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Róticos na variedade urbana do português de São Tomé

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Academic year: 2021

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Róticos na variedade urbana do português de São Tomé

Rhotics in the urban variety of Portuguese of São Tomé

Silvia Figueiredo Brandão Universidade Federal do Rio de Janeiro/cnpq/faperj, Rio de Janeiro, Brasil

silvia.brandao@terra.com.br

Davi Bretas dos Santos Pessanha Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, Brasil davibspessanha@gmail.com

Stefany de Paulo Pontes Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, Brasil stefanypontes@live.com

Monique Oliveira Corrêa Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, Brasil 23moniqueoliveira@gmail.com

Abstract: We focus on rhotics in the urban variety of Portuguese of São Tomé in light of theoretical and methodological assumptions of the Theory of Variation and Change. We aim to discuss the structural and social factors that condition the use of R variants in prevocalic and postvocalic positions, and also to test the hypothesis according to which the variation in the production of rhotics is due to the interference of Forro/Santome, the Portuguese-based Creole, which does not present these segments in its phonological system. Variational analyses were performed, controlling – depending on context – structural variables and also, in all contexts, the variables sex,

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age group, level of schooling and frequency of use of a Creole, the latter for the purpose of ascertaining the possible interferences of Forro in the realizations recorded. The results of the analyses show that PST, on the one hand, makes an imperfect use of European Portuguese standards of rhotics pronunciation and, on the other hand, presents characteristics that may result from the influence of Forro/Santome. The social variables proved highly prominent in establishing this situation.

Keywords: Rhotics; Portuguese of São Tomé; Urban variety. Resumo: Focalizam-se os róticos na variedade urbana do Português de São Tomé (PST), à luz dos pressupostos teórico-metodológicos da Teoria da Variação e Mudança. Objetiva-se discutir as restrições estruturais e sociais que condicionam o uso das variantes de R nos contextos pré e pós-vocálico e, ainda, testar a hipótese de que a variação na produção dos róticos se deve à interferência do Forro ou Santome, crioulo de base portuguesa que não apresenta esses segmentos em seu sistema fonológico. Nas análises, controlaram-se, dependendo do contexto, variáveis de natureza estrutural e, em todos os contextos, as variáveis sexo, faixa etária, nível de escolaridade e frequência de uso de um crioulo, esta última no intuito de verificar as possíveis interferências do Forro nas concretizações registradas. Os resultados demonstram que o PST, de um lado, adota de forma imperfeita as normas de pronúncia do R do PE e, de outro, apresenta características que poderiam decorrer da influência do Forro. As variáveis sociais mostraram-se muito salientes para a definição desse quadro.

Palavras-chave: Róticos; Português de São Tomé; Variedade urbana.

1 Introdução

No âmbito dos estudos fonético-fonológicos, têm merecido especial atenção os sons atualmente agrupados sob o rótulo deróticos ou sons de R, que, segundo Lindau (1985: 1) ocorrem em cerca de 75% das línguas do mundo, a maioria apresentando um único R e 18% contrastando dois ou três deles (Lindau, 1985: 157). Desse conjunto fazem parte segmentos de características diversas (vibrantes alveolar e uvular, tepes ou flepes alveolar e retroflexo, aproximantes alveolar e retroflexa e fricativas velar, uvular e glotal), que não apresentam um traço articulatório comum que os caracterize como umaclasse de sons, no sentido estrito da expressão.

Ao que tudo indica, as similaridades entre tais segmentos residem no fato de serem representados, em diversas línguas, pelos grafemas <r> e <rr> e, ainda, pela

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tendência a se comportarem de forma similar em diferentes sistemas linguísticos, como assinala ainda Lindau (p. 157-158): nos sistemas consonantais e nas estruturas silábicas de diferentes línguas, ocupam a mesma posição; neles, quando há grupos consonantais, costumam ocorrer próximos ao núcleo silábico; em posição de coda, tendem à vocalização e ao cancelamento; frequentemente alternam com outros róticos a depender do contexto. Tais questões levaram a que se sugerisse (Ladefoged, 1975; Lindau, 1978) ser uma característica acústica (um terceiro formante abaixado) o elemento comum a esses segmentos e, ainda, a caracterizar a relação entre eles “em termos da noção de semelhança de família” (Lindau, 1985: 167).

No sistema fonológico do Português Europeu (PE) e no do Brasil (PB), em con-texto intervocálico, observa-se a possibilidade de distinção significativa comutando um R, hoje predominantemente [-ant] (foneticamente, uma fricativa), antes, uma vibrante alveolar (a forma conservadora), por um R [+ant] (foneticamente um tepe), como, respectivamente, nos parescarro/caro, mirra/mira, forra/fora, que se neutralizam nos demais contextos: inicial de vocábulo:rota; medial de vocábulo não intervocálico:honra; em onset complexo: triste; e em contexto de coda interna – carne – e externa – flor, viver. O status fonológico desses segmentos tem sido objeto de várias interpretações, havendo os que consideram a existência de um único rótico, como na primeira interpretação de Câmara Jr (1953) – Lopez, 1979; Monaretto, 1997; Abaurre & Sandalo, 2003; Mateus & D’Andrade, 2000 –, e os que acompanham a nova interpretação de Câmara Jr. (1977) – Callou, 1987, entre outros – que considera os dois já referidos fonemas.

Na norma lisboeta, segundo Mateus & d’Andrade (2000: 11), o R concretiza-se como tepe em coda silábica e em onconcretiza-set complexo, e como vibrante uvular [ö] nos demais contextos, embora este segmento coocorra com outras variantes recuadas, “sobretudo a fricativa uvular sonora [K] ou a surda [X]”; sendo a vibrante alveolar [r] “comum em outros dialetos que não o aqui em consideração”1. Na norma carioca, o tepe alveolar é também a concretização padrão em onset complexo e em contexto intervocálico quando referente ao R [+ant], nas demais posições ocorrendo as fricativas velar e glotal e observando-se, ainda, o cancelamento do segmento na posição pós-vocálica externa, sobretudo em verbos no infinitivo, resultado de um processo de posteriorização, mudança praticamente em estágio final de implementação (Callou, 1987; Callou, Leite & Moraes, 1996, 2002). Em outros dialetos do PB, é grande a variação de pronúncia, sobretudo em contexto pós-vocálico interno, posição em que as diferentes concretizações de R vêm sendo consideradas como um dos parâmetros para a delimitação de áreas linguísticas.

1

[...] namely the voiced uvular fricative [K] or the voiceless one [X]; the alveolar trill [r] is common in dialects other than the one under consideration”

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Quanto às variedades do Português faladas na África, não há, ainda, estudos suficientes que possam determinar as normas que as caracterizam, sobretudo porque têm ainda caráter emergente. Em geral, tais estudos centram-se em aspectos morfossintáticos, sintáticos e semântico-lexicais, sendo esporádicas as menções a aspectos fonético-fonológicos, inclusive no que se refere aos róticos, cujo uso não se coaduna com o que se observa no PE, que lhes serve de norma de referência.

Nos países africanos em que o Português é a língua oficial, o quadro linguístico é bem diversificado, não só em relação ao seu número de falantes e à sua condição de L1 e/ou L2, mas também no que respeita às línguas que com ele coexistem. A título de exemplificação, podem-se considerar os casos de São Tomé e Príncipe e de Moçambique, em que estão em contato línguas de origens diversas, que, certamente, nele deixam marcas que já vêm individualizando as suas diferentes normas emergentes.

Em Moçambique, em que apenas 6,5% dos cerca de 20 milhões de habitantes são utentes de Português como L1, como relata Gonçalves (2010: 25-26), são faladas mais de vinte línguas Bantu, embora nenhuma delas tenha “estatuto maioritário, sendo que mesmo a língua com maior número de falantes, o Macua, é falada apenas por cerca de 26,3% da população”. Esse não é o quadro em São Tomé e Príncipe, que, apesar de ser uma área em que também coexistem diversas línguas, como se verá adiante, a língua portuguesa é a maioritária, sendo falada por 98,4% da população, segundo o Censo de 2012.

Este artigo focaliza, na perspectiva Sociolinguística Variacionista, os róticos na variedade urbana do Português de São Tomé (PST), como uma contribuição para a descrição de suas características fonético-fonológicas.

Parte-se da hipótese de que a variabilidade de pronúncia dos róticos nela observada decorre de um processo de aprendizagem defectiva das normas do PE, tendo em vista que o Forro, o crioulo de base lexical portuguesa falado hoje por cerca de 36% da população, não apresenta esses segmentos, segundo Ferraz (1979), no seu sistema fonológico. Quando da formação desse crioulo (Ferraz, 1979: 22-23), os róticos dos itens lexicais do Português a ele incorporados foram reinterpretados como lateral alveolar –faluza (ferrugem), ficicelo (feiticeiro) – ou apagados: soci (sorte), taji (tarde) die’te (derreter), tla’ba (trabalhar). Só muito recentemente, itens lexicais com róticos passaram a constituir o léxico do Forro, embora, como indica Araújo (2007), ainda não haja “evidências” de que “se trata de um fonema, ou seja, não haja oposição significativa entre [l] e [ö]”(p. 65).

Para descrever esse quadro, além desta introdução, apresentam-se, na seção 2, de forma mais ampla, os objetivos deste estudo; na seção 3, os fundamentos teórico-metodológicos que o nortearam, com a caracterização da área da pesquisa, docorpus e da metodologia de análise; na seção 4, a descrição e análise dos dados por contexto de ocorrência dos róticos – em 4.1, em posição pré-vocálica, em 4.2, em posição pós-vocálica. Na seção 5, tecem-se as considerações finais.

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2 Objetivos e hipóteses gerais

Este estudo vincula-se a um projeto de pesquisa mais amplo que visa a contrastar, do ponto de vista fonético-fonológico, as variedades urbanas do PB e do PST, não só como uma contribuição à hipótese da existência de umcontinuum afrobrasileiro, conforme postulado por Petter (2007, 2015) e Avelar & Galves (2014), mas também, a partir das convergências entre elas, como uma contribuição ao melhor conhecimento das origens do PB.

Ampliando as referidas propostas, parte-se da hipótese geral de que, para um melhor conhecimento da variação que se observa no PB, é fundamental não só contrastá-lo com as variedades africanas do Português, mas também levar em conta as possíveis interferências dos crioulos e de outras línguas nessas variedades. A multiplicidade de línguas faladas em São Tomé, que se tornou independente de Portugal em 1975, de certo modo, pode ser comparada (relembrando aqui o princípio do Uniformitarismo, sugerido por Labov, 1972) à situação de contato multilíngue que se observou no Brasil na fase de colonização. Nas conclusões de texto recente, Petter (2015: 315), reiterando a ideia do mencionadocontinuum, observa que “o estudo das variedades faladas na África desfruta de uma situação privilegiada, pois as línguas africanas ainda são faladas e interagem com o português. É interessante observar essa situação, pois ela pode fornecer dados cruciais para o entendimento dos contatos linguísticos e dos processos de mudança em toda a área de expansão da língua portuguesa”.

3 Aspectos teórico-metodológicos

A pesquisa baseia-se, fundamentalmente, em problemas e princípios para análise e orientações metodológicas da Teoria de Variação e Mudança, proposta por Weinreich, Labov & Herzog (1968) e, posteriormente, desenvolvida por Labov (1972; 1994; 2001) e outros estudiosos interessados na perspectiva sociolinguística de pesquisa.

3.1 Área da pesquisa

São Tomé é a capital da República Democrática de São Tomé e Príncipe, que, com um total de 1001km22

, é constituída pelas duas ilhas que a denominam e várias ilhotas, situando-se no Golfo da Guiné, entre as ilhas de Ano Bom e de Bioko, as duas últimas, hoje, pertencentes à República da Guiné Equatorial. Conforme o Censo de

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Todas as informações foram obtidas no site do Instituto Nacional de Estatística do país em foco (http://www.ine.st/demografia.html). Acesso em 01 de março de 2016.

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2012, o país conta com 178.739 habitantes, cerca de um terço deles vivendo na cidade de São Tomé. Desabitadas até 1470, as ilhas foram descobertas pelos portugueses que a mantiveram como colônia até 1975. Vivem em áreas urbanas 53,8% da população (37,1% em Água Grande, onde se situa a capital, e 16,7% em outras comunidades urbanas).

O PST é a única variedade africana falada como L1 ou L2 pela maioria da população (98,4%, como já se assinalou) sendo, hoje, a L1 da maior parte dela. Com o Português coexistem, além de quatro crioulos de base portuguesa – o Forro (ou Santomé) e o Angolar, na Ilha de São Tomé; o Lung’ie (ou Principense) na Ilha do Príncipe e o Fa d’ambô (ou Anobonense), da Ilha de Ano Bom (província da Guiné Equatorial) –, também o português dos Tongas, o Cabo-verdeano (crioulo de base portuguesa, nativo de Cabo Verde) e “resquícios de línguas do grupo Bantu” (Hagemeijer, 2009: 1). Os quatro primeiros crioulos citados, que, segundo Hagemeijer (2009: 4), são hoje “línguas distintas”, mas “tiveram uma história comum”, partilham, como informa Ferraz (1976: 9), uma série de características. O Forro, em especial – usado, segundo o Censo de 2001, por 72,4% da população, mas reduzido, hoje, segundo o Censo de 2012, a apenas 36,3% de falantes – é considerado pelos habitantes da ilha de São Tomé como a “língua nacional”, embora, por ser estigmatizado, nem todos o dominem ou o utilizem nas situações intercomunicativas cotidianas.

No que concerne à escolarização, em 1878, apenas 389 alunos frequentavam a escola. Só em 1881, o governo colonial implementou uma escola em cada 10 freguesias. O primeiro liceu data de 1952 (Seibert, 2014: 63) e os documentos oficiais indicam altas taxas de alfabetização, superiores a 80%, sobressaindo, no meio urbano, os jovens de 22 a 24 anos (94,7%) e, no meio rural, os de 15-16 anos (94,3%). Nas escolas, a norma de referência é o Português Europeu, conquanto, pelo que se observa inclusive na fala de professores nativos, de maior nível de escolaridade, ela nem sempre seja observada no que respeita aos planos sintático, morfossintático e fonológico. Como observa Hagemeijer (2009: 19):

Embora o Português, a língua oficial e de prestígio em S. Tomé e Príncipe, siga oficialmente a norma do Português europeu, existem, na prática, diversos registos de Português, uns próximos dessa norma, outros com maior ou menor grau de influência dos crioulos (Afonso 2008; Lorenzino 1996a), muitas vezes determinado por factores tais como o nível de escolaridade, nível económico e o ambiente de inserção social (urbano/rural). Esta variação reflecte o conflito entre a norma oficial e a prática local e um passado recente em que o português era L2 para a maioria dos habitantes das ilhas.

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3.2 Corpus

A análise dos róticos no PST foi realizada com base nas entrevistas referentes a São Tomé, realizadas, em 2009, por Tjerk Hagemeijer e pertencentes aoCorpus VAPOR (Variedades Africanas do Português), do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

Os 18 informantes, que têm o Português como L1, foram distribuídos por sexo, três faixas etárias (18-35 anos, 36-55 anos e 56 anos em diante) e três níveis de escolaridade (fundamental: 5 a 8 anos; médio: 9 a 11 anos; superior), levando-se, ainda, em conta, se os indivíduos não usam o Forro ou dele fazem uso com maior ou menor frequência.

Os inquéritos, que variam de 20 a 40 minutos de duração, são do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador) e abarcam tópicos do interesse de comunidades urbanas: (i) cidade, bairro, lazer e esportes, transporte, educação e saúde; (ii) profissão; (iii) política, sociedade, custo de vida; (iv) família, relacionamentos e fases da vida; (vi) linguagem (avaliações sobre as línguas faladas na região). Para fins de harmonização das amostras, consideraram-se os 20 primeiros minutos de cada entrevista.

3.3 Procedimentos metodológicos

A análise variacionista teve como objetivo verificar os condicionamentos estruturais e sociais que presidem ao uso do tepe em contexto pré-vocálico e da sua não concretização no contexto pós-vocálico. Para tanto, organizaram-se seis amostras, correspondentes aos contextos (i) pré-vocálico (a) inicial ou medial de vocábulo, como, respectivamente, emrosa e honra (ii) intervocálico (a) com R forte3, como em carro, e (b) com R fraco, como em caro, e (iii) pós-vocálico (a) interno, como em irmão e (b) externo, como em falar e cor; (iv) em ataque complexo, como em prova. Controlaram-se, a depender do contexto, além das variáveis sociais sexo, faixa etária, escolaridade e frequência de uso de um crioulo, variáveis de natureza estrutural, como o modo e o ponto de articulação das consoantes antecedente e/ou subsequente, a natureza da vogal antecedente e/ou subsequente, a classe do vocábulo, a tonicidade da sílaba, o número de sílabas e a classe do vocábulo.

Para o tratamento quantitativo de dados, recorreu-se ao programa Goldvarb-X, que, com base em modelo matemático logístico (Rousseau; Sankoff, 1978a, 1978b), permite a análise das interrelações entre as categorias que atuam numa regra variável.

3

As denominações “R forte” e “R fraco”, tradicionalmente empregadas em estudos sobre o Português, são aqui adotadas para melhor descrição do comportamento dos róticos.

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4 Análise dos dados

Como já se observou, o contexto intervocálico é o que apresenta, no PE e no PB, a possibilidade de oposição fonológica entre os tradicionalmente denominados R “fraco” (caro) e “forte” (carro), embora sejam pouco produtivos os pares mínimos

que se depreendem nessa posição.

No PST, tal contraste não fica claro, uma vez que o R “forte” pode ocorrer como um tepe (fe[R]amenta) – o mais frequente –, como uma vibrante [+ant] (co[ö]er ) ou [-ant] (a[ö]umar), ou, ainda, como uma fricativa uvular (ciga[K]u), sendo os dois últimos casos os menos numerosos nas amostras que serviram de base a este estudo.

Em início de vocábulo (roça), o quadro é bastante semelhante ao que se verifica para o R “forte” em contexto intervocálico: predomínio do tepe ([R]amo), secundado pela vibrante alveolar ([ö]apido), e, em menor escala, pelas demais variantes.

Quanto ao R “fraco” (barato), predomina o tepe (1240 em 1344 ocorrências: 92,3%), embora os demais 7,7% de dados se distribuam pelas demais variantes.

Em contexto de ataque complexo (crime), também é o tepe a concretização mais frequente (1615 em 1903 ocorrências: 84,9%), havendo 12,1% de cancelamentos e 3% das demais variantes.

Entre 2015 e 2016, diferentes pesquisadores focalizaram os róticos no PST. No VI Encontro do Grupo de Estudos de Línguas em Contato, realizado na Universidade Federal da Bahia, Brandão & Vieira (2015) já mencionavam a variação existente nos diferentes contextos de ocorrência de R, o que também ocorreu (Brandão 2016b) durante o Encontro Anual da Associação de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola (ACBLPE), realizado em Cabo Verde ( junho 2016). Neste último Encontro, Bouchard (2016) informou que, na variedade emergente do PST, em variação com o tepe e com outras variantes, se produziria a fricativa uvular [K] em contextos como [pKofe"soK5], [bKazi"lejK5]4

, isto é, em ataque complexo e em posição intervocálica, mudança que estaria ocorrendo entre os falantes jovens da classe média “who are pride of their Santomean identity”, o que se verifica também na amostra aqui considerada, embora com uma frequência ainda baixa5. Ainda em 2016, durante o IX Encontro da ABECS, realizado em Brasília, na mesma sessão de trabalho, Brandão

4

Além do estudo de Bouchard, uma menção aos róticos no PST foi propiciada por Velloso (2015: 333). Na nota 13 de seu estudo, embora afirme que no PST não ocorra o tepe, afirmativa que o presente estudo e os aqui mencionados contradizem, indica a presença de [R] onde se esperaria um tepe, exemplificando com os vocábulos la[R]anja e p[R]ato e observando ser essa uma tendência ao fortalecimento do tepe.

5A primeira autora do presente artigo está desenvolvendo um estudo específico sobre as variantes

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(2016c) reiterou a neutralização entre os róticos em qualquer posição e Agostinho (2016) tratou dos róticos em contexto intervocálico na fala da Ilha de Príncipe, com destaque sobretudo aos contextos também focalizados por Bouchard na sua comunicação. Acrescente-se que os róticos foram o tema da tese de Bouchard (2017).

Neste estudo, analisa-se o R apenas em contexto pré-vocálico inicial de vocábulo e intervocálico e em contexto pós-vocálico, neste último caso, focalizando, em especial, a sua não concretização.

4.1 R no contexto pré-vocálico

A Figura 1 apresenta uma síntese dos índices percentuais referentes às variantes registradas nos contextos pré-vocálicos aqui comentados.

Fig. 1: Índices percentuais relativos às variantes de R por contexto pré-vocálico no PST.

Diante do quadro registrado na amostra, no que concerne ao conexto pré-vocálico, optou-se por apresentar, neste artigo, os resultados referentes ao R ”forte” intervocálico e ao R inicial de vocábulo, levando em conta apenas as duas variantes mais produtivas, o tepe e a vibrante alveolar, e tomando como valor de aplicação a primeira dessas variantes.

4.1.1 R inicial de vocábulo

Em contexto inicial de vocábulo, obtiveram-se 564 dados, distribuídos conforme se demonstra na Tabela 1.

Nesse contexto, buscou-se observar os fatores que condicionam o tepe contra

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Tab. 1: Distribuição das variantes de R em contexto inicial de vocábulo no PST. Fonte: Brandão (2016).

Variantes Apl./Nº Percentual Exemplos

Tepe 333/564 59% [R]ebocar / [R]oça

Vibrante alveolar 184/564 32,6% [r]eumatismo / [r]io Outras variantes 47/564 8,4% [K]egra / [x]elação

ST-C-1-h, cujas 26 ocorrências de R se deram com a primeira das variantes. Com tais

procedimentos, chegou-se ao total de 491 dados analisados, o que redundou no índice

de 62,5% (307ocos) para o [R] e 37,5% (184) para o [ r ]. A regra de implementação do tepe teminput .63 e a significância da melhor rodada de análise foi de .004.

O comportamento das variáveisfaixa etária e nível de escolaridade, nas diferentes etapas da análise, determinou seu amalgamento numa única variável. Tal expediente

mostrou-se produtivo, sendo selecionadas a referida variável compósita e, ainda,

atonicidade da sílaba em que incide o segmento, como as mais relevantes para a ocorrência do tepe.

Como se observa na Figura 2 por meio de pesos relativos, os maiores índices de

tepe encontram-se na fala de indivíduos de nível médio e fundamental de instrução,

decrescendo entre os de nível superior. Por outro lado, os indivíduos de nível

fundamental comportam-se de modo análogo aos de nível superior, em função das

diferenças marcantes entre as faixas etárias:

1. entre os de nível fundamental, orange entre as faixas extremas é de .67; 2. entre os de nível superior orange é de .33.

Entre todos os informantes, os de nível médio de escolaridade e faixa etária intermediária (P. R. .79) são os que mais usam o tepe, sendo a diferença entre os mais jovens e mais velhos de .10, o que indica a estabilidade da variação entre os falantes de nível médio.

A performance das diferentes faixas etárias sugere que o tepe está se difundindo na fala santomense no contexto inicial de vocábulo, independentemente do nível de escolaridade do indivíduo: embora a curva referente aos mediamente escolarizados

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Fig. 2: Atuação da variável compósita Faixa etária/nível de escolaridade para a implementação do tepe em contexto inicial de vocábulo no PST. Fonte: Brandão (2016a).

seja de variação estável, as dos de níveis fundamental e superior são nitidamente indicativas de mudança em progresso.

Quanto à variável estrutural, o tepe é mais produtivo em sílaba pretônica (230/337 ocos, 62,8%, P. R. .55), como em [R]eceber, do que em sílaba tônica (77/154 ocos, 50%, P. R. . 39), como em [R]emo.

4.1.2 R “forte” intervocálico

Considerando-se todas as variantes, obtém-se um total de 293 dados distribuídos conforme se indica na Tabela 2.

Tab. 2: Distribuição das variantes de R em contexto intervocálico em vocábulos do tipo terra no PST. Fonte: Brandão (2016a).

Variantes Apl./Nº Percentual Exemplo

Tepe 171/293 58.4% fe[R]amenta

Vibrante alveolar 104/293 35.5% co[r]er

Outras variantes 18/293 6,1% a[ö]umar / ciga[K]u

Como só se levaram em conta os dados referentes ao tepe e à vibrante alveolar e o informante ST-C-1-h, da terceira faixa, não foi considerado também nesta análise pois só concretizou o tepe (38/38 ocos), os dados se reduziram a 234, devendo-se lembrar que esse contexto de R é o menos produtivo em Português.

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Das variáveis controladas na análise, mostraram-se favorecedoras do tepe, regra cominput .59, a faixa etária, o contexto antecedente, a frequência de uso do crioulo, sexo, escolaridade e contexto subsequente. Foram selecionadas, portanto, todas as variáveis de cunho social, o que vai ao encontro da hipótese previamente formulada de que a aquisição dos róticos teria sido defectiva nessa variedade do português.

No que tange à faixa etária, amalgamaram-se os dados referentes aos indivíduos de menos de 55 anos (18-36 anos e 37-55 anos) em contraposição aos mais velhos (56-75 anos), uma vez que o percentual de uso do tepe se mostrou muito semelhante nas duas primeiras faixas. Os pesos relativos obtidos na análise variacionista para esse grupo de fatores deixam claro que o tepe está sendo implementado pelos mais jovens (P. R. .63), enquanto os mais velhos se utilizam da vibrante alveolar (P. R. .22), à exceção do referido informante ST-C-1-h. A Tabela 3 expõe os índices obtidos.

Tab. 3: Atuação da variávelfaixa etária para a implementação do tepe em contexto intervocálico no PST. Fonte: Brandão (2016a).

Variável Fatores Apl./Nº Perc. P.R. Faixa etária Mais jovens (18-55 anos) 111/160 69.4% .63 Mais velhos (56-75 anos) 22/74 29.7% .22 Input: .59 Signific.: .034

Os resultados concernentes às três outras variáveis sociais encontram-se na

Tabela 4. Uma delas,frequência de uso de um crioulo, variável organizada por Brandão (2011), tinha como objetivo testar a hipótese de que os indivíduos que mais fazem

uso do Forro teriam mais dificuldade em depreender as normas do PE, variedade

que serve de referência ao PST. É interessante notar que o contexto intervocálico,

exatamente o de oposição fonológica, portanto o mais saliente em termos funcionais,

foi aquele em que a variável foi selecionada, mostrando-se a terceira mais relevante

para a aplicação do tepe: indivíduos que se expressam em médio ou alto grau também

em Forro, são os que mais implementam o tepe (P. R. .68). Note-se, ainda, que os

falantes de nível médio (P. R. .65) destacam-se dos demais quanto ao uso do tepe, o

que se tem mostrado frequente na análise de outras variáveis, como a concordância

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Tab. 4: Atuação de três variáveis sociais para a implementação do tepe em contexto intervocálico no PST. Fonte: Brandão (2016a), com alterações.

Frequência de uso de um crioulo Baixa 72/148 48.6% .39 Média/Alta 61/86 70.9% .68 Sexo Homem 82/137 59.9% .64 Mulher 51/97 52.6% .30 Nível de escolaridade Fundamental 37/63 58.7% .40 Médio 57/87 65.5% .65 Superior 39/84 46.4% .40 Input:.59 Signific.: .034

Quanto à variávelsexo, as mulheres (P.R. .30), como se verifica em diversos estudos sociolinguísticos, usam preferencialmente a variante considerada padrão no contexto.

Das variáveis estruturais, mostraram-se significativos os contextosantecedente e subsequente, conforme se verifica na Tabela 5. Em ambos, o tepe se aplica preferencialmente quando ocorrem vogais [-arr], todas com P. R. acima de.50, sendo as [-rec] – [e] [E] [i] – em contexto antecedente e a [+rec] – [a] – no subsequente, respectivamente, com P.R. .59 e . 72, as mais proeminentes.

Tab. 5: Atuação de duas variáveis estruturais para a implementação do tepe em contexto intervocálico no PST. Fonte: Brandão (2016a).

Variável Fatores Apl./Nº Perc. P.R. Exemplo Vogal

antecedente

[-arr] [+rec] 30/52 57.7% .52 ca[R]ego <carrego> [-arr] [-rec] 42/55 76.4% .59 te[R]a <terra> [+arr] [+rec] 54/118 45.8% .44 mo[R]er <morrer> Vogal

subsequente

[-arr] [+rec] 45/61 78.3% .72 se[R]a <serra> [-arr] [-rec] 51/81 63% .64 mo[R]ido <morrido> [+arr] [+rec 36/89 40.4% .22 co[R]upção <corrupção>

Input: .59 Signific.: .034

Como se verificou na seção 4.1.1, a variável amalgamada nível de escolari-dade/faixa etária (cf. Figura 2) mostrou-se significativa para a implementação do tepe em contexto inicial de vocábulo.

No que concerne ao contexto intervocálico, comentado na presente seção, essas duas variáveis atuaram de forma independente, conforme se demonstrou nas Tabelas

(14)

3 e 4, lembrando que, em relação àfaixa etária, juntaram-se os dados dos indivíduos das idades mediana e mais velha, que apresentavam performances semelhantes.

Para melhor avaliar a atuação dessas duas variáveis no contexto intervocálico, decidiu-se cruzá-las para fins de comparação com os resultados obtidos para o R inicial de vocábulo. Deve-se atentar para o fato de que na Figura 2 (R inicial de vocábulo) os índices referem-se a pesos relativos e, na Figura 3 (R intervocálico) a seguir, a índices percentuais.

Fig. 3: R intervocálico: cruzamento de faixa etária/escolaridade (índices percentuais).

Em comparação ao que se observa na Figura 2 (seção 4.1.1), que é relativa ao contexto inicial de vocábulo, no contexto intervocálico, os falantes:

1. de escolaridade média da faixa etária mediana (36-55 anos) também são os que mais implementam o uso do tepe;

2. de nível fundamental e de nível superior apresentam indícios de variação estável, diferentemente do que ocorre no contexto inicial de vocábulo;

3. das faixas etárias extremas de nível superior, também ao contrário do que ocorre no contexto inicial de vocábulo, apresentam níveis bem próximos (18-35 anos: 11,5%; 56-75anos: 17,6%) de uso de tepe, os da faixa mais alta com indicativo de variação estável.

Tais tendências parecem confirmar o caráter instável da produção dos róticos no PST.

(15)

4.2 R no contexto pós-vocálico

Em relação ao R pós-vocálico, embora tenham sido realizadas análises em separado

para a posição interna e a externa, os resultados serão apresentados em conjunto

para melhor observação do comportamento da variável em cada uma delas. Neste

caso, não se eliminou das amostras o referido informante ST-C-1-h, pois, embora só

concretize o R como tepe, apresenta ocorrências de não concretização, a variante

tomada como valor de aplicação em relação ao tepe.

Na Figura 4, expõe-se a distribuição geral das variantes segundo as duas

mencionadas posições, sendo a não concretização, em ambos os casos, a segunda

variante mais produtiva, embora o tepe prevaleça, na posição tanto interna quanto

externa, neste último caso com índices bem próximos aos encontrados nas duas

posições pré-vocálicas aqui comentadas (c. f. Figura 1).

Fig. 4: Variantes de R em coda silábica interna e externa no PST.

Pelo Quadro 1, em que se apresentam os resultados das análises variacionistas,

verifica-se a importância dos fatores sociais para a não concretização do rótico: em

contexto interno, mostraram-se relevantes as quatro variáveis sociais consideradas

na análise – a exemplo do que ocorreu na análise do R intervocálico – e, em contexto

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Rem coda interna Rem coda externa 1140 dados Não concretização: 11,2% Tepe: 88,8% Variáveis selecionadas: Nível de escolaridade Classe do vocábulo Faixa etária Sexo

Frequência de uso do crioulo Input: .05 Signific.: .004 1592 dados Não concretização: 44,7% Tepe: 55,3% Variáveis selecionadas: Nível de escolaridade Classe do vocábulo Contexto subsequente Sexo Faixa etária Input: .43 Signific.: .000

Quadro 1: Resultados referentes às análises de R em coda silábica no PST.

Nas Figuras 5(a) e 5(b), com base em pesos relativos, verifica-se que são os indivíduos de nível fundamental de instrução os que mais deixam de concretizar o R na coda tanto interna (P. R. .79) quanto externa (P. R. .83), o que sugere que um maior tempo de escolarização leva o indivíduo a produzir o tepe (de acordo com a norma do PE) ou outra variante, embora, no último caso, com menor frequência.

Fig. 5: Atuação da variávelNível de escolaridade para a não concretização de R pós-vocálico no PST (pesos relativos).

No que concerne à atuação da variávelFaixa etária (c. f. Tabela 6), em contexto externo, reuniram-se os dados da faixa intermediária (36-55 anos) aos da faixa mais velha (56-75 anos), cujos índices percentuais de não concretização de R eram similares. A Tabela 6 mostra diferentes condicionamentos: enquanto em coda interna são os indivíduos mais velhos (P. R. .64) os que menos concretizam o R, seguidos

(17)

pelos mais jovens, com índice próximo à neutralidade (P. R. .55), em coda externa são os mais jovens (18-35 anos) os que deixam de produzir o R (P. R. .61).

Tab. 6: Atuação da variávelFaixa etária para a não concretização de R pós-vocálico no PST.

(a) Coda interna: não

concretização do R (b) Coda externa: nãoconcretização do R Apl./Nº Perc P.R. Apl./Nº Perc P.R. 18-35 65/476 13,7% .55 18-35 354/615 57,6% .61 36-55 18/408 4.4% .35

36-75 358/977 36,6% .42 56-75 45/256 17.6% .64

Input: .05 Signific.: .004 Input: .43 Signific.: .000

As mulheres mostraram-se mais afeitas à não concretização do que os homens com pesos relativos bastante semelhantes em contexto tanto interno (P.R. .64) quanto externo (P.R. .60), a exemplo dos homens que, inversamente, propendem à concretização com índices praticamente iguais (respectivamente, .40 e .41).

Tab. 7: Atuação da variávelSexo para a não concretização de R pós-vocálico no PST. (a) Coda interna: não

concretização do R (b) Coda externa: nãoconcretização do R Apl./Nº Perc P.R. Apl./Nº Perc P.R. masc. 67/684 9,8% .40 masc. 310/886 35% .41 fem. 61/456 13,4% .64 fem. 402/706 56,9% .60 Input: .05 Signific.: .004 Input: .43 Signific.: .000

A variávelClasse do vocábulo, nas análises realizadas no âmbito do PB, são de grande importância para a aferição do cancelamento doR, que, em contexto externo, na variedade carioca, está praticamente implementado nos verbos no infinitivo (Callou, Leite & Moraes, 2002). Na variedade santomense (c. f. Tabela 8), também no infinitivo se encontra o maior índice de não concretização – P. R. .56 –, sendo os nomes os que mais preservam oR – P. R. .14 –, como se verifica no PB.

No que respeita ao contexto interno, são, especialmente, os vocábulos como porque, portanto, certo (aqui inseridos na categoria outros), muito produtivos no corpus, os que apresentam maior índice de não concretização (P. R. .77), tendência também observada no PB.

Além das três variáveis sociais e da variável estruturalClasse do vocábulo que se mostraram relevantes para a não concretização do R em ambas as posições, frequên-cia de uso do crioulo e contexto subsequente também atuaram, respectivamente, em coda interna e externa, como se expõe nas Tabelas 9(a) e 9(b).

(18)

Tab. 8: Atuação da variávelClasse do vocábulo para a não concretização de R pós-vocálico no PST.

(a) Coda interna: não

concretização do R (b) Coda externa: nãoconcretização do R Apl./Nº Perc P.R. Apl./Nº Perc P.R. Nome 50/725 6,9% .39 Nome 36/207 19,5% .14 Verbo 10/143 7% .44 Infinitivo 655/1339 48,9% .56 Outros 68/272 25% .77 Outros 20/45 44,4% .47 Input: .05 Signific.: .004 Input: .43 Signific.: .000

A variável Frequência de uso do crioulo, mostrou-se mais uma vez saliente na análise dos róticos, a exemplo do que acontece com o R “forte” em posição intervocálica. Em coda interna, são os indivíduos que usam o Forro em alto grau (P. R. .80) os que menos concretizam o rótico. Vale salientar que, na fala de tais indivíduos, além dos vocábulos mencionados acima (portanto, porque, certo), outros vocábulos são atingidos, comopeguntar por perguntar, potuguês por português.

Em coda externa, como se verifica na maior parte das variedades do PB (Callou, Leite & Moraes, 2002), o R no PST é menos concretizado diante de consoante (P. R. .65) do que diante de vogal e pausa, com índices quase idênticos (respectivamente, P.R. .35 e .36).

Tab. 9: Atuação das variáveisFrequência de uso do crioulo e Contexto subsequente para a não concretização de R pós-vocálico, respectivamente, (a) em contexto interno e (b) externo, no PST.

(a) Coda interna: não

concretização do R (b) Coda externa: nãoconcretização do R Apl./Nº Perc P.R. Apl./Nº Perc P.R. Zero/Baixa 49/543 9% .45 Vogal 162/489 33,1% .35 Média 55/551 10% .51 Consoante 415/743 46,8% .65 Alta 24/46 52,2% .80 Pausa 129/354 36,4% .36 Input: .05 Signific.: .004 Input: .43 Signific.: .000

5 Considerações finais

Buscou-se analisar os fatores que concorrem para a implementação do tepe e para a não concretização do R, respectivamente, nos contextos pré-vocálico e pós-vocálico

(19)

na variedade urbana do PST, com base em amostras selecionadas doCorpus do Projeto VAPOR. Os resultados demonstram que a norma emergente do PST, no que tange aos róticos, não coincide inteiramente com a norma lisboeta que é a veiculada pela escola, como se verifica pelo Quadro 2, de caráter comparativo, em que se sombrearam os contextos divergentes entre elas.

Enquanto no PE o tepe é o padrão em contexto intervocálico correspondente ao R [+ant] e no contexto pós-vocálico medial e final, no PST, o tepe é a variante mais produtiva em qualquer posição, concorrendo, no contexto intervocálico e em início de vocábulo, com a vibrante alveolar e, em contexto pós-vocálico, com a não concretização.

Normas de pronúncia nas variedades urbanas de Lisboa e de São Tomé

Variedades

Pré-vocálico Pós vocálico Intervocálico Início de

vocábulo Interno Externo R [+ant] R [-ant] (roça) (parte) (falar)

(caro) (carro) Lisboa (PE) [R] [R] [R] [R] [R] [X]/[K] [X]/[K] São Tomé (PST) [R] [R]/[r] [R]/[r] [R] [R] Não concretização Quadro 2: Róticos: comparação entre duas variedades do Português.

Brandão, Mota & Cunha (2003), com base em amostra selecionada de 12 inquéritos doCorpus Compartilhado VARPORT6, fizeram um estudo contrastivo exclusivamente sobre R em coda externa, demonstrando que a regra de apagamento do R tem input .05 no PE (Lisboa), e .89 no PB (Rio de Janeiro). Nesse particular, levando-se em conta as três variedades, o PST (São Tomé), com input .43, estaria na posição intermediária numa escala de não concretização de R em contexto externo. Embora, pelos exemplos apresentados por Ferraz (1979), possa se deduzir que o R pós-vocálico foi apagado quando da constituição do Forro, não se pode atribuir a

6

O Projeto VARPORT, de cooperação internacional, apoiado pela CAPES, reuniu pesquisadores brasileiros e portugueses no período de 2000 a 2004. No site http://www.letras.ufrj.br/varport/ podem-se obter maiores detalhes e acessar oscorpora relativos às modalidades oral e escrita do PB e do PE.

(20)

não concretização do R no PST exclusivamente a questões de contato linguístico, tendo em vista que o cancelamento de segmentos pós-vocálicos é um processo muito produtivo em diversas línguas e a estrutura CV tem caráter universal.

Já no que tange aos contextos intervocálico e inicial de vocábulo, a ocorrência do tepe (com o qual concorre, na amostra aqui utilizada, a vibrante alveolar, a variante conservadora), parece derivar-se do contato com o Forro, o crioulo mais falado no país e que não apresentava róticos em sua constituição. A oposição fonológica R [+ant]versus R [-ant] em contexto intervocálico não parece fazer parte do quadro fonológico do PST, o que pode ser corroborado pela tendência (ao que tudo indica, recente) apontada por Bouchard e Agostinho, para a Ilha do Príncipe (2016) e já aqui mencionada, de uso da fricativa uvular sonora [K] em palavras como p[K]ofesso[K]a.

Deve-se atentar, ainda, para o fato de que os mais fortes condicionamentos para a implementação do tepe e para a não concretização do R são, fundamentalmente, de natureza social, entre os quais sobressai o nível de escolaridade, secundado por faixa etária. Pode-se, portanto, reiterar a hipótese de que a variação na pronúncia dos róticos em contexto pré-vocálico deriva do uso ou do contato com o Forro e, consequentemente, da aprendizagem defectiva das normas do PE. Tendo em vista a ausência de róticos no Forro, os falantes do PST não atentariam para o contexto de oposição fonológica que faz parte da gramática dos falantes do PB e do PE, o que já caracterizaria um traço diferenciador da norma emergente do PST em relação às normas consolidadas do PE do PB.

Estas análises, que trataram de quatro dos seis contextos pelos quais os róticos se distribuem, serão, em breve, complementadas pelo estudo do R [+ant] em contexto intervocálico e do R emonset complexo. Cabe, ainda, averiguar, com foco nos informantes desta pesquisa, possíveis motivações para o emprego da fricativa uvular nos poucos dados da amostra referentes aos contextos em que, no PE e no PB, se esperaria um tepe, uma vez que os resultados apresentados por Bouchard (2017) demonstram estar havendo um processo de mudança na realização dos róticos que o presente estudo não registra em plenitude, mesmo tendo-se passado apenas oito anos da recolha da amostra. Sem dúvida, como já se observou em outras pesquisas sobre o PST (Brandão, 2013, entre outros), fenômenos variáveis nas variedades não europeias do Português são altamente sensíveis a condicionamentos de natureza social. Ao que tudo indica, transformações na sociedade santomense estão se processando de forma acelerada e, em consequência, motivando rápidas mudanças linguísticas. Nesse sentido, pode-se dizer que este estudo, que se apoiou em um corpus recolhido em 2009, serve de base para uma melhor compreensão do alcance dessas mudanças.

Para finalizar, cumpre ressaltar, relembrando os objetivos gerais da pesquisa explicitados no item 2 deste artigo, que a análise de fenômenos variáveis como o aqui apresentado constitui um fértil campo de estudo para pesquisadores que se interessam em observar as consequências do contato multilinguístico para a constituição das variedades não europeias do Português.

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