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Ifá e Odus: interdisciplinaridade, lógica binária, e filosofia africana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

JAIR DELFINO

IFÁ E ODUS: INTERDISCIPLINARIDADE, LÓGICA BINÁRIA, E FILOSOFIA AFRICANA

FORTALEZA 2020

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JAIR DELFINO

IFÁ E ODUS: INTERDISCIPLINARIDADE, LÓGICA BINÁRIA, E FILOSOFIA AFRICANA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Educação Brasileira.

Orientador: Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Junior.

FORTALEZA 2020

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JAIR DELFINO

IFÁ E ODUS: INTERDISCIPLINARIDADE, LÓGICA BINÁRIA, E FILOSOFIA AFRICANA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Educação Brasileira.

Aprovada em: 17/02/2020.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Dr. Henrique Antunes Cunha Junior (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof. Dr. João B. A. Figueiredo

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Profa. Dra. Rosa Maria Barros Ribeiro

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

________________________________________________ Prof. Dr. Thiago Florêncio

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Dedico esta Tese emocionadamente à minha mamãe, Firmina de Toledo Delfino.

Eu não poderia ter por toda trajetória percorrida desde criança até os dias de hoje o apoio tão marcante como tive desta pessoa que foi mãe, amiga, companheira presente de alma e coração.

Agradeço ao divino Ólòdumarè por ter me abençoado com a vida e por ter mamãe comigo.

Para o divino Ólòdúmarè, mamãe, eu fiz e renovo todos os dias o mesmo pedido. Eu pedi ao divino que ele sempre me permitisse eu lhe pedir sua bênção e lhe dar alegrias!

Sua bênção, mamãe!

Amada mãezinha, te amo com todas as minhas forças!

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AGRADECIMENTOS

Ao Divino Criador, no qual busquei minha relação com ele por todo período de pesquisa.

Ao meu orientador, professor Henrique Antunes Cunha Junior, por ter confiado em mim para desenvolvermos este trabalho.

A todos os professores e professoras que fizeram parte da minha banca e dizer-lhes que me sinto honrado e agraciado com suas presenças e valiosas considerações: Profa. Dra. Rosa Maria Barros Ribeiro, Profa. Dra. Celecina de Maria Veras Sales, Prof. Dr. Cesar Baio, Prof. Dr. Reinaldo Domingos, Profa. Dra. Cícera Nunes, Prof. João B. A Figueiredo, Prof. Thiago Florêncio e Prof. Eduardo da Silva. Lembro-me das orientações de cada um e cada uma e o quanto foram amigas(os). Para mim foi um privilégio de carinho e humanidade. A minha forma de agradecer a genialidade e o vosso profissionalismo é rezando ao Divino Criador para que possa abençoá-los(as). Muitíssimo obrigado por acreditarem em mim.

Agradeço também a bolsa de incentivo ao estudo da fundação CAPES, a qual me proporcionou a condição para consolidação desta pesquisa.

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Èsú Encaminha, Èsú Ensina

E Barabô e mo júbà, àwa kò sé

E Barabô é mo júbà, e omodé ko èkò èkó ki Barabô e mo júbà Elégbára Èsú l’óònòn. E Barabô é mo jubá auá cô xê

E Barabô é mo jubá ê omódê có é có qui Barabô mô jubá Élébára Exú lonã.

Nós acordamos e cumprimentamos Barabô, A vós eu apresento meus respeitos,

Que vós não façais mal.

Nós acordamos e cumprimentamos Barabô A vós eu apresento meus respeitos.

A criança aprende na escola (é educada, ensinada)

A Barabô eu apresento meus respeito, ele é Senhor da Força, o Exú dos caminhos (OLIVEIRA, 2007, p. 17).

Meus respeitos pai amado (Mo juba)! Gratidão e cumplicidade eterna!

Suplico bons caminhos e ensinamentos a todos! (Notas do autor).

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RESUMO

Dentro dos estudos de história e cultura africana e afrodescendente, a presente Tese faz uma inserção inovadora dentro da tradição africana do Ifá. O Ifá é um corpo literário e filosófico, que descende de uma divindade entre dois mundos entendidos como o físico e o espiritual. Tem como objetivo as sistematizações das representações do Ifá, que trabalham as questões sobre álgebra binária e a organização dos significados do Ifá. A importância deste tema está em examinar, apresentar e discutir conhecimentos específicos de uma cultura e tradição que tem como processo educativo a oralidade e a preservação da cultura e desenvolver a capacidade interdisciplinar e as potencialidades da memória, bem como inserir valores e princípios voltados ao religare do ser humano com a natureza como um corpo único. Adicionamos à nossa proposta a preocupação com o desenvolvimento sistemático do educando; neste intuito apresentamos uma discussão, buscamos estar de acordo com a Lei nº 10.639/03, contribuindo para mesma na busca da identidade e o pertencimento do povo afrodescendente face à ciência por detrás da filosófica africana, matemática binária, memória, estética, arquétipos genealógicos e interdisciplinaridade inter-relacional e inter-pessoal de cada um, como potencialidades a serem desenvolvidas. Usa como metodologia a pesquisa qualitativa, realizada por meio de revisão literária e pesquisa documental. Os resultados obtidos se consolidam através de métodos binários de avaliação do ser humano, importante complemento para psicopedagogia das predisposições de comportamento do ser humano; também apresenta a dimensão que atinge a interdisciplinaridade, em virtude da cognição através das memórias, de sua consolidação e dos dispositivos formadores de conceitos importantes na consumação do apreender e entender em virtude de vislumbrar a formação interdisciplinar do educador e educando.

Palavras-chave: Filosofia africana da tradição do Ifá. Arquétipos. Interdisciplinaridade.

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ABSTRACT

Within the studies of African and Afrodescendant history and culture, this Thesis makes an innovative insertion within the African tradition of the Ifá. The Ifá is a literary and philosophical body, which descends from a divinity between two worlds understood as the physical and the spiritual. Its objective is to systematize the representations of the Ifá, which work on questions of binary algebra and the organization of the meanings of the Ifá. The importance of this theme lies in examining, presenting and discussing specific knowledge of a culture and tradition that has as its educational process the orality and preservation of culture, and developing the interdisciplinary capacity and potentialities of memory, as well as inserting values and principles aimed at the religare of the human being with nature as a single body. We add to our proposal the concern with the systematic development of the learner; in this intention we present a discussion, we seek to be in accordance with Law nº. 10,639/03, contributing to it in the search for identity and belonging of the Afrodescendant people to the science behind the African philosophical, binary mathematics, memory, aesthetics, genealogical archetypes and interrelational and inter-personal interdisciplinarity of each, as potentialities to be developed. It uses as methodology qualitative research, carried out through literary revision and documental research. The results obtained are consolidated through binary methods of evaluation of the human being, an important complement for psycho-pedagogy of the predispositions of behavior of the human being; it also presents the dimension that reaches interdisciplinarity, by virtue of the cognition through memories, its consolidation and the devices that form important concepts in the consummation of apprehension and understanding by virtue of glimpsing the interdisciplinary formation of the educator and educator.

Keywords: African philosophy of the Ifá tradition. Archetypes. Interdisciplinarity. Myths. African aesthetics.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Panteão Yourubá ... 20

Figura 2- Olorun e a Criação ... 25

Figura 3- Genealogia de Ólodùmarè ... 29

Figura 4: Planetas ... 61

Figura 5 - Ideograma elemental ... 63

Figura 6 - Ideograma do ar ... 63

Figura 7 - Ideograma do fogo ... 64

Figura 8 - Ideograma da água ... 64

Figura 9- Ideograma da terra ... 65

Figura 10 - 16 Ideogramas ... 66

Figura 11 – Os ideogramas dos Odus ... 67

Figura 12- Ideogramas formadores de Omo Odus para os postulados pares e ímpares ... 68

Figura 13- Ideogramas dos Omo Odus gerando Omo Odu Etaondá ... 68

Figura 14- Ideograma dos Omo Odu gerando Omo odus Oturukpon ou Ejiokô ... 69

Figura 15- Ideograma do Omo Odu Ogundá ou Etaogunda ... 70

Figura 16- Ideograma do Omu Odu Oturukpon ou Ejiokô ... 71

Figura 17- Soma de Ideogramas de Omo Odu gerando o terceiro Omo Odu Iorossun ... 71

Figura 18- Ideograma (Omo Odu Oyeku) gerador do reflexo do Omo Odu Iorossum ... 73

Figura 19- Soma dos ideogramas de Omo Odus gerando o Omu Odu reflexo de comprovação ... 73

Figura 20- Postulado do ideograma reflexo do espelho ... 74

Figura 21- Ideogramas gerando o espelho reflexo ... 74

Figura 22 – Sistema combinatório semiótico de transição de acontecimentos na vida ... 95

Figura 23 - Os dezesseis Olodus (Odu) ... 96

Figura 24: Instrumento de análise dos arquétipos individuais ... 108

Figura 25 – Consolidação da memória efetiva ... 121

Figura 26 - A natureza da Estética Africana... 136

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Odus e a Geomancia dos povos ... 37

Quadro 2- Quadrado mágico de Saturno ... 51

Quadro 3- Quadrado mágico de Marte ... 52

Quadro 4- Quadrado mágico de Júpiter ... 52

Quadro 5- Quadrado mágico do Sol ... 52

Quadro 6- Quadrado mágico de Vênus ... 53

Quadro 7- Quadrado mágico de Mercúrio ... 53

Quadro 8 – Quadrado mágico da Terra ... 53

Quadro 9- Quadrado mágico da Lua ... 54

Quadro 10- Decanatos e planetas de 20/01 a 18/02... 58

Quadro 11- Decanatos e planetas de 19/02 a 20/03... 58

Quadro 12- Decanatos e planetas de 21/03 a 19/04... 58

Quadro 13- Decanatos e planetas de 20/04 a 20/05... 59

Quadro 14- Decanatos e planetas de 21/05 a 20/06... 59

Quadro 15- Decanatos e planetas de 21/06 a 22/07... 59

Quadro 16- Decanatos e planetas de 23/07 a 22/08... 59

Quadro 17- Decanatos e planetas de 23/08 a 22/09... 60

Quadro 18- Decanatos e planetas de 23/09 a 23/10... 60

Quadro 19- Decanatos e planetas de 24/10 a 21/11... 60

Quadro 20- Decanatos e planetas de 22/11 a 21/12... 60

Quadro 21- Decanatos e planetas de 22/12 a 19/01... 61

Quadro 22- Okaran ... 77

Quadro 23- Ejioko (Oturukpon) ... 78

Quadro 24- Etaogunda ... 79

Quadro 25- Iorosun ... 80

Quadro 26- Osé ... 80

Quadro 27- Obará ... 81

Quadro 28- Odi ... 82

Quadro 29- Ejionile ou Ogbe (caminho, rota, estrada) ... 84

Quadro 30- Osá ... 85

Quadro 31- Ofun (Senhor dos mistérios) ... 86

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Quadro 33- Ejilashebora (Wiory) ... 88

Quadro 34- Ejiologbon (Oyeku) ... 89

Quadro 35- Iká ... 89

Quadro 36- Ogbeteogunda (Iretê) ... 90

Quadro 37- Aláfia (Oturá) ... 92

Quadro 38- Casas Odúnicas ... 97

Quadro 39- Eixos e casas... 99

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 13

1 MITO E SUA RELAÇÃO COM A CRIAÇÃO ... 21

2.1 A estrutura do pensar filosófico do Ifá ... 37

3 RELAÇÕES MATEMÁTICAS E FILOSÓFICAS NA TRADIÇÃO AFRICANA DO IFÁ: UM MÉTODO BINÁRIO ... 43

3.1 Regras para aplicação do método ... 57

3.1.1 Os decanatos e os planetas ... 58

3.2 Aplicando e entendendo os princípios do método ... 61

3.3 Retomada aos aspectos filosóficos da personalidade humana, em virtude do que foi determinado ... 75

3.3.1 Odus ... 76

3.4 Sistema combinatório semiótico de transição de acontecimentos na vida e sua interpretação ... 93

3.5 A importância do aruétipo na formação do educando na tradição africana do ifá ... 100

4 A EPISTEMOLOGIA DO PENSAR INTERDISCIPLINAR AFRICANO: UM MODELO QUE VISA DESENVOLVER HABILIDADES ATRAVÉS DO RACIOCÍNIO HUMANO ... 111

4.1 Discussão acerca da complexidade interdisciplinar e sua importância ... 120

4.2 A axiologia pedagógica da interdisciplinaridade africana ... 122

4.3 O papel interdisciplinar do professor ... 124

4.4 Faculdades interdisciplinares na relação com o social e o universo. ... 127

4.5 O coletivo: habilidade x interdisciplinaridade ... 129

4.6 Experiências e assimilações na formação do eu ... 130

5 O CONTEXTO ESTÉTICO E SUA IMPORTÂNCIA INTERPRETATIVA NA TRADIÇÃO DO IFÁ... ... 132

5.1 A fenomenologia: provocadora do encantamento ... 139

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 143

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1 INTRODUÇÃO

As culturas africanas se encontram entre as mais antigas da humanidade e as civilizações africanas produziram um legado de importância para o conhecimento e a história dos seres e das comunidades humanas. Devido à formação histórica brasileira, a estrutura de produção escravista criminosa aqui implantada, durante a Colônia e o Império, o Brasil recebeu um contingente apreciável de africanos e herdou parte significativa da cultura das civilizações africanas. Estes fatos até pouco tempo recebiam diminuta consideração e importância na cultura e educação brasileira, principalmente na pesquisa científica nacional.

Os movimentos sociais da população negra conseguiram nos últimos vinte anos colocar estas questões na pauta das preocupações da sociedade brasileira e, em particular, no campo da educação através da edição da Lei nº 10.639/2003, que tem como finalidade o ensino da história e da cultura africana e afrodescendente em todos os níveis da educação. Neste trabalho de Tese agrego importância e contribuição à Lei não somente na história e cultura africana, mas também à lógica binária da tradição africana do Ifá, filosofia da tradição africana do Ifá, nas vertentes diversas do desenvolvimento da memória, importantes para desenvolver potencialidades e habilidades interdisciplinares do educando. Trago também a arte (estética e tecnologia), mostrando que existe um sistema de especialistas; o que não nega o seu grande potencial para educação. Ademais, na dissertação anterior do mestrado pude contemplar um pouco do legado da medicina existente na tradição africana do Ifá, pois é de importância axiológica, de formação intelectual e identidade às questões emergentes para os movimentos sociais da população negra.

Nas culturas africanas os conhecimentos religiosos e científicos se entrelaçam, sendo que as sociedades são regidas por pensamentos filosóficos diversos relacionados com os conhecimentos produzidos na antiguidade, nas civilizações do rio Nilo, ou seja, tendo como fonte o Egito, Etiópia e Núbia, como poderá ser observado no curso desta Tese.

As religiões africanas conservam a importância da ancestralidade e a palavra, onde estão contidos acervos de conhecimentos necessários para interpretação das sociedades e para preservação da vida humana de maneira solidária, equilibrada e harmônica. Dentre os conhecimentos africanos, existe um campo da filosofia e da espiritualidade, da cosmovisão do sagrado e religioso ligado ao jogo do Ifá. O Ifá é um campo amplo do conhecimento pouco conhecido no Brasil e com raros trabalhos de pesquisa e estudo. Este, num número limitado dos seus aspectos, é o tema central deste trabalho de pesquisa.

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A pesquisa de teor afrodescendente implantada no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, desde 1996, tem como prática e diferencial a participação de pesquisadores que tenham ampla vivência dentro dos seus temas de pesquisa. Assim é o meu caso, que vivo os princípios e práticas religiosas ligadas ao Ifá, desde minha adolescência. Embora dentro da religião não tenha me consagrado à categoria de iniciado e nem de babalaô de Ifá, sou um devoto e praticante assíduo deste campo do conhecimento religioso de base africana. Os iniciados são aqueles que além de praticarem, participam de ritos de consagração e de votos de compromissos com a ancestralidade dos Orixás, fato que eu ainda não pude realizar. Considero-me um conhecedor não consagrado.

Nas culturas de matriz africana encontramos a oralidade, como conceito e prática de transmissão de conhecimento do povo africano, que tem na vida social das comunidades a sua dinâmica de expansão e aperfeiçoamento. Devido às condições adversas sob as quais as populações africanas e seus descendentes se inseriram na sociedade brasileira, esse acervo de antigas civilizações foi inviabilizado na sua difusão, como partes esquecidas ou perdidas, isto em consequência da dinâmica excludente existente na sociedade e na estrutura da educação brasileira, embora sejam conhecimentos que persistem e precisam ser reorganizados de forma sistemática dentro da cultura brasileira. De acordo com a pronúncia do professor Cunha Junior, no curso História dos Afrodescendentes (UFC, 2015), parte desse conhecimento é apresentado nas religiões de matriz africana e, desde o Brasil Colônia o conhecimento religioso se manteve vivo em decorrência da transmissão oral e das práticas realizadas nos espaços dos terreiros do nosso país. Neste trabalho tomo como preocupação a organização e sistematização de parte da cultura do Ifá relativo às suas representações numéricas e iconográficas.

Meu nome é Jair Delfino, sou afrodescendente brasileiro nascido dia 14 de outubro de 1973, natural da cidade de São Paulo. Minha trajetória como afrodescendente neste país me trouxe à tona inquietações sobre o descredenciamento da cultura e tradições africanas herdadas por nós afrodescendentes. Desde criança, dentro das salas de aulas os livros de histórias só relatam o sofrimento do povo africano no Brasil como se fossem seres inferiores; desde então isto se reflete no comportamento social das pessoas em relação ao afrodescendente e na formação de identidade do mesmo. Frente a esta desvalorização, me veio desde minha infância um crescente interesse na tradição africana e no resgaste do que nos foi tirado e para mim a virtude do que herdei dos meus ancestres e familiares mais próximos é de extremo valor axiológico. Enxergo a tradição africana como sendo esta de extremo valor axiológico e importante ao resgate da identidade do afrodescendente frente a

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compor sua autoestima e empoderamento de valores e princípios. Para tanto, desenvolvi o sonho de idealizar os valores e princípios filosóficos para todos com os quais eu possa interagir e, fundamentado nisto, desde muito novo - não sei precisamente a idade - busco bibliografias sobre a tradição africana, e a que mais me tocou foi a tradição africana do Ifá, por nela existir uma genealogia e sistemática em busca do saber e bem viver social. Busco também a relação de vivência com a tradição afrodescendente que instituiu-se nas comunidades de terreiro, bem como a relação com o que herdei de minha família. Mas não parei por aí. Na escolha por uma formação acadêmica me interessei pelo campo das ciências e me formei professor de química. O fato de escolher essa profissão, conhecida tradicionalmente pelos moldes europeus, foi pela oportunidade de poder entender o que a ciência química poderia me desvendar sobre os átomos, no sentido que o átomo é a estrutura da matéria, e isto me aproximaria num aspecto relativo à tradição africana, de como é possível o equilíbrio, ou como podemos aprender a ser seres em virtude do equilíbrio da natureza. Conhecer os elementos químicos e saber do que eles são capazes era importante para mim em busca do equilíbrio, e não para se tornar um químico contra a natureza.

Por vezes, em sua história a química foi chamada de alquimia por se aproximar ou buscar não somente a produzir o ouro e o diamante, mas também por buscar entender a metafisica ou até mesmo a magia, fato este que me chamou a atenção, embora esta ciência seguisse os moldes europeus, mas que de certa forma buscava-se superar limites da barreira do conhecimento. Contudo, não busquei nesta relação à comparação com a tradição africana do Ifá e, sim, desenvolver a característica da criticidade frente às limitações impostas pela ciência dos homens de ordem experimental (química).

A química por ser experimental se tornará uma grande ferramenta para mim como professor, me tornará empoderado na capacidade de superar limites, e assumindo esta personalidade busquei relações entre a química e outras disciplinas, trazendo para a minha prática pedagógica a interdisciplinaridade. Logo, escolhi ser químico para desenvolver em mim a característica de superação de dificuldades, pois na minha interpretação dos valores herdados através de minha família, por parte de minha mãe afrodescendente, nós, negros, temos que provar sempre que somos capazes, pois sempre haverá neste país aversão a nós, e a química não era algo que eu entendia, e partindo destes princípios adquiri para mim o seguinte filosofar “não tenho que buscar aprender o que julgo ser fácil, tenho que buscar aprender o que julgo ser difícil e até impossível, pois somente superando minhas dificuldades adquirirei um conhecimento múltiplo interdisciplinar”.

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A busca por superar as dificuldades para trazer conhecimento despertou meu lado humano pelo outro e passei na minha experiência com alunas em reclusão a usar o contexto interdisciplinar que trouxe com a química, para buscar a melhor formação para elas e obtive resultados com alunas aprovadas no sistema de provas do Enem aplicado dentro do presídio com aprovação das mesmas com pontuação para ingressarem em universidades públicas. Passei, então, a acreditar mais ainda na interdisciplinaridade e na tradição de valores afrodescendentes que herdei. Assim, é de supra importância à minha formação, e diante do acúmulo que trago da minha tradição afrodescendente, trazer esta discussão para a academia, partindo do princípio que busco sempre a superação.

O objeto desta pesquisa é a tradição Africana do Ifá, não somente como a memória do povo, mas em seu contexto de valor e legado para o nosso povo frente ao que nos foi descredenciado e o que o torna de imenso valor axiológico para o povo. O objetivo geral é discutir e apresentar ferramentas para absorção do conhecimento e métodos fundamentados na genealogia da tradição africana do Ifá, voltados a potencialidades e habilidades interdisciplinares que podem ser desenvolvidas no educando e educador, importantes para o desenvolvimento humano. Nesse sentido, tenho o interesse de implementar a identidade para o afrodescendente mostrando por um outro prisma que a tradição não somente se endereça à beleza, mas também é capaz de desenvolver habilidades, pois a mesma é a presença e a manifestação interdisciplinar do filosofar africano.

O primeiro objetivo específico do trabalho é explanar como a cognição do pensamento africano está atrelada ao equilíbrio natural da vida em virtude dos princípios filosóficos e crença. Os dois neste caso não se separam, sendo o ser divino tocável; o que faz dele não somente uma presença metafísica, mas também física, sendo ele a própria natureza. Resume-se em como acontece a cognição interdisciplinar nos aspectos (inter-relacional e interpessoal de cada um) para absorção do conhecimento.

O segundo objetivo específico é introduzir um método de avaliação binário fundamentado nos moldes da herança da tradição afrodescendentes brasileira, que possibilita conhecer a ampla e vasta ferramenta de avalição de arquétipos na formação do ser, este objetivo se pauta na preocupação com a manipulação da sociedade através de arquétipos que dogmatizam e influenciam negativamente a formação do ser. Nesta busca trago o potencial avaliativo da tradição afrodescendente na relação psicossocial e comportamental.

O terceiro objetivo específico é trazer à luz a interdisciplinaridade nos moldes da tradição afrodescendente. Frente à axiologia pedagógica africana buscamos a reflexão em função das habilidades e potencialidades que podem ser desenvolvidas, o papel do professor e

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as barreiras que podem haver. Destaca-se neste objeto a importância da memória para educação como aquela detentora de saberes e conhecimentos para formação do ser interdisciplinar.

A relevância deste assunto para a educação se dá através de como raciocinar, a fim de entender, apreender e fazer memória, em virtude de uma técnica interdisciplinar de interpretar todo conhecimento africano que pretendo dar destaque. Vislumbra-se que as projeções dos conhecimentos são de grande importância para a educação devido ao fato de as informações de hoje em dia dentro das salas de aulas serem mais complexas e dependerem de mais informações conexas a outras disciplinas para serem entendidas; assim surge a viabilidade através da interdisciplinaridade.

O trabalho em questão é inusitado no sentido do seu contexto filosófico em virtude da sua característica interdisciplinar e do método apresentado. O seu referencial se dá através das relações étnico-raciais, em virtude da tradição africana herdada oralmente.

A presente proposta metodológica se insere na análise qualitativa e realizou-se por meio de revisão literária e pesquisa documental, e diante das discussões trago a reflexão e sistematização do conhecimento. Busquei durante este processo o aprofundamento nas literaturas, a fim de fazer comparações e entender as diferenças dentro da tradição do Ifá no aspecto geral que contempla todo o corpo do conhecimento africano.

Logo, para efeito desta Tese seguem os seguintes conceitos:

a) a filosofia africana do Ifá é uma forma codificada do conhecimento genealógico. Através de ideogramas sua ideologia do pensar nasce puramente da combinação aos pares dos elementos da natureza, assim como sua combinação aos pares dos elementos é a sua de projeção do pensamento inter-relacional e interpessoal com o meio que vivemos. Ifá é também filosofia baseada na energia vital que delega um corpo de princípios e valores formadores da tradição africana e assimilados nos seus hábitos e costumes; é a filosofia advinda da concepção africana (egípcia) partindo do princípio que toda obra da criação divina é fruto de uma energia vital e no contato com a subjetividade metafísica se busca reconhecer, entender e aprender com o que se materializa na natureza e estrutura a tradição africana. Esta filosofia não estabelece doutrinas e dogmas, mas informa os princípios do bem viver baseado no coletivo, para instituir os valores individuais em reunião com o coletivo, traçando relação do material com o imaterial nos vários segmentos da criatividade, raciocínio lógico, probabilidades, geometria, estética, filosofia, ciências médicas, sociologia, religião e botânica; é a

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inquietação de uma criança querendo respostas; seria a própria criança que nasce dentro de cada ser humano em meio à curiosidade, querendo entender, compreender e se instituir. Em suma, é uma forma divina de se despertar o encantamento e procurar dar respostas a uma criança sobre a coisa mais forte dentro de cada um, a chamada subjetividade; é a sabedoria que nos é recorrente. b) os mitos são memórias de um povo seus hábitos, costumes e dos seus ancestrais; são como genes que deram forma aos nossos arquétipos. O mesmo descreve os presságios dos arquétipos e tem a função de nos remeter a identidade; c) ancestralidade é a identidade de nós mesmos, onde descobrimos que o que mora em mim mora em meu ancestral; ela nos remonta não só ao passado, é presente em nós mesmos; faz de nós conscientes de ser cíclico (renovável), pois o tempo nos remonta e como gene nos identifica; é a memória dos consequentes genes que herdamos;

d) memória não é só acervo de dados, como referencial; é ela a cognição, a ponte de mielina para haver a interdisciplinaridade;

e) oralidade não é só o que se ouve e, sim, a cinestesia nas rodas de contos africanos e afrodescendentes. Para quem a ouve provoca-lhe o fenômeno e para quem conta se soma à encenação e a mensagem simbólica;

f) interdisciplinaridade na tradição africana do Ifá é o eu inter-relacional onde houver possibilidade de cognição com diversas relações de saberes. A mesma, dentro da tradição comtempla a memória partindo do princípio que no meio em que vivemos todas as coisas se completam e se explicam juntas e individualmente. É o princípio da paridade ou combinação que somam como resultante o conceito e a concepção.

O presente trabalho se encontra organizado da seguinte forma: após esta primeira seção, que se refere à introdução do trabalho, na segunda seção, explico a importância do mito na construção da filosofia e da formação do referencial para o povo Yorubá. As menções feitas ao Divino Criador na cultura yorubá não têm a intenção de nos distanciar da escola laica, mas buscam trazer o divino como tocável, seria o mesmo a própria natureza; desta forma não discutirei o aspecto espiritual na concepção metafísica e, sim, o aspecto material a nível relacional, buscando a aproximação da genealogia presente na estrutura da tradição africana do Ifá para explicar a forma de raciocínio binário aplicado como base estrutural do filosofar da tradição africana do Ifá.

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O corpo do Odus que se discute neste trabalho privilegiou a tradição afrodescendente brasileira das comunidades de terreiro diante da miscigenação dos povos africanos no Brasil, diversas práticas e abordagens sobre o Ifá, que foram herdadas por nós brasileiros; os costumes e tradições de nações Jeje, Ketu, Nagô, Angola e Mussurumim, que permitiram criar um método específico de avaliação de herança do pensamento binário.

Na terceira seção apresento toda estrutura binária por detrás da filosofia africana, a sua relevância até os dias de hoje, apresento um método comparativo com a lógica de Boole, mostro como se completam a matemática binária através dos Odus e a filosofia africana na avaliação do ser humano, apresento a genealogia por detrás do pensamento binário e sua filosofia.

Os arquétipos dos seres humanos discutidos na terceira seção confluem em um método para determinar os arquétipos individuais de cada pessoa, em virtude da influência desenfreada, muitas vezes negativa da manipulação do arquétipo na sociedade global por meio da política, marketings e religiões.

Os arquétipos são também uma ferramenta de psicanálise, e dentro da tradição africana do Ifá é base filosófica primordial, que traz para a sociedade uma carga emocional e cultural muito grande. Pode-se dizer que é a memória ancestral aquilo que está enraizado no povo da tradição africana do Ifá e no povo afrodescendente brasileiro através do que herdamos de costume e tradição cultural.

Na quarta seção discute-se como a memória do povo é a fundamental ferramenta para a interdisciplinaridade, a fim de que o conhecimento possa se estruturar como produto interdisciplinar. Para tanto, deverá haver a memória (o que você conhece? o que é importante para si?) para que haja interação (cognição), quando formamos conceito do que foi entendido para posteriormente se fazer luz o apreender. Assim, trago a discussão sobre como acontece o entender e o apreender do conhecimento, em face da condição interdisciplinar da filosofia da tradição africana do Ifá.

Na quinta seção discuto sobre a estética em uma abordagem de como a simbologia é primordial a mesma; não é só representativa e, sim, formadora de memória, bem como completa o raciocínio lógico e daí, então, a importância de explorar esta diversidade em virtude da formação de educadores e educandos interdisciplinares.

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Figura 1- Panteão Yourubá

Fonte: elaborada pelo autor.1

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2 MITO E SUA RELAÇÃO COM A CRIAÇÃO

A comunicação entre os povos de matriz africana sempre foi oral, como princípio filosófico. Embora existindo um grande corpo literário escrito, essa comunicação se faz presente na cultura e tradição africana no Brasil e o legado das africanidades veio e permaneceu no nosso país através da oralidade africana, sendo os mitos uma das formas presentes em nossa tradição.

Dentro deste contexto estamos por tratar de uma história que vai além do escrito, transforma-se e através dos tempos se constituiu uma “herança de conhecimentos de toda espécie, pacientemente transmitido de boca a ouvido, de mestre a discípulo, ao longo dos séculos” (BÂ, 2010, p. 167).

Os mitos dentro da cultura africana e afrodescendente não são mentiras contadas e, sim, a forma cognitiva de relatar conhecimentos. É através dos mitos que se formam as parábolas, adivinhas, versos, contos, enigmas e poemas dentro da cultura africana e é também através deles que oralmente se passa o conhecimento coletivo para se incitar o entendimento lógico para dele se suprir das informações que ajudarão na apreensão dos conhecimentos.

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gestas constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é, pois a história do que se passou in illo tempore, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez “dito”, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta. “É assim porque foi dito que é assim”, declaramos esquimós netsilik a fim de justificar a validade de sua história sagrada e suas tradições religiosas. O mito proclama a aparição de uma nova “situação” cósmica ou de um acontecimento primordial. Portanto, é sempre a narração de uma “criação”: conta como qualquer coisa foi efetuada, começou a ser. É por isso que o mito é solidário da ontologia: só fala das realidades, do que aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente (ELIADE, 1992, p. 50).

O mito é a forma da continuidade do conhecimento que detém toda base do filosofar, onde sobrevive como alma de um povo que enxerga e vive nele a essência do bem viver. É a continuidade e ao mesmo momento o testemunho através do que se repete de tempos em tempos a chamada ciclicidade da vida. De acordo com Vansina (2010, p. 14), o mito na tradição oral “pode ser definido, de fato, como um testemunho transmitido verbalmente de uma geração para outra” (VANSINA, 2010, p. 140).

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Devido ao mito ser uma forma dinâmica de conhecimento, podemos chamar de mito vivo aquele que se transforma. Mitos, lendas e parábolas na sociedade africana são simulações criativas que agregam todos os valores, assimilações, princípios de um povo. Pode ser o relato e assimilação frente aos mistérios ontológicos e antropológicos com a intenção de relatar a linguagem lógica, em virtude dos costumes e tradição de uma sociedade ou um povo, e também a representação da origem que conecta o ser humano ao que chamamos de subjetivo, que pode ser interpretado através dos fenômenos chamados de naturais, materiais e imateriais, do nosso pertencimento (artes, estéticas e costumes), de maneira que o metafísico e o físico nunca estão separados dentro do pensamento africano. O mito é o tempo oral de cada ser, a memória que se resume nas suas relações, costumes, cultura e tradição.

O tempo, forma de todas as nossas representações, constitui, ele próprio, para nossas consciências, uma representação. [...] para o camponês africano, o tempo é uma das categorias essenciais do pensamento. É através desta categoria (e de outras também, evidentemente) que ele apreende o mundo. Em outras palavras, a partir de uma determinada situação material, o grupo cria sua própria categoria de mediação (portanto, categoria = tempo social). É graças a essas categorias que o africano percebe suas relações com a natureza, o grupo e consigo mesmo. Por conseguinte, o tempo social, elemento estruturador do universo africano, é, além disso e simultaneamente, uma poderosa fonte de motivações para uma infinidade de comportamentos individuais e coletivos (ZIÉGLER, 1972, p. 151).

O corpo literário que envolve os mitos yorubás é a genealogia que detém o Ifá para ensinar sobre a ciência, a religião e o social. De forma subjetiva, os mitos influenciam a cognição epistêmica e os costumes dentro da cultura africanista. Parte-se do princípio que a forma contada (oral) instiga a quem ouve a fim de pensar e questionar a subjetividade e a genialidade envolvida na oralidade; a interação leva-nos à indução e à dedução de conhecimentos que são as bases do raciocínio lógico.

Para isto, o educador pode, nas suas temáticas que envolvem o mito, perceber o quanto é possível a criatividade fazer parte da lógica e, ao mesmo, tempo harmonizar os conflitos internos no estágio do entendimento do educando que busca o aprendizado. Dentro da tradição africana os mitos constituem um meio de interação com o todo e as partes e a forma de interagir do ser humano com tudo que permeia a vida à sua volta; é a forma lógica em busca da verdade acrescida da forma subjetiva de interagir com o universo e a criação. No mito está a memória ancestral de um povo em virtude da oralidade.

Percebo que os mitos estão endereçados a explicar fatos que antecedem os nossos tempos, assim como buscam, dentro da cosmovisão, explicar elos com a criação, o criador e a criatura. Para isto temos mitos milenares que informam em relação ao que foi supracitado

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como tudo aconteceu no início de tudo, ou seja, na gênese que compreende a vida e a história da humanidade até os dias de hoje. De acordo com Cunha Júnior (2010, p. 5-6), “a ancestralidade está presente nos mitos da criação dos diversos povos africanos”.

Seguirei falando do mito vivo na tradição oral, que remeterá ao início dos tempos e à formação dos pilares do pensamento africano. Para os povos do continente africano, Deus possui muitos nomes, sendo Olódùmarè o nome mais antigo. As partes que compõem o nome de Olódùmarè têm o seguinte significado: Ol' (Oni) = senhor de tudo, parte principal, líder absoluto, chefe, autoridade, onipotente; Odu = muito grande, recipiente profundo, muito extenso, pleno; Ma re = aquele que permanece, aquele que sempre é presente (onipresente) ou Mo are = aquele que tem autoridade absoluta sobre tudo o que há no céu e na terra e é incomparável; Mare = aquele que é absolutamente perfeito, o supremo em qualidades. Olódùmarè é o ser superior dos yorubás (Onisciente), que vive num universo paralelo ao nosso, conhecido como Òrún, por isso ele é também conhecido como Àjàlórún e Olórun "Senhor ou Rei do Òrún", ou seja, Senhor ou rei dos nove reinos. Segue abaixo o Oríkì (conjunto de frases para saudar, evocar ou louvar um a divindade, o mesmo se refere a uma passagem da história em virtude de suas responsabilidades, grandes feitos e acontecimentos) de Olórun Olódùmarè:

ORÍKÌ OLÓDUMÀRÈ L’ojú Olórun! L’ojú Olódùmarè!

Na Presença de Olórun! Na Presença de Olódùmarè! Elédàá, Eléèmìí, Olùpilèsè

Criador, Senhor dos espíritos, Senhor das origens. Òyígíyigì Ota Aìku

Pedra Imutável e Eterna Ògàá ògo Oba òrun Mais Alto Glorioso Rei do Céu,

Atérere k’áyé,

Aquele que Se espalha sobre toda a terra, Eléní à té’ka

Dono da esteira que nunca se dobra Oba a sè kan má kù

Rei cujos trabalhos são feitos com perfeição Olórun nikan l’ógbon

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Olórun é o único que tem sabedoria Ar’inur’ode olùmònokàn

Aquele que vê dentro e fora,e conhece os corações Oba Aìrìí Awamaridi

Rei Invisível, que não podemos ver. Oba Adáké dá’jó,

Rei que mora em cima, e que julga em silencio Oba Mimo ti kò l’éèrí

Rei Puro, que não tem mancha. Alalàfunfun òkè

O dono da roupa branca que está no mais alto Isé Olórun tóbi

Os trabalhos de Olórun são poderosos Alábàáláàse, a rán rere si i àwa. Alábàáláàse envie as coisas boas para nós.2

Olódùmarè, Èlédùmárè e Òlórùn; o mesmo que Deus (Òló = dono, Òrún = do céu, Èlé/Òlú/Òní = Òlórún, Òló/Odù/Márè = dono do destino maior), os mitos muitas vezes se referem a Olódùmarè como Òlórùn. De acordo como Portugal Filho (2010, p. 26), Olódumarè é o autor o determinador do destino humano. A vida do homem está sob seu controle, que vive e se move porque ele o permite. Ele é conhecido como Elémi, o “possuidor do destino ou da vida”.

Olódùmaré controla as estações e o curso dos eventos. Por isso, é conhecido como Olójó Òní, “o Senhor deste dia”, ou seja, deve-se a existência de cada dia a Ele. Ele é o Ser Supremo, está acima de tudo e de todos, no mais absoluto sentido, e sua autoridade não pode ser questionada por qualquer uma das divindades, nem mesmo por todas elas juntas. Olódùmarè mantém o pleno controle sobre tudo, cabendo as demais divindades apenas o poder executivo dentro dos limites que ele estabelece (PORTUGAL FILHO, 2010, p. 26).

De acordo com o corpo literário do Ifá e a tradição africana, Olódùmarè criou o céu e a terra, domina as leis da física e, assim, governa o universo. Ele,segundo o Babalawó Monteiro (2018), também é conhecido como Olorum (ÒLÓ = dono + ỌRÚN = do Céu), que

2 Composto por reorganização de versos soltos na obra Olódùmarè – God in theYorùbá Belief, de E. Bolají

Idowu. Tradução a partir do inglês. Cf. MARTINS, Luiz. L. Obàtálá e a criação do mundo ioruba. 1. ed. São Paulo: Ed. Do autor, 2013.

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teria se desmembrado (dividido) em Oṣa, que nada mais é que os quatro elementos da natureza (Oṣa Omi = água, Oṣa Ilệ = terra, Oṣa Ina = fogo, Oṣa Ofururu = ar). Cada um destes elementos se desmembrou em suas variedades encontradas na natureza.

Figura 2- Olorun e a Criação

Fonte: elaborada pelo autor.

Entende-se que, para que houvesse equilíbrio, Olorun (dono do Céu) assume o papel do senhor do destino maior (ÒLÓ = O senhor, ODÙ = destino, MÁRÈ = Maior), ele, por sua vez, a sua própria ação para o universo, conhecida como Orunmilá (ỌRÚN = Céu / universo + mi = sua, própria + Ela = ação), e para criar o universo Olorun cria Ori (o intelecto), que conjuminado a Oṣa dará forma divina ao Orisa (Ori + Oṣa), que abordarei mais à frente como Irunmolés, ou seja, partes de um todo do divino representado nas várias formas da natureza. Também abordarei os Eborás, que são ancestres divinizados pela humanidade desde o início dos tempos até os dias de hoje, conhecidos como Orisás, ancestres, ao contrário dos Orisás divinos aqui citados, que não são ancestres e, sim, criadores.

O hálito de Olorun, o Deus supremo, preencheu o espaço vazio, formando a atmosfera. É portanto o sopro de Deus que une os dois mundos. Todos os ritos, desde a fundação do templo até a iniciação individual, todas as celebrações objetivam manter e ampliar a comunicação entre este mundo e o outro, assegurar a

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passagem das mensagens de um para o outro, aumentar as trocas, enfim, instaurar e desenvolver o numinoso. Isso se faz pela condensação e distribuição de energia, da força sagrada (axé) presente em todos os seres (AUGRAS, 1983, p. 57).

Neste contexto, considera-se Orunmilá como a primeira divindade criada por Olódùmarè. Dizem os mitos que ele é quem testemunhou toda criação, a formação das galáxias, estrelas, sistemas solares e planetas e por conta disto tem o título de Elérí Ìpín - "o testemunho de Deus'', Ibìkéjì Olódùmarè - "o vice de Deus", Gbàiyégbòrún - "aquele que está no céu e na terra", Òpitan Ìfé - "o historiador da cidade de Ìfé". Segundo Abimbola (1977, p. 1), o yorubá acredita que Ifá (também conhecido como Orunmilá) foi um das quatrocentas divindades que vieram do Orun (céu) para Aye (terra). A partir destes conceitos ressalto a importância e competência de Orunmilá, bem como sua responsabilidade com Olódùmarè.

OLORUM SHANÚ Antes de Olorum Nada havia Nem o mar Nem o céu Nem a lua Nem o sol Tudo era nada

Depois de Olorum Veio Obatalá o céu

Odudua a terra Yemanjá a água Okê os montes Orum os sol Oxu a lua Depois Oxum O pecado Com Xaluga A riqueza Xapauam a doença E Ogum a guerra.

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Depois Veio Obalabou Para evitar Os males Oxum Olorum Shanu Dada e Orishaoko Com plantas e verduras

Olorum Shanu Olokum o mar Olaxá os lagos Okê os montes Encheram Odudua De beleza Olorum Shanu De dia Orum apareceu No corpo de Obatalá

Dando luz e calor A Odudua Orum Olaxá Okê Olorum Shanu De noite É Oxu

Ao lado das estrelas Embelezando

Obatalá Orum Shanu [...]

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Segundo os mitos, Olódùmarè passou e confiou de maneira especial toda a sabedoria e conhecimento possível, imaginável e existente entre todos os mundos habitados e não habitados à Orunmilá, que passou a ser o representante de Olódùmarè que, em seguida, criou os Irunmolés (luz que tremula), que são aqueles que habitam o universo do cosmo chamado de Orun (céu ou cosmo para os yorubás aonde existem nove reinos, ou seja, nove sistemas planetários como o nosso). Estes somam em número quatrocentas divindades que habitam o lado direito do criador.

Olódùmarè também criou os Igbamolés (luz muito antiga), tidos como o lado esquerdo de Olódùmarè e que representam duzentas divindades, conhecidas como não humanos, cuja força é respeitada e, contam os mitos, que suas forças suplantam as forças de outras formas de vida. Segundo Ademola (1991), estas divindades, por sua vez, viveram na terra por milênios e depois foram destruídas com a terra. Os Igbamolés são conhecidos do povo Ewé, tendo ligação através dos cultos aos Orisás Oxalá, Obaluaye e Nana Buruku.

Na tradição africana diz-se que as quatrocentas divindades da direita de Olódùmarè são masculinas e as duzentas divindades da esquerda são femininas, sendo também conhecidas nesse contexto feminino como divindades-filhas, chamadas de Eborás (“Ebó” aquele que mantém o “ara” – o corpo da pessoa ou o que sustenta a vida) ou Orisás. Os mesmos são energias da natureza que participam da criação e são tidos como seres encantados. Os Eborás compreendem todos os orixás exceto Oxalá, Orunmilá, Olorum e Olódùmaré. Segundo Santos (1986), “[...] entre esses Eborás temos Exu, que pertence tanto aos Irunmalés da direita quanto aos da esquerda, pois serve de veiculação da força imaterial divina, o axé, entre os Orisás e os Eborás, ‘intercomunicando todo o sistema’” (SANTOS, 1986, p. 75).

Somente os deuses possuem todos os poderes. Olorum, como seu nome indica, é o dono do outro mundo (Olórun: senhor do orun), senhor da existência (iwa), da força sagrada (axé) e da permanência (abá) [...] As divindades contemporâneas dos tempos primordiais são inúmeras. São invocadas em todos os momentos do ritual, como os <<quatrocentos deuses>> (Irunmalé) e os <<duzentos deuses>> (igbamalé) (AUGRAS, 1983, p. 58).

De acordo com a citação acima, Exú pertence ao grupo dos Eborás, esta divindade de grande expressividade e função dentro da adivinhação ou ciência do Ifá, onde se destacam os seus arquétipos de significados e simbolismos no tabuleiro como mensageiro de Ifá-Orunmilá.

Quando se diz quatrocentas divindades da direita e duzentas da esquerda não poderia deixar de atribuir mais uma presença, que é a de Exú, que também é tido como a

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divindade que caminha entre mundos, o mundo dos Irunmolés, dos Igbamolés e o Aye (terra). “Exu é uma das divindades iorubás, considerada o olho que tudo vê, o mensageiro divino entre mundos e detentor do asè (poder divino) com o qual Olódùmarè criou o universo e manteve as suas leis físicas” (IDOWU, 1962, p. 19).

Exu também significa para os yorubás a ordem, disciplina, organização, comunicação, equilíbrio mental e emocional, tolerância, paciência, sendo que ele foi criado por Olódùmarè para ser o guardião protetor de toda essência emocional que o ser humano precisa ter para ter sucesso, equilíbrio, alegria e satisfação na vida. Nesta, a divindade Exú se tornou a mais humanizada que existe.

Para outros, a união de forças dos Irunmolés com os Igbamolés geraram os Orixás, desenhando na visão geral a compreensão que existe uma descendência genealógica que veio na totalidade de quatrocentos do Orun (céu ou cosmo na compreensão iorubá) para o Aye (terra) e se destacam na origem dos ancestrais da humanidade na visão iorubana, assim como a concepção da vida e tudo que permeia a mesma. O mesmo é o texto sagrado de Olódùmarè para a humanidade, foi cedido a Orunmilá, tido como primeira divindade que habitou os dois mundos. Na Figura 3 temos o exemplo da árvore genealógica de Olódùmarè.

Figura 3- Genealogia de Ólodùmarè

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Contam os mitos que os primeiros sacerdotes dos povos da África foram discípulos de um sacerdote ancestral, considerado o maior dos sacerdotes chamado de Shetilu, que foi entronizado como depositário de todo conhecimento de acesso ao divino através de Orúnmìlà e dele vieram os herdeiros do conhecimento, chamados de primeiros discípulos de Ifá, na cidade de Ile-Ifé, conhecidos como Akoda e Aseda, que viajaram e levaram os ensinamentos e a forma de comunicação com as divindades.

Shetilu, segundo Johnson (1921), era cego de nascença e cresceu com extraordinária capacidade de adivinhação. Com a idade de cinco anos ele tinha a fama de ter começado a predizer com exatidão os eventos. A trajetória de Shetilu envolve a migração do mesmo da área de Nupe (noroeste da cidade de Oyó) por imposição dos inimigos de religião tradicional que não gostavam das suas habilidades. Ele fugiu através do rio Níger indo parar em Ile-Ifé.

Durante a estadia de Orunmilá na terra, através da vontade de Olódùmarè, ele participou da criação da terra e do homem e foi quem auxiliou o homem em seu dia a dia; portanto, foi nesse paradoxo que surgiu o caminho de se suprir a necessidade humana, através da consulta ao Ifá, por parte do sacerdote, com o fim de auxiliar os adeptos ou somente consulentes.

Ifá é a estrutura de formas de pensamento dos povos yorubás e também está presente em etnias mulçumanas. Na África ele não é somente um tratado alegórico e filosófico, funciona também como a ontologia e antropologia de um povo, representa o próprio divino criador e toda sua genealogia que permeia a vida e permite-se ser tocado pelo ser humano como o Deus acessível, o próprio Arkhé. Ifá é quem detém o conhecimento sendo o primeiro porta-voz de Orunmilá. “É por isso que o nome dele de louvor é Akerefinusogbon, a pequena, aquele cuja mente está cheia de sabedoria” (ABIMBOLA, 1977, p. 1).

Os povos yorubás seriam os iniciadores e iniciados neste conhecimento, segundo Bascom (1969). A prática de Ifá também pode ser encontrada entre os Fon da República do Benin. De acordo com Maupoil (1988), temos também a palavra fá ou fa’lun, que significa sorte, augúrio, e Mujarrib El Fal é aquele que prevê o futuro, adivinho. Hoje sabemos que sua cultura se encontra difundida em diversos países, principalmente naqueles que escravizaram os povos africanos.

Os sacerdotes de Ifá são conhecidos como Babalawós, que significa detentores do segredo. Eles são considerados discípulos de Shetilu ou sacerdotes de Orunmilá, que representam o mesmo no Aye (terra), valendo-se da consulta ao oráculo divino.

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que mostram todos os conhecimentos e sabedorias nas profecias deste, que não representam só a profecia, mas também um meio de comunicação com o metafísico para suprir através do conselho do seu porta-voz, o Babalawó, a necessidade do adepto ou daquele que deseja somente se consultar e, por ser cultura e costumes que estão enraizados como um meio para se viver bem na sociedade em busca do equilíbrio com o meio natural é que tratarei esta forma de filosofia e cultura como tradição do Ifá.

O mesmo corpo literário delega e exige o conhecimento e o saber do Babalawó quando se trata de absorver o entendimento e aprendizado de 256 versos odúnicos, onde cada verso é composto por mais 16 subversos, exigindo do Babalawó a memorização por comparação e derivação de onde fica subentendida uma matemática binária. Desta forma, o mito na cultura africana é o legado do conhecimento ancestral. Para cada um dos 256 Odus (destino) tem narrativas extensas (em prosa ou poema) sobre a vida dos Deuses, humanos e animais na visão cosmológica (ABIMBOLA, 1977).

Remontando ao que foi supracitado sobre os mitos e a concepção divinal da tradição africana, tenho que dizer que não se busca nos mitos fazer afirmativa, mas ascender o conhecimento da humanidade e também, o mais importante, à concepção da base da inteligência que é aprender a filosofar. Considero que isso é importante para a cultura e educação brasileira, dadas às circunstâncias do nosso pertencimento. Portanto, os mitos são responsáveis dentro da cultura do educar africana como forma de entender para aprender, mas com uma peculiaridade inerente a essa tradição que busca através das suas descobertas uma forma de contar e fazer memória; é um dos meios do educando africano se autodesenvolver com o censo do filosofar através da lógica. Este é o meio genealógico da tradição africana de educar dentro da coletividade para formar a individualidade dos seres responsáveis e integrados no sentimento coletivo do bem viver, chamado de base filosófica.

Dentro desta analogia podemos dizer que o entendimento do educando enquanto forma de organizar o pensar é o ato de filosofar como forma de questionar, comparar, experimentar e deduzir o que foi ouvido; pode-se, então, compreender que o filosofar é o ascender do educando à personalidade crítica. A indução quando alimentada dentro do educando se condiciona a buscar respostas para a criticidade frente ao desejo pelo bem viver em harmonia com o meio em que vivemos.

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Os mitos e versos (Itans3) é uma forma de diálogo interdisciplinar4 no qual a cultura interage com as informações e aprendizados, ou seja, não se trata somente de um entretenimento, é o veículo que ajuda a estruturar a sociedade africana que flexivelmente se adaptou de forma atemporal na sociedade contemporânea, moderna e pós-moderna.

Os Itans são conhecidos pelo povoUlkumy-Nâgó-Yorubá e sua história é presente no sudoeste da Nigéria, que é conhecida pelos povos como de origem de Ilê Ifé. De acordo com Silva (1992, p. 441), Ilê Ifé era habitada possivelmente desde o século VI, data mais antiga fornecida até agora pelo método de radiocarbono a materiais recolhidos de escavações na cidade. Para efeito de cronologia, em virtude das línguas e de ocupação do território, segundo Silva (1992, p. 435), o iorubano, o edo, o igala, o idoma, o ibo, o ijó, o nupê, o ebira e o gbari – línguas da subfamília da família Níger-congo – teriam, com efeito, começado a diferenciar-se há muitíssimo tempo há seis mil anos do idioma; a do iorubano do ibo, do edo e do íjó, de cinco mil anos; a do iorubano do igala, de dois mil anos.

A lenda de Quisra é semelhante a certa narrativa sobre a introdução da monarquia entre os iorubas. Odudua, filho e príncipe herdeiro de um dos reis de Meca, Lamurudu (ou Nimrod?), apostatara do islamismo e tentara impor o culto dos ídolos como religião de estado. A inconformidade dos mulçumanos rebentou numa guerra civil, durante a qual Lamurudu foi morto e seus filhos e aderentes expulsos da cidade. Odudua, perseguido pelos inimigos, veio dar, com dois de seus ídolos e sua gente, em Ilê Ifé, nas florestas do Iorubo, onde fundou um reino.

Outra tradição, recolhida pelo erudito fula Muhammed Bello, sultão de Sokoto, conta que os iorubas descendem dos banis canaãs, da tribo de Nimrod, e que, expedidos do Iraque, atravessaram o Egito e a Etiópia, até chegarem ao sudoeste da Nigéria.

Em outras versões, os iorubas vieram de Medina, ou de mais perto – da terra dos nupês ou da Hauçalândia. Ou ainda, de um lugar incerto, do outro lado de uma vasta extensão de água, que vadearam com canoas e no meio da qual criaram solo firme. Esta última história é reminiscente de um mito iorubano, segundo o qual o mundo, e não apenas a monarquia, foi criado em Ilê Ifé, o umbigo do universo, a fonte de todas as coisas, o lugar de onde os homens se espalharam sobre a terra.

Na variante mais divulgada do mito, diz-se que Olodumaré ou Olorum, o deus supremo, lançou do céu até as águas ou pântanos que lhe ficavam abaixo, uma corrente, pela qual fez descer Odudua5, com um pouco de terra num saco ou numa concha de caracol, uma galinha e um dendezeiro. Odudua derramou sobre a água a terra, e nesta colocou a palmeira e a ave. A galinha começou imediatamente a ciscar o solo e a espalhá-lo, aumentando cada vez mais a extensão da terra. Daí o nome que tomou o lugar onde isto se deu: Ifê, o que é vasto, o que se alarga (SILVA, 1992, p. 439).

3

São versos que se diferenciam dos mitos por fazerem referencia ao autor a um determinado Odu, cita cantigas e soluções para problemas através de propiciações conhecidas como Ebó, assinala encantamento e rezas e fala sobre uma consulta feita a uma divindade em virtude de um problema.

4 Interdisciplinar é um adjetivo que qualifica o que é comum a duas ou mais disciplinas ou outros ramos do

conhecimento. É o processo de ligação entre as disciplinas.

5 Odudua representa a divinização da terra e é considerada, ao lado de Obatalá (a representação divinizada

do céu), como o casal primordial e propulsor da criação. O nome Oduduá pode ser traduzido como "a cabaça de onde jorrou a vida".

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Entre os séculos VI e XI, vindos do Nordeste, talvez do Egito e da Etiópia, em Levantes sucessivas, os Iorubas se estabeleceram em seu atual sítio, que compreende partes do sudoeste da Nigéria e partes do Benin e do Togo. Nesse local fundam dois reinos importantes e harmônicos entre si: Ifé e Oyó (LOPES, 1988, p. 22).

Segundo a tradição, Ifé foi fundada por Oduduwa, o grande ancestral de todos iorubás que seria: para os tradicionalistas, filho do próprio Olodumaré (o Deus Supremo); para os mulçumanos, filho de Lamurundu, rei de Meca; e, para outros ainda, seria o Nimrod de que nos fala a Bíblia.

Já Oyó teria sido fundada pelo filho de Oduduwa, Oranmyan, que sua vez foi sucedido por Xangô, um de seus filhos. Por aqui já se pode avaliar a importante contribuição desses remotos reinos iorubas para a formação da nação brasileira (LOPES, 1988, p. 23).

A tradição do Ifá é difundida atualmente entre os yorubás na Nigéria (na África Ocidental), conhecidos também por civilização Ulkumy-Nâgó-Yorubá. É importante dizer que são mais de 1600 anos de divinação sagrada do Ifá. Nas cidades-estados Ekiti, Kwara, Lagos, Ogun, Ongo, Osun e Oyo. Os yorubás formam um importante grupo étnico e as principais cidades yorubás são Ilé-Ifè, Oyo, Abeokuta, lagos, Ondo, Osogbo, Ijesha, Ibadan, Akorin, Akure, Iseyin, Ogbomoso e Ilorin.

Claro está que a Divinação Ifá não aflorou, na cultura Yorubá, como um sistema estável e acabado há quase 2.000 anos atrás. Ela foi sendo elaborada gradativa e paralelamente ao surgimento de uma cultura africana que teve suas origens na Pré-História e, assim sendo, este Sistema de Divinação tem suas raízes em jogo de Divinação mais simples como o “Jogo dos Ossos”, o “Jogo do Obi” e o “Jogo da Lubaça”, ainda hoje existente entre povos não-sudaneses, hotentotes e bosquímanos. É sabido, historicamente, que o Sistema de Divinação Ifá cristalizou-se, até como Religião de Estado, no decorrer do século III d.C, na atual região nigeriana, tendo como berço ancestral Cidade Santa de Ilê Ifé, mas, à medida que a sua difusão afastou-se desse epicentro, no tempo, distância geográfica e acontecimentos sociais, como guerras intestinas e aculturações locais, ele sofreu várias mutações em sua forma e essência. Quanto mais distante foi sua difusão, como em Cuba e no Brasil, maiores foram às conseqüências dessas mutações (COSTA, 1995, p. 227).

A tradição africana há cerca de dois mil anos herdou os conhecimentos egípcios e os valores e princípios que ao longo dos tempos foram sendo assimilados e se tornaram a base de sustentação dos africanos como estrutura social, científica e religiosa. O legado herdado promove nesta sociedade uma sistematização que fortalece a mesma, priorizando satisfazer as necessidades e introduzir os conhecimentos para todos. Tudo que é herdado pela tradição supracitada é conhecido dentro do conjunto dos conhecimentos africanos como tradição do Ifá.6 Houve épocas que podemos chamar de aculturação para a tradição do Ifá na África,

6 Tradição do Ifá: é uma tradição africana que abrange Filosofia, arte estética, religião, conceitos binários. A

mesma tem forte influência social, cultural e pedagógica, marcando forte influência na cultura e religião afro-brasileira e Cubana.

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provocada por parte dos povos Islamizados, guerras e escravidão. Todas as circunstâncias sofridas pelo povo yorubás foram trágicas e possibilitaram a inserção das culturas islâmicas.

Por isso, mesmo em África, do século XV ao século XIX, com as guerras intestinas e a aculturação Islâmica posterior, forçada ou consentida, o sistema de Ifá sobreviveu sobretudo nas regiões mais afastadas do Nordeste e Sudoeste nigeriano, enquanto tornou-se mais restrito nas regiões que circundam o seu local de origem. E foi assim que, passadas as guerras e a tormenta histórica da escravidão, por volta do fim do século XIX, um sistema Ifá em aculturação e mutante refluiu dessas periferias para reocupar o vazio espiritual da outrora grande e florescente civilização Ulkumy-Nâgó-Yorubá.

Foi este Sistema Ifá historicamente mutante que foi “redescoberto” por muitos observadores europeus tardios que, na primeira metade do século XX, ainda desconhecedores das suas verdadeiras origens históricas, e, também, imbuídos inconscientemente de um preconceito racial de colonizador por “direito divino”, tomaram-no ao inverso, por uma mal digerida ingestão de conceitos espirituais de outras correntes raciais pelos “negros” (COSTA, 1995, p. 227).

O processo aqui descrito de aculturação islâmica trouxe a influência dos jogos Sidiky, Atimi, Derb-Er-Ful. Este último seria a forma islâmica de Geomancia7 que tem muita semelhança com a Geomancia Grega.

Ademais, a partir do século XII d.C, primeiramente com outros povos negros e, depois, a partir do século XIV com os Yorubá e seus subgrupos raciais ainda livres, e, outra vez, a partir do século XVIII d.C com a conquista e conversão religiosa forçada de grande parte da população Yorubá, a aculturação Islâmica estabeleceu um profundo processo de simbiose esotérica que permitiu, além de muitos enganos de observação por posteriores estudiosos, a sobrevivência de suas modificações culturais e religiosas, tais como os jogos Sidiky, Derb-Er-Ralm e o Atimi, de uma forma independente e paralela às formas religiosas originalmente aculturadas

(COSTA, 1995, p. 229).

Apesar de não haver similaridade e simbiose entre a divinação do Ifá e a divinação do Derb-El-Ralm, existem diferenças importantes que destacarei aqui como sistemas parentes e por pertencerem a diferentes grupos étnicos não sofreram aculturação, mas, sim, culturação de credos diferentes que se prendem ao fato de no sistema de Ifá yorubano existir oferendas e no islâmico, não. Também ocorre que nos sistema de Ifá irão constituíssem em 8vaticínios e versos que serão aplicados como medidas a serem tomadas para solucionar tal problema, e no sistema Islâmico cada ideograma que representa um Odu terá um significado específico preconizado no livro Árabe de Mohammed Ez Zenati. A divinação do Ifá risca as figuras, no caso os Odus, em um tabuleiro chamado de Ôpón Ifá, se

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Geomancia: a palavra Geo significa terra, e mancia adivinhação, ou seja, Geomancia significa adivinhação através da terra.

8 Vaticínios: ação ou efeito de vaticinar; ação ou efeito de predizer (prever); profecia. Ação de supor aquilo que

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