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A eficiência da tutela jurídica ambiental no Brasil

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ALEXANDRE ZASSO CUNHA

A EFICIÊNCIA DA TUTELA JURÍDICA AMBIENTAL NO BRASIL

Ijuí (RS) 2019

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ALEXANDRE ZASSO CUNHA

A EFICIÊNCIA DA TUTELA JURÍDICA AMBIENTAL NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Me. Diolinda Kurrle Hannusch

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho aos meus pais, por todo incentivo acadêmico que me

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, professores, por toda a dedicação e incentivos à educação ao longo da minha vida.

À minha orientadora Diolinda Kurrle Hannusch, pelos valiosos ensinamentos durante todo o período da graduação.

À UNIJUÍ, por proporcionar a estrutura acadêmica qualificada que permitiu minha formação.

Aos amigos, demais familiares e a todos que, de alguma forma, contribuem reciprocamente para a construção do conhecimento.

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“A dúvida é o princípio da sabedoria.” Aristóteles

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RESUMO

O presente trabalho aborda aspectos da tutela jurídica ao Meio Ambiente e a eficácia da atuação do Estado na proteção de tais bens. Inicialmente, o Meio Ambiente é exposto como bem difuso fundamental, ou seja, pertencente à coletividade, preservado enquanto fundamental. Na sequência, são elencados os bens relevantes ao Direito Ambiental e a atuação do Ministério Público na sua proteção jurídica. O segundo capítulo aborda as três esferas de proteção de danos ambientais: administrativa, cível e penal. Por fim, é analisada uma Recomendação do Ministério Público/RS em relação a danos ambientais leves; uma análise do processo penal desencadeado pela tragédia ambiental no município de Mariana/MG em 2015; e uma comparação: prevenir danos ou puni-los? A prevenção é mais eficiente, mas caso falhe, a punição tem que ser efetiva, e em termos gerais não está sendo.

Palavras-chave: Danos Ambientais; Direito Penal; Efetividade; Meio Ambiente; Ministério Público.

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ABSTRACT

The present work deals with aspects of the legal protection of the Environment and the effectiveness of the State's action in the protection of such assets. Initially, the Environment is exposed as a fundamental and diffuse right, that is, belonging to the collective, preserved as fundamental. Posteriorly, the assets relevant to Environmental Law and the performance of the Public Prosecutor’s and District Attorney’s Office in their legal protection are listed. The second chapter addresses the three areas of protection of environmental damage: administrative, civil and criminal. Finally, a review of an advice from the District Atterney Office/RS - Brazil in relation to minor environmental damages; an analysis of the criminal process triggered by the environmental tragedy in the municipality of Mariana/MG - Brazil in 2015; and a comparison: to prevent damages or to punish them? Prevention is more efficient, but if it fails, the punishment has to be effective, and in general terms it is not.

Keywords: Criminal Law; Effectiveness Environment; Environment Damages;; Prosecutor’s and District Attorney’s Office.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 A TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE ... 11

1.1 O Meio Ambiente como bem difuso fundamental ... 11

1.2 Os bens juridicamente tutelados como bens ambientais ... 17

1.3 O Ministério Público como garantia fundamental do Meio Ambiente ... 23

2 AS ESFERAS JURÍDICAS DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ... 26

2.1 A Esfera Administrativa ... 26

2.2 A Esfera Cível ... 31

2.3 A Esfera Penal ... 37

3 TUTELA PENAL: “SOLDADO DE RESERVA” X “CARRO CHEFE” ... 41

3.1 Eficácia da atuação repressiva na proteção dos bens jurídicos ambientais . 41 3.2 Prevenir ou remediar: uma escolha em prol da vida ... 52

CONCLUSÃO ... 58

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INTRODUÇÃO

De acordo com as Ciências da Natureza, podemos conceituar o Meio Ambiente como sendo “todo o espaço físico do planeta Terra, seres vivos, matérias inorgânicas, atmosferas, estruturas geológicas e fenômenos naturais, interagindo constantemente entre si, provocando alterações e fluxo de energia”. Ao dominar altas tecnologias, usadas para adaptar o ambiente aos seus propósitos, o ser humano, muitas vezes, deixa de avaliar os impactos negativos que essas mudanças podem acarretar, agindo de acordo com uma visão utilitarista da natureza, ou seja, como fornecedora de matérias primas para a produção de bens.

O uso indiscriminado dos recursos naturais pode ocasionar prejuízos a todas as espécies, inclusive ao ser humano, razão pela qual é necessária uma regulamentação pelo Estado coerente com a ciência, no que se refere à manutenção do equilíbrio ecológico. Para isso, cria mecanismos jurídicos que visam a prevenção, repreensão e reparação dos danos ambientais. Contudo, é necessário realizar uma análise acerca da eficiência das normas que visam tutelar o Meio Ambiente, a partir de análise de casos concretos que envolvam situações danosas, para constatar se tais normas correspondem aos anseios jurídicos, sociais e científicos de proteção em pauta.

Assim, nesta monografia, serão estudadas, com o emprego do método dedutivo, as leis ambientais, os conceitos jurídicos doutrinários relacionados ao Meio Ambiente, e jurisprudências na área. Será analisada também a eficiência dessas, interpretando os referidos conceitos de forma lógica, e comparando seus resultados com os anseios jurídicos, sociais e científicos pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado. As propostas de intervenção serão apresentadas na forma do método indutivo, não pela certeza da solução de problemas, mas pela probabilidade do resultado. O procedimento é a pesquisa bibliográfica.

Hoje, no Brasil, temos a lista tríplice de responsabilização por danos ambientais: a esfera administrativa, marcada pela prevenção de danos; a esfera cível, cujo foco é a reparação dos danos; e a esfera penal, que atua de forma repressiva contra condutas danosas, aplicando sanções à pessoa que praticou o crime. Cada uma das esferas deve ser estudada para ver se cumprem os anseios para os quais foram criadas. Às situações em que se verificar frustradas as

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pretensões de tutela, serão apresentadas hipóteses de solução que visam aprimorar a atuação estatal em cada esfera de responsabilização.

Em razão de sua ampla previsão constitucional, o Meio Ambiente é tratado com status de direito fundamental. Será abordado o conceito de Meio Ambiente enquanto bem difuso fundamental, na intenção de vislumbrar os anseios sociais pela tutela jurídica ambiental. Da mesma forma, elencar-se-á aquilo que para o Direito são os bens ambientais a serem tutelados, e as atribuições do Ministério Público que, enquanto instituição, detém atribuições indelegáveis na tutela jurídica ambiental, e atua como garantidor de tais direitos e bens.

Após, serão apresentadas as esferas jurídicas de proteção ambiental: administrativa, cível e penal, cada um com seus instrumentos próprios. A partir disso, apontar-se-ão déficits de cada uma das esferas, com propostas de intervenção, na intenção de aprimorar seus propósitos constitucionais, sociais e científicos.

No segmento final do trabalho, analisar-se-á a recomendação n.º 02/2016 da Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que orienta os membros da instituição para atuar nas esferas cível e penal, seguida de uma breve análise de um dos casos mais graves de danos ambientais da história do Brasil, ocorridos em razão do rompimento de uma barragem que comedia resíduos de atividades mineradoras, em 2015, no município de Mariana/MG, e sua repercussão jurídica, a fim de estudar a eficiência estatal na proteção ambiental, a partir da responsabilização penal dos agentes pelos danos ocorridos.

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1 A TUTELA JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE

O ordenamento jurídico brasileiro, assim como ocorre com diversos outros bens, estruturou a forma de tutela do Meio Ambiente. Para isso, reconhece a relevância deste bem, elenca quais são os bens que compõe aquilo que deve ser tutelado, e cria a estrutura de proteção, que tem por objetivo a atuação de forma imperativa e sinérgica para resguardar o Meio Ambiente.

O direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado é tratado com a relevância de bem difuso fundamental. A fauna, a flora, o ambiente livre de poluição, o ordenamento urbano e patrimônio cultural, e a administração ambiental são os bens a serem tutelados pelo Direito Ambiental, elencado na Lei n.º 9.605/1998. E o Ministério Público, enquanto instituição, é um dos grandes responsáveis pela tutela jurídica do Meio Ambiente, acumulando funções na esfera cível e penal.

No presente capítulo serão abordados os referidos conceitos, e a estrutura de proteção também será exposta no segundo capítulo.

1.1 O Meio Ambiente como bem difuso fundamental

Apesar de hoje o Meio Ambiente estar amplamente protegido pelo Direito, ao analisarmos historicamente, nem sempre no Brasil o ordenamento jurídico tutelou de forma tão ampla tais direitos. Antes da promulgação da Constituição Federal vigente, inexistia previsão de normas constitucionais que tutelavam especificamente o Meio Ambiente. Tal fato não impediu o legislador de criar normas infraconstitucionais. Porém, em virtude da relevância do tema, percebeu-se a necessidade de a matéria ser legislada com amparo constitucional.

Pelo maior período da História, a exploração de recursos naturais e os impactos causados se justificava pela busca da prosperidade econômica imediata e do conforto da própria espécie. Todavia, a exploração dos recursos sem a utilização de mecanismos de controle gerou grandes consequências, as quais tomaram as devidas proporções jurídicas internacionais apenas nos anos de 1970, mais precisamente em 1972, com a Conferência das Nações Unidas Sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia. Nessa Conferência foram estabelecidos princípios comuns que oferecem aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o Meio Ambiente. A referida Conferência não deixa

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dúvidas, em diversos trechos da Declaração, sobre a posição antropocêntrica de seus princípios. Ou seja, o objetivo da Conferência de Estocolmo foi pôr em pauta as questões ambientais, sendo a prosperidade humana o cerne da discussão.

Na Conferência de Estocolmo, o Brasil consolida-se como “porta-voz” dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento no que toca às questões ambientais. Como exemplo negativo de efeitos da supressão da natureza, citamos a grande crise do petróleo, dois anos após Estocolmo, em 1974. A partir dela, os países produtores e os demais, perceberam que os recursos naturais (entre eles os combustíveis fósseis) são finitos e necessitam de medidas mitigadoras a fim de prevenir futuras crises. Nesse sentido, no Brasil iniciam-se as pesquisas com o álcool como combustível alternativo, no caso, um biocombustível, tendo em vista que a matéria-prima para sua criação é uma planta, através do Programa Pró-Álcool. Em 1979 já era possível encontrar carros movidos à álcool, também denominado etanol, com efeitos muito menos danosos ao Meio Ambiente.

Conforme Mendonça e Mendonça (2008), o Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo. Tendo o conceito de biodiversidade como a diversidade genética que habita o planeta Terra, o Brasil é responsável por abrigar a maior diversidade de espécies de plantas, primatas, anfíbios, peixes de água doce e insetos, contando com entre 10% e 20% de 1,5 milhões de espécies biologicamente catalogadas. Conservar essa riqueza natural é uma grande responsabilidade, que deve contar com efetivo amparo estatal e legal.

Cientes de que o ser humano é parte do Meio Ambiente, e que depende do equilíbrio deste para a própria sobrevivência, o Estado passa a preocupar-se com a conservação daquele. O Direito é, em sua essência, antropocêntrico, sendo criado por seres humanos para os próprios na busca para soluções de litígios sociais. Ao intervir no Meio Ambiente, o Direito segue a mesma lógica. O homem cria a tutela jurídica ambiental focado nos próprios interesses de bem-estar e sobrevivência, seguindo a lógica da Conferência de Estocolmo.

Analisando o histórico legal (BENJAMIN, 2003) é possível conceituar três fases do Direito Ambiental Brasileiro. Na primeira fase, aduz que desde a chegada dos europeus às terras brasileiras, até a segunda metade do século XX, pouca atenção recebeu a proteção ambiental no Brasil. Exceção a algumas normas que visavam resguardar recursos naturais, ou a saúde, ao invés da preocupação ética de fato. A grande ideia do Poder Público em relação ao Meio Ambiente era incentivar a

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exploração de recursos naturais, sejam eles agrícolas, pecuários ou minerais, sendo denominada pelo autor como “fase da exploração desregrada”, ou “laissez-faire” ambiental.

Na segunda fase, segundo o autor, denominada “fragmentária”, o legislador apresenta preocupações com diferentes recursos naturais, criando normas para controle da exploração, porém, não compromissado de fato com o Meio Ambiente. Nessa fase legislativa, surgem, por exemplo, o Código Florestal, em 1965; de Caça, Pesca e Mineração, em 1967; Lei de Responsabilidade por Danos Nucleares, em 1977; a Lei do Zoneamento Industrial nas Áreas Críticas de Poluição, de 1980. É criada a Secretaria Especial de Meio Ambiente, subordinada ao Ministério do Interior, inaugurando o precedente para o Ministério do Meio Ambiente, e toda a estrutura administrativa em prol deste. (BENJAMIN, 2003).

Na ausência de amparo constitucional do tema, o legislador embasava sua argumentação sob as normas de proteção à saúde, que, de fato, tem relação direta com o Meio Ambiente, pois ela não pode ser assegurada em um ambiente poluído. Da mesma forma agiam membros do Poder Judiciário e Ministério Público, fundamentando suas atuações na proteção ambiental pelo viés da saúde. Todavia, tal embasamento não dispensa a especificidade constitucional da abordagem do tema.

Isso porque não se pode confundir o direito à saúde com o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. Por mais que a saúde dependa da qualidade do meio ambiente (pelas já mencionadas questões sanitárias, qualidade da água, qualidade do ar, etc.), muitas vezes a saúde humana fica em segundo plano, quando a legislação trata, por exemplo, de preservação de espécies animais ameaçados de extinção, ainda que nocivos à saúde humana, como animais peçonhentos, ou capazes de predar seres humanos. Tal proteção deve ocorrer por questões éticas e pela própria segurança do ecossistema, que depende de todas as espécies, nocivas ou não aos seres humanos, para manter-se estável. Não é por questão de saúde que são protegidas as espécies perigosas aos seres humanos, e sim, para que sua extinção não desencadeie outros problemas ambientais que afetarão de forma ainda mais contundente a saúde humana. Sustentar o Direito Ambiental apenas pelo viés da saúde, leva ambas as matérias a pontos remotos de seus conceitos nucleares.

A terceira e última fase, denominada “holística”, inicia com a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, passando a proteger de forma íntegra o meio

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ambiente. Por essa Lei, foram estabelecidos os princípios, objetivos e instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, agregando no ordenamento jurídico brasileiro o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA), que é o respaldo jurídico ao método científico na proteção do Meio Ambiente, e instituindo responsabilidade civil objetiva para o dano ambiental. Ainda, trazendo pela primeira vez, atribuições ao Ministério Público para atuar na área (BENJAMIN, 2003).

Nessa fase, após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado passou a ter previsão constitucional, recebendo, então, o status de bem jurídico difuso fundamental.

Os bens jurídicos difusos são aqueles que pertencem integralmente a toda sociedade. O conceito está previsto na legislação brasileira e especificado no artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, sendo diferenciado de direitos coletivos e direitos individuais homogêneos. Logo, são direitos transindividuais, indivisíveis e indetermináveis. Pertencem simultaneamente a todos os cidadãos, sem que haja prevalência de interesses jurídicos individuais sobre eles. É interesse de toda a sociedade manter o ambiente ecologicamente equilibrado e gozar de uma boa qualidade do ar, da água, da biodiversidade e das paisagens naturais, colher e consumir frutos de um solo fértil e saudável, e fruir de recursos naturais, na medida que não prejudique os interesses difusos de outrem. Dessa forma, concluímos que o Direito Ambiental é um bem jurídico difuso.

No âmbito do Direito brasileiro, o meio ambiente, além de ser amparado juridicamente como bem difuso, é também tutelado como Direito Fundamental. Isso decorre de sua previsão constitucional no artigo 5º, §2º, que preceitua:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Portanto, ainda que não previsto no rol não taxativo dos incisos do artigo 5º e artigos subsequentes que tratam de Direitos Fundamentais, a Constituição Federal atribui ao Direito Ambiental o status de fundamental, em virtude dos diversos tratados internacionais sobre meio ambiente que o Brasil é signatário. Outrossim, a forma como é tratado no artigo 225 da Constituição Federal (CF/88), interpretando-o

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de acordo com os princípios e tradições constitucionais brasileiros, corrobora seu status enquanto Direito Fundamental. Isso significa que assim como outros tantos Direitos Fundamentais, o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado demanda uma série de tratamentos especiais por parte do Estado.

Um dos principais tratamentos especiais é a impossibilidade de supressão legislativa. Conforme preceitua o artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais.”. O direito ao Meio Ambiente sadio e todas as derivações dele recebem a proteção jurídica constitucional de impossibilidade de revogação pelo Poder Legislativo.

Além disso, tem característica histórica, pois, conforme anteriormente descrito, decorre de um processo evolutivo, que visa aprimorar a realidade social ao direito fundamental em pauta, amparado pelo princípio do não retrocesso. Pela universalidade, reconhecemos também como um direito pertencente a todos, de forma indiscriminada, reforçando a característica de direito difuso. É irrenunciável, imprescritível e inalienável. Ainda que seja possível alienar bens oriundos da natureza, este direito deve ser dosado de forma que não prejudique o equilíbrio ecológico, e, consequentemente, o próprio direito fundamental. É concorrente, ou seja, pode e deve ser exercido em caráter de simultaneidade com outros direitos, inclusive fundamentais. E, em caráter de simultaneidade, deve ser observada a característica relativa de sua força, uma vez que não são direitos absolutos. Isso quer dizer que, havendo conflitos de interesses de direitos fundamentais, o julgamento deve ser no sentido de mínima limitação àqueles envolvidos, aplicando a lógica para restringir o mínimo possível e evitar prejuízos de direitos.

A noção de direitos fundamentais é agrupada em diferentes gerações, também nominado pela doutrina como dimensões. A primeira dimensão de Direitos Fundamentais versa nobre a delimitação da intervenção do Estado na personalidade e na autonomia dos indivíduos. Tal limitação surgiu da necessidade de conter a atuação estatal em razão dos violentos abusos ocorridos ao longo da história. Ou seja, uma atuação negativa, caracterizada pela omissão. Alguns exemplos são o direito à vida, à liberdade, à igualdade e à integridade física.

A segunda dimensão de Direitos Fundamentais alude uma atuação positiva do Estado. Durante o século XIX, ocorreram crises econômicas por todo o mundo, que culminaram em consequências sociais graves. O fato é que o movimento

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econômico não estava sendo capaz de suprir necessidades básicas dos cidadãos, criando uma demanda por intervenções externas ao Mercado. Na mesma época iniciou-se a expansão de ideias socialistas, que propunham grande controle do Estado sobre a economia e a sociedade. Isso resultou em pressões sociais que culminaram no próprio Estado intervindo com ações, arrecadando impostos também com intenção de prestar assistência aos cidadãos, suprindo bens necessários à sua subsistência e dignidade. Alguns exemplos são: saúde, educação, moradia, transporte, justiça e emprego, o Estado de Bem Estar Social. Na mesma senda são classificados os direitos sociais, como o direito à sindicalização e greve, bem como o direito a férias, limitação da jornada de trabalho, garantia de salário mínimo, tendo a demanda também surgida em razão das crises econômicas anteriormente mencionadas.

Na terceira dimensão de Direitos Fundamentais surge, então, o direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. O contexto social é o fim da Segunda Guerra Mundial, com a consequente descolonização de parte dos territórios dominados por nações europeias. Emerge da necessidade de garantir a proteção a grupos humanos, e, consequentemente, direitos difusos e coletivos, pertencente a todos os seres humanos. Essa dimensão de direitos fundamentais distingue-se das duas anteriores porque não trata de direitos cujo ônus seja exclusivo do Estado, e sim, de toda a sociedade. Em síntese, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito e dever de todos, incluindo pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas.

A seguir será exposto o artigo 225, caput, da Constituição Federal, e uma síntese dos conceitos doutrinários trabalhados no presente subitem com a forma pela qual foram abordados constitucionalmente:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (BRASIL, 2018).

Ao referir que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo”, a Carta Magna explicita tratar-se de um direito difuso, deixando claro que não é possível individualizar, determinar e dividir, em um primeiro momento, prejuízos pelo desequilíbrio ecológico. Portanto, projeta a atuação estatal em prol do Meio Ambiente em caráter universal. Por uma visão

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biocêntrica, pode-se interpretar a palavra “todos”, como todos os seres vivos, reconhecendo as demais espécies como sujeitos de direito não-humanos. Contudo, no Direito Brasileiro, apenas seres humanos são sujeitos de direito. Isso indica que a expressão carrega a característica antropocêntrica, devendo o Meio Ambiente, englobando todas as espécies animais e vegetais e todos os demais elementos que o compõe, ser devidamente defendido e preservado para satisfazer as necessidades humanas.

Também menciona “essencial à sadia qualidade de vida”, remetendo a ideia de tratar-se de um direito vinculado ao direito à saúde, à dignidade, e à própria vida. Continua com “impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo”, trazendo o conceito da terceira dimensão de Direitos Fundamentais, cujo ônus não pertence apenas ao Estado, e finaliza referindo que os beneficiados são as presentes e futuras gerações.

Cabe ainda ressaltar a competência legislativa atribuída pela Constituição Federal na matéria ambiental. Ocorre competência concorrente entre a União, os Estados Federativos e Distrito Federal, na criação, modificação e revogação de leis que versem sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do Meio Ambiente e controle da poluição. Cabe à União legislar normas gerais, aos estados federativos normas específicas, e aos municípios sobre temas de interesse local, sempre obedecendo a hierarquia normativa.

Quanto a competência para legislar sobre direito civil e penal, ainda que sobre questões que envolvam danos ao Meio Ambiente, a competência é exclusiva da União, por força do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.

Por último, convém destacar que a proteção ambiental abrange o Meio Ambiente artificial, como por exemplo, a proteção do patrimônio histórico e cultural.

1.2 Os bens juridicamente tutelados como bens ambientais

A Lei n.º 9.605, conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”, trouxe, em seu capítulo V, bens jurídicos relevantes a ponto de serem tutelados pelo Direito Penal. Dividido em seções, cada uma delas apresenta um bem jurídico tutelado, dispondo tipos penais correspondentes a condutas lesivas àquele bem.

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1.2.1 A Fauna

A previsão constitucional de proteção jurídica da fauna decorre do artigo 225, inciso VII da Constituição Federal:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Compreende-se fauna como o conjunto de animais existentes em um determinado país. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a fauna passou a integrar os direitos difusos dos cidadãos. Com isso, também, o conceito de fauna de forma mais extensiva, compreendendo a fauna silvestre, bem como animais domésticos ou domesticáveis.

Para proteger a fauna, o legislador criou tipos penais que vedam a caça predatória. Como caça predatória, entende-se aquelas práticas de caça profissional ou sanguinária. A caça profissional tem fins comerciais, como a venda de carne, couro, etc. Já a caça sanguinária, é praticada pelo puro deleite do caçador (FIORILLO E CONTE, 2012).

Por outro lado, há também as práticas de caça não predatórias. Para elas, o legislador, com a Lei n.º 5.197/1967, estabeleceu parâmetros de controle a serem aplicados com licenças para o exercício. Dentre as formas de caça não predatória estão: a caça de controle; a caça esportiva ou amadorista; a caça de subsistência; e a caça científica. Para a caça de subsistência, caracterizada por ser aquela praticada para saciar a fome do agente ou de sua família, está previsto, no artigo 37, inciso I da Lei n.º 9.605/1998, a excludente de ilicitude pelo estado de necessidade. Para as demais formas de caça não-predatórias, a Lei estabelece a necessidade de licença prévia, observando parâmetros que resguardem o bem difuso, por agências de regulação (FIORILLO E CONTE, 2012).

Em sentido semelhante ao da caça, o legislador previu regras específicas para o controle da pesca. A limitação ocorre às espécies que devem ser preservadas pelo risco de extinção, ou cujo tamanho seja inferior ao permitido; em quantidades superiores às permitidas, ou usando equipamentos ou métodos não

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permitidos; usando explosivos, substâncias tóxicas, ou semelhantes. Ainda proibiu a venda de pescados obtidos de forma irregular.

Outra forma de crime contra a fauna, previsto na Lei em pauta, é o tráfico de animais silvestres. Uma prática reportada no Brasil desde a chegada dos colonizadores portugueses e que até hoje tem muita força comercial.

1.2.2 A Flora

Aos crimes contra a flora, o legislador destinou quinze artigos. Neles estão previstas condutas danosas às áreas de preservação permanente, ou unidades de conservação. Da mesma forma, criminaliza a prática de incêndio em florestas ou matas; a fabricação, o transporte, o comércio e a soltura de balões, em razão do perigo de incêndio que esses artefatos trazem. Na questão de artefatos proibidos, também é criminalizado o comércio e utilização irregular de motosserras.

1.2.3 Crimes de poluição e outros crimes ambientais

O artigo 3º, inciso III da Lei n.º 6.938/1981 traz o seguinte conceito de poluição:

“A degradação da qualidade ambiental resultantes de atividades que, direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do Meio Ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais.”

Para efeitos criminais, o artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais prevê:

“Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§ 2º Se o crime:

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II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.”

Por referir-se à poluição de qualquer natureza, é possível interpretar que o caput do artigo 54 refere-se à poluição atmosférica, hídrica, do solo, sonora e visual, para fins de tipificação penal.

Como “outros crimes ambientais”, mencionados no subtítulo da seção III, entende-se os crimes previstos nos artigos 55, 56, 60 e 61 da Lei de Crimes Ambientais. As condutas são variadas, abrangendo o manejo inadequado na extração de recursos minerais; o manuseio ou abandono de substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde humana em desacordo com as normas regulamentares; a construção, reforma, ampliação, instalação, ou funcionamento de estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, em desacordo com o regulamento das autoridades competentes; e, por fim, a prática de disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas.

1.2.4 Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural

A Constituição Federal, em seu artigo 216, conceitua o patrimônio cultural, e manifesta, no parágrafo 4º, a intenção do constituinte pela proteção deles:

“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

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II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

(...)

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.”

O conceito cultural é muito amplo, e diz respeito à origem, identidade, história, comportamentos, hábitos, artes, ciências e tecnologias, etc. Enfim, são os elementos que formaram o Brasil enquanto Nação. Por se tratar de um bem muito valioso e eventualmente frágil, é devida a preocupação do constituinte com a preservação deles.

As condutas típicas que descrevem danos a tais patrimônios estão previstas nos artigos 62, 63, 64 e 65 da Lei de Crimes Ambientais. Nelas inclui a destruição, inutilização ou deterioração dos bens descritos no artigo 62, incisos I e II, incluindo instalações científicas; arquivos, registros, bibliotecas, etc. Há previsão de pena também se a conduta for culposa. Outrossim, os artigos 63 e 64 zelam pela integralidade de edifícios ou locais que carregam valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, criminalizando condutas degradantes em desacordo com as normas e ao interesse difuso.

Por fim, o artigo 65 tipifica a conduta de pichar, ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano. A pena é majorada se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico. O parágrafo segundo traz uma importante distinção entre a pichação e o grafite.

Diferentemente da pichação, o grafite é uma manifestação artística que emprega sofisticadas técnicas de pintura, usando tinta spray. Costumam representar em forma de imagens valiosos elementos culturais urbanos. Em razão disso, a tipicidade da conduta é afastada caso sejam realizados com o consentimento do proprietário. Se for bem público, deverão ser observadas normas que preservem o direito cultural alheio.

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Cabe destacar que as tipificações de tais condutas substituíram tipos penais equivalentes até então previstos no Código Penal. Os artigos revogados do referido dispositivo legal são: 163, III; 165; e 166.

1.2.5 dos crimes contra a administração ambiental:

A seção V da Lei n.º 9.605/1998 elenca condutas criminosas, praticadas por funcionários públicos ou particulares, que atentam contra os mecanismos e a boa-fé dos procedimentos de licenciamento e proteção do Meio Ambiente. Dessa forma, busca-se a tutela não apenas do Meio Ambiente em si, mas também dos procedimentos de defesa dele.

As condutas previstas são as seguintes:

Art. 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.

Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais:

Pena - detenção, de um a três anos, e multa.

Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1o Se o crime é culposo:

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§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.

1.3 O Ministério Público como garantia fundamental do Meio Ambiente

Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Essa é a forma como o artigo 127 da Constituição Federal define o Ministério Público e descreve de forma abrangente suas funções.

Enquanto instituição permanente, o Ministério Público é uma das mais importantes e indispensáveis à tutela jurídica do Meio Ambiente, incumbindo-lhe diversas formas de atuação propositiva para salvaguarda-la, tanto na esfera cível quanto penal.

Com o objetivo de aprimorar a atuação da instituição, o Constituinte estruturou o Ministério Público de maneira meramente institucional, preservando o princípio constitucional da unidade. São eles: o Ministério Público da União, subdividido em: Ministério Público Federal; Ministério Público do Trabalho; Ministério Público Militar; Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. E o Ministério Público dos estados federativos. Cada subdivisão vai lidar com situações de relevância jurídica, atraindo atribuições em razão do lugar, da matéria, conexão, ou prerrogativa de função, a qual o agente que praticou o dano eventualmente exerça.

A instituição tem a hegemonia da titularidade da ação penal pública, abrangendo todos os crimes ambientais, e na esfera cível, a titularidade das ações civis públicas em defesa do Meio Ambiente, de forma não hegemônica.

Enquanto entidade, o Ministério Público, gozando do princípio da autonomia, atua de forma muito ativa na busca por responsabilização e reparação de danos a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Para isso conta com instrumentos jurídicos que visam esclarecer fatos e buscar a responsabilização e reparação de danos: o Inquérito Civil (IC) e o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC). No presente trabalho será analisado o emprego destes mecanismos na defesa do Meio Ambiente, no segundo capítulo, no subitem

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“Esfera Cível”, ciente que estes mesmos mecanismos também sejam usados na tutela jurídica de outros bens de natureza transindividuais.

Além do Inquérito Civil e do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, o Ministério Público atua também de outras formas, no âmbito extrajudicial, na questão da tutela jurídica do Meio Ambiente.

A partir de 2001, pelo Decreto Federal nº 3.942 daquele ano, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público dos Estados Federativos (MPE) passaram a integrar o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Uma vaga ao MPF e uma vaga ao MPE, este último indicado pelo Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça. É um órgão colegiado, presidido pelo ministro do Meio Ambiente, que tem por finalidade definir normas e critérios para a concessão de licenciamento ambiental, e diretrizes para controle de poluição. As conclusões têm natureza consultiva e deliberativa, e são chamadas de “resoluções”. Os representantes do Ministério Público participam na condição de “Conselheiros Convidados”, e não têm direito a voto. Representantes do Ministério Público também participam dos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente (CONSEMA), que tem atribuição para definir as políticas de Meio Ambiente em nível regional/estadual.

Junto ao Senado e à Câmara dos Deputados, em âmbito federal, e nas Assembleias Legislativas, no âmbito estadual, o Ministério Público acompanha a criação de projetos de lei. Outrossim, contribui com a implementação de políticas públicas ambientais nos municípios e estados.

1.3.1 Instrumentos de Atuação

Visando melhor atender às demandas, o Ministério Público de alguns estados da federação criou Promotorias de Justiça temáticas. O foco é maximizar a atuação ministerial em determinados ecossistemas ou unidade de conservação, e isolar o tema permite maior foco do Promotor de Justiça naquelas áreas. De forma semelhante atuam as Promotorias Regionais. Elas são criadas para estender a atuação em determinado território, ultrapassando limites da comarca sede. Certos biomas presentes em determinadas regiões demandam atuação unificada do Ministério Público, e dessa forma, é possível concentrar em uma Promotoria as informações daquela região. E também há as Promotorias Volantes, deslocam-se

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pelo território, em situações específicas, para atender situações de maior vulnerabilidade (CAPPELLI, 2003).

No âmbito da própria instituição, foi criado, pelo Provimento nº 9 da Procuradoria Geral de Justiça, em 11 de abril de 2000, o Conselho de Defesa do Meio Ambiente (CONMAM), do Ministério Público do Rio Grande do Sul. O objetivo é aprimorar a atuação da instituição na área ambiental, fomentando o debate acerca da atuação e criando diretrizes para homogeneizar a atuação dos membros em casos que envolvam o Direito Ambiental e sejam semelhantes entre si (CAPPELLI 2003).

Por fim, cabe ressaltar a cumulação de funções das Promotorias de Justiça ambientais no Rio Grande do Sul. Pelo Provimento n.º 12/2000, da PGJ/RS, as atividades cíveis e criminais envolvendo a apuração de ilícitos contra o Meio Ambiente devem tramitar na mesma Promotoria de Justiça. Isso permite a maior aproximação das provas produzidas em cada âmbito, com o consequente melhor esclarecimento dos fatos nas duas áreas1. Ressalta-se que eventuais processos

cíveis e criminais sobre a matéria apurada seguem tramitando separadamente perante os respectivos juízos. A cumulação ocorre apenas no âmbito de atuação do Parquet. A forma judicial de atuação em cada uma das áreas será abordada a seguir.

1Recomendação acessada no site do Ministério Público do Rio Grade do Sul pelo link:

“https://www.mprs.mp.br/legislacao/provimentos/1274/”, pela última vez para a elaboração deste trabalho no dia 16 de junho de 2019.

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2 AS ESFERAS JURÍDICAS DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE.

Visando dar maior amplitude à proteção jurídica ambiental, o corpo constituinte definiu, no §3º do artigo 225 o seguinte: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (Grifo nosso).

Disso depreende-se a criação da tríplice responsabilização ambiental pela Carta Magna. Nela está previsto que os infratores estarão sujeitos a sanções administrativas, cíveis e penais.

Nota-se que a letra ”e”, grifada na transcrição do texto constitucional, é usada na forma de conjunção aditiva, somando a possibilidade de responsabilização penal e administrativa. No mesmo sentido é usada a palavra “independentemente”, para agregar a responsabilidade cível às atividades lesivas ao Meio Ambiente, selando o conceito constitucional de tríplice responsabilização ambiental. Por um mesmo fato gerador, o causador de dano ambiental estará sujeito a três sanções distintas pelo Estado, sem que isso caracterize bis in idem.

O non bis in idem está presente porque as três espécies de responsabilização por danos ambientais visam proteger o Meio Ambiente de forma distinta: a esfera cível pretende a reparação do dano; a esfera administrativa pretende a prevenção; e a esfera penal pretende a repressão.

2.1 A Esfera Administrativa

Iniciando a listra tríplice de responsabilização por danos ambientais, temos a Esfera Administrativa. A atuação ocorre com o objetivo de fiscalizar e prevenir danos ambientais. Para compreender a magnitude da esfera administrativa na tutela jurídica ambiental, é necessário, primeiramente, compreender a Política Nacional do Meio Ambiente.

Criada pela Lei n.º 6.938/1981, a Política Nacional do Meio Ambiente estabelece princípios, objetivos e instrumentos para a implementação de recursos naturais no Brasil (THOMÉ E GARCIA, 2010). Os princípios estabelecidos por esta Lei não se confundem com os princípios do Direito Ambiental, ainda que convirjam

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no objetivo de resguardar a qualidade ambiental. Princípios estes previstos no artigo 4º da referida Lei:

A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;

III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;

IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais;

V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;

VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;

VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Além de princípios, a Lei também cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que por sua vez, estabelece um complexo de agências governamentais atuantes em todos os entes federativos visando a manutenção dos mecanismos de implementação da Política Nacional do Meio Ambiente.

Dentre as agências que compõem o SISNAMA, menciona-se o Conselho de Governo, que assessora o Presidente da República; o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que estuda e propõe ao Conselho de Governo diretrizes; O Ministério do Meio Ambiente, que substituiu a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República; o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); e o órgãos ambientas estaduais e municipais, que fiscalizam e controlam atividades relacionadas ao Meio Ambiente em suas respectivas jurisdições, como as secretarias do Meio Ambiente.

Portanto, o Sistema Nacional do Meio Ambiente é um corpo que agrega diversas agências ambientais em todos os níveis da federação. Elas, por sua vez, detêm atribuição para realizar a fiscalização ostensiva de atividades potencialmente poluidoras; aprovar projetos impactantes ao Meio Ambiente e suas formas de mitigar possíveis danos, pelo Estudo Prévio de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Sobre o Meio Ambiente (EPIA/RIMA); definir padrões de qualidade socialmente

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toleráveis para o uso de bens ambientais; aplicar sanções na esfera administrativa, além de outras funções.

Antes de se pensar em aplicar qualquer sanção, é necessário que haja uma prévia fiscalização, que aponte para a ocorrência de irregularidade ambiental. A competência para fiscalizar é comum entre a União, os estados federativos e os municípios. Logo, as agências do SISNAMA podem exercer a fiscalização concorrente, não importando a qual ente federativo estejam vinculadas.

O exercício da fiscalização por estes órgãos é de extrema importância. Isso porque, além de caráter preventivo, os laudos técnicos, gerados a partir de atividades fiscalizadoras de cientistas, que apontem para a ocorrência de danos ambientais, poderão ser requisitados na esfera cível e penal como elementos probatórios para a responsabilização por danos nas respectivas áreas. Na prática, a responsabilização nas duas outras esferas depende bastante do efetivo trabalho administrativo.

Uma vez verificado o dano na esfera administrativa, inicia-se o procedimento para aplicação da sanção. A base legal para isso está na Lei 9.605/1998. Apesar de ser nominada como “Lei de Crimes Ambientais”, o referido texto legal também normatiza a atuação na esfera administrativa, prevendo, entre os artigos 70 e 76, normas para aplicações de sanções administrativas. Tais disposições são fortalecidas pelo Decreto n.º 3.179/1999, e pela Lei n.º 9.433/1997, esta última em relação a recursos hídricos.

Para o Superior Tribunal de Justiça, a responsabilidade administrativa por danos ambientais é objetiva, baseada na teoria do Risco integral. Também considera como responsabilidade objetiva a responsabilidade administrativa, o Código Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (MARCHESAN, STEIGLEDER, CAPPELLI, 2008).

O ente público ao fiscalizar e aplicar sanções, está gozando do Poder de Polícia administrativa. O Poder de Polícia é marcado pelas seguintes características: discricionariedade; auto-executoriedade e a coercibilidade. Contudo, todas essas características, por serem inerentes ao exercício de poder pelo Estado, estão sujeitas a práticas de excesso. Na intenção de moderar o poder, o ente público deve atender a alguns requisitos legais. Um deles é a presença da motivação. A agência do SISNAMA que está aplicando a sanção deve descrever a motivação do seu agir,

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sob pena de nulidade do ato. Isso está disposto no artigo 50 da Lei 9.784/1999, in verbis:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

...

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

Outrossim, as aplicações das sanções estão sujeitas a apreciação pelo Poder Judiciário, conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”. Portanto, caso não aceite aplicação de penalidade administrativa, e não obtenha sucesso tentando a reversão por recursos administrativos, o sancionado poderá ajuizar ação com o intuito de anular o ato praticado pelo ente público.

O artigo 70 da Lei 9.605/1998, ao definir o conceito de condutas passíveis de aplicação de sanções, não tipifica de forma específica os atos. Trata-se, portanto, de norma infracional em branco: “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.

Ao verificar ocorrência de infração ambiental, o órgão fiscalizador irá lavrar um auto de infração ambiental, apresentando nele detalhes da autuação. Quem detêm competência para lavrar um auto de infração são os agentes das instituições integrantes do SISNAMA, e os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

As sanções administrativas passíveis de aplicação estão previstas no artigo 72 do mesmo dispositivo legal. São elas: advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos.

Para a aplicação da sanção, o legislador também não foi muito específico, deixando a cargo do Poder de Polícia a razoabilidade no caso concreto. Contudo, previu um norteamento para a aplicação. Ao definir qual sanção, e a graduação desta, o ente público deverá observar as consequências sociais e ambientais dos

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atos lesivos; os antecedentes do infrator nas questões que envolvam danos ambientais; e a condição financeira do agente, caso a sanção seja uma multa. Em caso de aplicação de multa, o valor arrecadado dessa forma será revertido ao Fundo Nacional do Meio Ambiente; ao Fundo Naval; a fundos estaduais ou municipais vinculados ao meio ambiente, conforme o ordenamento da agência fiscalizadora responsável (SIRVINSKAS, 2007)

O Poder de Polícia atribuído à administração pública para tutela ambiental permite, de certa forma, maior celeridade e eficiência para cumprir com suas atribuições, pois evita limites na atuação que muitas vezes pode ser burocrática demais. Porém, se usado de forma irresponsável, pode ocasionar prejuízos imensos a toda a sociedade.

A atuação e fortalecimento das instituições que compõe o SISNAMA é imprescindível à atuação do Ministério Público na busca pela responsabilização por danos ao Meio Ambiente na esfera cível e penal. A ineficiência, seja por falta de recursos financeiros, ou por inaptidão dos agentes fiscalizadores e chefes das instituições, acarreta prejuízos na busca por responsabilização dos referidos danos. Isso porque o Parquet habitualmente oficia a estes órgãos requisitando informações, e embasa as investigações em documentos fornecidos por aquelas agências governamentais. Caso os recursos necessários para fiscalizar não estejam presentes, além da não responsabilização na esfera administrativa, as responsabilizações nas duas outras esferas também são prejudicadas.

Por estarem subordinadas ao Poder Executivo nos três níveis da administração pública, as instituições do SISNAMA infelizmente, em alguns casos, estão sujeitas ao sucateamento proposital do administrador, obviamente de forma ilícita e atentando contra os princípios da administração pública.

Imaginemos a seguinte situação hipotética: um candidato ao governo do estado federativo “X” está com más intenções enquanto pretendente ao cargo de governador. Em conluio com a empresa “Y”, que exerce atividade potencialmente poluidora em larga escala, ele tem sua campanha financiada por ela. Em contraprestação, a empresa exige, em acordo sorrateiro, que o governador provoque um boicote, seja reduzindo as verbas discricionárias às agências, ou indicando chefes pactuados com as intenções torpes. Isso, com certeza, prejudica a atuação das agências fiscalizadoras, evitando o controle administrativo das atividades poluidoras, possibilitando que a empresa deixe de gastar com tecnologias e

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estruturas que amenizem os danos ambientais por saber que não sofrerá sanções. Muitas vezes a implementação de métodos de redução de impactos ambientais negativos à produção custam muito mais caro que o financiamento de campanha a governador de estado. A empresa, de forma gananciosa e irresponsável, opta por agir de forma ilícita.

Dar maior autonomia às agências do SISNAMA, tanto em relação ao orçamento, quanto em relação à promoção de agentes, é uma forma de evitar atividades paralelas ao interesse público e social. Não é necessário que as instituições se desvinculem do Poder Executivo, mas que a discricionariedade na escolha aos cargos de chefia seja mais limitada, cabendo a escolha entre aqueles que, de alguma forma, já se destacam atuando em prol do Meio Ambiente em atividades das agências do SISNAMA da qual integram.

2.2 A Esfera Cível

A organização social também é regida pela produção e pelo consumo. Baseado no livre mercado, um povo que produz muito, excedendo aquilo que necessita ao consumo próprio, tende a ter mais prosperidade, pois, além de suprir suas próprias necessidades, tem a possibilidade de comercializar externamente o excedente e acumular riquezas. Claro que a lógica nem sempre é comercializar apenas o excedente, pois há uma intensa produção focada no mercado exterior, onde toda, ou a maior parte da produção é comercializada diretamente com outros povos. Contudo, a lógica de produzir muito continua a mesma, na intenção de acumular riquezas.

É do Meio Ambiente que provêm toda a matéria prima para a produção. A falta de um recurso natural, petróleo por exemplo, causa uma crise energética que afetará sobremaneira a economia. Um ecossistema equilibrado fornece os recursos naturais necessários à produção de bens, desde que respeitada a sua capacidade de reposição de tais recursos. Na busca incessante por excedentes, ou pelo manejo incompetente de instrumentos, muitas vezes ocorrem externalidades negativas (MOTA, 2008).

O notório economista britânico Ronald Coase publicou, em 1960, um artigo chamado “The problem of social cost”. Nele, aborda um sério risco no que diz respeito à produção de bens. Quando a atividade produtora excede aos limites da

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propriedade, causando prejuízos a terceiros, como os envolvidos podem resolver o litígio? A produção extravagante, capaz de causar prejuízos à propriedade alheia, é denominada “externalidade negativa de produção”. Coase busca uma alternativa sem necessitar a intervenção estatal (BRUE, 2005).

A melhor forma de abordar a teoria de Coase é com um exemplo: imaginemos que um produtor de soja está aplicando agrotóxicos em sua lavoura, na intenção conter a atividade de espécies que considera predatórias à sua produção. Ocorre que, um apicultor que cria suas abelhas há poucos quilômetros de onde é aplicado o agrotóxico, começa a perceber que a população de seus enxames está diminuindo, provavelmente envenenadas pelos agrotóxicos, o que, consequentemente ocasiona a diminuição da produção de mel e prejuízos econômicos. Coase defende que, nesse caso, ambas as partes têm motivo para chegar em um acordo, pois, o apicultor está sofrendo prejuízos, mas o produtor de soja também sofrerá prejuízos caso reduza a quantidade de agrotóxicos que aplica, pois deixará mais vulnerável sua plantação aos predadores.

Se o produtor de soja, visando reparar os prejuízos que causou ao apicultor, pagar uma quantia em dinheiro a ele, o apicultor, por sua vez, poderá usar esse dinheiro para negociar com o produtor de soja, pagando para que ele reduza a quantidade de agrotóxicos que aplica. Para Coase, a partir dessa negociação, as externalidades negativas poderiam ser neutralizadas em um meio termo razoável para ambos.

Hoje, há inúmeras formas do apicultor e do produtor de soja resolverem seu impasse, seja em acordo extrajudicial, baseados ou não na própria teoria de Coase, seja em ação civil. O apicultor, reunindo os requisitos para a reparação pela responsabilidade civil, poderá buscar, junto ao Poder Judiciário, a reparação dos danos.

Ocorre que, em 1960, não havia a ampla noção de danos ambientais como temos hoje. Contemporaneamente, é notório que o uso abusivo de agrotóxicos pode causar não só prejuízos ao apicultor que mora nas redondezas, mas a toda a sociedade, atingindo um bem difuso fundamental. No exemplo do abuso de agrotóxicos, temos o Direito ao Meio Ambiente ecologicamente equilibrado violado, pois este pode causar a morte excessiva de espécies, prejudicando a cadeia de produção de alimentos e o próprio ecossistema. Outrossim, os venenos, quando aplicados, se alastram pelo ar, possivelmente afetando a saúde alheia. Em ambos

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os casos, não há possibilidade de negociação com quem praticou as externalidades negativas, pois os danos são causados a pessoas indeterminadas. A teoria de Coase fica defasada e vê-se indispensável a atuação jurídica estatal na tutela do Meio Ambiente, assim como os demais direitos difusos prejudicados (BRUE, 2005).

Com o foco principal na reparação de danos ao Meio Ambiente, o Brasil adotou a teoria do Risco Integral para restauro de lesões ambientais. Isso implica na responsabilidade objetiva do agente lesador. Basta verificar a ocorrência de danos, independentemente de culpa ou dolo, para que ocorra o dever de reparação. Além disso, ainda que o dano tenha sido causado por caso fortuito ou força maior, o agente que criou a potencialidade danosa responde por eventuais danos, por mais que o dano tenha ocorrido exclusivamente pelas situações inusitadas. (MARCHESAN, STEIGLEDER, CAPPELLI, 2008).

2.2.1 O Inquérito Civil

O Inquérito Civil é um procedimento investigatório, com caráter inquisitório e pré-processual, que tem por objetivo apurar condutas juridicamente relevantes às atribuições ministeriais. O Promotor de Justiça ou Procurador da República instaura e conduz as investigações de forma desvinculada de outros órgãos. Isso facilita o dinamismo do procedimento e contribui para o sucesso da apuração dos fatos.

A Lei nº 7.347/1985, em seu artigo 8º, §1º, preceitua que o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, o Inquérito Civil e requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis. Dessa forma, o Ministério Público protagoniza as investigações solicitando diligências, que servirão para esclarecer os fatos e buscar a reparação dos danos ambientais.

O membro do Ministério Público pode instaurar de ofício o procedimento, caso tome conhecimento de alguma notícia relevante, seja por reclamação de qualquer cidadão que compareceu na Promotoria de Justiça, oportunidade que o membro do Parquet reduzirá as informações a termo e juntará nos autos da investigação.

A característica inquisitória é presente na instrução do Inquérito Civil. Isso significa que os princípios de contraditório e ampla defesa não são devidos ao investigado, deixando de ser aplicado o que é disposto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal:

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“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Tal inaplicabilidade ocorre porque a Carta Magna refere-se ao processo judicial para a aplicação dos referidos princípios. O Inquérito Civil é um procedimento extrajudicial que tem a finalidade de apurar eventos com relevância jurídica. Não tem a função de aplicar sanções, enquanto o processo judicial poderá ocasionar uma condenação. Garantir tais direitos ao investigado causaria um inequívoco atraso nas investigações. Se o procedimento investigatório ocasionar o ajuizamento de uma ação civil pública, ao réu será devido o direito ao contraditório e ampla defesa, pois eventual sanção estará em pauta, gerando a necessidade de se permitir as defesas, apontando fatos controvertidos.

Contudo, nem sempre um Inquérito Civil ocasionará o ajuizamento de uma ação civil pública. Caso os elementos colhidos sejam inconclusivos, ou apontem para a inexistência de ilícitos, poderá ocorrer o arquivamento do procedimento. Por se tratar de direitos difusos, irrenunciáveis na condição de fundamentais se a pauta for, por exemplo, de Direito Ambiental, a promoção de arquivamento deverá ser encaminhada ao Conselho Superior do Ministério Público, que apreciará os documentos, podendo homologar o arquivamento ou baixa-lo para a realização de novas diligências. Aos reclamantes é devida a cientificação da promoção de arquivamento, de forma que possam apresentar razões escritas contra o arquivamento (MARCHESAN, STEIGLEDER, CAPPELLI, 2008).

2.2.2 O Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC)

Outra possibilidade de não ajuizamento da ação civil pública com a conclusão do Inquérito Civil é o firmamento do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o investigado. O Ministério Público, ao concluir que houve danos ambientais, que devem ser reparados, como alternativa ao ajuizamento da ação civil pública, poderá propor o ajustamento da conduta do agente que causou os danos. É

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um acordo entabulado entre o Ministério Público e o infrator, com o objetivo de resolver e reparar os danos civis na via extrajudicial, de forma mais célere e prática. Tal acordo pode versar sobre outros temas, que não o Direito Ambiental, e também pode ser proposto por outras instituições legitimadas para a propositura da ação civil pública, que não o Ministério Público.

Por se tratar de direitos indisponíveis, ao propor o ajustamento de conduta causadora de danos ambientais, o membro do Ministério Público deverá focar na reparação integral dos danos (MARCHESAN, STEIGLEDER, CAPPELLI, 2008). Caso seja necessário, deverá propor, cumulativamente, obrigações de fazer, não fazer, e prestações pecuniárias. Por exemplo: alguém está sendo investigado por provocar incêndio doloso em área de preservação permanente. Ao finalizar a instrução do Inquérito Civil, o Ministério Público conclui que todos os elementos da responsabilização cível do investigado estão evidenciados nos autos. Ao propor o acordo visando a reparação integral dos danos extrajudicialmente, o membro do Parquet deverá ofertar uma obrigação de não-fazer, consistente em uma omissão do agente em reiterar sua conduta; uma obrigação de fazer, no que diz respeito a uma ação do investigado para reparar os danos, como restaurar o solo devastado pelas chamas, bem como replantar as árvores destruídas; e, por fim, uma prestação pecuniária, tendo em vista que parte da biodiversidade perdida jamais poderá ser restaurada, não restando outra alternativa senão uma importância em dinheiro devida pelo agente, em razão das perdas e danos irreparáveis, que poderá ser empregada na manutenção de ambientes ecológicos.

Outrossim, há espaço para discussão doutrinaria acerca dos lucros cessantes ambientais. “O tempo que a sociedade passou sem gozar plenamente do direito ao meio ambiente lesado é passível de indenização?”. Trata-se de uma pergunta retórica.

O Compromisso de Ajustamento de Conduta deve apresentar aspectos formais rígidos, pois, caso não cumprido pelo investigado, deverá ser usado como título executivo extrajudicial. Gozando a natureza de título executivo extrajudicial, o membro do Ministério Público ingressará em juízo apenas cobrando os termos do descumprimento do acordo entabulado, transpondo a fase instrutória processual, diretamente à fase executória (CAPPELLI, 2003).

As informações constantes no TAC devem ser muito claras. As partes investigadas devem estar muito bem qualificadas. No caso de pessoas jurídicas,

Referências

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