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Algumas considerações sobre a feminilidade e o desejo da mulher

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Academic year: 2021

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JOSIANE KAPP KOPEZINSKI

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FEMINILIDADE E O DESEJO DA MULHER

(2)

UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FEMINILIDADE E O DESEJO DA MULHER

JOSIANE KAPP KOPEZINSKI

ORIENTADORA: NORMANDIA CRISTIAN GILES CASTILHO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação em Psicólogo

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JOSIANE KAPP KOPEZINSKI

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FEMINILIDADE E O DESEJO DA MULHER

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________________________ Prof ª Tânia Maria de Souza(Unijuí)

________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os mestres que se fizeram presentes e contribuíram para o meu

percurso acadêmico, em especial, a mestre Normandia Cristian Giles Castilho, minha

orientadora nesse trabalho, e a mestre Tânia Maria de Souza, que aceitou ser minha banca

examinadora.

Também gostaria de fazer uma referência aqui, ao tripé fundamental da Psicanálise,

onde o estudo, as questões teóricas e as leituras realizadas tiveram um papel muito

importante; a orientação que entra como um “substituto” da supervisão, foi de fundamental

importância, pois através dela foi possível tirar dúvidas, trabalhar questões e tomar nortes que

puderam me ajudar na escrita desse trabalho. E ainda, a análise pessoal, a qual me possibilitou

seguir adiante, manter uma organização, quando tudo parecia crítico e sem rumo.

É imprescindível nesse momento, dizer muito obrigada a todos aqueles que se fizeram

presente durante todo o percurso acadêmico, e que também me apoiaram, torceram para que

fosse possível realizar esse trabalho, através de suas palavras, da escuta, de gestos, sorrisos...

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“Seus olhos e seus olhares Milhares de tentações [...]. Garotos não resistem Aos seus mistérios Garotos nunca dizem não Garotos como eu Sempre tão espertos Perto de uma mulher São só garotos [...]” (LEONI, Garotos).

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TÍTULO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A FEMINILIDADE E O DESEJO DA MULHER

ALUNA: JOSIANE KAPP KOPEZINSKI

ORIENTADORA: NORMANDIA CRISTIAN GILES CASTILHO

RESUMO:

O presente trabalho aborda a temática da feminilidade e o desejo da mulher. A questão norteadora deste estudo é, “afinal, o que querem as mulheres?”. Para tanto percorremos um caminho, no qual, inicialmente trabalhamos a constituição psíquica da mulher, através de Freud, Lacan e outros autores mais contemporâneos. Após, tentamos apontar questões relacionadas à diferenciação entre histeria e feminilidade, o desejo da mulher e o gozo Outro ou suplementar, referido ao gozo feminino. Através destes conceitos, abordamos o desejo feminino como um ponto crucial para pensar a questão central do trabalho, bem como o que se coloca diante das posições masculina e feminina no que tange ao desejo e ao gozo.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 FEMINILIDADE ... 9

2 HISTERIA, FEMINILIDADE, DESEJO E O GOZO DA MULHER ... 28

CONCLUSÃO ... 52

(8)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar a feminilidade e o desejo da mulher, buscando

elucidar uma questão que sempre intrigou e movimentou o estudo de muitos pesquisadores,

inclusive Freud e Lacan, a qual é: “Afinal, o que querem as mulheres?”.

Inicialmente, a ideia desta pesquisa era trabalhar a prostituição e sua relação com o

desejo. Entretanto, ao longo das leituras realizadas, houve um deslocamento; pois, se o desejo

esta do lado do sujeito e, portanto, implicado além do que poderia simplesmente dizer de uma

profissão, não poderíamos limitá-lo a isso. A partir disso, o desejo da mulher e a feminilidade

pareceram constituir-se como o traço central que movia e trazia indagações ao estudo,

resultando no tema que iremos abordar, o qual será dividido em dois capítulos.

O primeiro capítulo traz a constituição psíquica da mulher, em Freud, Lacan e outros

autores contemporâneos, abordando sua estruturação e questões como, a atividade e a

passividade e a bissexualidade, que em Freud remetem ao circuito pulsional, e sua passagem

pelo Complexo de Castração e Complexo de Édipo. Trará também um pouco do que Lacan

aponta sobre a feminilidade, trazendo a divisão sexual entre feminino e masculino, não em

dois sexos, mas sim, em dois gozos. Esses são alguns pontos a serem discutidos no primeiro

momento do trabalho.

No segundo capítulo, traremos alguns conceitos importantes da teoria psicanalítica,

que nos fornecem elementos para abordar a nossa questão de estudo, como a diferenciação

entre histeria e feminilidade, e o desejo e o gozo. Deste modo, torna-se possível tentar situar a

posição da mulher frente ao Outro, e parece-nos que para situar a incógnita do desejo

feminino, é necessário, inicialmente, localizá-lo.

Pesquisar esse tema é de fundamental importância na medida em que nos coloca frente

(9)

remetem a prática clínica. Trabalhar a feminilidade e o desejo da mulher é interessante

também, pelo fato de que socialmente, muito se discute sobre isso, já que é um assunto que

faz questão e incomoda, pois se sabe que o desejo feminino parece estar no centro de uma

incógnita, que precisa ser desvendada.

Diante disso, compreender, e tentar trabalhar através da estruturação, da constituição

do sujeito e das questões que isso acarreta, parece-nos fundamental, tanto para um

entendimento maior sobre o tema, quanto para a prática clínica.

A intenção deste trabalho é que ele possa produzir questões, já que nada está posto em

caráter definitivo, sem que possa ser articulado, questionado. Gostaríamos que ele pudesse

desacomodar e fazer ir além, através de possíveis novas indagações, afinal, o que movimenta

(10)

1 FEMINILIDADE

“Através da história, as pessoas têm quebrado a cabeça com o enigma da natureza da feminilidade”. (FREUD, 1932-1936, p. 114).

Neste primeiro capítulo, abordaremos a constituição psíquica da mulher, bem como o

tornar-se uma mulher, o que nos remete à questão da feminilidade. Para isso, nos utilizaremos

de uma pesquisa bibliográfica com base na psicanálise, trabalhando diversos autores que

abordam o tema.

A questão que se apresenta, gira em torno do “enigma” da feminilidade, o qual é algo

que sempre rondou o imaginário popular e de grandes estudiosos, como Freud e Lacan, por

exemplo. O “enigma” da feminilidade é traduzido por muitos autores como o desejo feminino,

ou seja, afinal, o que quer uma mulher?

Para trabalhar esta questão partiremos das elaborações freudianas, cujo pensamento se

dá a partir da afirmativa de que no inconsciente não há diferença sexual. Tomaremos as

questões pulsionais, o Complexo de Édipo e o Complexo de Castração para dar conta das

identificações sexuais. E, através do conceito de bissexualidade trabalharemos as posições:

feminina e masculina.

Freud (1932-1936), em sua conferência XXXIII, ao abordar a temática da

feminilidade, elabora alguns elementos importantes: a feminilidade é referida á noção de

passividade e a masculinidade à noção de atividade, e trabalha essa questão, seguindo o viés

pulsional, bem como da bissexualidade. O autor afirma em sua conferência que:

Chama a atenção dos senhores para o fato de que partes do aparelho masculino também aparecem no corpo da mulher, ainda que em estado atrofiado, e vice-versa. Considera tais ocorrências como indicações de bissexualidade, como se um indivíduo não fosse homem ou mulher, mas sempre fosse ambos – simplesmente um pouco mais de um, do que de outro. [...] devem concluir que aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida que foge do alcance da anatomia. (FREUD, 1932-1936, p. 114-115, grifo do autor).

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Assim, podemos dizer que a masculinidade e a feminilidade, vão além de algo

orgânico, biológico, para Freud (1932-1936), os órgãos de ambos os sexos possuem

semelhanças, já que nesse primeiro momento, não está demarcado nada que diga da

diferenciação deles, trazendo então a ideia de que eles podem se desenvolver, tendendo mais

para um sexo do que o outro; por isso, a bissexualidade.

Através disso, podemos nos indagar sobre o fato de que o homem possui pênis e a

mulher, clitóris (inicialmente), pois, como ainda não há diferenciações, nesse momento é

possível supor que o órgão sexual feminino pode vir a se desenvolver, transformando-se em

algo semelhante ao que o homem possui. Aqui também é possível compreender porque Freud

diz que o órgão da mulher está em um estado “atrofiado”, já que isso daria margem para uma

possível “evolução”. Sobre isso também, Poli (2007, p. 32) traz:

São sinônimos de atividade e passividade, respectivamente, são atributos biológicos, associados à presença de glândulas específicas a cada sexo, produtoras de óvulos ou de espermatozóides; e, por fim, são conceitos sociológicos, derivados da observação dos comportamentos dos indivíduos. Os sentidos biológico e sociológico, continua o autor, são muito questionáveis e relativos. Apenas a primeira dessas definições interessa ao psicanalista. Sempre presentes, em diferentes medidas, atividade e passividade definem a bissexualidade constitucional dos humanos.

Com isso, a autora confirma a ideia de que a bissexualidade é algo constituinte do

sujeito. Na bissexualidade não há diferença sexual estabelecida, esse registro ainda não está

presente, por isso é possível abordar menino e menina de uma forma mais igualitária, através

da possibilidade de que o órgão sexual feminino possa vir a se desenvolver futuramente,

assemelhando-se ao do outro sexo. Isso é algo que diz da constituição psíquica do sujeito,

pois são momentos importantes de sua estruturação, que ambos os sexos passam, e dizem da

relação/identificação com as funções materna e paterna, o que será abordado mais adiante.

Já que nesse momento a diferença sexual ainda não está demarcada, o que podemos

dizer sobre a feminilidade? Se trabalharmos isso através do viés pulsional, é possível

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uma atividade que é própria do masculino. E isso é possível, pois a pulsão é sempre ativa, já

que, como Freud (apud POLI, 2007) afirmava, a libido é masculina, porque a busca de

satisfação pulsional que a movimenta tem o caráter de atividade. Neste sentido, podemos

dizer que a feminilidade seria algo da ordem de uma produção secundária da libido, resultado

da dinâmica do circuito pulsional. Assim, tanto o homem, quanto a mulher tem disposição a

ambas as tendências (atividade e passividade).

Complementando essa ideia da passividade e da atividade no que tange à feminilidade,

Freud (1932-1936, p. 116) afirma: “Poder-se-ia considerar característica psicológica da

feminilidade dar preferência a fins passivos. Isto, naturalmente, não é o mesmo que

passividade; para chegar a um fim passivo, pode ser necessária uma grande quantidade de

atividade”.

Isso nos coloca frente à ideia de que a feminilidade não traz consigo um imperativo de

ordem passiva, até porque para chegar a um fim passivo, é preciso certa atividade; já que isso

nos diz da dinâmica do circuito pulsional, bem como da bissexualidade constitutiva do

sujeito.

Quando Freud (1932-1936) aborda a atividade e passividade, surge também a

afirmação de que a mulher tem uma supressão da agressividade maior do que o homem. Por

uma questão social e cultural, a passividade da mulher se estende, exigindo que ela

contenha-se mais, suprimindo algumas atitudes que o homem poderia dar vazão. Segundo ele:

A supressão da agressividade das mulheres, que lhes é instituída constitucionalmente e lhes é imposta socialmente, favorece o desenvolvimento de poderosos impulsos masoquistas que consegue, conforme sabemos, ligar eroticamente as tendências destrutivas que foram desviadas para dentro. Assim, o masoquismo, como dizem as pessoas, é verdadeiramente feminino. (FREUD, 1932-1936, p. 116-117).

A supressão da agressividade parece estar ligada ao circuito pulsional, já que não é

(13)

afetos que lhe causam desprazer, mantendo-os no nível do inconsciente. Ou ainda, irá

sublimá-los, dar outro destino às pulsões agressivas. É interessante ressaltar que a sublimação

é algo fundamental para que seja possível viver em sociedade, ela diz da possibilidade de dar

outro destino à “energia” de ordem sexual, como por exemplo, destiná-la aos estudos, artes,

atividades físicas, dentre outros. Isso se faz necessário, pois é preciso barrar, deslocar as

pulsões sexuais e isso é parte da economia libidinal do sujeito.

Em Freud (1932-1936) também lemos que o recalque daquilo que é da ordem da

agressividade nos coloca frente ao masoquismo feminino, quando aborda que as tendências

destrutivas são desviadas para dentro e coloca isso como algo que é verdadeiramente fruto de

uma posição feminina.

Kehl (2008, p. 207) também nos ajuda a relacionar atividade, passividade,

agressividade e masoquismo, quando traz:

[...] primeiro, é preciso uma grande dose de atividade para se obter uma satisfação de finalidade passiva. Segundo, a passividade que se observa nas mulheres, expressão de sua baixa agressividade, pode muito bem ser fruto da educação e dos costumes sociais. O masoquismo e a passividade nas mulheres, sugere Freud em 1933, podem muito bem ser resultado do recalque da agressividade e seu conseqüente retorno sobre o eu.

Kehl (2008) aponta elementos que faltavam para essa amarragem necessária. Fica

claro que, mesmo a passividade, precisa de certa atividade para se estabelecer. E, quando

falamos da passividade feminina, fica subentendido algo de um posicionamento histórico da

mulher, a qual se coloca de forma mais submissa ao que lhe é imposto, o que diz dos seus

costumes e educação, por isso, uma agressividade menos evidente e sublimada para outras

finalidades. Ou, ainda, outra saída seria o masoquismo, o qual diz do recalque da

(14)

Quando nos remetemos à passividade e atividade, também estamos à frente de outra

questão importante, que é o papel das pulsões na identificação com o masculino ou o

feminino, o que também faz parte do circuito pulsional.

Seguindo Freud (1932-1936), podemos perceber que até certo ponto do

desenvolvimento, da constituição psíquica, tanto meninos, quanto meninas caminham no

mesmo sentido, têm uma espécie de semelhança em sua estruturação, mas existe um momento

em que as diferenças vão se estabelecendo, então entra a possibilidade de tornar-se mulher.

Segundo Poli (2007, p. 31):

Na sexualidade infantil, a disposição masculina é predominante: tanto a libido pela sua tendência à atividade, quanto o desconhecimento da diferença entre os sexos pelo inconsciente, dominado pela primazia do falo. Para que a feminilidade possa emergir é preciso um trabalho a mais.

Em diferentes medidas, a atividade e a passividade sempre estão presentes no circuito

pulsional do sujeito e isso nos diz da bissexualidade que é constitutiva deste e faz parte do seu

processo de estruturação. Ainda, é possível dizer que a libido é essencialmente masculina,

devido a seu caráter ativo, conforme Poli (2007, p. 32) aponta:

A libido em si, escreve Freud. A busca pela satisfação pulsional que a mobiliza só pode ter o caráter de atividade. Mesmo quando se goza da posição passiva – ao se fazer de objeto para um Outro -, é de uma passividade ativamente produzida que se trata.

Devido a isso, podemos dizer que a feminilidade fala da possibilidade de uma

superação do período anterior ao Complexo de Édipo, através do abandono da atividade

pulsional e a reconciliação com a posição passiva. Segundo Poli (2007, p. 33), “isso, no

entanto só é possível se a menina ‘aceita’ desprender-se da mãe e, com ela, do erotismo

clitoridiano. Não se trata apenas de um recalque da atividade, porém mais propriamente de

(15)

Nesse ponto, também é interessante abordar o que Pommier (1985, p. 40-41) traz

sobre o “tornar-se mulher”, ou melhor, como “re-tornar-se mulher”, já que, segundo ele:

[...] não convém falar de um “tornar-se mulher”, mas de um “re-tornar-se mulher”, de um retorno à feminilização original que é o próprio do ser humano na sua relação com a linguagem. [...] Nesse esquema, ser mulher seria o resultado de um certo desejo de ser como um homem: a menina, por se afastar de uma mãe que não tem o pênis, mas o demanda ela própria, vai reclamá-lo a quem o possui, ou seja, ao pai. Assim, a inveja do pênis participa da feminilidade.

Para trabalhar melhor essa questão se faz necessário ir diretamente à fonte, ou seja,

pensar a constituição psíquica, principalmente no que diz da diferenciação entre os dois sexos.

Inicialmente, a menina está em uma relação com a mãe, na qual ela é o objeto desta,

que supre seu desejo. Mais tarde, a menina passa a tomar o pai como seu objeto amoroso, o

que depois ainda implicará em mais uma mudança, pois ainda é necessário que passe do

objeto paterno para uma escolha objetal definitiva. Devido a isso, ela irá, ao longo do tempo,

mudar de zona erógena e de objeto. Já no caso do menino, ele mantém ambos. Sabendo disso,

Freud questiona-se, como a menina passa da vinculação com sua mãe, que diz de uma posição

de masculinidade, para outra com seu pai, que diz de uma feminilidade. Isto, pois até certo

ponto da constituição psíquica do sujeito, ambos, menino e menina, estruturam-se da mesma

forma, até que uma diferença vá se apresentando.

A criança, inicialmente, tem seu corpo marcado pela mãe, que através dos primeiros

cuidados, estimula as zonas erógenas e acaba despertando sensações prazerosas no corpo da

criança. Isso acontece tanto com o menino, quanto com a menina, e é algo que faz parte da

constituição psíquica do sujeito, na qual o corpo que até então era algo da ordem do real, um

“pedacinho de carne”, começa a ser erotizado, marcado, simbolizado. Através do seu lugar no

desejo da mãe, o bebê faz-se sujeito, faz parte do discurso parental, é suposto ali, até onde não

(16)

É possível começar a abordar a diferenciação entre os sexos, através das investigações,

da curiosidade em saber “de onde vêm os bebês” e das teorias que as crianças normalmente

criam sobre isso, já que vão pesquisando e acabam descobrindo que não são todos que

possuem pênis. Inicialmente, existe a tentativa de explicar essa falta do órgão na mulher,

através da possibilidade de que o pênis da menina seja pequenino e aos poucos possa crescer.

Mas, quando essa explicação se demonstra falha, ao ver que a mãe, também não o possui,

algo se coloca na constituição desse sujeito. Nesse ponto, Freud trabalha com o Complexo de

Castração, o qual ocorre em diferentes tempos no menino e na menina. Esta última, ao

descobrir que é castrada, afasta-se da mãe e isso é algo que não é livre de hostilidades,

fazendo com que esse vínculo com ela, passe a ser de ódio. A menina descobre que não possui

pênis e responsabiliza a mãe por isso, por essa desvantagem que encontra em seu corpo. Sobre

isso, Freud (1932-1936, p. 126) explica: “Seu amor estava dirigido a sua mãe fálica; com a

descoberta de que sua mãe é castrada, torna-se possível abandoná-la como objeto, de modo

que os motivos de hostilidade, que há muito se vinham acumulando, assumem o domínio da

situação”.

Então, já que a mãe é castrada, a menina volta-se para o pai, movida pelo desejo de

possuir o pênis, assim como ele e que a mãe lhe recusou. Mas a feminilidade só se estabelece

de fato, quando o desejo de obter o pênis é substituído pelo desejo de um bebê, ou seja, “se

um bebê assume o lugar do pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica” (FREUD,

1932-1936, p. 128).

A partir desse momento, quando a menina passa a desejar um “bebê-pênis”, ela entra

no Complexo de Édipo. Aqui existe uma acentuação da hostilidade com a mãe, pois esta passa

a ser considerada uma rival, e pior, essa rival recebe do pai tudo o que deseja.

Neste sentido, é interessante marcar a diferença entre os dois sexos, principalmente no

(17)

Complexo de Édipo, deseja a mãe e quer eliminar o pai, seu “rival”, e assim, evolui

naturalmente da fase da sexualidade fálica, porém a ameaça de castração o faz abandonar esse

desejo, já que diante do medo de perder o pênis, o Complexo de Édipo se finda.

Ao contrário do menino, na menina, o Complexo de Castração abre caminho para o de

Édipo, já que esta, ao perceber que não possui pênis, abandona a mãe. A inveja do pênis vem

como uma conseqüência dessa situação, promovendo a entrada da menina no Complexo de

Édipo. Como ela não tem o temor de perder o pênis, já que não o tem, falta-lhe o motivo

principal, que para os meninos, leva a concluir sua passagem pelo Complexo de Édipo. Por

isso, na menina, ele pode ser uma fase com tempo indeterminado. Aqui, é interessante

abordarmos o que Poli (2007, p. 31) traz:

Mas o que é, afinal, a feminilidade? Um dos destinos possíveis do complexo de Édipo nas mulheres, conforme já demonstramos. O que para Freud se faz acompanhar de uma certa mácula: nunca superar completamente a inveja do pênis, jamais ter um supereu adequadamente estabelecido de modo a poder ocupar lugar de produção na cultura, viver eternamente presa às condições pré - edípicas da sexualidade e, portanto, a uma forma narcísica de amar [...].

Freud trabalha com três possíveis saídas para a menina no Complexo de Édipo. A

descoberta de que é castrada é algo decisivo na constituição feminina, pois a partir disso, ela

teria três linhas possíveis “uma conduz à inibição sexual ou à neurose, outra, à modificação do

caráter no sentido de um complexo de masculinidade, a terceira, finalmente, à feminilidade”

(FREUD, 1932-1936, p. 126).

Essas três possibilidades são inauguradas, quando a diferença anatômica dos sexos se

coloca para a menina e ela constata que não tem pênis. Pommier (1985, p. 21) trabalha um

pouco mais essa questão de que na “primeira saída”, se estabelece a relação de que “Falta de

pênis = Falta de falo”: “[...] quando a descoberta da ausência de pênis é seguida por uma

catástrofe da vida erótica, tudo se passa como se essa falta trouxesse consigo a relação ao

(18)

Já a segunda saída traz a masculinidade mantida, na medida em que permanece

presente a ideia da presença de um pênis, estabelecendo assim a confusão entre ter o falo e ter

o pênis, e que ter um equivale a ter o outro. Nessa lógica, Pommier (1985) propõe que “Falo =

Pênis”.

O último destino seria o que diz da feminilidade e que coloca uma diferenciação entre

falo e pênis e implica que a ausência deste último não significa o desaparecimento do gozo

fálico. Segundo o autor: “este último é aqui diferente do falo na medida em que não é nem

uma frustração nem uma privação, mas a castração” (POMMIER, 1985, p. 21). Então, a

relação que se estabelece aqui, será de que Pênis é diferente de Falo.

Podemos perceber, que a castração demarca a diferença entre os sexos, dando a

possibilidade de falar na feminilidade, pois na medida em que a menina percebe que não

possui pênis, ela precisa lidar com isso de alguma maneira. Aqui, outra questão também vem

à tona, já que o clitóris, que no início era uma espécie de equivalente feminino do pênis,

desloca-se para a vagina, a qual passa a ser o órgão sexual feminino.

É interessante marcar o papel da castração, pois ela vem dizer de uma interdição do

gozo materno, vem interditar essa relação inicial, a qual marca o corpo da criança e a coloca

na posição de falo materno. O falo designa primeiramente a falta, “o ponto de impossibilidade

onde o significante não pode definir-se a si mesmo e convoca um outro” (POMMIER, 1985,

p. 18). Assim, o significante Nome-do-Pai vem substituir o desejo da mãe.

Seguindo Pommier (1985, p. 18):

A castração, longe de se reduzir ao temor de uma mutilação anatômica, é efetiva no momento em que o sujeito constata que o desejo materno se orienta alhures, em direção a alguma coisa, ou, com mais frequência, a alguém, a um Nome-do-Pai, que permite situar o mistério do falo.

A criança percebe que a mãe endereça seu desejo ao pai, o qual é o portador do falo.

(19)

falo. Aqui podemos trazer a saída do Édipo, que trata da feminilidade, e aponta que o Pênis é

diferente do Falo. Ou seja, a menina é castrada, seu órgão sexual é a vagina e então através do

desejo da mãe (que está no pai) ela identifica essa relação, e também se identifica com a mãe,

a qual não tem falo, mas sabe onde ele esta e vai buscá-lo no pai, o qual o tem. Assim,

estabelece-se um circuito, e a menina busca ter o “falo-bebê”, ou seja, deseja inicialmente ter

um filho com o pai, o que diria dessa busca fálica feminina, que mais tarde se desloca do pai

para outro homem.

Outra questão importante no que diz respeito ao falo, é a diferenciação entre falo

imaginário e falo simbólico. Onde o primeiro coloca a criança como tal, seu próprio corpo é o

falo materno, e a castração é negada. Já o falo simbólico, é o significante da falta, da castração

da mãe. Isso tudo nos diz desse processo de estruturação trabalhado ao longo do texto;

primeiramente a criança se coloca como falo, não havendo uma diferenciação do corpo da

mãe e, mais tarde, com a metáfora paterna (entrada do pai como um terceiro nessa relação),

ocorre essa diferenciação, quando o desejo da mãe é substituído pelo significante paterno.

Ainda sobre a diferença anatômica dos sexos, podemos dizer que se reconhecermos

somente um órgão sexual (o pênis) como legítimo e ainda, se a distinção sexual ficar

resumida entre os fálicos e castrados,

[...] o desenvolvimento da sexualidade infantil para a adulta depende de que se possa vir a repensar esta oposição como entre dois sexos diferentes, o masculino e o feminino. Do contrário, o sexo da mulher será sempre intolerável, tanto para os homens quanto para as próprias mulheres. (KEHL,2008, p. 194).

Isso vem afirmar que se não ocorrer diferenciação, uma identificação no sentido de

reconhecer que existe outro órgão sexual além do pênis e outro sexo que não o seja o

masculino, a mulher e a feminilidade ficam em uma posição de intolerância, de não

(20)

Sobre a castração, Pommier (1985, p. 19) escreve: “Por que o sexo feminino deveria

ser considerado como castrado e não como diferente?”. Aqui, aborda a diferença que já

estabelecemos da passagem dos meninos e meninas pelos Complexos de Castração e de

Édipo, bem como todas as questões que dizem da constatação da diferenciação dos sexos e o

que isso vem provocar no que tange à estruturação do sujeito.

A partir da primazia do falo, o qual em Freud está ligado diretamente ao órgão sexual

masculino (pênis), podemos abordar o caminho para responder essa questão que o autor nos

traz, já que ter o pênis se coloca como um modelo, como algo desejado por todos; e a

obtenção dele, por quem não o possui, no caso, a mulher, traz traços que dizem de uma

estruturação mais penosa, pois diante dessa falta orgânica evidente em seu corpo, ela precisa

lidar com isso que não possui. Assim se pode pensar nas três saídas do Édipo abordadas

anteriormente e em como Freud as assinala, já que a mulher sempre sofrerá os efeitos da

inveja do pênis. Isso é algo que diz de sua própria constituição.

Freud (1932-1936, p. 131) afirma:

Assim, atribuímos à feminilidade maior quantidade de narcisismo, que também afeta a escolha objetal da mulher, de modo que, para ela, ser amada é uma necessidade mais forte que amar. A inveja do pênis tem em parte, como efeito, também a vaidade física das mulheres, de vez que elas não podem fugir a necessidade de valorizar seus encantos, do modo mais evidente, como uma tardia compensação por sua inferioridade sexual genital.

As mulheres vão lidar durante toda sua vida com a falta, com a diferença anatômica

dos sexos, buscando maneiras de compensação para “tamponar” essa fenda que diz de sua

estruturação. Sobre isso, Kehl (2008, p. 207) aborda:

Se uma mulher, segundo o modelo freudiano, deve se identificar plenamente com a falta fálica à espera de um homem que venha constituí-la como mãe, por outro lado ela terá que jogar sempre com algum traço fálico que a constitua, no mínimo, como objeto do desejo para ele. Que o único traço aceito como “normal” pela psicanálise seja a feminilidade – o investimento na beleza corporal, de modo a fazer do corpo todo um falo – explica por quê, entre os psicanalistas, a feminilidade seja tão frequentemente associada à histeria.

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Assim, a mulher vai buscar maneiras de mascarar o que lhe falta, e, conforme Kehl

(2008, p. 207), ela faz um “investimento na beleza corporal, de modo a fazer do corpo todo

um falo”, já que não o possui, recobre sua falta, marcando uma presença da ausência. Outro

ponto que a autora cita é a confusão frequente entre feminilidade e histeria, já que isso seria

um traço desta estrutura, mas que na verdade esta presente em todas as mulheres em alguma

medida, porque vem dizer de algo estrutural delas, já que esse “jogo” com a falta do falo, atrai

o olhar do Outro sexo e a coloca no exercício fálico.

Ainda, sobre essa relação com a falta do falo na mulher, é importante trazer a

afirmação de Pommier (1985, p. 34):

O narcisismo da mulher assume sua dimensão trágica porque se trata de fazer existir no olhar do homem uma identidade cuja consistência se limita a esse reflexo. O mistério feminino, o de uma falta encarnada, se iguala ao mistério antigo, ao véu sempre lançado sobre o falo.

Aqui temos alguns elementos que nos dizem de como a mulher lida com a questão do

olhar e de como este é importante para ela, pois o olhar desse Outro, diz do seu desejo, que se

mostra enquanto se fazendo olhada por ele. Enfim, aqui temos uma questão para ser

desenvolvida mais adiante.

Kehl (2008) trabalha a feminilidade como uma construção discursiva que é produzida

a partir da posição masculina (Outro do discurso), sendo que se espera que a mulher responda

a ela. Aborda também que a sedução, a qual é uma característica comumente ligada à mulher,

exige uma posição ativa por parte dela. Tudo isso faz parte desta lógica fálica, da relação da

mulher com o seu desejo e o olhar do Outro.

Essas questões trabalhadas até aqui, nos dizem da constituição psíquica da mulher,

bem como da demarcação de uma diferença sexual, que deixa evidente sua falta constitutiva,

com a qual terá que lidar sempre. Diante disso, entra-se no exercício fálico, jogando-se um

(22)

no lugar de objeto de desejo do Outro. Sobre essa falta, quais questões mais ela nos traz?

Como a psicanálise vai trabalhar com isso?

Isso nos coloca à frente de algumas indagações lacanianas a respeito da feminilidade e

da mulher. Lacan (1972-1973) vai trazendo à tona o matema da sexuação e trabalhando com a

ideia de que “A mulher não existe”, justamente relacionando a isso o que lhe falta. Essas

questões farão parte de nosso estudo. Em seu Seminário 20, “Mais, Ainda”, o autor afirma

que “A mulher não existe”, conforme abaixo:

[...] esta função inédita na qual a negação cai sobre o quantificador a ser lido não - todo, isto quer dizer que quando um ser falante qualquer se alinha sob a bandeira das mulheres, isto se dá a partir de que ele se funda por ser não-todo a se situar na função fálica. É isto o que define a ... a o que? – a mulher justamente, só que A mulher, isto só se pode escrever barrando-se o A. Não há A mulher, artigo definido para designar o universal. Não há A mulher pois – já arrisquei o termo, e por que olharia eu para isso duas vezes? – por sua essência ela não é toda. (LACAN, 1972-1973, p. 98, grifo do autor).

Assim, para Lacan (1972-1973), a mulher não existe enquanto representação do que é

a mulher, isto, porque o homem tem algo que o designa enquanto tal (“positivo”), que seria o

falo (pensando na ideia freudiana do falo como equivalente do pênis), já a mulher não tem

nada que a represente, não possuí pênis, ficando assim numa espécie de “negativa”.

É possível indagar que a mulher busca sentir-se única, no sentido de que cada uma vai

tentar encontrar uma maneira de representar-se. Aqui também cabe lembrar o que Lacan

coloca, dizendo que as mulheres devem ser tomadas uma a uma, pois, ao “não existir”, a

mulher precisa se fazer existir, cada uma dentro de sua singularidade.

Quando o autor traz essa afirmativa de que a mulher não existe, ele trabalha a ideia de

que pelo fato de não ter um significante que a represente, que forme um conjunto, ela não

existe em sua universalidade, não forma um conjunto que se defina por um traço

representativo da mulher, pois não há A mulher, enquanto um artigo que designe unicamente

(23)

Isso também diz do gozo feminino, o qual Lacan (1972-1973) denominou como gozo

Outro ou suplementar o que se estabelece justamente pelo fato de ela ser não-toda em relação

ao gozo fálico, que não pode ser definida, representada. Essas questões serão abordadas ao

longo do texto.

Ao trabalhar o fato de que a mulher é não-toda em relação ao gozo, nos deixa questões

em aberto, o que isso vem dizer? Podemos abordar a divisão do sujeito frente ao sexual, não

entre dois sexos, mas sim, entre dois gozos: um todo fálico e outro não-todo. Diante disso,

teríamos ao lado esquerdo das formulas da sexuação, o masculino (todo fálico), onde todos

são castrados, mas existe ao menos uma exceção a essa regra, ou seja, ao menos um elemento

não castrado, que escapa da lei. E esse seria o pai da horda primitiva, aquele potente que

Freud descreve em seu texto “Totem e Tabu”. Sendo assim, é necessário ao menos um

elemento que não esteja sujeito à lei, para que ela seja válida. Com isso, os homens, formam

um conjunto fechado que tem suas fronteiras delimitadas pelo falo, são todos fálicos.

No que diz dessa posição, Lacan (apud DOR, 1989a) coloca um algoritmo para

elucidá-la:

Seguindo Dor (1989a, p. 36), pode-se abordar a significação deste algoritmo, quando

ele nos apresenta que, existe “‘ao menos um’ x tal que a propriedade (atribuição fálica)

não se aplica a x, ou seja, que não é castrado” (grifo do autor). Então esse ao menos um, que

seria o pai da horda, é o homem para o qual não têm limites suas exigências sexuais, sendo

uma figura onipotente, e despertando assim, uma ambivalência (amor e ódio).

Já do lado direito, temos o feminino, onde não há exceção (barra da negação sobre o

quantificador da existência). Os elementos aí dispostos, não constituirão um todo, por isso o

(24)

a castração (todos são castrados), enquanto não-todo. Por isso, não há ao menos um elemento

que marque a diferença, fazendo com que todos sejam castrados. A “consequência” disso, é

que esse lado não forma um conjunto, e por isso, não podemos dizer que A mulher existe na

universalidade, e sim uma a uma. O algoritmo que representaria essa posição seria:

Segundo esse algoritmo então, todos são castrados, ou seja, submetidos à função

fálica, não há exceção.

Lacan (1972-1973) nos diz ainda, que não há mulher “artigo definido” para designar o

universal, pois não há um significante que lhe seja específico, que signifique algo sobre ela,

que a designe enquanto tal. Seguindo isso, o autor afirma:

A prova é que, ainda há pouco, falei de o homem e a mulher. É um significante, este a. É por este a que eu simbolizo o significante cujo lugar é indispensável marcar, que não pode ser deixado vazio. Esse a artigo é um significante do qual é próprio ser o único que não pode significar nada, e somente por fundar o estatuto d’a mulher no que ela não é toda. O que não nos permite falar A mulher. Não há mulher senão excluída pela natureza das coisas que é a natureza das palavras (LACAN, 1972-1973, p. 99).

E justamente, por ser não-toda na função fálica, a mulher tem acesso a um outro gozo,

o gozo Outro ou suplementar. Este, é fora da linguagem, fica na ordem do indizível, portanto,

fora do simbólico. Esse gozo é sem limites, infinito. Aqui podemos ter uma linha do que vem

a aparecer depois, como um “mistério da feminilidade”.

Lacan (1972-1973) refere à mulher um gozo suplementar, o que ele frisa não ser algo

complementar e sim suplementar, no sentido de ser um “a mais”. Até porque se fosse

complementar, cairíamos no todo, na completude, o que já sabemos não ser algo que diz da

(25)

Há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada. Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o experimenta – isso ela sabe. Ela sabe disso, certamente, quando isso acontece. Isso não acontece a todas elas. (grifo do autor).

O autor vai trabalhando a ideia de que esse gozo é algo experimentado, mas que dele,

quem o experimenta não sabe nada. Em certo momento de sua obra ainda aponta: “Esse gozo

que se experimenta e do qual não se sabe nada, não é ele o que nos coloca na via da

ex-sistência? E por que não interpretar uma face do Outro, a face Deus, como suportada pelo

gozo feminino?” (LACAN, 1972-1973, p. 103). Ou seja, a mulher fica fora da linguagem,

sem uma representação.

Segundo Soler (2005, p. 41):

Dizer que a mulher é o Outro absoluto é dizer que ela não será nada de tudo que se possa dizer a seu respeito, que ela fica fora do simbólico, real no duplo sentido daquilo que não se pode dizer e daquilo que se goza de não-fálico, com o Outro absoluto opondo um desmentido, por definição, a qualquer atribuição eventual.

A autora vem confirmar então, essa falta de representação que diz da mulher,

deixando-a fora do simbólico, no que mais cedo Lacan chamou de “ex-sistência”. Por isso a

mulher não existe enquanto um conjunto, uma universalidade, já que não há um significante

que a represente enquanto tal, ela fica fora.

Para demonstrar essa divisão do sexual em dois gozos, um não-todo e outro todo

fálico, além de demonstrar a posição masculina e feminina e esclarecer o porquê a mulher não

existe, Lacan (1972-1973) nos apresenta em seu seminário 20, “Mais, ainda”, o matema da

(26)

Segundo Lacan (1972-1973, p. 107), esse matema é composto “primeiro, as quatro

fórmulas proposicionais, em cima, duas à esquerda, duas à direita. Quem quer que seja ser

falante se inscreve de um lado ou de outro”. Assim, é possível visualizar na parte esquerda

superior duas fórmulas, demonstrando que “é pela função fálica que o homem como todo

toma inscrição, exceto que essa função encontra seu limite na existência de um x pelo qual a

função [...]” (LACAN, 1972-1973, p. 107), é barrada, ou seja, existe um elemento que não é

castrado. Essa é então, a representação do todo fálico, demonstrando esse elemento que foge à

castração.

Lacan (1972-1973, p. 107) ainda afirma que, “em frente, vocês têm a inscrição da

parte mulher dos seres falantes”, ou seja, essa se coloca do lado direito. Ainda, “se ele se

inscreve nela, não permitirá nenhuma universalidade, será não-todo” (LACAN, 1972-1973, p.

107). Nas fórmulas postas no lado superior direito, fica marcada a negação, pois não existe

ao-menos-um que foge à castração, sendo assim, todos castrados e não formando um

conjunto.

Já na parte inferior do matema, temos a representação do sujeito ( ) e do falo ( ),

no lado inferior esquerdo. Segundo Lacan (1972-1973, p. 107):

Do lado do homem, inscrevi aqui, não certamente para privilegiá-lo de modo algum, o e o que o suporta como significante, o que bem se encarna também no S1, que é, entre todos os significantes, esse significante do qual não há significado, quanto ao sentido, simboliza seu fracasso.

O autor ainda diz que esse sujeito barrado, “só tem a ver, enquanto parceiro, com o

objeto a inscrito do outro lado da barra. Só lhe é dado atingir seu parceiro sexual, que é o

Outro, por intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo” (LACAN, 1972-1973, p. 108).

Ou seja, o sujeito está relacionado com o objeto a, que é a causa do seu desejo. O sujeito do

(27)

inferior direito, temos o , que nos traz a ideia já discutida anteriormente neste capítulo, de

que a mulher enquanto não-toda, não pode se escrever, portanto o artigo a, só existe barrado.

Sobre a relação da mulher com o Outro, Lacan (1972-1973, p. 109) afirma que:

A mulher tem relação com o significante desse Outro, na medida em que, como Outro, ele só pode continuar sendo sempre Outro. Aqui, só posso supor que vocês evocarão meu enunciado de que não há Outro do Outro. O Outro, esse lugar onde vem se inscrever tudo que se pode articular de significante, é, em seu fundamento, radicalmente Outro. É por isso que esse significante, com esse parêntese aberto, marca o Outro como barrado.

Para o autor esse não se pode dizer, pois nada se pode dizer sobre a mulher. Ela tem

relação com o “e já é nisso que ela se duplica, que ela não é toda, pois, por outro

lado, ela pode ter relação” (LACAN, 1972-1973, p. 109) com o falo. Se duplica, porque tem

esse gozo “a mais”; o gozo fálico, que é barrado pelo falo e esse gozo Outro, que é o

suplementar.

A fim de esclarecer as questões que possam ficar em aberto, também cabe trabalhar

um pouco sobre o que seria o gozo, que segundo Nasio (1993, p. 29) seria “no inconsciente e

na teoria, um lugar vazio de significantes”. Nesse sentido, o autor nos traz que Lacan também

propôs que “não existe relação sexual”, o que causou muito espanto em sua época. Mas,

devemos nos centrar, que o que o ele quer dizer, não é que o ato sexual não exista, ele não o

ignora. O que ele quer dizer é que

[...] não existe relação simbólica entre um suposto significante do gozo masculino e um suposto significante do gozo feminino. Por que? Justamente, porque, no inconsciente, não há significantes que signifiquem o gozo de um e do outro, cada qual imaginado como gozo absoluto. (NASIO, 1993, p. 29, grifo do autor).

Ou seja, não existe relação sexual, pois não há significantes que a signifiquem e ela

não existe enquanto algo absoluto, até porque não se reconhece o gozo absoluto, já que esse

(28)

O que nos faz questão aqui é o gozo feminino, esse suplementar, relacionado ao

corporal, sinestésico, que não se pode falar. As mulheres não conseguem nomeá-lo. Cabe

dizer que ele não é exclusivo da mulher, pois tem a ver muito mais com uma questão de

posicionamento. Dizemos isso, pois o sexo, no que tange à psicanálise, não é algo

determinado biologicamente, pois independente da fisiologia do corpo, cada sujeito, vai se

estruturar e através do seu discurso vai se posicionar, marcando seu lugar, ou do lado

feminino, ou do lado masculino (declaração do sexo).

Nesse primeiro momento foi possível trabalharmos um pouco sobre a constituição

psíquica da mulher, bem como os traços que dizem da feminilidade, da sua representação,

gozo, enfim, do “re-tornar-se uma mulher”, seguindo Pommier (1985). A partir disso, parece

possível continuarmos trilhando o caminho das indagações que nos levam a nossa questão

inicial, pois diante do que já sabemos, e com isso que ainda nos parece ser o horizonte a

(29)

2 HISTERIA, FEMINILIDADE, DESEJO E O GOZO DA MULHER

“Em outras palavras, na impossibilidade de ser A mulher, resta ser ‘uma’ mulher, a eleita de um homem. Ela toma emprestado o ‘um’ do Outro, para se certificar de não ser apenas um sujeito qualquer - o que ela é, a partir do momento que é um sujeito falante, sujeito ao falicismo - mas ser, além disso, identificada como uma mulher escolhida. Assim, é compreensível que as mulheres, histéricas ou não, mais que os homens, amem o amor." (SOLER, 2005, p. 57).

Nesse segundo capítulo, propomos trazer uma questão cuja centralidade para este

trabalho, foi surgindo ao longo do percurso de estudo. Depois de entender um pouco mais

acerca da constituição psíquica da mulher, bem como da feminilidade, algo ainda nos intriga,

afinal, o que quer uma mulher? Para melhor compreender esta indagação, vamos trabalhar

pensando no desejo, abordando-o através do viés da histeria, a qual nos coloca à frente disso.

Desde os primórdios da psicanálise, Freud se inquietava com as histéricas, as quais

eram chamadas de “doentes dos nervos”, loucas, que tinham patologias as quais ninguém

conseguia explicar empiricamente. Ao trabalhar com Breuer em um caso que ficou muito

conhecido, da paciente Ana O, Freud fez muitos avanços, dando voz às histéricas, ouvindo

suas questões e tentando trabalhá-las, algo até então não feito. Portanto, falar da histeria é o

mesmo que abordar os estudos iniciais de Freud, de sua clínica que deu origem a questões

fundamentais para a psicanálise. Escutar as histéricas, como sujeito que padece de um

sofrimento, traz uma virada fundamental, bem como avança nos estudos e conceitos hoje

fundamentais para a clínica psicanalítica.

A clínica da histeria, muito se confundiu com a das mulheres, pois eram elas que

procuravam atendimento. Um dos traços relevante das histéricas tem a ver com a

somatização, já que a relação com o corpo é fundamental. Muito disso acaba por ser tomado

como uma “encenação”, principalmente na histeria, mas a mulher não fica totalmente fora

(30)

da presença da ausência, já que a mulher não possui falo, ela precisa mascarar sua falta para

“provocar” o olhar do Outro.

Então, esta relação com o corpo está sempre presente na mulher e a histérica traz com

uma magnitude maior, que vem dizer do desejo de ser olhada, da sua posição frente ao Outro

sexo. Isso é algo que nos faz pensar na mulher em geral, pois muito se confunde histeria e

feminilidade, chegando-se a questionar se as duas são um só, se toda mulher é histérica, ou se

existe uma diferenciação entre ambas. Para isso, pensar o desejo e a posição frente ao Outro é

de fundamental importância, pois existem diferenças, e quais são elas?

É importante retomarmos algumas questões que nos dizem da constituição psíquica da

mulher, bem como do seu circuito pulsional, já que a sexualidade feminina muito tem a ver

com o olhar do Outro, e é na puberdade que isso começa a aparecer, pois a menina assinala o

que pode e o que não pode ser visto pelos outros. Sobre isso, Rassial (1999, p. 26) nos afirma:

Na especularidade, a exibição [la parede] feminina encontra seu fundamento. Donde a atração, muito precoce, da jovem pelos jogos de maquiagem, pelo modo de vestir, pela escolha das cores. Ela vem assim se oferecer como objeto ao olhar de um outro, de início não necessariamente sexuado, pois isto pode muito bem ser endereçado à mãe.

Assim, em relação ao falo, e portanto à distribuição dos sexos, ela terá que se situar não como aquela que o possui, mas como aquela que o faz aparecer, mesmo que seja porque, trivialmente, é apresentando-se como desejável que ela permite o exercício fálico, no outro.

Ou seja, ao se fazer olhar por esse Outro, ela começa entrar nesse exercício fálico e

algo do seu desejo começa a aparecer, neste parecer e se fazer olhar como desejável é que

inicia-se a indagação sobre a sua relação com o outro sexo, os indícios sobre onde está o seu

desejo. Com isso, é interessante voltarmos um pouco também na constituição psíquica da

mulher, conforme já abordado no primeiro capítulo deste trabalho, para colher mais alguns

elementos e continuar nossa busca.

O final do Complexo de Édipo ocorre de maneiras diferentes no menino e na menina;

(31)

identificando-se com o pai, que supostamente o tem. Já a menina, pode também abrir mão de

ser o falo materno e depara-se com a questão de tê-lo sob a forma de não o ter, assim ela

encontra uma identificação possível com a mãe, pois como esta, ela sabe onde está, onde ir

buscá-lo, ao lado do pai, junto àquele que o tem.

Sabe-se que a mulher não tem o falo, e precisa lidar com isso de alguma forma.

Retomando a citação anterior, quando Rassial (1999, p. 26) nos diz que a mulher terá que “se

situar não como aquela que o possui, mas como aquela que o faz aparecer, mesmo que seja

porque, trivialmente, é apresentando-se como desejável que ela permite o exercício fálico, no

outro”. Diante da falta, ao se fazer desejável, olhada pelo Outro, ela trabalha essa ausência do

falo que diz de sua estruturação e entra no exercício fálico.

Ainda, complementando essa questão do falo, podemos citar Becker (2010, p. 26),

quando afirma:

Esta falta de inscrição no inconsciente produz justamente a necessidade de fabricar véu, máscara. O corpo feminino, na falta do signo identificatório do falo, produz o falo no próprio corpo. Neste sentido, tanto homens quanto mulheres desempenham o papel de deter o falo: para protegê-lo, no caso masculino ou para ocultar a sua falta, no caso feminino.

E André (1998, p. 116) vai adiante:

A imagem do corpo tem assim numa mulher uma função ambígua e essencialmente problemática que a distingue do narcisismo masculino. Com efeito, esta imagem deve, ao mesmo tempo mascarar e sugerir: ela deve, por um lado, recobrir o real por onde o corpo se liga ao órgão e ao objeto da fantasia masculina e, por outro lado, sugerir a presença, para além do véu, de uma feminilidade misteriosa.

Isso nos mostra a maneira que a mulher vai lidar com suas questões estruturais. Já que

ela não possui o falo e fica no negativo, numa falta de representação, vai precisar lidar com

isso de alguma maneira, ocultando sua falta, como Becker (2010) nos diz, sendo que a

imagem do corpo tem papel fundamental nisso, pois através dos adereços a mulher mascara

(32)

presença e colocando um traço enigmático prendendo o olhar do Outro, conforme André

(1998) nos aponta.

O que se apresenta então são traços que dizem do feminino, e da posição da mulher

frente ao Outro sexo. E, conforme já citamos anteriormente, existe diferença entre histeria e

feminilidade e aqui está a chave dessa questão.

A histérica quer ser o falo do Outro, enquanto a mulher só sustenta essa posição na

relação sexual. Isso não diz de uma identificação com o falo, mas sim de um lugar: o do

complemento do desejo masculino. Sobre isso:

Distingamos o voto de ser o falo e a posição na relação sexual que torna a mulher falo. [...] Sendo o falo uma função negativa da falta, e o sintoma uma função positiva de gozo, elas mais são opostas. A tal ponto que o querer “ser o falo”, com que Lacan estigmatizou a histérica por algum tempo, significa exatamente: não querer ser o sintoma. (SOLER, 2005, p. 51-54).

A mulher deseja então, ser o sintoma do Outro. Sobre o sintoma, é possível dizer que:

[...] é uma metáfora de um desejo inconsciente que foi recalcado, e é uma forma disfarçada do sujeito gozar sem que sua consciência moral saiba disso. Ele é a expressão de uma demanda de gozo dirigida a um Outro da fantasia inconsciente. Nesse sentido, o sintoma vem representar para o sujeito uma dimensão de seu desejo que lhe escapa. (CASTILHO, 2010. 43-44).

Isso nos traz a ideia de algo positivado, que diz da dimensão do gozo “a mais”, aquilo

que goza e faz gozar, o que nos coloca frente ao gozo suplementar, o qual já foi abordado no

primeiro capítulo desse trabalho, através do seminário “Mais, Ainda”, Lacan (1972-1973) traz

que esse gozo Outro, por estar do lado do “não-todo” (posição feminina), não tem ao menos

um elemento não-castrado, que forme um conjunto. A mulher tem um registro nesse gozo que

está além do falo e fora da linguagem, ele fica fora. Por isso ela goza, experimenta esse gozo,

(33)

sintoma, pois fica no lugar do significante da falta, do menos, que movimenta o desejo do

Outro, ela é o objeto precioso que sustenta o desejo deste.

No exercício fálico, tanto a mulher, quanto a histérica, tem uma relação que se coloca

de forma que o homem deseja e a mulher se deixa desejar (olhar e ser olhada). Isso ainda nos

deixa intrigados sobre afinal, qual é o desejo feminino? Questão essa que vamos precisar

deixar em aberto e seguir em frente na tentativa de mais elementos para respondê-la, pois

conforme Soler (2005, p. 51), “essa dissimetria se traduz em que, na relação sexual, é preciso

que o homem deseje, enquanto basta que a mulher se deixe desejar, que consinta. Daí a

questão de saber o que é, para além desse consentimento, o desejo propriamente feminino”.

Até porque, consentir não é desejar, o desejo propriamente dito vai além disso, fala de um

significante da falta, o falo, que é estrutural e movimenta o sujeito na busca pela realização,

que é sempre parcial. O desejo se coloca nessa relação com o Outro sexo, trazendo a mulher

como objeto causa de desejo, e mascarando a sua falta.

Ainda sobre a histérica, sabe-se que ela fica na posição de ser o que falta ao Outro, e

sempre deixa o gozo insatisfeito, já que é assim que ela consegue se sustentar na sua ânsia em

ser alguma coisa para o Outro, deixando-o sempre em falta e movimentando seu desejo.

Segundo Soler (2005, p. 52) “Essa vontade de deixar o gozo insatisfeito é o que define, de

maneira precisa, a posição histérica.”.

Com isso, não podemos dizer que a histérica não quer gozar, nem o contrário disso.

Pois ela se identifica com o desejo do Outro e não com o gozo. Então, o que ela quer?

A histérica, ao deixar insatisfeito o gozo do Outro, quer um mais-ser. Assim, conviria dizer: a mulher quer gozar, a histérica quer ser. E até exige ser, ser alguma coisa para o Outro: não um objeto de gozo, mas o objeto precioso que sustenta o desejo e o amor. (SOLER, 2005, p. 52).

Em consonância a Soler (2005), podemos nos utilizar de um esquema por ela abordado, que demonstra a diferença entre histeria e feminilidade:

(34)

a S 1 S 2 Mulher Ref. Gozo + querer gozar, ou fazer gozar S ( ) Histérica Ref. Desejo - Querer ser

A partir dele, podemos ver, à esquerda, a mulher, a qual tem a referência no gozo, ela

quer gozar – e um gozo a mais (suplementar), que está fora da linguagem, e por isso ela o

experimenta, mas não sabe sobre isso. Esse gozo é corporal, sinestésico. Já do lado direito,

esta a histérica, fazendo referência ao desejo, com um menos, pois fica na posição de ser

aquilo que falta no Outro e que por isso movimenta o seu desejo.

Seguindo o discurso da histérica, que também aparece representado no quadro acima,

no lado direito, podemos dizer que nele “Lacan quer pôr em evidência, primeiro, o que

constitui o valor da histeria: obter do mestre a produção de um saber” (SOLER, 2005, p. 53).

Isto porque a histérica se identifica com o objeto e com o homem, movida pelo desejo de

saber sobre o objeto, sobre o que causa o desejo.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as histéricas foram fundamentais para pensar

sobre o desejo masculino, sobre isso que o move. Segundo Soler (2005, p. 54): “Foi preciso

haver as histéricas, e o a priori do preconceito sexual que aplica seu próprio padrão ao

parceiro, para que se acreditasse que elas falavam... das mulheres, quando, como no sonho da

Bela Açougueira, falavam a língua do parceiro homem” (grifo do autor).

E Soler (2005, p. 55) complementa:

Entretanto, podemos compreender por que a histeria se presta a uma confusão com a posição feminina, e por que é mais frequente nas mulheres. A feminilidade implica a relação com o Outro, o homem, para se realizar como sintoma. O fato de ela

(35)

acentuar o ‘fazer gozar’, como acabei de dizer, não impede o ‘fazer desejar’ que é condição dele. Daí, ao que me parece, a acentuação do núcleo histérico nas mulheres. A histérica passa pela mesma mediação do Outro, mas com fins diferentes, e não para se realizar como seu sintoma. Como discurso, a histeria determina um sujeito que nunca está sozinho, mesmo que esteja isolado, um sujeito sempre pareado na realidade com um outro que se define pelo significante-mestre, e que o sujeito interroga quanto a seu desejo de saber sobre o sexo. Seu desejo se sustenta no sintoma do Outro, a tal ponto que quase poderíamos dizer que a histérica faz de si uma causa, mas uma causa de ... saber. Não porque ela seja movida pelo desejo de saber, mas porque gostaria de inspirá-lo no outro.

Existe uma diferença entre a histeria e feminilidade que fica evidente quando falamos

da posição frente ao Outro. Mas ao mesmo tempo é compreensível a confusão que ambas

causam, sendo ainda mais frequente quando falamos de histeria nas mulheres, já que a

feminilidade diz da posição frente ao Outro (homem) para poder se realizar como sintoma.

Além disso, quando nos questionamos sobre o que quer uma mulher e nos referimos a

algo que diga de uma dificuldade de poder situar seu desejo, a histeria nos remonta alguns

pontos fundamentais para pensá-lo. Devido a isso, parece ser importante pensarmos na análise

de um sonho clássico na teoria psicanalítica, o da Bela Açougueira, para tentar elucidar um

pouco melhor essa questão.

Na obra “O Seminário as formações do inconsciente”, livro 5, Lacan (1957-1958)

trabalha este sonho, trazendo-o na integra, segundo as anotações que Freud fornece. Isto,

conforme abaixo:

Eis o sonho – diz Freud. Eu queria oferecer um jantar, mas o único mantimento que tinha em casa era um pouco de salmão defumado. Quis sair para fazer compras, mas lembrei-me de que era domingo à tarde e todas as lojas estavam fechadas. Quis telefonar para alguns fornecedores, mas o telefone estava pifado. Assim, tive que renunciar ao desejo de oferecer um jantar. [...] Respondi, naturalmente, que só a análise poderia decidir sobre o sentido desse sonho. De fato, a paciente o confrontara com esse sonho, dizendo-lhe: - O senhor sempre diz que o sonho é uma coisa em que um desejo se realiza, pois nesse tive enormes dificuldades, de realizar meu desejo. Freud prossegue: - Admiti, todavia, que à primeira vista ele se afigurava sensato e coerente, e parecia ser exatamente o oposto da realização de um desejo. ‘Mas, quais foram os elementos desse sonho? A senhora sabe que os motivos de um sonho sempre se encontram nos acontecimentos precedentes’. (LACAN- 1957-1958, p. 372-373, grifo do autor).

(36)

Lacan (1957-1958) segue trazendo o relato de Freud, onde ele esclarece então que o

marido de sua paciente é açougueiro e que ela estava engordando muito e este solicitou-lhe

que começasse a controlar sua alimentação. Depois disso, também traz o relato de que a

paciente gostava muito de caviar, tinha desejo de comer isto, mas solicitou ao marido que não

lhe desse. Lacan (1957-1958, p. 373-374) traz então a fala de Freud:

Naturalmente, receberia de imediato esse caviar, se falasse com o marido. Mas lhe pediu, ao contrário, que não lhe desse caviar, de modo a poder continuar a implicar com ele por causa disso. [...] Observei que ela fora obrigada a criar em sua vida um desejo insatisfeito. Seu sonho lhe mostrava esse desejo como realmente não consumado. Mas, porque precisaria ela de tal desejo?

O que começa a ficar evidente então através da fala de Freud sobre sua paciente é que

ela busca de alguma forma a não realização desse desejo, deixando-o como insatisfeito. Isto,

pois como ele assinala, ela poderia solicitar ao marido o caviar, mas prefere continuar sem o

objeto que a satisfaria.

Lacan (1957-1958, p. 374) aborda mais algumas observações de Freud sobre o

referido sonho:

Passado um momento, como convém quando se tem de superar uma resistência, ela me disse haver visitado ontem uma de suas amigas, de quem sente muito ciúme porque seu marido sempre fala muito bem dela. Felizmente, a amiga é miúda e magra, e seu marido gosta de formas rechonchudas. E de que havia falado essa pessoa magra? Naturalmente, de seu desejo de engordar. E lhe perguntara: ‘Quando é que vocês vão nos convidar de novo? Sempre se come muito bem em sua casa’.

A partir disso, traz que a intenção do sonho fica clara, pois é como se a paciente

pensasse que nunca mais iria convidar a amiga para jantar em sua casa, já que quanto mais ela

engordasse, mais atrairia a atenção de seu marido. Ele também trabalha nesse ponto, a

identificação histérica, pois, a Bela Açougueira se identifica com a amiga, e “na medida em

que se identificou com a outra, que ela se atribuiu na vida real um desejo não realizado”

(37)

Soler (2005, p. 44) apresenta um matema de Lacan para falar do desejo insatisfeito da

paciente de Freud, trabalhando com a estrutura significante/significado, onde “‘o desejo de

caviar’ é o significante cujo significado é ‘o desejo de um desejo insatisfeito’”, conforme

representação abaixo:

S ; “desejo de caviar”

O caviar trazido por Freud não aparece no sonho de sua paciente, mas sim o salmão,

que “substitui o caviar por efeito de metáfora, a qual faz desaparecer um significante (caviar)

em prol de outro: salmão” (SOLER, 2005, p. 44). E conforme Lacan (apud SOLER, 2005, p.

44), “mas, o que é a metáfora senão um efeito de sentido positivo, isto é, uma certa passagem

do sujeito ao sentido do desejo?”. Aqui fica demarcado o desejo presente no sonho, pois este é

uma metáfora que torna presente a dimensão do desejo, sendo este inconsciente.

Vale ressaltar também, que a metáfora justamente produz de certa forma a

“substituição” de um significante por outro. Isto porque a paciente sonha com salmão, mas

depois entra em questão o significante caviar, o qual foi substituído e carrega consigo algo

que diz de todo o desenlace do sonho, do seu desejo inconsciente.

Seguindo Soler (2005, p. 45), “o desejo insatisfeito é expresso pelo significante

‘caviar’, na medida em que ele o ‘simboliza como inacessível [...]’”. Ainda, traz o desejo de

caviar como uma metonímia do desejo insatisfeito e não uma metáfora, isto, pois diferente do

sonho que traz uma metáfora, essa questão com o desejo (caviar e desejo de caviar), acaba

desaparecendo da cadeia e segue dizendo que “lermos ‘desejo insatisfeito’ ou ‘desejo de

desejo insatisfeito’ não é a mesma significação, mas é o mesmo sentido da falta do sujeito”.

(SOLER, 2005, p. 46).

s

(38)

Para falar sobre o desejo insatisfeito, é interessante trazer o que Lacan (1957-1958, p.

376) afirma:

[...] o desejo com que deparamos desde os primeiros passos da análise, e a partir do qual se desenrola a solução do enigma, é o desejo como insatisfeito. No momento desse sonho, a paciente estava preocupada em criar para si um desejo insatisfeito. [...] Que pede ela antes do sonho, em sua vida? Essa paciente, apaixonadíssima pelo marido, demanda o quê? Amor; e as histéricas, como todo o mundo, demandam amor, só que, nelas, isso é mais incômodo. Que deseja ela? Ela deseja caviar. Basta simplesmente ler. E que quer ela? Quer que não lhe dêem caviar.

O desejo da histérica é sempre insatisfeito, ou seja, ela sempre busca de alguma forma

barrar sua satisfação. No caso do sonho que estamos utilizando como exemplo, ela queria

caviar, sonha com salmão, e como Lacan aborda, poderia ter o objeto que lhe traria a

satisfação de seu desejo, mas ao contrário disso, “ela quer que o marido não lhe dê caviar,

para que eles possam continuar a se amar loucamente, isto é, a implicar um com o outro, a se

atazanar a perder de vista” (LACAN, 1957-1958, p. 376).

Abordar o sonho da Bela Açougueira nos remete a mais uma questão importante: a

identificação, que neste caso, aparecem três. Segundo Soler (2005, p. 47), “o sujeito histérico

tem uma propensão a se identificar, mas a identificação histérica é uma coisa complexa e

estratificada”.

Para Lacan (1957-1958) a identificação histérica, não é uma imitação, mas sim algo

que traz uma espécie de “apropriação” dos motivos que aparecem no discurso do outro sujeito

como algo próprio da histérica. Sobre isso corrobora:

A identificação, portanto, não é uma simples imitação, mas uma apropriação decorrente de uma etiologia idêntica: ela expressa um ‘como se’, relacionado com um traço comum que persiste inconsciente. O termo apropriação não foi muito bem traduzido. Trata-se, antes, de um tomado como próprio. (LACAN, 1957-1958 p. 375).

Neste sonho, é possível verificar três identificações. A primeira delas é com a amiga.

Referências

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