiência energética nos planos quinquenais. ... 148

Quadro 7- Eficiência Energética, China, Políticas. Selecionadas. ... 150

Quadro 8- Evolução da Política Climática Chinesa, 1988-2015. ... 152

Quadro 9- Energia Renovável na China, Políticas Selecionadas. ... 158

Quadro 10- 13º Plano Quinquenal para o Desenvolvimento Energético, principais metas. ... 162

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Tabela 1-Evolução da emissão de CO2 global, 1920-1965 ... 40

Tabela 2– Fluxos de investimento em energias renováveis, segundo regiões, 2005-2015 ... 56 Tabela 3- Relação Reserva-Produção (R/P) (1), 2014 ... 147

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1– Variação da emissão de CO2 e do PIB mundial, 1961-2013 ... 44

Gráfico 2-Participação por país na emissão total de CO2 (excluindo uso da terra e silvicultura), 2013 ... 45

Gráfico 3- Distribuição das emissões globais de gases do efeito estufa, segundo setor, 2010. ... 46

Gráfico 4-Consumo de energia primária, segundo combustível, 2015 ... 46

Gráfico 5-Total de gás carbônico (CO2 ) emitido pelo consumo de energia, 1980-2040 ... 47

Gráfico 6- Consumo total de energia global, segundo combustível, 2011-2040 ... 49

Gráfico 7- LCOE médio global (1) para energias renováveis, 2010 e 2016 (2) ... 54

Gráfico 8- Fluxo de investimento (bilhões de US$), segundo tecnologia, 2005-2015 ... 57

Gráfico 9- Capacidade instalada global acumulada de energia renovável, segundo fonte, 2000-2015 ... 58

Gráfico 10- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia eólica, 2016. ... 60

Gráfico 11- Ranking de países por capacidade elétrica instalada em energia solar, 2016. ... 61

Gráfico 12- Maiores produtores de turbinas eólicas (onshore) por capacidade encomendada, 2016. ... 62

Gráfico 13- Maiores produtores de módulos fotovoltaicos por capacidade encomendada, 2016. ... 63

Gráfico 14- Intensidade energética global (Koe/US$2005) (1), 1990-2015. ... 64

Gráfico 15- Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, 2015. ... 65

Gráfico 16- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1973. ... 109

Gráfico 17- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1985. ... 109

Gráfico 18- Participação das fontes energéticas na Oferta Total de Energia Primária (OTEP), Alemanha, 1997. ... 111

Gráfico 19- Emissão Anual de CO2 (1), Alemanha 1975-2013. ... 119

Gráfico 20- Geração de Energia Elétrica na Alemanha, Total e Renovável (GW/h) . ... 126

Gráfico 21- Capacidade Elétrica Instalada em Energia Renovável (GW) na Alemanha, 2000-2015. ... 128

Gráfico 22- Consumo Energético Primário (Mtoe) e Intensidade Energética (1). ... 129

Gráfico 23- Produção de Eletricidade por Fonte Nuclear (% do total), Alemanha, 1970-2014. ... 131

Gráfico 24- Importação de energia em relação ao total de energia primária consumida. ... 132

Gráfico 25- Número de Empregos Acumulados no Setor de Energia Renovável, Alemanha, 2015. ... 134

Gráfico 26- Variação anual do PIB, Variação do Consumo de Energia Final e Variação da Emissão anual de CO2, China, 1975-2013. ... 138

Gráfico 27- Produção Energética Primária (Mtoe) China, 1970-2006. ... 140

Gráfico 28- Consumo de Energia Primária (1970-2015) em Mtoe (1). ... 146

Gráfico 29- Intensidade Energética, China, 1990-2014. ... 146

Gráfico 30- Importações líquidas de energia como porcentagem do uso energético, 1971- 2013. ... 148

Gráfico 31- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2005 . ... 155

Gráfico 32- Capacidade de geração elétrica instalada por fonte, China, 2015. ... 156

Gráfico 33- Tendência de investimento em energia renovável, excluindo hidrelétrica, China, 2004-2015. ... 160

Gráfico 34- Capacidade elétrica renovável instalada (GW) na China (hidrelétrica, solar e eólica), 2004-2015. 161 Gráfico 35- - Número de Empregos Acumulados, Indústria de Energia Renovável, China. ... 163

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INTRODUÇÃO... 15

CAPÍTULO 1 ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO ... 23

1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional ... 26

1.2 O Lock-in do Carbono e a Necessidade de Descarbonização ... 33

1.2.1 Entendendo a Sociedade do Hidrocarboneto ... 34

1.2.2 A Necessidade de Transição ... 41

1.2.3 As Energias Renováveis e Economia de Energia: a descarbonização do sistema energético ... 52

CAPÍTULO 2 COMO PROMOVER A EMERGÊNCIA DE ALTERNATIVAS DE BAIXO-CARBONO?... 67

2.1 “A Nova Razão do Mundo” e o Estado versus Mercado ... 71

2.2 O Estado e o Sistema Nacional de Inovação ... 75

2.3 O Sistema de Inovação Sustentável e o Sistema Político de Transição Energética ... 82

2.3.1 Políticas Públicas para a Transição Energética ... 90

2.3.1.1 Políticas de Demanda ... 90

2.3.1.2 Políticas de Oferta ... 95

2.3.1.3 Outras Políticas ... 100

2.3.2 Além das Políticas Públicas: a transformação de “baixo para cima”... 101

CAPÍTULO 3 ALEMANHA E CHINA: DESENHOS DO SISTEMA POLÍTICO PARA A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA ... 103

3.1 O Caso Alemão... 105

3.1.1 Do Movimento Ambientalista e Antinuclear ao Energiewende ... 105

3.1.2 Princípios da Energiewende e as Políticas em Vigor... 117

i) Combate à mudança climática ... 118

ii) Estímulo ao desenvolvimento das energias renováveis e eficiência energética... 122

iii) Redução e eliminação dos riscos da energia nuclear ... 130

iv) Importação de energia e segurança energética ... 131

v) Fortalecimento das economias locais e justiça social ... 132

3.2 O Caso Chinês ... 134

3.2.1 Da Abertura Econômica ao Novo Século ... 135

i) Segurança energética doméstica ... 145

(14)

4. CONCLUSÃO... 171 5. REFERÊNCIAS ... 177

(15)

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis capazes de mitigar os danos causados pelo homem ao meio ambiente sem, entretanto, frear o desenvolvimento econômico1 retomou fôlego, mostrando-se novamente como uma questão indispensável para aqueles que pretendem tratar os problemas recentes e seus desdobramentos futuros. O debate presenciado nos anos 1970 que trouxe à tona a preocupação com a mudança climática e a possibilidade de escassez de recursos volta a figurar como vital para o entendimento profundo dos desafios colocados.

Esse debate teve origem com o trabalho publicado por Meadows et al. (1972), pesquisadores do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) em 1972 – que previa a insustentabilidade do crescimento econômico mediante os recursos naturais limitados e propunha o crescimento zero como solução – fez nascerem no âmbito acadêmico posições otimistas e pessimistas quanto à possibilidade da humanidade encontrar caminhos inteligentes de ação para enfrentar o problema ambiental.

Christopher Freeman, um dos principais expoentes desse debate, afirmava que o pessimismo representado pelo grupo de pesquisadores do MIT não levava em conta que, mediante as evidências de catástrofes ambientais e falta de recursos futuros, a sociedade poderia responder de forma adaptativa aos efeitos deletérios da ação humana sobre o meio ambiente e complementa que “não deveríamos cair no erro de alguns ecologistas pessimistas: falhar ao considerar o tremendo potencial da mudança técnica em relação aos sistemas sociais humanos” (FREEMAN, 1973, p. 11).

Além disso, na periferia do sistema, autores como Furtado (1974) e Herrera et al. (1976) advogavam que as hipóteses do modelo World 32 não levavam em conta a substancial desigualdade produtiva e de consumo dos países centrais e periféricos. Furtado vai além, afirmando que a hipótese de generalização do padrão de consumo do centro – uma das principais hipóteses do modelo – representava um mito de desenvolvimento “vendido” pelo centro e muitas vezes aceito pelos países periféricos e por seus estudiosos.3

Mais de 30 anos após esse debate, os problemas e os questionamentos não diminuíram, podendo-se dizer que aumentaram de tamanho e de complexidade e imaginar

1 Sem demais considerações por ora sobre o tema, qualifico que “desenvolvimento econômico”, nesse trabalho, é

muito mais do que crescimento econômico e, mediante as necessidades ecossistêmicas que temos presenciado, coloca-se em questionamento se o crescimento econômico como conhecemos atualmente, medido pelo PIB, seja condizente com essas necessidades. Sobre isso ler Jackson (2009).

2 Como ficou conhecido o modelo do trabalho de Meadows et al. (1972). 3 Esse debate será aprofundado no segundo capítulo desse trabalho.

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caminhos de ação se tornou uma tarefa mais árdua. Isso porque o problema ambiental e seus efeitos sobre a sociedade estão tomando grandes proporções e o tempo de ação frente às grandes transformações necessárias fica cada vez menor. Atualmente há inúmeras evidências de que a ação antropogênica de facto é o principal fator das mudanças ecossistêmicas especialmente pela emissão de gases do efeito estufa 4que suas principais atividades econômicas geram, algo que ainda era uma possibilidade nos anos 1970. A partir da gravidade das evidências, o problema fica um pouco mais claro do que era nos anos 1970. Realmente os recursos são limitados e a capacidade da Terra em absorver os impactos também, mas se as transformações correntes têm como principal motor a ação humana, a sociedade não teria a obrigação e a capacidade de revertê-las?

Uma das grandes contribuições desse primeiro debate foi trazer a questão ambiental para as discussões acadêmicas e principalmente inseri-las no âmbito econômico e tecnológico. Com as evidências crescentes de que a questão ambiental se tornava um tema inescapável, duas eram as principais posturas existentes: advogar por um crescimento zero em um mundo extremamente desigual em que grande parte das pessoas não tinha acesso aos recursos básicos de subsistência ou acreditar que a sociedade poderia reverter o quadro catastrófico mediante escolhas inteligentes que, além de mitigar os problemas ambientais, permitiria incrementos nos padrões de vida dos países menos desenvolvidos.

Esse trabalho vai em direção à segunda opção, mas de uma maneira crítica, considerando as ressalvas que ela possa exigir, especialmente ressaltando que não é possível acreditar que somente o desenvolvimento tecnológico será responsável por solucionar os problemas apresentados. A mudança do paradigma tecnológico para evitar que catástrofes se realizem, como a prevista por Meadows et al. (1972), envolve a esfera tecnológica e social/institucional. Mediante as mudanças ecossistêmicas que a sociedade tem presenciado e a ineficácia de grande parte das ações realizadas nas últimas décadas para combater essas mudanças, coloca-se o desafio de retomar e redesenhar esses caminhos que possam ser seguidos, especialmente quanto à possibilidade de transição para uma economia de baixo-carbono. A partir desses apontamentos, as duas grandes perguntas desse trabalho são: por que a diminuição das emissões através do desenvolvimento de alternativas tecnológicas mais limpas, especialmente na infraestrutura energética, se dá de maneira tão lenta mesmo mediante tantas evidências que apontam a necessidade latente de sua realização? E, dada a

4 Segundo a The Royal Society and the US National Academy of Sciences (2010, p. 2) “Gases do efeito estufa

como o 𝐶𝑂2 absorvem o calor (radiação infravermelha) emitidos pela superfície terrestre. O aumento da concentração desses gases na superfície terrestre causa um maior aquecimento da Terra por atuar como um cobertor que segura o calor”.

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inércia que se verifica, quais os arranjos, atores e instituições são necessários para acelerar esse processo?

De fato, os desafios são muitos e buscar desvendar essas questões não é trivial. As mudanças ecossistêmicas em curso se caracterizam especialmente pela ultrapassagem das fronteiras dos limites operacionais seguros para a Terra nas quais as mudanças climáticas desencadeadas são as mais conhecidas. As consequências da ação deletéria do ser humano irão afetar elementos básicos da vida, como o acesso à água, a produção de alimentos, a saúde e o meio ambiente (ROCKSTRÖM et al., 2009). Nossas ações correntes e futuras podem causar riscos de grande ruptura econômica e sociais semelhantes à escala das grandes guerras e da grande depressão da primeira metade do século XX, e essas rupturas poderão ser muito difíceis ou impossíveis de reverter caso mudanças profundas não sejam feitas (STERN, 2007). Dentre os afetados por essas mudanças, os países mais pobres serão os mais atingidos. Trabalhos como os de Burke, Hsiang e Miguel (2015) trazem previsões de efeitos assimétricos para os países. Os impactos macroeconômicos da mudança climática trariam uma queda do PIB per capita mundial de 23% ao longo do século XXI e dependeriam da temperatura média inicial de cada região, ou seja, as regiões mais quentes – com temperatura média anual maior que 13ºC – sofreriam queda no crescimento econômico com o aumento da temperatura; o efeito não-linear das mudanças climáticas traria novos deslocamentos de riqueza, afastando-a das regiões mais quentes, tradicionalmente mais pobres e concentrando-a nas regiões mais frias.

A 21ª Conferência das Partes (COP21) em Paris, em 2015, a maior conferência sobre o clima já realizada, retomou o estado de urgência e a necessidade de diminuir a emissão de gases poluentes provenientes da queima de combustíveis fósseis, a fim de evitar consequências econômicas e sociais drásticas provenientes das mudanças climáticas. Metas mais duras, como tentar limitar em até 1,5ºC o aumento da temperatura média global em relação à era pré-industrial (ao invés de 2ºC) foram colocadas em ampla discussão,5 além do acordo de auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento para lidar com os problemas climáticos e promover uma economia mais sustentável.

Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC (2014a), a redução significativa das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa é vista como a única saída para evitar a elevação da temperatura mundial e a consequente ocorrência de catástrofes ambientais. Neste sentido, aconselha-se que o nível de dióxido de carbono (CO2

5 Apesar da ampla discussão, a meta acordada na COP21 foi de 2°C até o fim do século, mas com o

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)na atmosfera, estimado em 270 partes por milhão (ppm) na era pré-industrial e registrado em 400 ppm atualmente, não deva ultrapassar 450 ppm (IPCC, 2014a).

Portanto, as respostas a esses desafios exigem transformações estruturais organizadas e planejadas se a sociedade não quiser ser “surpreendida” por grandes transformações que, inclusive colocam ainda mais pressão sobre o meio ambiente. Estima-se que uma grande mudança estrutural, econômica e social, já em curso, deslocará dois terços da população mundial para áreas urbanas até 2050, e aumentará a demanda por energia em 70% em média até o mesmo ano (IEA, 2016a). Outras previsões são ainda mais preocupantes: estima-se que em um mundo de 9 bilhões de habitantes, em que todos aspirem a estilos de vida ocidentais, a intensidade de carbono a cada unidade em dólar do PIB terá que alcançar, em 2050, pelo menos 130 vezes os níveis atuais (JACKSON, 2009). Níveis incompatíveis com a vida da Terra.

Como afirmou o secretário-geral da ONU na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris sobre mudança climática “a era do consumo sem consequências acabou”6 e é preciso uma reestruturação da sociedade em várias frentes para que as graves consequências em curso não sejam irreversíveis.

Vivemos na “Era do Antropoceno”, na qual os seres humanos são agentes determinantes nas mudanças a nível planetário e o esforço para rever ou minimizar os impactos já não são suficientes: há a urgência de ações que abram janelas para inovação e há necessidade latente de novos paradigmas, que não quebrem somente as fontes de energia fósseis, mas o padrão de consumo sem limites (ROCKSTRÖM et al., 2009). Portanto, ao se tratar da necessidade da transição para uma economia de baixo-carbono não é suficiente lidar apenas com a redução dos gases do efeito estufa, mas da transformação do modo de vida contemporâneo que subestima a importância dos recursos ecossistêmicos, excluindo-os dos cálculos básicos de manutenção do sistema.

Feitas essas considerações, essa dissertação busca endereçar as duas perguntas anteriormente apresentadas em três frentes: 1) explorar o arcabouço teórico necessário para entender os problemas apresentados; 2) entender como o papel do Estado pode estar relacionado à saída da dependência existente no uso intensivo do carbono e 3) a partir de dois exemplos concretos (Alemanha e China), explorar o desenho de políticas desses dois países

6 SECRETÁRIO-GERAL da ONU: “a era do consumo sem consequências acabou”. Rádio ONU, 22 abril 2016.

Disponível em: <

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que declaram estar comprometidos com uma transição para uma economia e, especialmente, com um sistema energético de baixo-carbono.

Nesse ínterim, as políticas endereçadas à infraestrutura energética e seu papel na redução das emissões será o foco desse trabalho, apesar de que os desafios são muito maiores do que “apenas” reduzir as emissões de CO2no meio ambiente. Busca-se aqui entender de que maneira o Estado pode estimular o desenvolvimento e difusão de energias renováveis por meio de políticas públicas que procurem aliar a busca por inovações com a questão ambiental, ou seja, a busca por um sistema nacional de inovação sustentável,7 sem, entretanto desconsiderar as questões bastante complexas que estão envolvidas, procurando sempre mantê-las como questionamentos presentes nessa dissertação.

Trata-se aqui, especialmente, da transformação de uma das maiores infraestruturas já existentes e de fundamental importância para a transição para uma economia de baixo-carbono: a matriz energética na sociedade contemporânea e maneiras mais eficientes de utilizá-la. Com políticas públicas fortes e deliberadas, acredita-se ser possível reduzir emissões nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, e por essas políticas passa o incentivo ao desenvolvimento e difusão de inovações em tecnologias de baixo-carbono, como as energias renováveis.

Entretanto, os desafios para a promoção dessa transição não são nada triviais. Existe uma estrutura de custos irrecuperáveis, riscos e incertezas muito grandes quanto ao sucesso dessas tecnologias mais limpas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO, 2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015). Além disso, as várias tentativas de introdução de inovações tecnológicas sustentáveis têm esbarrado em barreiras previamente estabelecidas que compõem o que chamaremos aqui de lock-in do carbono8.

Assim, para entender a dificuldade apresentada no desenvolvimento de tecnologias renováveis é necessário entender como as tecnologias se consolidam e, mais que isso, como elas podem impedir que alternativas a elas se desenvolvam, por isso se justifica a exploração teórica do desenvolvimento e difusão de tecnologias.

7 O termo sustentável, inclusive, também é fonte de debates acadêmicos, isso porque ele tem sido largamente

utilizado e tem adquirido tantas significações que fica bastante difícil entender realmente do que se trata. Nesse caso, o termo é derivado da definição de desenvolvimento sustentável que é o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades da geração corrente sem comprometer a capacidade das futuras gerações a fazer o mesmo” (WCED, 1987, p. 47), ou seja, um sistema de inovação sustentável busca contribuir tecnologicamente e institucionalmente para esse objetivo. Para um maior aprofundamento desse debate ler Corazza, Bonacelli e Fracalanza (2013).

8 O termo lock-in do carbono será largamente discutido nesse trabalho. Por ora, entende-se por lock-in do

carbono é o aprisionamento das economias em estruturas complexas que se estabelecem pelo uso intensivo de combustíveis fósseis e impedem que alternativas, como energias limpas, se deselvolvam e se difundam. Essas estruturas só podem ser verdadeiramente compreendidas, segundo Unruh (2000, 2002) a partir da consideração de que os mesmos estão imersos em um contexto não só tecnológico e social.

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À luz dessa inspiração, a proposta desse trabalho é também analisar a existência de obstáculos em direção ao uso de tecnologias energéticas mais sustentáveis, e as possibilidades de quebrar essas barreiras. Unruh (2000, 2002) afirma que as economias industriais, e cada vez mais as em desenvolvimento, estão presas a uma economia baseada em combustíveis fósseis através de um processo de co-evolução tecnológica e institucional alimentado pelos retornos crescentes auferidos dessas atividades já consolidados. Essa dependência, chamada de lock-in do carbono, emerge da combinação de forças sistemáticas que perpetuam infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis, apesar de suas externalidades ambientais conhecidas e também em detrimento de alternativas economicamente viáveis e socialmente superiores.

O sucesso de uma inovação e da adoção de uma tecnologia depende de sua trajetória de desenvolvimento, além de características iniciais do mercado, de fatores institucionais e regulatórios que governam sua introdução e da expectativa dos consumidores (FOXON, 2002, p. 2). Entretanto, o fato de tecnologias dominantes proporcionarem retornos crescentes de escala, devido ao que Arthur (1990) chama de positive-feedbacks, possibilita o aprisionamento de economias, mesmo as desenvolvidas, em trajetórias inferiores de desenvolvimento, ainda que frente a alternativas potencialmente superiores.

Assim, aponta-se que o “aprisionamento” das economias industriais em trajetórias intensivas em carbono é, de forma similar, resultado de barreiras criadas pelo desenvolvimento de infraestruturas baseadas em tecnologias previamente adotadas.

Entender de que maneira essas relações preservam a estrutura da economia baseada em carbono e como podem ser quebradas é a inquietação de muitos estudiosos contemporâneos que acreditam na introdução de tecnologias renováveis como uma alternativa viável e de urgência para evitar desastres ambientais com graves consequências sociais e econômicas, como já colocado.

Políticas públicas são o principal instrumento para superar o lock-in do carbono estabelecido, especialmente aquelas ligadas ao desenvolvimento tecnológico e difusão das energias mencionadas (HOPKINS; LAZONICK, 2012; MAZZUCATO, 2011; MAZZUCATO; SEMIENIUK; WATSON, 2015; UNRUH; CARRILLO-HERMOSILLA, 2006; UNRUH, 2000, 2002). Os autores afirmam que essas políticas podem agir no sentido de promover retornos crescentes em políticas mais sustentáveis e assim promover o desenvolvimento e estabelecimento dessas tecnologias, atuando tanto na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de baixo-carbono, quanto no setor produtivo como

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market-maker, permitindo o aprendizado, a redução das incertezas e a aceitação de novas tecnologias

sustentáveis pelas firmas e famílias.

Entender que políticas públicas são importantes tanto na manutenção quanto na quebra de trajetórias tecnológicas e institucionais é atribuir ao Estado um papel muito além daquele atribuído pela lógica mainstream. Ao invés de meramente criar as condições para o funcionamento do mercado, admite-se, nesse trabalho, que o Estado tem um papel ativo na construção, manutenção e destruição de trajetórias tecnológicas. Apesar de considerar esse papel importante do Estado e das políticas públicas, não se pretende estabelecer uma visão ingênua do Estado, mas sim, discutir as suas possibilidades e limites de ação.

Assim, a partir dessas questões levantadas e dos objetivos do trabalho, essa dissertação é composta de três capítulos.

O primeiro capítulo buscou inicialmente retomar o arcabouço teórico-conceitual que serviu de base para o trabalho: visão evolucionária da economia e dos processos tecnológicos, apresentados na seção 1.1. Essa retomada era importante justamente para fazer frente a construtos teóricos convencionais que não estão abertos ao entendimento tecnológico e institucional de forma dinâmica e orgânica e impedem o entendimento de fenômenos complexos e não lineares como os aprisionamentos tecno-institucionais. A seção 1.2 desenvolve o conceito de lock-in na teoria evolucionária e o aplica para o lock-in do carbono, especialmente o lock-in energético que envolve as grandes estruturas mantenedoras do sistema capitalista contemporâneo. Além do conceito de lock in do carbono, realiza-se um retomado histórico da formação do lock-in do carbono e da origem da “Sociedade do Hidrocarboneto” e posteriormente, ao analisar o lock-in do carbono e a formação dessa sociedade, faz-se um panorama da possibilidade de transição energética para uma economia de baixo-carbono, levantando alguns pontos importantes concernentes às energias renováveis, bem como algumas barreiras presentes em seu desenvolvimento.

O segundo capítulo dessa dissertação teve o intuito principal de discutir as possibilidades de ação do Estado, mediante políticas públicas, na ruptura do lock-in energético intensivo em combustíveis fósseis. Buscou-se, nesse capítulo apresentar primeiramente na seção 2.1 a discussão Estado versus mercado, cuja visão dominante (a da existência dessa divisão) tem promovido consequências graves em vários setores por limitar ou mesmo impedir uma ação mais profunda do Estado em questões fundamentais do desenvolvimento econômico e social – no qual a questão ambiental tem ganhado cada vez mais destaque e cujo tratamento e entendimento parecem inevitáveis atualmente. Feita essa

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discussão, o capíitulo segue apresentando o conceito de sistemas nacionais de inovação na seção 2.2, demonstrando com exemplos históricos a importância da formação de sistemas nacionais maduros para a superação de desafios de desenvolvimento em que a questão tecnológica tem papel central e o Estado exerce um papel fundamental. Posteriormente, apresenta-se na seção 2.3, inspirado na discussão de sistemas nacionais de inovação, um possível desenho de um sistema de inovação sustentável, conceito recente cujo desenho vem sendo montado por economistas e demais estudiosos que acreditam que a busca da inovação não pode mais ser separada das políticas ambientais. De forma complementar, sistematizam-se alguns tipos de políticas púbicas possíveis (oferta, demanda e outras) para promoção de energias renováveis, bem como o uso mais eficiente da energia existente, discutindo por fim a necessidade de que essas políticas sejam acompanhadas de mudanças além das tecnológicas.

Já o terceiro capítulo buscou, a partir do caso Alemão e Chinês, entender como esses países pretendem atingir as ambiciosas metas e objetivos que se colocaram nos últimos anos quanto à transição energética. Pretende-se, portanto, entender a situação energética atual desses países bem como traçar um perfil de ação de cada um, descobrindo qual a importância das políticas públicas nesse processo e de que maneiras essas políticas se projetam na sociedade como um todo (nas empresas, famílias e no próprio Estado); a primeira parte exploratória dessa busca está presente na seções 3.1 e 3.2 referente à Alemanha e China, respectivamente, onde trabalhou-se um pouco do histórico energético desses países e seus resultados nas ações atuais. Pretendeu-se, posteriormente, sistematizar as ações envolvidas, levando-se em conta as especificidades históricas, sociais e econômicas, bem como realizar um panorama de “lições aprendidas” ou possíveis exemplos de ação inteligente, mais uma vez não se esquecendo das especificidades nacionais, buscando identificar a presença do que se chamou no segundo capítulo de um sistema nacional de inovação sustentável. Essas reflexões estão presentes na seção 3.3.

Finalmente, a conclusão apresenta a retomada de alguns dos principais pontos tratados nos capítulos precedentes, abrindo espaço para a discussão e aperfeiçoamento do debate até aqui apresentado.

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CAPÍTULO 1

ALTERNATIVAS TEÓRICAS E O LOCK-IN TECNOLÓGICO

Entender como uma tecnologia se consolida é importante para o presente trabalho, isso porque só é possível entender como sua presença elimina alternativas se entendermos que vantagens estão envolvidas em sua permanência. Ao se deparar com manuais de microeconomia, é possível perceber que parte significativa dos construtos teóricos convencionais representam a economia como um sistema newtoniano, linear, com um único equilíbrio determinado pela disposição de recursos naturais, geográficos, populacionais, pelos gostos dos consumidores e pelas possibilidades tecnológicas.9 Essas abordagens têm como hipótese principal os retornos decrescentes, já que as ações econômicas ocasionam feedbacks negativos que no longo prazo levam a economia para um equilíbrio de preços e de divisão do mercado – qualquer choque ou mudança gerará de forma automática o ajuste e a volta para o inevitável equilíbrio (ARTHUR, 1990).10

Nesse tipo de economia, o futuro, ou seja, os caminhos tecnológicos e a disposição de preços e quantidades de bens podem ser previstos por meio de distribuições probabilísticas verdadeiras, de forma que os agentes saibam ex ante os riscos tomados, já que as possibilidades tecnológicas são dadas, a racionalidade é absoluta e o equilíbrio – que representa o melhor resultado possível – é calculável. O mercado, por si, seleciona dentre as alternativas a melhor possível e a história não é determinante, já que significa unicamente que no longo prazo o equilíbrio é o caminho. Qualquer choque nesse sistema virtuoso afasta-o temporariamente de sua “vocação natural” ao equilíbrio, mas não de forma permanente, já que o mesmo é capaz de compensar as perturbações externas, através do livre funcionamento do mercado, de maneira a reestabelecer o equilíbrio anterior.

Os defensores dessas abordagens convencionais não acreditam, entretanto, que o “mundo” funcione dessa maneira, mas acreditam que a assunção de pressupostos tão fortes é a maneira mais acertada de analisar problemas complexos. A crítica abordada aqui é justamente apontar que a adoção de muitos desses pressupostos traz incoerências grandes com a realidade

9 Aqui estamos a nos referir especialmente aos modelos neoclássicos em sua versão mais consagrada dos

manuais de Microeconomia.

10 Arthur utiliza o exemplo clássico do choque do Petróleo nos anos 1970 para explicar o funcionamento do sistema econômico pela teoria convencional. Segundo os teóricos convencionais, o aumento do preço do petróleo encorajou a economia de energia e aumentou a busca por novas fontes de petróleo, promovendo uma queda dos preços nos anos 1980. Essa teoria explicaria esse fenômeno através do reestabelecimento do inevitável equilíbrio. O próprio choque do petróleo, pelas forças da oferta e da procura, seria esgotado por retornos decrescentes, que direcionariam novamente a economia para o estágio anterior. Nesse contexto não se consideram os efeitos do que podemos chamar de histerese, termo emprestado da física para designar a dependência de uma nova posição de equilíbrio em relação ao passado recente, ou seja, eventos durante o processo de ajuste dinâmico de um sistema afetam o “resultado final” (BLACK, 2002).

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e, por mais que suas limitações sejam reconhecidas, muitas vezes são usados indiscriminadamente como verdade econômica, afetando substancialmente as ações dos

policy-makers.

Se esse tipo de abordagem dos manuais de microeconomia pode ser adequada a uma economia manufatureira e agrária do século XIX, ela não encontra aderência na realidade tecnológica-intensiva que observamos em nossos dias. Numa realidade marcada pelos ventos da destruição criadora11 e de concorrência entre grandes grupos empresariais, as condições futuras colocam-se na medida em que são tomadas as decisões no presente, de forma que o sistema parece evoluir.

Portanto, para entender a dinâmica do sistema capitalista contemporâneo, precisam-se assumir hipóteses que permitam a inserção da complexidade de um sistema orgânico, no qual o todo não é a soma de partes atômicas – que não se relacionam entre si – mas sim o resultado da co-interação de partes que influenciam e que se deixam influenciar. A assunção dessas hipóteses permite incorporar à análise que o desenvolvimento e difusão de inovações e novas tecnologias fazem parte de um sistema maior composto por fatores técnicos e sociais.

Dessa forma, alternativamente à teoria tradicional, esse trabalho parte de uma concepção evolucionária do sistema econômico, tendo como base diversos autores ( ARTHUR, 1990; DAVID, 1985; FREEMAN, 1984; PEREZ, 1983; DOSI, 1982). A observação da realidade demonstra que não é possível aceitar a hipótese de um único equilíbrio resultante dos retornos decrescentes de escala, já que as “forças estabilizadoras” do mercado na seleção de caminhos tecnológicos não se verificam. Ao contrário, feedbacks positivos reforçam pequenas mudanças na economia e não geram, pela força automática do mercado, estabilizadores como propõe a teoria convencional. Em uma economia de feedbacks positivos, não há um único equilíbrio possível, mas vários, e não há garantia de que o equilíbrio estabelecido é o melhor em relação a alternativas.

Portanto, o sucesso de uma inovação ou de uma nova tecnologia pode não depender unicamente de seus fatores técnicos, mas de seu caminho de desenvolvimento, o chamado path-dependency que inclui as características iniciais do mercado, as características regulatórias presentes na introdução de uma inovação ou tecnologia e as expectativas dos consumidores (DAVID, 1985) e que determinam se ela será ou não um projeto dominante (UTTERBACK, 1996).

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Também nessa perspectiva, as inovações – que são motores da dinâmica econômica – não são analisadas e entendidas como parte de um processo linear que começa com o P&D e termina com a comercialização de um novo produto/tecnologia, mas sim como um processo de combinações de possibilidades técnicas e de oportunidades de mercado que envolve múltiplas interações e tipos de aprendizado (FREEMAN; SOETE, 2008).

A dinâmica de cumulatividade de vantagens ou retornos dentro dos sistemas tecnológicos dá origem – e realimenta – estruturas maiores denominadas paradigmas

tecno-institucionais,12 que colocam fronteiras institucionais implicitamente delimitadas para o florescimento de trajetórias tecnológicas. Esse arcabouço teórico é muito mais coerente com a física não-linear (em contraponto com a física newtoniana) e com a visão não-ergódiga, que incorpora a incerteza fundamental da economia, um dos motivos pela qual têm sido ignorada por muitos economistas. É, para muitos, bastante difícil se desvincular de um sistema de um único equilíbrio, que preserva a economia de anomalias e permite que a mesma possa ser analisada com o auxílio de um arcabouço matemático mais “simples” (ARTHUR, 1990).

O arcabouço evolutivo que busca uma maior aderência com a realidade empírica permite entender que os caminhos tecnológicos estabelecidos em uma economia podem não ser ótimos; mais que isso, permite o desafio teórico de entender a dificuldade que a economia pode ter para escapar de caminhos tecnológicos específicos, ou seja, de promover rupturas tecnológicas. Esse processo de inércia é o que se convencionou chamar de lock-in ou aprisionamento tecnológico.

A constatação de que as economias podem estar aprisionadas em determinados

lock-in’s é consequência, portanto, da incorporação das influências sociais e culturais na

análise do desenvolvimento de tecnologias, que vai além dos fatores técnicos e econômicos (KEMP, 2000). E com o lock-in do carbono não é diferente. O lock-in do carbono tem origens no padrão de produção e consumo que move a sociedade capitalista e que atende às diversas necessidades do homem contemporâneo – transporte, vestuário, moradia, alimentação, entre outras.

Para Unruh (2000, 2002), o conceito de lock-in do carbono é determinado pelo que o autor chama de Complexo Técnico-Institucional (CTI). O CTI surge como arcabouço conceitual para entender profundamente o estabelecimento e permanência de sistemas tecnológicos complexos – como a geração, distribuição e uso de energia elétrica. Esses sistemas complexos, segundo Unruh, só podem ser verdadeiramente compreendidos a partir

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da consideração de que os mesmos estão imersos em um contexto social, de instituições públicas e privadas condicionantes, uma vez que “o CTI é desenvolvido através do

path-dependency instituído a partir de feedbacks positivos entre as infraestruturas tecnológicas, as

organizações e instituições que as criam, as difundem e as empregam” (UNRUH, 2000, 2002).13 Uma vez estabelecidos, esses complexos são de difícil dissolução e, como já visto, impedem o estabelecimento de alternativas com grande potencial. Essa condição cria erros de política e mercado que dão suporte a lock-in’s tecnológicos como o do carbono (muitas vezes como consequência de projetos de segurança nacional, serviço universal, segurança energética, criação de demanda efetiva) ao mesmo tempo em que inibe a difusão de alternativas socialmente e ambientalmente melhores, como as tecnologias renováveis.

1.1 Conceitos de Lock-in Tecnológico e Institucional

Alguns estudiosos vêm tentando entender, de maneira formalizada, como se dão os lock-in’s tecnológicos desde meados dos anos 1980 (ARTHUR, 1990; COWAN, 1990; DAVID, 1985; LIEBOWITZ; MARGOLIS, 2016) e mais recentemente como se dá a relação entre mudança técnica e mudança ecológica (ELLIOTT, 2000; FOXON, 2002; FREEMAN, 1996; UNRUH, 2002).

Como visto, as tecnologias seguem caminhos de desenvolvimento específicos as quais podem atribuir ao sistema uma grande dificuldade de mudança. Esses caminhos podem persistir por longos períodos, mesmo quando confrontados com alternativas substitutas potencialmente superiores. Quais seriam os fatores responsáveis por esse aprisionamento tecnológico?

Basicamente, a literatura aponta dois instrumentos teóricos de análise para a ocorrência de lock-in’s tecnológicos, ambos intimamente relacionados e não claramente divisíveis: paradigmas tecno-institucionais e retornos crescentes de adoção. A divisão aqui colocada tem o propósito de expor de forma didática os principais conceitos relacionados a cada instrumental.

Paradigma tecnológico foi definido por Dosi (1982) como um conjunto de

soluções, um “modelo” para determinados problemas tecnológicos, “baseados em determinados princípios derivados das ciências naturais e em determinadas tecnologias materiais” (DOSI, 1982, p. 22).14 Esse conjunto de soluções é definido pelos membros da

comunidade tecnológica (engenheiros, firmas, institutos tecnológicos, instituições

13 Tradução própria.

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acadêmicas, policy-makers, etc.) e molda a natureza e a direção da mudança tecnológica. Todavia, prefere-se nesse trabalho chamar esse padrão de solução de paradigma

tecno-institucional inspirado em Perez (1983) e Freeman (1984), pois se entende que um padrão

somente se torna dominante e aufere retornos crescentes quando está colado a uma institucionalidade que o suporta. Segundo Freeman:

The widespread profitable generalization of the new paradigm throughout the system is possible only after a period of change and adaptation of many social institutions to the potentialities of the new technology. (FREEMAN, 1984, p. 499). Dentro de um paradigma tecno-institucional existem ainda as trajetórias

tecnológicas que são evoluções das diferentes tecnologias dentro do padrão de solução

pré-estabelecido, derivadas das aplicações efetivas ou potenciais desse paradigma, isto é, a “[...] atividade ‘normal’ de solução de problemas determinada pelo paradigma pode ser representada pelo movimento de ‘trade-offs’ multidimensionais entre as variáveis tecnológicas que o paradigma define como relevantes” (DOSI, 1982, p. 22).

O problema desse conjunto de soluções compartilhadas entre a comunidade tecnológica é que ele acaba por realimentar recorrentemente esse mesmo padrão, de forma que a evolução tecnológica se dá nos domínios das fronteiras pré-estabelecidas. Assim, os avanços tecnológicos serão direcionados para trajetórias que estejam dentro do limiar do paradigma, ou seja, serão realizadas inovações incrementais e não grandes rupturas tecnológicas.

Agora, quando se trata do processo de manutenção e quebra de paradigmas, atribui-se destaque à inovação como motor da dinâmica econômica. As inovações, que são novos produtos, processos entre outras novas mercadorias seriam as responsáveis pelas transformações tecnológicas e por novos ciclos de crescimento econômico. A mudança técnica genericamente pode ser classificada de três maneiras: inovações incrementais, inovações radicais e revoluções tecnológicas (FREEMAN, 1984).

As inovações incrementais estão relacionadas ao desenvolvimento “normal” do progresso tecnológico dentro do paradigma estabelecido. Elas ocorrem de forma mais ou menos contínua, mas estão presentes assimetricamente em diferentes indústrias. Não apresentam grandes efeitos econômicos quando analisadas de forma individual, mas seus efeitos conjuntos são importantes para o crescimento da produtividade. As inovações radicais são eventos descontínuos e estão associadas a longos ciclos da economia, tendo grande papel nos momentos de revoluções tecnológicas. Já as revoluções tecnológicas são os “ventos de

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destruição criativa” de Schumpeter, representando vários clusters de inovações incrementais e radicais que têm efeitos pervasivos sobre a economia, ou seja, esse tipo de mudança técnica não deve somente liderar a emergência de uma nova gama de produtos e serviços por si próprio, mas deve afetar outros ramos da economia, mudando a estrutura de custo de insumos e as condições de produção e distribuição do sistema (FREEMAN, 1984, p.497-498).

Ainda segundo Freeman (1984) podemos identificar uma revolução tecnológica a partir da presença de cinco elementos. O primeiro deles é a drástica redução de custos de muitos produtos e serviços. Essa redução pode não se dar de forma uniforme, mas de certa maneira possibilitar uma maior percepção favorável de oportunidades para novos investidores. O segundo elemento verificado é uma profunda melhora nas características técnicas de produtos e processos em termos de confiabilidade, precisão, velocidade e demais elementos de desempenho. O terceiro elemento que diferencia uma revolução tecnológica das demais mudanças técnicas, de fundamental importância, é a aceitabilidade social e política. Mesmo se os dois primeiros elementos estiverem presentes, é a aceitação social e política que garante a verdadeira difusão de um novo paradigma tecnológico, “mudanças legislativas, educacionais e regulatórias devem estar envolvidas [no processo de transformação tecnológica] bem como mudanças fundamentais no gerenciamento de processos e da postura dos trabalhadores” (FREEMAN, 1984, p. 498). Como um sub-elemento do terceiro, a aceitabilidade ambiental é o quarto elemento citado pelo autor como um fator cada vez mais importante para o sucesso de novas tecnologias. E por último, mas não menos importante, é a presença de efeitos pervasivos pelo sistema econômico como enunciado, ou seja, novas tecnologias que representam revoluções tecnológicas devem ter efeitos não somente dentro de sua classe original de aplicação, mas provocar efeitos sobre as decisões de investimento em todo o sistema econômico.

Voltando às raízes do lock-in, tem-se na literatura uma segunda fonte de aprisionamento tecno-institucional: os retornos crescentes de adoção que determinadas tecnologias propiciam. Como já afirmado anteriormente, feedbacks positivos são capazes de reforçar a atratividade de adoção de uma tecnologia quanto maior a própria adoção, aprisionando o mercado nessas tecnologias pioneiras e impedindo que outras tecnologias, por vezes potencialmente melhores, compitam. Esse fator decorre diretamente do primeiro, mas ao mesmo tempo o alimenta, o que mais uma vez é um motivo para olharmos a economia e os fatores tecnológicos na perspectiva de processos dinâmicos e evolutivos.

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Segundo a teoria convencional, na disputa de mercado por duas tecnologias com a mesma função, o mercado seleciona as tecnologias de acordo com suas potencialidades, ou seja, as duas tecnologias acabam dividindo o mercado numa proporção previsível que melhor explore o potencial de cada uma. Entretanto, a realidade empírica nos mostra algo diferente. Os clássicos exemplos do QWERTY15 de David (1985), do VHS versus Betamax16 de Arthur (1990) e mais recentemente dos reatores nucleares de Cowan (1990)17 demonstram que, dada duas ou mais tecnologias disputando o mercado com condições semelhantes, um pequeno ganho de parcela do mercado por qualquer uma delas frente às outras poderia levar a mesma a uma posição competitiva mais elevada, promovendo uma liderança na competição que tem vantagens cumulativas com o tempo.

As razões para os retornos crescentes de certas tecnologias podem ser divididas em quatro grandes classes principais: economias de escala, efeitos de aprendizagem,

expectativas adaptativas e economias de rede (ARTHUR, 1990).

15 O estabelecimento do QWERTY –teclado como a tecnologia dominante para a datilografia – traz esses aspectos de uma economia complexa, “determinada” por elementos muito mais variados do que a disposição de recursos. Segundo David (1985), a história importa e não pode ser ignorada. Isso porque as mudanças econômicas têm uma trajetória de dependência, um path-dependency, na qual os resultados podem ser extremamente influenciados e modificados por eventos temporários, não levando os processos aleatórios à convergência para um ponto de equilíbrio racionalmente determinado. Com a ilustração do QWERTY, David demonstra três fontes do lock-in que estão dentro das classes que descreveremos acima: inter-relacionamento

tecnológico; economias de escala e quase-irreversibilidade dos investimentos. O inter-relacionamento

tecnológico, no caso do QWERTY, refere-se à compatibilidade entre o hardware e o software, ou seja, utilizando uma linguagem moderna o autor trata da necessidade de compatibilidade entre a máquina e o conhecimento sobre a máquina (nesse caso dos datilógrafos). Isso significa que a o uso do QWERTY, primeiramente como teclado de datilografia, foi possibilitado pela existência de pessoas sendo treinadas para utilizar esse tipo de teclado e isso reforçou as vantagens de utilizar esse tipo de tecnologia e não outra. Ao mesmo tempo, a presença de um maior número de datilógrafos treinados nesta competência reforçou o ensino da datilografia no padrão QWERTY e não quanto a outra tecnologia. A maior aceitação desse sistema frente aos outros levou ao aumento de sua demanda e produção, o que por sua vez trouxe consigo ganhos de escala, reforçando ainda mais as vantagens (de custo e difusão/aceitação) de sua adoção e promovendo uma tendência à padronização para esse sistema cada vez mais dominante. O aprisionamento em certa tecnologia é ainda reforçado pelo quase-irreversibilidade dos investimentos, ou seja, a dificuldade e o alto custo para “converter” os ativos tangíveis e intangíveis para outra tecnologia.

16 A história da disputa entre o VHS e o Beta é, segundo Arthur, um exemplo simples de uma economia baseada em feeedbacks positivos. Inicialmente, as duas tecnologias disputavam o mercado de VCR de forma muito parecida, com preços muito semelhantes, qualquer uma das duas tecnologias poderia ter auferido de retornos crescentes, mas a VHS começou a auferir desses retornos primeiro, o que inclinou o mercado para essa tecnologia. Vários podem ter sido os fatores que levaram a isso, talvez “sorte” ou algum tipo de manobra coorporativa, mas o certo é que a tecnologia VHS passou a propiciar primeiramente de retornos crescentes, reduzindo seus custos, reduzindo a incerteza dos produtores e consumidores quando à sua eficácia e longevidade e espraiando seu uso. Essas características fizeram com que essa tecnologia dominasse o mercado em detrimento da Beta.

17 O caso dos reatores nucleares é um dos mais recentes exemplos utilizados pelos estudiosos para representar as

falhas de escolha pelo mercado. Reatores nucleares de água leve são considerados inferiores a outras tecnologias, entretanto representam a tecnologia dominante. Segundo Cowan (1990), grande parte disso é responsável pela adoção e desenvolvimento, na Marinha americana, do submarino com propulsão de água leve. Quando houve o crescimento da demanda por energia nos anos 1980 essa tecnologia tinha auferido de muitas vantagens de desenvolvimento e redução de custos em relação às demais devido a essa adoção.

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A primeira, e mais conhecida, são as economias de escala, que representam basicamente a queda do custo unitário de produção de um produto na medida em que se amplia a escala produtiva. Elas estão ligadas especialmente à diluição dos custos fixos com o ganho de escala. Geralmente, uma tecnologia/projeto dominante possui grandes “custos represados” provenientes dos investimentos nela realizados anteriormente. Assim, os incentivos para investir em tecnologias alternativas serão diminutos se a tecnologia dominante ainda proporcionar retornos financeiros provenientes de economias de escala.

A segunda fonte de retornos crescentes são os efeitos pelo aprendizado ou

learning-by-doing (ARROW, 1971) que reduzem os custos ou promovem melhorias dos

produtos conforme ocorre o acúmulo de habilidades e conhecimentos específicos sobre a própria produção e o mercado.

A terceira fonte, que reforça as duas primeiras seriam as chamadas expectativas

adaptativas, que surgem da diminuição da incerteza quanto ao futuro de certa tecnologia

quando produtores e consumidores se encontram mais confiantes em relação a sua qualidade,

performance e longevidade.

E a última – e mais importante por ser a principal associada ao lock-in tecnológico – são os efeitos de rede ou coordenação, que ocorrem quando o uso de dada tecnologia por mais de um agente traz vantagens para aqueles que a utilizam (KATZ; SHAPIRO, 1985). Neste caso temos como exemplo as tecnologias de telecomunicação: quanto mais pessoas possuem, diga-se, um telefone celular, maior a vantagem de se ter um destes aparelhos, já que o quadro de pessoas que podem se comunicar é maior. Isso ocorre porque as tecnologias não são unidades físicas isoladas, mas parte de uma ampla rede que consiste em infraestruturas múltiplas que as suportam e tecnologias interdependentes, resultando em uma rede não somente física, mas técnica, econômica e institucional que permite a sobrevivência das tecnologias.18

Segundo Arthur (1990), em um modelo de competição simples entre duas tecnologias, esses efeitos sobre os retornos crescentes podem ampliar pequenas diferenças aleatórias entre as tecnologias, ou seja, dado que uma tecnologia aufere de retornos maiores ou previamente em relação a outras tecnologias, existe uma grande probabilidade que essa tecnologia atinja a dominância completa do mercado em detrimento da outra. É importante ressaltar que essas fontes de retornos crescentes não são necessariamente correspondentes às

18 As externalidades de rede são uma classe de retornos crescentes bastante estudadas na literatura. Para saber

mais sobre a co-evolução de tecnologias em clusters, resultantes das externalidades de rede consultar Freeman e Perez (1988). Sobre clusters históricos uma importante referência é Grübler (1998).

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potencialidades das tecnologias, inclusive, não garantindo que a tecnologia estabelecida para um determinado mercado seja a melhor entre todas as alternativas possíveis e é isso que se procura enfatizar: a falácia da seleção ótima pelo mercado.

Como a competição entre tecnologias é determinado pelas vantagens crescentes que surgem entre elas, o mercado não é capaz de selecionar a tecnologia com maior potencial ou, revelar as limitações potenciais daquela tecnologia. E isso é mais do que esperado, uma vez que o processo de desenvolvimento e pesquisa, uso e aprendizagem posteriores é que serão capazes de revelar as potencialidades e limitações da tecnologia selecionada até porque a economia está embebida no que se chama de incerteza knightiana, em que o futuro não pode ser exatamente previsto por meio de probabilidades verdadeiras. Porém, chama-se a atenção justamente para o fato de que, como os benefícios de adoção são crescentes, pode ser que os avanços no uso de tal tecnologia tornem praticamente impossíveis o desenvolvimento de alternativas. É mais fácil continuar com o padrão adotado do que partir para um novo padrão, uma nova trajetória tecnológica. Isso ocorre não só devido a incerteza quanto às novas tecnologias, mas devido a ativos imobilizados presentes na adoção da tecnologia estabelecida que torna muito custosa a mudança.

Segundo Arthur:

A technology that improves slowly at first but has enormous long-term potential could easily be shut out, locking an economy into a path that is both inferior and difficult to escape […] Technologies typically improve as more people adopt them and firms gain experience that guides further development. This link is a positive-feedback loop: the more people adopt a technology, the more it improves and the more attractive it is for farther adoption. When two or more technologies (like two or more products) compete, positive feedbacks make the market for them unstable. If one pulls ahead in the market, perhaps by chance, its development may accelerate enough for it to corner the market. A technology that improves more rapidly as more people adopt it stands a better chance of surviving- it has a “selection advantage” (ARTHUR, 1990, p. 92).

Esse raciocínio está em linha com o conceito de projeto dominante de Utterback (1996). Ao aprofundar exemplos históricos de modo a entender o papel na inovação na estratégia de competição das firmas o autor procurou demonstrar dois momentos principais do processo de inovação pelas firmas em determinado mercado. A primeira fase, caracterizada pela inovação de produto se caracteriza por um ambiente com inúmeras empresas e diversos projetos distintos; um ambiente de intensa e fluida gama de experimentações. Todavia em algum momento do tempo alguma inovação se torna o “centro de gravidade” por algum

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