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Cidadania e educação nos discursos e práticas das educadoras: estagiárias de Educação de Infância

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Academic year: 2021

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Cidadania e educação nos discursos e práticas das educadoras -

estagiárias de Educação de Infância

Maria do Céu Ribeiro

Departamento de Supervisão da Prática Pedagógica

Ilda Freire-Ribeiro

Escola Superior de Educação Telma Quierós

Instituto Politécnico de Bragança

Palavras-chave: cidadania, competências, prática pedagógica, formação inicial

A educação para a cidadania continua a pautar as agendas educativas e a ganhar relevância nas práticas docentes. Esta, constituindo-se como um instrumento de mais valia para o exercício pleno da democracia, é fundamental para o desenvolvimento integral da criança, nas suas vertentes pessoal, social e emocional. Neste contexto, o educador poderá ser a peça primordial para fomentar a cidadania na escola e por conseguinte nas crianças, tornando-as melhores cidadãs.

Este estudo visa: a) analisar as percepções de educadoras - estagiárias em relação à cidadania; b) saber de que modo, nas suas práticas pedagógicas, se fomentam competências de cidadania; c) identificar estratégias inovadoras utilizadas pelas educadoras - estagiárias para abordar esta temática e d) perceber de que modo a formação inicial prepara as alunas para educar para a cidadania.

Optou-se por utilizar uma entrevista semi-directiva a 40 educadoras - estagiárias do 4.º ano da formação inicial – Licenciatura em Educação de Infância, procedendo-se à análise de conteúdo dos dados referentes às respostas das entrevistadas.

1. Contextualização

Prestando um olhar atento sobre o contexto educativo actual apercebemo-nos, facilmente, que a cidadania é uma temática cada vez mais presente e necessária. Por um lado, é uma temática presente pois as políticas educativas mais recentes lhe têm atribuído lugar de destaque. Por outro lado, é uma temática necessária considerando as modificações sociais, que apelam a uma educação para e na cidadania, dos seus públicos escolares. Temos noção que a sua concretização, muitas vezes envolta em ilusões e utopias, não se torna nada facilitada, mas acaba por não ser indiferente e incontornável.

Procuramos encarar a educação para a cidadania como um processo que se deverá desenvolver e amadurecer ao longo da vida. Começa em casa com a família, estende-se ao meio próximo na interacção com os seus pares, entra na instituição escolar e numa primeira etapa preocupa-se com as questões da identidade, das relações interpessoais, das escolhas, da justiça, do bem e do mal, dos hábitos de solidariedade, da partilha, da verdade, do respeito por si e pelos outros, do respeito pela diferença e pelo bem comum e, expande-se na medida em que se ampliam os horizontes de vida dos cidadãos, primeiro crianças e depois futuros adultos.

Na instituição escolar ela entra sem ser preciso convite, introduz-se através dos

curricula, mas faz-se sobretudo através do curriculum oculto. Ela extravasa as quatro paredes

da sala de aula e faz-se em todos os espaços contíguos à instituição: nos espaços de lazer, nas bibliotecas, nos refeitórios, nos recreios, entre outros.

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Espera-se que a instituição escolar conjuntamente com a família eduquem a criança numa cidadania democrática procurando desenvolver e criar hábitos de cidadania.

2. Em torno do conceito de cidadania

Desde sempre se ouviu falar de cidadania o que, por um lado, torna difícil a tarefa de se encontrar uma definição consensual.

A mentalidade, o modo de pensar, de agir, de ver o mundo, são alguns aspectos que contribuem para o longo debate que circula em torno do conceito de cidadania, tornando-se fácil afirmar que se trata de um conceito polissémico, cujas referências se vão alterando ao longo do tempo e do contexto histórico, geográfico, económico e social.

A problemática da cidadania, amplamente debatida, é uma temática já presente na Grécia Antiga. Platão tinha como premissa procurar saber como se deve governar a cidade (Galichet, 1998:2-3). Nos seus diálogos esta tarefa aparece como um dos meios de aceder à sabedoria. O amor e a amizade são também vias legítimas de cidadania, afirmando Aristóteles (1977) que não pode haver uma cidade viável e sólida sem amizade entre os seus membros.

Para Praia (1999:10) “a concepção grega de cidadania fazia a distinção entre o cidadão e o súbdito, considerando-os desiguais e dando primazia ao cidadão-homem, reservando à cidadania direitos como o de participação na vida da cidade, a possibilidade de ser eleito para cargos públicos, e excluindo do direito de cidadania as mulheres, os escravos e os estrangeiros”.

Na Roma Antiga, o cidadão romano gozava de privilégios que lhe eram atribuídos por estatuto legal. Havia diferenças sociais entre os diversos habitantes e as classes sociais às quais pertenciam, sendo uns mais cidadãos que outros.

Sob a perspectiva da evolução histórica, desde esta época até à actualidade, a cidadania teve avanços e recuos, períodos áureos e esmorecimentos. Alturas onde foi definida como prioridade dos sujeitos, outra onde foi esquecida e esvanecida das mentes dos cidadãos.

No século XX são múltiplas as intenções e as declarações feitas no sentido de promover os direitos humanos e a cidadania. Desde a Declaração dos Direitos da Criança (1959), passando pela Declaração Sobre a Eliminação da Discriminação em relação à Mulher (1967), a Carta Urbana Europeia (1992), entre outros que a União Europeia e a era da globalização vieram tornar necessários.

Temos noção que a cidadania de hoje é diferente da do passado, sendo entendida de forma diferente, existindo actualmente práticas mais atinentes à essência da mesma. A ideia de cidadania democrática é apregoada, referindo Fonseca (2000) que assenta num conjunto de competências de base (conhecimentos, valores, atitudes), que se devem adquirir nas instituições educativas, e que na perspectiva do indivíduo se traduz por liberdade, autonomia e controlo político dos poderes públicos. Questões centrais da vida humana são valorizadas e face a isto facilmente se depreende que “a escola não pode continuar a encarar os seus alunos como entidades passivas, tornando-se urgente experimentar itinerários pedagógicos que

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salientem o papel activo dos alunos, estimulem a reflexão sobre si próprios, impulsionem o contacto com o diferente, desafiem dogmas estabelecidos e promovam a emergência de uma consciência moral e autónoma.” (Fonseca, 2000:45-46).

A existência, em simultâneo, de várias cidadanias é evidente: a) cidadania local; b) cidadania regional, c) cidadania nacional, onde ser cidadão é ser elemento de um país, pertencer a uma pátria e respeitar os direitos e deveres instituídos e; d) a cidadania supranacional, onde enquadramos a cidadania europeia.

Ora, o contexto europeu faz com que, cada vez mais, o conceito de cidadania seja abrangente, aberto, complexo e vasto. Com o Tratado da União Europeia de 1992, foi constituída a cidadania europeia, que embora um pouco insípida, “surge como força legitimadora de um projecto cujas funções se alicerçaram inicialmente em dois argumentos fundamentais: a manutenção da paz e da democracia num continente convalescente de dois longos e gravíssimos conflitos e o seu renascimento económico” (Cardona, 2007:13).

A cidadania europeia aparece então como um complemento à cidadania de cada estado pretendendo reforçar a identidade europeia, possibilitando uma participação mais activa e intensa no processo de integração comunitária. Contudo, segundo Cardona (2007) a definição de cidadania europeia está envolta em riscos e não aparece nos documentos oficiais da Comunidade. Como ela depende directamente da nacionalidade de cada Estado-Membro e dos seus critérios, “a cidadania europeia surge aos olhos do cidadão europeu como um conceito vago e contraditório, cuja interiorização e exercício se revestem ainda de contornos mais complexos” (Cardona, 2007:44-45).

A necessidade de haver uma complementaridade entre as cidadanias nacional e europeia apareceu reforçada no Tratado de Amesterdão (1997), que veio reforçar a ideia de cidadania mais participativa e activa e um (re)aproximar os cidadãos da própria Europa.

2.1. Formação, competências e cidadania

Existe consenso quando se admite que a justificação social da educação básica reside na prioridade a dar ao desenvolvimento de capacidades e competências fundamentais para o desempenho da cidadania (Tedesco, 1999), estando patente uma necessidade de entregar esta missão à escola e por conseguinte, aos professores.

Ora, se se pretende educar crianças para a vida social, para que participem democraticamente na sociedade, promovendo aprendizagens cidadãs, os professores têm de se sentir minimamente capazes de corresponder às expectativas. Uma preparação singular é requerida, bem como uma formação específica na área da educação e cidadania, considerando-se a formação destes agentes decisiva.

Figueiredo (2002:46-48), ao tentar realçar as atitudes possíveis que os docentes, face ao desafio da cidadania em ambiente escolar, possam vir a adoptar, acentua que a formação neste domínio surge “como uma necessidade e até como uma exigência sempre que se propõe

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qualquer tipo de reestruturação e/ou reforma”, reconhecendo assim que “um professor pode sentir-se inseguro para abordar uma área que não fez parte da sua formação inicial” .

É neste enquadramento que surgem as competências pois o professor terá de possuir uma série de competências para levar a bom porto a sua missão. Convém, neste momento, referir o que se entende por competência, ainda que de um modo pouco detalhado. A ter em conta os contributos de Rey (2002:25-47), Le Boterf (1997:37-92) e Perrenoud (1999:17-20) podemos definir esse conceito “como uma disposição de agir pertinentemente em acções específicas e particulares, mobilizando e combinando diversos saberes, recursos de âmbito social, cognitivo e contextual, habilidades e atitudes com o intuito de se tomarem decisões, assumirem responsabilidades e tratarem com sucesso determinadas situações-problema que surjam no decorrer da prática educativa, terá de ser exercitada, desenvolvida e construída, deverá ser contextualizada e transferida para situações diferentes daquela em que foi assimilada” (Freire-Ribeiro, 2003:177-178).

Audigier (2000) salienta que as competências que se querem para o profissional comprometido com a cidadaniae envolvido com uma formação social e pessoal, pertencem, na sua essência ao domínio cognitivo, estando ligadas a saberes jurídicos e políticos como regras de convivência, normas de conduta, direitos e deveres como cidadãos responsáveis; ao domínio ético, no sentido da cidadania ser uma prática de um compromisso moral exercendo a capacidade de deliberar em função de certos valores e princípios éticos como a liberdade, a igualdade, solidariedade, entre outros; e ao domínio social, já que é muito importante participar activamente na vida social e pública através do diálogo, da intervenção e cooperação, tomando decisões e assumindo responsabilidades.

Procurámos contribuir para a discussão, projectando um referencial de competências chave (Freire-Ribeiro, 2003), que poderá permitir ao professor renovar as suas práticas e promover a cidadania. Do referencial composto por nove competências essenciais, só iremos apresentar as que consideramos mais significativas para o nosso estudo.

1.- Admitir a diversidade cultural, social, ética e linguística. De que modo? (i) - Libertando-se de conceitos e crenças preconceituosos, (ii) - Lutando contra as discriminações de todo o tipo, (iii) - Aceitando o outro,

(iv) - Elegendo a prática do “melting pot”.

2.- Promover uma aprendizagem diferenciada. De que maneira?

(i) - Elegendo estratégias activas, que facilitem a construção e mobilização de competências,

(ii) - Estimulando a participação, a tomada de decisões, a reflexão crítica e dialogante,

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3.-Empenhar-se na formação de cidadãos. Como?

(i) – Contemplando uma educação participada, para o bem comum,

(ii)- Contribuindo para a informação esclarecida de conceitos como: responsabilidade, diversidade, democracia, tolerância, igualdade, inclusão, cooperação, compreensão, entre outros,

(iii) – Desenvolvendo competências e atitudes de auto-estima, respeito mútuo, regras de convivência, autonomia, cidadania, entre outros,

(iv) – Despertando a consciência cívica das crianças e dos jovens.

Estas competências deixam transparecer algumas exigências que se colocam ao docente e que inevitavelmente alterariam as suas práticas quotidianas. Porém, neste quadro não existe uma visão unilateral, estando a tónica colocada, também, nas instituições responsáveis pela formação de professores, pois também elas têm um papel relevante na construção da cidadania na escola, uma vez que a cada um de nós só nos é permitido dar aquilo que temos. Ou seja, se não houver uma formação específica de educação para a cidadania, na formação inicial, todos estes pressupostos se tornam mais difíceis de concretizar. Porém devemos referir que formação não é sinónimo de mudança, de melhoria e que esta relação não é tão linear assim. Para se alterarem práticas é necessário uma grande capacidade de “exploração e clarificação dessa necessidade com o próprio professor, análise de modos de acção anteriores, a mudança de representações, uma dinâmica de equipa e de escola, um acompanhamento sustentado de novos passos” (Figueiredo, 2002:47).

A aposta numa formação contínua, actualizada e pertinente, pode ser também uma grande ajuda. Um educador pode através de projectos, experiências inovadoras, redefinir a sua prática e descobrir novas facetas na sua acção educativa. Contudo, convém referir que isto só poderá ser possível se o docente se sentir motivado para educar para a cidadania e envolvido com os pressupostos de uma cidadania activa e democrática.

2.2. Práticas de cidadania no jardim-de-infância

A concepção mais tradicional de cidadania refere-se apenas aos cidadãos adultos, descurando as crianças. Porém, actualmente, procura-se reverter essa perspectiva encarando as crianças como cidadãos responsáveis e participantes, tendo em conta a sua idade, maturidade e contexto social onde estão inseridas.

Le Gal (2005:27) afirma que “los niños son personas titulares no solo de derechos civiles, sociales y culturales sino también de libertades públicas y que hoy día son ciudadanos de pleno derecho que, en función de su madurez, pueden asociarse y participar”, acrecentando que a escola é o lugar ideal para que este processo se inicie.

Sabemos que a instituição escolar apresenta uma função essencial na socialização da criança. Depois da família, a escola é a principal instituição da vida da criança, onde a educação, em todas as suas vertentes, tem um papel primordial. A criança converte-se num

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actor da comunidade escolar, cooperando para aprender, compartilhando experiências, interagindo com os outros, reconhecendo as regras da convivência, da sociabilidade, os direitos e deveres, o respeito pelo outro e por si, que a ajuda a ser mais autónoma, assumindo responsabilidades de acordo com as suas possibilidades e com a sua idade.

A educação para a cidadania na educação básica constituiu-se como um desígnio transversal e permanente sendo da responsabilidade não de um só professor mas de todos, sendo essencial aprender cidadania em todas as acções do dia-a-dia.

Sabemos que as práticas educativas dependem do desempenho dos educadores, dos dispositivos pedagógicos e didácticos, do ambiente interpessoal e das características físicas, organizacionais e institucionais. Mas sabemos também que as práticas educativas levadas a cabo pelos educadores e pela escola influenciam determinantemente a forma de agir das crianças. Deste modo, se um educador se preocupar com questões de cidadania e, em promover essas competências, facilmente a criança se entenderá como cidadã e participará activamente.

Ousamos referir algumas práticas de cidadania que segundo Hansen (2000), o professor, no seio da instituição educativa, pode implementar edificando a cidadania. Assim, cabe ao professor “estabelecer um sentido de comunidade na aula através do qual os alunos podem aprender o que significa estudar temas e objectos de forma concreta com os demais; o que significa estar, escutar e aprender com os outros; como apresentar as suas ideias e pontos de vista por forma a enriquecer a comunicação; como relacionar a sua aprendizagem com os acontecimentos e experiências que se encontram fora da escola” (Hansen, 2000:144). Ou seja que todos em conjunto consigam apreciar a sociedade com todos os seus indivíduos, que são diferentes entre si.

Aos educadores solicita-se ainda que tenham disponibilidade para ouvir, que privilegiem metodologias activas e participativas, que criem na criança o gosto por aprender a aprender, que eduquem para a sociedade de hoje, que procurem formas negociadas de resolução de conflitos, privilegiando uma educação democrática. Não esquecendo as sábias palavras de Rousseau (1965:sp) que nos alerta para o facto de não se poder ser um verdadeiro cidadão de um dia para o outro, ou seja, “(…) formar cidadãos não é questão de dias, e para tê-los adultos é preciso educá-los desde crianças”.

3. Parte Empírica

3.1. Metodologia

A selecção da amostra para a entrevista não foi casual, obedecendo a uma lógica de conveniência, logo não aleatória. Envolveu educadoras-estagiárias do 4º ano da formação inicial da Licenciatura em Educação de Infância – de uma instituição do Ensino Superior

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Público. Neste sentido, a amostra propriamente dita foi constituída por quarenta educadoras-estagiárias do sexo feminino.

Assim, e antes de mais, tratando-se de um trabalho de investigação que pretende: a) analisar as percepções de educadoras-estagiárias em relação à cidadania; b) saber de que modo, nas suas práticas pedagógicas, se fomentam competências de cidadania; c) identificar estratégias inovadoras utilizadas pelas educadoras-estagiárias para abordar esta temática e d) perceber de que modo a formação inicial prepara as alunas para educar para a cidadania, optou-se por utilizar uma entrevista semi-directiva fundamentalmente constituída por questões não inteiramente abertas nem muito especificas e que teve por base um rol de categorias previamente definidas. Obviamente que o processo de categorização foi regido por regras de exclusividade mutua, pertinência e objectividade. Após a construção deste instrumento, e com o intuito de o validar, o mesmo foi submetido à apreciação especializada por parte de professores/as ligados/as à formação de professores, que o consideraram pertinente e adequado.

Neste contexto, e tendo em conta o material documental obtido nesta investigação optou-se por realizar uma análise de conteúdo, tendo por base todo o processo de categorização (Bardin, 2004). Deste modo, face à análise qualitativa das entrevistas, temos 3 grandes categorias de análise: 1. Concepções sobre a educação para a cidadania; 2. Planificação do trabalho e práticas de cidadania e 3. Formação inicial e educação para a cidadania.

Desta análise foi possível determinar as frequências das diferentes ocorrências em cada categoria. Como tal, utilizou-se uma medida frequencial partindo do pressuposto que a importância de uma categoria ou subcategoria será tanto mais significativa quanto maior for a sua frequência de aparição (Bardin, 2004). Por conseguinte, os resultados foram organizados em função das categorias propostas.

3.2. Apresentação, análise e discussão dos dados recolhidos

Uma das características desta investigação não é a de apresentar soluções para a Educação em geral, mas sim criar situações problematizadas decorrentes, sobretudo das “confissões” e omissões nela presentes, no pressuposto de que promovam elas mesmas, as respostas às nossas próprias dúvidas, às nossas incertezas e às nossas ansiedades.

Portanto, esta fase passará pela análise do material seleccionado, no que diz respeito à interpretação dos discursos das entrevistadas. É nossa preocupação garantir a máxima coerência lógica ao nível de cada passo em cada uma das análises, de modo a não por em causa o devir próprio desta investigação.

Assim sendo, destacámos as categorias que se apresentam a seguir.

Quadro 1 – Distribuição das categorias analisadas Categorias

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A. Conceito de cidadania

B. Planificação do trabalho e práticas de cidadania

C. Formação inicial e educação para a cidadania

De seguida procederemos a uma análise qualitativa de cada uma das categorias tendo em conta a informação indicada na matriz de análise de conteúdo.

A – Concepções sobre a educação para a cidadania

A noção de cidadania está longe de ser um conceito onde o consenso seja uma realidade, devido à subjectividade do mesmo. Da análise das entrevistas sobressai a ideia de cidadania como o respeito pelos outros, por religiões e culturas diferentes, bem como o saber viver em sociedade, tal como afirmam os seguintes entrevistados: “No meu entender cidadania

está relacionada com o facto de respeitar diferentes religiões, culturas, pessoas de diferentes etnias, saber valorizar e respeitar todos os indivíduos de uma sociedade” (E4); “Pode entender-se por cidadania a capacidade do indivíduo entender-se integrar e viver em sociedade adoptando e respeitando regras comuns” (E13).

Este rastreio inicial leva à coexistência de concepções muito semelhantes de valores, intenções e atitudes, nomeadamente “O respeito, a compreensão, valorização de todas as

pessoas.” (E7), bem como “(…) o sentido democrático (enquanto) aspectos a considerar para a formação pessoal e (…) para uma educação para a cidadania” (E31).

Embora as concepções de cidadania presentes nas falas dos entrevistados giram em torno de aspectos fundamentais, tais como os valores, detecta-se a falta de outros aspectos, nomeadamente a identidade, as relações interpessoais, o estabelecimento de regras para ávida em sociedade, o compromisso politico, os pré-requisitos económicos e sociais que em conjunto ajudam a definir o conceito de cidadania.

Ainda neste contexto, existe alguma complexidade terminológica entre os conceitos de cidadania, ser cidadão e ser cívico, como refere o seguinte entrevistado: “Cidadania é o acto de

ser cidadão, ou seja, respeitar o meio que o envolve, as pessoas, o ambiente, é ser cívico e responsável pelos seus actos. Cidadania é então saber viver em sociedade de forma harmoniosa” (E3). No entanto, apesar destes dois conceitos estarem reconhecidamente

implícitos no de cidadania, é necessário compreender que a cidadania é muito mais vasta e abrangente, no sentido de ser concretizada.

Verifica-se ainda a ausência de falas no sentido de reconhecer diferentes perspectivas de cidadania, nomeadamente a cidadania local, regional, europeia e mundial referidas pela literatura da especialidade.

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As participantes neste estudo foram convidadas a pensar em alguns conteúdos onde a educação para a cidadania poderia ter lugar de destaque, tarefa considerada árdua para algumas delas, tendo em conta que uma grande parte das mesmas não respondeu à questão (32.5%).

Porém, a análise das respostas no âmbito desta categoria parece transparecer uma convergência de ideias no mesmo sentido da categoria anterior, pois repetidamente afirmam a importância de “Regras dentro e fora da comunidade escolar, valores religiosos e morais de

diferentes pontos geográficos, respeito pelo diferente (…)” E5. Quer isto dizer que o que os

entrevistados assumem como conteúdos também o assumem nas suas definições de cidadania.

Sublinhe-se, no entanto, que alguns dos entrevistados salientam o carácter transversal de cidadania, bem patente no Decreto-Lei 6/2001 de 18 de Janeiro, quando referem a confluência de conteúdos e temas que em diversas disciplinas podem contribuir para educar para a cidadania, como por exemplo: “Todos os conteúdos são relevantes desde que o

educador saiba transmitir a mensagem” (E40); “ (…) qualquer conteúdo poderá ser bom material para educar para a cidadania, temos é que saber aproveitar o melhor dele”(E11).

Os seus discursos, revelam também, uma clara preocupação com a sua prática profissional, uma vez que alguns dos conteúdos enumerados fazem parte, muitas vezes, de situações vivenciadas nos contextos educativos e que poderão ter sido alvo de alguma intervenção no sentido de melhorar e/ou modificar as suas práticas. Eis alguns exemplos:

“Regras para um boa convivência” (E9); “No respeito pelo outro, na ajuda e na partilha” (E19); “Comportamentos, atitudes, valores, regras, etc.” (E21); “Regras de grupo” (E23).

Os inquiridos demonstram ainda falta de clareza em relação às estratégias a utilizar para educar os seus futuros alunos para a cidadania, surgindo um discurso que revela apenas actividades pedagógicas.

Um outro pilar a integrar nas práticas de educação para a cidadania é o facto do profissional da educação ter necessidade de adquirir e desenvolver um conjunto de competências que lhe permitam educar para a cidadania. Saliente-se que esta educação decorrerá de forma harmoniosa se se viver na cidadania. Neste contexto, os entrevistados realçam que uma das competências essenciais para se educar para a cidadania é “(…) ser

bom cidadão” (E2); “(…) ser cidadão correcto” (E1); “(…) ser cidadão consciente” (E17); “(…) saiba ser um cidadão (…)” (E18); “(…) possuir o sentido de cidadania (…)” (E13); “(…) ser uma pessoa cívica”(E24), portanto, algo que é inerente à condição humana, mas que continua

dúbio, uma vez que não especificam o que consideram ser um bom cidadão.

A análise permite ainda verificar que as competências enunciadas pertencem mais ao foro pessoal e da personalidade dos indivíduos do que propriamente ao foro profissional, como se pode ver nos seguintes exemplos: “(…) ser um ser humano compreensivo, humano, saber

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diferenças que existem (…)” (E8); “(…) respeitar-se a si próprio e os outros, ser verdadeiro, compreensivo, atento, afectuoso, disponível para ouvir e ajudar.” (E9).

Outras competências destacadas são as que fazem referência ao entendimento do meio e da sociedade onde os inquiridos se encontram inseridos: “No meu entender o educador

deve acima de tudo conhecer o meio onde está inserido pois só se pode educar para a cidadania se conhecermos a realidade em que estamos inseridos. Não podemos falar de valores, regras e crenças de uma sociedade se não os conhecermos” (E11).

Por outro lado, dois dos entrevistados evidenciam o facto de ser substancial ser-se educado para a cidadania desde criança, para se poder crescer como cidadão: “Antes de tudo

ter uma boa formação já desde nova, desde a infância, possuir normas, regras e valores e crescer sempre com o pensamento que deve aprender sempre mais, para crescer como uma boa cidadã, para mais tarde poder educar e dar uma boa formação para a cidadania” (E36); “Em primeiro lugar ter sido também ele [educador] educado para a cidadania, não tendo essa competência não serão capazes de o fazer” (E23).

Este enquadramento, ainda que múltiplo e atinente, não é ainda indicador de todo um conjunto de competências que se querem para o profissional comprometido com a cidadania, que se envolve e preocupa com a formação social e pessoal dos seus educandos, enquanto cidadãos.

C - Formação inicial e educação para a cidadania

No âmbito desta categoria, um considerável número de inquiridas dizem sentirem-se preparadas para educar para a cidadania, justificando os seus discursos com base em duas perspectivas: uma que diz respeito à sua educação / formação pessoal e outra que diz respeito à sua formação profissional, tendo por base o plano de estudos da sua formação inicial.

Em relação à primeira perspectiva, vejam-se os seguintes comentários: “Sim, acho que

sempre fui educada nesse sentido” (E21); “Eu penso que sim, devido a que tenho a minha formação pessoal, que recebi dos meus pais (…)” (E36); “Penso que sim. Na escola também me alertam para ser um bom cidadão, logo penso que se tiver essa ajuda serei uma boa educadora para os meus alunos.” (E22); “Penso que sim, mas essa preparação não depende só da formação inicial mas também da educação que tivemos até agora e também da maneira de ser de cada um.” (E38).

Por outro lado, quando se faz referência à segunda perspectiva, os discursos, ainda que evasivos e escassos, referem o seguinte: “Sim, existe alguns conteúdos que estiveram e

estão no nosso de plano de estudos que nos permitem educar para a cidadania” (E14); “Sim. Tive formação em diversas cadeiras para esse fim poderei aproveitar as ideias das mesmas tornando-as mais proveitosas e enriquecedoras para posteriormente educar e sensibilizar para a cidadania” (E40).

Em contrapartida, quando analisadas as respostas negativas, verifica-se que a justificação incide essencialmente na falta de formação inicial no âmbito desta problemática,

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como se pode ver nas seguintes falas: “Não me sinto muito preparada para formar para a

cidadania porque nunca tivemos nenhuma disciplina especifica que ensina-se a educar para a cidadania.” (E13); “Não me sinto muito preparada pois acho que este assunto não é muito debatido nas cadeiras que temos” (E28); “Não porque durante a nossa formação não temos contacto directo com esse tema” (E4); “Sinto que ainda não estou muito bem preparada (…) a formação não tem sido a melhor” (E26).

Como se pode constatar, há inquiridas a referir a presença deste tema na licenciatura, apesar de outras afirmarem que não há formação e quando esta existe não é considerada suficiente. Contudo, importa sublinhar que a licenciatura em Educação de Infância ministrada apesar de no seu plano de estudos não apresentar uma disciplina especificamente denominada de Educação para a Cidadania, proporciona esta formação, ainda que de uma forma generalizada.

Como formadores que somos resta-nos repensar os elementos desta categoria, formular novas questões e (re)pensar alguns assuntos como: saber que conteúdos são abordados nas disciplinas cujo programa tece algumas referências sobre a educação para a cidadania, saber se são direccionados para a resolução de problemas que possam vir a encontrar no futuro; saber se existe uma ligação da teoria com a prática sendo esta união uma mais valia; saber se existe preocupação em actualizar saberes e competências, para fazer solucionar problemas.

Ressalve-se o nosso ponto de vista crítico face a esta temática que não pode deixar de questionar o que poderá estar falhar na formação inicial destes jovens e também no acompanhamento / esclarecimento numa futura formação contínua.

4. Conclusões

Chegados a esta fase iremos tecer um conjunto de conclusões consentâneas com os indicadores que, ao longo, do discurso, fomos apresentando, analisando e interpretando. Assim, anotamos que, para as entrevistadas: i) não existe um conceito ideal de cidadania, direccionando-se o mesmo em vários sentidos; ii) os conteúdos, onde a educação para a cidadania se poderá destacar, são de diversa natureza; iii) as competências enunciadas são, na sua essência, inerentes ao foro pessoal do educador; iv) a formação inicial não ajudou a formar para a cidadania, uma vez que não tiveram nenhuma disciplina específica de cidadania; v) a experiência de vida e a educação familiar convertem-se numa base essencial para educar para a cidadania, pois para se aprender a cidadania é mesmo indispensável praticá-la.

Com este estudo foi possível identificar algumas percepções e práticas de cidadania, mas entende-se ainda ser necessária uma apresentação sistematizada e organizada das mesmas, o que exige uma profunda reflexão sobre esta problemática. Tudo isto nos conduziu a novas preocupações e questões, que procuraremos, num estudo futuro, dar resposta e que aqui deixamos como tópicos de reflexão.

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• Será que a distância entre a cidadania desejada e as condições reais da sua concretização continua muito acentuada?

• Educar para o exercício activo da cidadania constitui um dos grandes desafios da educação política da actualidade. Poderá a instituição escolar ficar indiferente?

• De que modo é que a formação inicial se debate com questões de cidadania democrática? Estará sensível à problemática?

• Que papel desempenha o saber na construção da cidadania democrática? Estarão as educadoras-estagiárias preparadas para conceptualizar a delicada missão que é educar para a cidadania? Como o farão se não tiverem formação específica? Sentir-se-ão seguras ao abordar uma área que nSentir-se-ão fez parte da sua formaçSentir-se-ão? ProcurarSentir-se-ão ajuda na formação contínua?

• Significará tudo isto que a cidadania é uma das prioridades da educação básica (Freire-Ribeiro, 2003) e que se torna premente a sua educação?

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Referências

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