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II ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DA REGIÃO NORTE

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II ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA DA REGIÃO NORTE

Belém – PA de 13 a 15 de Setembro de 2010

GRUPO DE TRABALHO 8 – Sociedade, trabalho e saberes tradicionais

A pesca dos bagres e as transformações socioeconômicas ocasionadas

em uma comunidade da costa do pesqueiro II – Manacapuru

Autores: Rony Willams Frutuoso de Souza Therezinha de Jesus Pinto Fraxe

RESUMO

O estudo da pesca na Amazônia nos ajuda a compreender como os grupos sociais locais têm de lidar com as transformações causadas pelo sistema econômico capitalista, seja nas relações sociais tradicionalmente construídas, seja nas atualmente estabelecidas. A interação entre homem e o meio ambiente também sofre com essas mudanças em decorrência da exploração dos recursos naturais pela própria exigência do mercado. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar as transformações socioeconômicas em uma comunidade rural a partir da atividade de pesca e comercialização dos bagres em Manacapuru, além: de identificar os agentes sociais envolvidos na pesca comercial, a partir da Comunidade Nossa Senhora das Graças; caracterizar os principais agentes sociais envolvidos na cadeia de comercialização do pescado; compreender as transformações causadas pela pesca e comercialização dos bagres na comunidade Nossa Senhora das Graças. A metodologia baseia-se na pesquisa qualitativa dos dados, compreendendo o método etnográfico, uma descrição densa (GEERTZ, 1989) como uma ferramenta de compreensão da realidade social dos pescadores comerciais de Manacapuru. Sendo assim, o trabalho de campo torna-se indispensável para a obtenção dos dados necessários que estão sendo sistematizados ao longo da pesquisa. A área de estudo compreende uma comunidade ribeirinha localizada às margens do rio Solimões – AM, Comunidade Nossa Senhora das Graças (Manacapuru), e também a cidade de Manacapuru, nas áreas de atuação sócio-política das atividades da pesca comercial. As interações sociais em torno da pesca na comunidade Nossa Senhora das Graças passam por relações ligadas ao mundo do trabalho rural, além das relações entre campo e cidade. As trocas econômicas entre comunidade e a sede do município de Manacapuru são realizadas através da comercialização do pescado com os comerciantes, os frigoríficos de peixe liso, localizados na cidade, e ainda com os comerciantes de peixe liso vindos de outras regiões. Os pescadores da comunidade Nossa Senhora das Graças dedicam-se quase que exclusivamente a pesca do peixe liso, isso devido à lucratividade que essa atividade proporciona ao pescador, ou seja, o comércio dessas espécies de peixe tem mercado certo e os pescadores não ficam na dependência do comércio de feiras e mercados de Manacapuru ou da capital do estado. Os pescadores pescam durante o dia todo, mas principalmente pela parte da manhã, sendo que os horários para

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a pescaria são determinados pelo próprio pescador ou pela necessidade do mesmo. Os trabalhadores da pesca na comunidade Nossa Senhora das Graças dedicam-se quase que com exclusividade à pesca dos bagres ou os chamados „peixes lisos‟ como, por exemplo, a dourada (Brachyplastytoma Rousseauxii), o filhote (Brachyplastystoma Filamentosum), a piramutaba (Brachyplastytoma Vaillantii), o surubim (Pseudoplatystoma Fasciatum) e outras espécies de bagres. Portanto, trabalho busca compreender as transformações das relações sociais na comunidade Nossa Senhora das Graças a partir da atividade da pesca comercial do bagre na localidade e região.

INTRODUÇÃO

É evidente a importância histórica e social da pesca na Amazônia, tanto como uma atividade simplesmente de subsistência, como também econômica, que envolve uma gama de atores sociais no entorno dessa prática.

O estudo da pesca na Amazônia nos ajuda a compreender como os grupos sociais locais têm de lidar com as transformações causadas pelo sistema econômico capitalista, não somente nas relações sociais tradicionalmente construídas, mas principalmente, nas atualmente estabelecidas e também as transformações na interação entre homem e o meio ambiente que também sofrem com essas mudanças em decorrência da exploração dos recursos naturais pela própria exigência do mercado.

Essas constantes mudanças ocorridas no decorrer da historia econômica do Amazonas transformaram de maneira substancial as estruturas sociais e influenciam diretamente na forma de como as populações rurais tem de lidar com o trabalho, ou seja, a partir do momento em que os grupos sociais rurais sofrem com a pressão do modo de produção capitalista, obriga-os a também exercerem um volume de pressão adicional sobre os recursos naturais e por conseqüência, uma diminuição no estoque de recursos, em nossa pesquisa, os recursos pesqueiros.

Portanto, entendemos que a pesquisa é importante pelo fato de discutirmos aspectos do mundo do trabalho na pesca, e as formas intersubjetivas de comunicação das comunidades rurais tradicionais e as sociedades urbanizadas, e quais são as transformações socioeconômicas que ocorrem nas relações sociais de trabalho e o modo de vida dos pescadores.

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OBJETIVO

Geral.

Analisar as transformações socioeconômicas em uma comunidade rural a partir da atividade de pesca e comercialização dos bagres em Manacapuru.

Específicos.

Identificar os “atores” sociais envolvidos na pesca comercial, a partir da Comunidade Nossa Senhora das Graças.

Caracterizar os principais sujeitos envolvidos na cadeia de comercialização do pescado.

Compreender as transformações causadas pela pesca comercialização dos bagres na comunidade Nossa Senhora das Graças.

METODOLOGIA

A metodologia baseia-se na pesquisa qualitativa dos dados, compreendendo o método etnográfico, uma descrição densa (GEERTZ, 1989) como uma ferramenta de compreensão da realidade social dos pescadores comerciais de Manacapuru. Sendo assim, o trabalho de campo torna-se indispensável para a obtenção dos dados necessários que estão sendo utilizado no decorrer de toda pesquisa.

• Levantamento bibliográfico, buscando os elementos teóricos que explicitem o problema a ser investigado na pesquisa;

• Coleta de dados primários: Pesquisa de campo (questionários) referente à condição socioeconômica dos pescadores e os agentes da comercialização;

• Entrevistas semi-estruturadas com sujeitos-chave da pesquisa; • Uso de recursos fotográficos.

ÁREA DA PESQUISA

A área de estudo compreende uma comunidade ribeirinha localizada às margens do rio Solimões - AM: Comunidade Nossa Senhora das Graças (Manacapuru), e também a cidade de Manacapuru, nas área de atuação socio-políticas das atividades da pesca comercial.

A comunidade Nossa Senhora das Graças é caracterizada como unidade de base coletiva, pois vivem das atividades de pesca comercial e subsistencia. Além disso, os

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moradores praticam agricultura, pecuária, cultivo de malva e juta. Com uma população de 312 pessoas, distribuidas em 66 familias (IBGE, 2000).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

PESCA NA COMUNIDADE NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS Descrição da comunidade Nossa Senhora das Graças

A comunidade Nossa Senhora das Graças1 está localizada no município de Manacapuru, na margem do rio Solimões – AM, em frente a sede da cidade de Manacapuru. Possui uma população de 312 pessoas, distribuídas em 66 famílias (IBGE, 2000) – todas residentes em relevo de várzea baixa, em área inundável no período de enchente-cheia2.

Atualmente, grande parte dos moradores dedica-se a atividade pesqueira com destaque para a captura do bagre, sendo uma das principais atividades econômicas, se não a principal atividade econômica do local. A comunidade se localiza na Costa do Pesqueiro II, onde é realizada a atividade da pesca do bagre, além de possuir na parte de trás da comunidade um lago, o lago do Tamanduá, utilizado pelos moradores para a pesca de subsistência. Além das áreas que podemos indicar como “pertencentes” a comunidade, os pescadores trabalham em outras regiões como, por exemplo: Lago do pesqueiro, a ilha da Paciência, o Laranjal, o Jandira e outras áreas relativamente

1 Latitude 3°20'34.80"S Longitude 60°35'30.84"O. Localização o centro da comunidade (A igreja católica, a sede e a escola).

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Período onde ocorre a subida do nível do rio Solimões na qual são inundadas as áreas de várzea, ciclo das águas de grande importância para as comunidades residentes na várzea, por razão da inundação fertilizar o solo que poderá ser cultivados no período de terra seca, como é feito em muitas comunidades com o cultivo de diversas culturas sendo a mandioca uma das principais. Tradicionalmente, os moradores da comunidade Nossa Senhora das Graças praticam agricultura, pecuária, cultivo de malva e juta, além das atividades de pesca de subsistência e comercial.

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próximas a comunidade Nossa Senhora das Graças, mas que pertencem a outras comunidades e que também se localizam em municípios vizinhos a Manacapuru.

A comunidade Nossa Senhora das Graças é uma comunidade rural onde somente podemos chegar por transporte fluvial, principalmente de lancha partindo da orla de Manacapuru. As casas dos moradores, assim como os terrenos na qual estão construídas estão dispostas uma ao lado do outro, construídas de frente para o rio (uns 30 a 50 metros da margem)3. Observamos apenas duas construções de alvenaria – a sede4, localizada ao centro da comunidade e que funciona para a realização de atividades coletivas. A sede situa-se ao lado da escola da comunidade e da igreja católica. A outra construção de alvenaria da comunidade é o abrigo para o gerador de energia elétrica que funciona apenas das 17 às 23 h, todos os dias e distribui energia elétrica para os moradores da localidade.

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A distância da margem do rio é um dado que não podemos considerar se levarmos em conta a sazonalidade do rio, mas podemos determinar essa distancia a partir de onde começa o barranco, sendo em certo tempo fica muito distante do inicio do barranco e em outra época ele ultrapassa o barranco chegando até as casas.

4 O local que aqui denominamos de SEDE, é uma estrutura na forma de galpão que geralmente está localizado no centro da comunidade, assim como na comunidade Nossa Senhora das Graças, e que concentra as principais atividades sociais da localidade, como por exemplo, festas, reuniões, e qualquer atividade que necessite um espaço que comporte uma quantidade grande de moradores. A denominação de SEDE não significa que seja espaço de alguma organização especifica como associação de moradores ou alguma entidade religiosa, apesar de ficar junto à igreja católica e a escola na comunidade pesquisada, mas é como os moradores chamam o local de espaço comum que, na maioria das vezes, é construído por eles, ou pelo poder público.

Figura . Escola e Sede da localidade. Fonte: Pesquisa de campo, 2010. Figura . Usina geradora de energia.

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As residências dos moradores da comunidade são casas de madeira de frente para o rio e, conseqüentemente, de costa para o Lago do Tamanduá. As casas geralmente são construídas com uma elevação de cerca de um metro (na forma de palafita) com relação ao terreno para assim respeitar o ciclo sazonal das águas, com uma varanda frontal e, em alguns casos, lateral como área de socialização, onde há espaço para os pescadores concertarem as redes danificadas no exercício do oficio. Os terrenos são quase todos bem delimitados cabendo a cada morador o cuidado e limpeza de seu próprio terreno, as casas esteticamente são de arquitetura simples, porém bem cuidadas.

O interior das casas é composto de sala, quartos e cozinha. A sala da casa consiste em um ambiente para se receber visitas, um lugar sempre arrumado como se estivesse à espera de uma visita, o que notamos também nesses ambientes nas casas que visitamos na comunidade são os artigos de decoração presentes na sala - troféus de torneios locais, animais de gesso, capas de DVDs como se fossem retratos na parede, retratos de família, calendários, pôsteres do time de futebol favorito ou com versos bíblicos e religiosos, o que de alguma maneira possa ser agradável o suficiente para decorar o ambiente.

Os quartos são ambientes simples que servem para o descanso noturno da família e para vestuário dos moradores. É, de certa maneira, importante identificar parte da utilização do quarto para a família porque, diferente da cidade onde o quarto se torna um ambiente onde as pessoas passam, a cada dia, uma quantidade maior de tempo, na comunidade o quarto permanece um ambiente de descanso e intimidade familiar.

A cozinha é o ambiente onde as pessoas permanecem (quando não estão fora da casa) a maior parte do tempo, isso devido ao preparo dos alimentos exigirem uma considerável quantidade de tempo além da ajuda de varias pessoas no preparo dos

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mesmos. Sendo assim, as pessoas que não estão fora da casa trabalhando ou viajando, estão muito provavelmente na cozinha ajudando no preparo dos alimentos ou apenas conversando com as pessoas que estão fazendo esse serviço.

Na parte externa das casas está o quintal, área que normalmente é composta por árvores frutíferas, uma pequena horta, lugar onde também são cultivadas plantas medicinais que auxiliam na recuperação de algumas enfermidades que possam atingir alguém da família ou da comunidade (farmácia verde). Além disso, o quintal é o lugar onde são criados os animais domésticos como cachorros, patos, galinhas (apesar de algumas famílias criarem seus gados no próprio quintal). O banheiro ou o lugar destinado para se tomar banho e lavar as roupas fica normalmente no lado de fora das casas, numa distância que varia entre 5 a 10 metros das casas. Assim também como o lugar destinado para as pessoas fazerem suas necessidades fisiológicas que é um lugar mais distante da casa com distancia que varia em 10 a 20 metros das residências.

Na comunidade, as instituições mais representativas são a igreja, onde observamos uma Católica ao centro da comunidade e uma igreja evangélica Assembléia de Deus em um terreno vizinho. Além instituições de caráter religioso, a escola tem uma grande importância na organização política dos moradores locais, o que podemos observar com relação ao envolvimento da escola nas questões da comunidade, sendo um compromisso da liderança da comunidade e da escola propiciar aos moradores um maior acesso a educação e atividades profissionalizantes.

Assim, a atuação do líder da comunidade é de fundamental importância na organização e na articulação da comunidade com o poder público, principalmente no município de Manacapuru.

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Portanto, a comunidade Nossa Senhora das Graças mantém uma intensa relação com o rio, sendo que, nas palavras de Veríssimo (1970, p.7), “ a prodigiosa rede de canais – rios, furos, igarapés, igarapés-mirins, lagos, ligando uns aos outros e aos rios próximos – que lhes oferecem o meio mais fácil, mais conveniente, mais propicio às suas, alias resumidas, necessidades da vida social o desobrigam de devassá-la” . Então, é através do rio que os moradores da comunidade vivem suas relações sócio-especiais com os agentes externos.

A pesca na comunidade5

As interações sociais efetivadas por meio da atividade pesqueira na comunidade Nossa Senhora das Graças passam por relações ligadas ao mundo do trabalho rural, principalmente à pesca, além das relações entre campo e cidade a partir das trocas econômicas entre comunidade e o município de Manacapuru com a comercialização do pescado capturado pelos pescadores da comunidade com os comerciantes localizados na cidade, dentre outras como famílias, vizinhos e pessoas de outras comunidades.

Os pescadores pescam durante o dia todo, mas principalmente pela parte do dia, mas há também pescarias que são realizadas no período da noite e madrugada, sendo que os horários para a pescaria são determinados pelo próprio pescador ou pela necessidade do mesmo. Os pescadores da comunidade Nossa Senhora das Graças dedicam-se quase que com exclusividade à pesca dos bagres ou dos chamados „peixes lisos‟ como, por exemplo, o dourado, a piramutaba, o surubim, filhote, e outras espécies, com exceção ao mês de abril onde há também a pesca do jaraqui que se

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No período de 17 a 24 de fevereiro de 2009 permanecemos na comunidade, observando e acompanhando parte da rotina de compõe a atividade da pesca do peixe fera na comunidade Nossa Senhora das Graças. Esse não foi o único momento na qual estivemos na comunidade, mas foi o maior período de tempo permanecido na local. Permaneci na comunidade juntamente com o pesquisador Pedro Raposo que realiza trabalhos junto à comunidade há mais tempo. Assim, os dados relativos este trabalho é o esforço de descrição e análise de um período 2008-2010.

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estende até o meio do ano, tornando-se esse o principal alvo de captura por uma parte dos pescadores. Entretanto, as atividades de pesca do bagre não são interrompidas.

A pesca do jaraqui é uma atividade que, segundo entrevista com um pescador da comunidade, ocorre no período que se inicia no mês de abril e vai até julho. Esta atividade é direcionada tanto para a comercialização, como para o consumo dos moradores da região. Segundo o entrevistado, a pesca do jaraqui é bastante farta no período citado, o que eventualmente faz com que o preço dessa espécie de pescado caia de forma significativa. Sendo assim, o pescado barato é muitas vezes comprado em elevada quantidade por “grandes pescadores” 6

, como assim são denominados pelos pescadores, que estocam o pescado para que, em época de escassez, o jaraqui possa ser vendido por um preço mais alto, trazendo uma boa margem de lucro para empresários da pesca.

Os “grandes pescadores” são os negociantes da pesca que estão localizados principalmente em Manaus e em Manacapuru. Estes negociantes possuem grandes embarcações e também possuem o poder aquisitivo suficiente para arrendar lagos rio acima, principalmente no Purus e Juruá.

Pesca de vez, parceria, flutuante e lance

Os pescadores trabalham em comum acordo, para não haver nenhuma espécie de conflito no momento de ir ao rio pescar. Esses acordos são feitos por ordem de chegada e as conversas de trabalho quase sempre são realizados no flutuante no qual o peixe é entregue e estocado ou em uma determinada localidade que é denominada pelos

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GRANDE PESCADOR, a partir de conversas com os pescadores da localidade pesquisada, são os empresários da pesca, sujeitos que“cresceram” no ramo da pesca e que, atualmente, possuem uma estrutura capaz de capturar e principalmente armazenar uma quantidade considerável de pescado.

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pescadores como “vez”. Os pescadores também ficam esperando o momento de tirar a rede em sua casa ou mesmo na margem em frente ao seu terreno.

Na “pesca de vez” 7

, que no período em que estivemos na comunidade era localizado à margem subindo o rio, ou seja, seguindo contra a correnteza (rumo a nascente do rio) na comunidade vizinha8, a mesma margem da comunidade Nossa Senhora das Graças. Neste local, os pescadores organizam-se entre eles, geralmente em duplas, por canoa, e cada canoa fica esperando a sua vez, daí o nome, de ir ao meio do rio para lançar sua rede, pesca que na comunidade é denominada como arrasto ou arrastão.

As duplas de pescadores que saem diariamente ao trabalho são compostas de várias formas, sendo que podemos destacar como exemplos a amizade, o compadrio e principalmente as relações familiares como laços que unem os pescadores e que são acionados para organizar os grupos de trabalho nas pescarias. Essas duplas de trabalho definidas pelos pescadores, podem ser constituídas por parentes próximos como pai e filho, quando este ainda mora com o pai e a mãe. Em qualquer dessas composições, o

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Localização da VEZ: Latitude 3°20'30.96"S Longitude 60°37'53.88"O, durante o período em que estivemos junto aos pescadores na comunidade Nossa Senhora das Graças.

8 Comunidade vizinha, mas que também faz parte da localidade costa do pesqueiro.

Figura . “Lance‟‟ do arrastão no rio. Fonte: Pesquisa de campo, 2009. Figura . Espera na “vez”.

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interesse econômico se faz presente, constituindo o que os pescadores chamam de “parceria”.

A “parceria” na pesca comercial na comunidade Nossa Senhora das Graças é o sistema utilizado por grande parte dos pescadores, tanto pela necessidade de um companheiro no árduo trabalho da pesca, quanto para não deixar os instrumentos de pesca ociosos como, por exemplo, quando um pescador possui uma canoa e oferece uma parceria para um jovem pescador que ainda não possui nenhuma canoa. Nesta situação, os dois trabalham juntos e no momento da divisão dos lucros os valores são divididos em três partes: a parte da canoa que é relativa aos custos dos instrumentos de pesca, que são a própria canoa, a rede, o isopor, o motor e também o diesel ou gasolina, a parte relativa ao trabalho do dono da canoa e a parte relativa ao parceiro na pescaria.

As palavras do entrevistado indicam como é feita a divisão:

É assim, eu tenho a canoa, o arrastão, e a rede aí eu pego ele pra pescar lá ele não tem nada, ele vem só com a força de trabalho e a comida, aí quando é na semana, eu tenho até a nota ali do que nós fabriquemos...

... ele vai comigo, se nós pegar bem ele ganha bem porque aqui aí nós tiramos as despesas e divide em três partes. („Seu Sidomar‟, pescador, maio de 2010)

Durante os momentos em que estivemos acompanhando os pescadores em suas atividades e, em especial, quando estivemos “na vez” esperando junto ao pescador que nos deu a oportunidade de acompanhá-lo na sua vez de lançar a rede ao rio, as duplas constituídas por jovens que pescam com jovens, pai com o filho, vizinhos e duplas de crianças, garotos que já cedo aprendem e praticam o oficio da pesca indicam a importância dessa forma de organização em “parceria” para a realização da pesca de

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arrastão ou arrasto. Foi observada apenas uma pessoa pescando sozinho, um senhor que sofre com problema de visão causada pela própria atividade pesqueira.9

Quando é chegado o momento de lançar a rede ao rio, os pescadores ligam os motores e deslocam-se sucessivamente, em intervalos que vão de 15 minutos à meia hora, em direção a parte do rio que acreditam ser melhor de lançar a rede. Enquanto um pescador fica na popa da canoa (na parte da frente da embarcação) e vai guiando a canoa com o remo, o companheiro que se encontra na proa (na parte de trás) lança primeiramente a bóia da rede, em seguida, começa a lançar a rede de maneira ágil e ordenada para que a rede fique toda estendida, tanto horizontalmente como verticalmente, garantindo uma maior eficiência na captura, finalizando com o lançamento da uma segunda bóia que indica a extensão e localização da rede de pesca.

Em seguida, os pescadores se dirigem ao flutuante no qual mantêm vinculo na atividade econômica e aguardam o tempo necessário para o sucesso da captura. Esse tempo é de aproximadamente 45 minutos de espera, o tempo que a rede desce o rio. Nesse intervalo, os pescadores ficam conversando com outros pescadores que trabalham no flutuante, como o dono do flutuante e seus “empregados”, ou seja, companheiros com os quais possuem vínculos de parentesco e compadrio e que os auxiliam no recebimento do peixe recém capturado.

O fato de terem na pesca sua principal fonte de renda, os leva à criação de uma consciência coletiva que gira em torno desta atividade, onde praticamente todos entendem a importância da pesca para a continuidade do modo de vida local, inclusive as crianças que, em sua maioria, são filhos de pescadores e, “desde cedo”, acompanham

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Podemos observar que os pescadores, após um período na atividade da pesca, apresentam sérios problemas nos olhos, isso se deve ao fato de uma intensa exposição ao reflexo do sol no Rio Solimões, iluminando de maneira intensa e por um longo tempo e assim prejudicando a visão dos pescadores.

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os pais nas pescarias, além de sua constante presença nos flutuantes, presenciando os procedimentos de venda do peixe efetuada pelos pais ou outros moradores. O que, sem dúvida, contribui para a reprodução dos conhecimentos tradicionalmente adquiridos sobre as melhores formas de manejo e comercialização dos recursos pesqueiros.

Dessa forma, a pesca é uma atividade que agrega quase todos os moradores na comunidade, fortalecendo os laços de sociabilidade entre as famílias, o que é uma característica marcante em grupos sociais menores.

As funções dos trabalhadores do flutuante são de receber, pesar e estocar o peixe em uma grande caixa térmica resfriada com gelo, pois a comunidade não possui energia elétrica que dê conta de alimentar uma câmara frigorífica. Após o tempo de espera com a rede n‟água, os pescadores saem do flutuante e vão ao rio para recolher a rede. A rede é recolhida com os motores desligados e é um trabalho feito pelos dois pescadores juntos, pois a rede está molhada e, por conseqüência, muito pesada. Em seguida, os pescadores retornam ao flutuante para levar a pesca daquele lance, assim como é chamado todo esse processo na comunidade Nossa Senhora das Graças. Então, o pescador na canoa repassa o pescado capturado para a pessoa no flutuante responsável de tirar as vísceras e a cabeça do peixe, pesá-los, para informar a outra pessoa responsável pelas anotações que faz o registro em um pequeno caderno com uma

Figura . Crianças no flutuante. Fonte: Pesquisa de campo, 2009. Figura . Flutuante pesqueiro.

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espécie de conta de cada pescador que contem a quantidade de pescado capturado em cada lance.

No momento em que estávamos no flutuante observando estes fatos relatados, a pessoa que fazia as anotações era um garoto que, provavelmente, era filho do dono daquele flutuante que estava tecendo uma rede de pesca. Os acertos com o dinheiro em espécie são realizados posteriormente, após um dado período, dependendo do que é estabelecido entre o pescador e o dono do flutuante.

Os lances são realizados várias vezes ao dia, sendo que a quantidade de lanços realizados por dia fica a critério do pescador, ou seja, de alguma forma o pescador é que faz seu horário de trabalho.

A pesca do bagre na comunidade Nossa Senhora das Graças é uma atividade econômica que agrega várias dimensões sociais, com a participação de diferentes agentes sociais locais como pais, filhos, compadres, crianças e agentes externos à comunidade, mas que também são parte integrante desse universo como, por exemplo, os comerciantes localizados na cidade de Manacapuru que são responsáveis em dar prosseguimento na cadeia de comercialização iniciada na comunidade pelos pescadores. Figura . Garoto anotando o peso do peixe pescado. Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

Figura . Limpeza do peixe. Fonte: Pesquisa de campo, 2009.

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Dessa forma, a comunidade Nossa Senhora das Graças envolve-se na cadeia de relações da comercialização do bagre na região, relações que proporcionaram algumas transformações sociais no modo de vida dos moradores locais.

Comercio do bagre na localidade

A pesca comercial na região de Manacapuru caracteriza-se como uma das atividades, assim como as atividades agrícolas, que viabiliza a maior parte da renda das comunidades locais. Na comunidade Nossa Senhora das Graças a pesca comercial é caracterizada como atividade voltada para a captura e venda dos bagres, onde toda a produção capturada pelos pescadores é vendida para os flutuantes da comunidade e em seguida é negociada com os frigoríficos localizada na cidade de Manacapuru e outros agentes de fora da comunidade.

Na comunidade Nossa Senhora das Graças as modificações na forma de produção comunitária ocorreram em decorrência da própria dinâmica social, histórico e econômico das sociedades. A atividade de „pesca comercial‟ tornou-se de maior importância na constituição da comunidade devido a essas mudanças sociais que estão além da localidade, mas que tem influencia diretamente na relação da comunidade com a cidade (cidade como representação do modo de vida moderno) e também através vários outros agentes sociais com os quais a comunidade se comunica.

Mesmo que a atividade da pesca acompanhe as populações amazônicas desde épocas pré-colombianas, é importante ressaltar que a pesca comercial e principalmente a pesca dos bagres que observamos nos dias atuais, é uma pratica bastante recente, como podemos constatar em entrevista com o então presidente da colônia dos pescadores de

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Manacapuru10. Segundo ele, a pesca do bagre é datada por volta do inicio da década de 1990, juntamente com o declínio da economia da juta e da malva na região de Manacapuru. A atividade da fibra ainda é praticada na região e na comunidade Nossa Senhora das Graças, mas por um número muito reduzido de moradores se comparado a outras épocas.

As atividades da pesca na comunidade Nossa Senhora das Graças caracterizam-se por sua localização privilegiada a frente da caracterizam-sede do município, o que facilita muito a comercialização dos produtos e também a comunicação de comunidade com a cidade. Assim, tendo em vista que o município de Manacapuru tornou-se um pólo de exportação de pescado, principalmente os denominados “peixes lisos”, utilizando-se desse produto exclusivamente para exportação, a comunidade garante um lugar “privilegiado” na cadeia produtiva do bagre na região.

Por outro lado, a exclusividade na comercialização de peixe liso pelos pescadores na comunidade Nossa Senhora das Graças, traz conseqüências que refletem na configuração social e econômica da comunidade, que entendemos como diferente em relação a outras comunidades rurais amazônicas, sendo que, a mono atividade realizada pelos pescadores da comunidade Nossa Senhora das Graças que trabalham em função de um mercado exportador de bagres, coloca os pescadores em uma relação de dependência na cadeia comercial dos bagres em Manacapuru, o que pode ser muito prejudicial a partir do momento em que as pessoas se tornam dependentes das leis de mercado.

Essa quase exclusividade na atividade econômica pode trazer problemas à comunidade, ou melhor, uma reconfiguração gradativa de parte do que podemos

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A colônia dos pescadores de Manacapuru é denominada de Z – 9, onde foi realizada a entrevista com o presidente Sr. Geraldo no dia 30 de Abril de 2010.

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compreender como conhecimento tradicional, transformando-a de uma comunidade rural que se volta para o mercado de pesca do bagre.

Na comunidade Nossa Senhora das Graças os conhecimentos tradicionais dos pescadores servem de instrumento para atender o mercado externo de exportação dos bagres, onde os pescadores estão inseridos na cadeia de comercialização do peixe liso.

A cadeia de comercialização do pescado constitui-se, primeiramente, na relação dos pescadores com os três flutuantes localizados na comunidade e esses com os frigoríficos, principalmente os situados em Manacapuru. Todo esse processo de comercialização implica preponderantemente na estrutura da renda, ou seja, na configuração social a partir da relação econômica dos moradores, e não somente daqueles envolvidos na atividade pesqueira.

Os pescadores da comunidade podem ser considerados como base da cadeia econômica de comercialização dos bagres, ou seja, “operários da pesca” tendo em vista que a forma de produção capitalista no qual estão envolvidos leva-os a cada vez mais aumentar a produção em menor período de tempo para assim suprir as demandas na cadeia produtiva.

Um elemento muito importante e que é o responsável por fazer a conexão entre o produtor (pescador) e o consumidor, são os agentes de comercialização que atuam em toda cadeia produtiva da pesca na região. Na comunidade Nossa Senhora das Graças este papel é desempenhado pelos flutuantes da localidade, são eles que compram o produto dos pescadores e em seguida vendem o peixe até chegar ao consumidor. O que gostaríamos de destacar é que no local pesquisado, os pescadores só vendem os seus produtos para os flutuantes, que são em número de três.

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Essa relação de troca econômica entre pescador, flutuante até se chegar ao consumidor, está inserida profundamente na lógica de produção capitalista. Assim sendo, os pescadores que, de certa maneira, são a base dessa teia de relações estão sob a pressão de um sistema que se utiliza de seus conhecimentos tradicionais para se apropriar do produto de seu trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, após o trabalho na pesca na comunidade, o produto segue uma cadeia de comercialização ate chegar ao consumidor final do bagre, o que pretendemos compreender na pesquisa, são as transformações que a atividade de captura do bagre, torna uma comunidade rural na dependência do mercado, além disso, torna a comunidade de atividade econômica mono específica, onde grande parte dos moradores abandonou outras formas de atividade econômica que são também importantes, para dedicar-se quase que exclusivamente a captura do bagre.

A introdução do mercado no modo de vida das populações rurais amazônicas afetou as comunidades onde:

A Natureza deixou de ser fonte de simbolização e significação da vida, suporte e potencial da riqueza material e espiritual dos povos, para se converter em fonte de matérias-primas desvalorizadas, que alimentam uma acumulação do Capital em escala mundial fundada na troca desigual de bens primários contra mercadorias tecnológicas (LEFF, 2000).

Portanto, na Amazônia, o avanço capitalista transformou o modo de vida das populações rurais, onde a atividade pesqueira sempre fez parte da história desses grupos humanos, fazendo com que a natureza se transformasse em mercadoria, desconsiderando-se a cultura de aproveitamento sustentável e racional do ambiente.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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