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FUNÇÃO FRATERNAL CENA PRIMÁRIA 1. Artigo. Maria Cristina Poli Felippi. Formularemos, de início, uma questão bem

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A r t i g o

F U N Ç Ã O

F R A T E R N A E

C E N A P R I M Á R I A

1 M a r i a C r i s t i n a P o l i F e l i p p i A s f o r m u l a ç õ e s f r e u d i a n a s e m t o r n o d a s f a n t a s i a s o r i g i n á r i a s c o n s t i t u e m s u p o r tes c l í n i c o s f u n d a m e n -t a i s . E l a s p e r m i -t e m elab o r a r o s m o m e n t o s l ó -g i c o s da i n s c r i ç ã o d o s u j e i t o . E s s e t e x t o p r o -p õ e - s e a a b o r d a r essa q u e s t ã o t o m a n d o p o r b a s e o r e l a t o a u t o b i o g r á f i c o d e u m e x i n t e r n o d a F e b e m . D e s c o -n h e c e -n d o s u a s o r i g e -n s f a m i l i a r e s , e l e c o n s t r ó i u m s u p o r t e d e f i l i a ç ã o q u e t e m c o m o b a s e a c o n v i v ê n c i a c o m a f r a t r i a i n s t i t u c i o n a l . Fantasias o r i g i n á r i a s ; F u n ç ã o F r a t e r n a ; iden-t i f i c a ç ã o FRATERNAL FUNCTION AND PRIMARY SCENE

The F r e u d i e n formulation about primary fantasies is an important clinical support. This formulation is the support to the elaboration of logical moments of a subject inscription. This text approaches those propositions taking for base the

autobiographic relate of a Febem ex-intern. He constructs a support of filiation unknowing his famili-ar origins. This construct takes for theme the fraternal institutional group.

Primary fantasies; Fra-ternal Function; iden tification

Formularemos, de início, uma questão bem freudiana e que, a nosso ver, comporta uma série de dificuldades clínicas: qual a relação entre Cena Pri-m á r i a e C o Pri-m p l e x o de Édipo? SabePri-mos q u e a Pri-m b o s são conceitos aos quais Freud não cessou, ao longo de toda a sua obra, de fazer referência e de destacar como centrais para o trabalho clínico. Eles constituem a base do que Freud denominou "Urphantasie", isto é, fantasias o r i g i n á r i a s e que ele diferencia das de-mais fantasias, conscientes ou inconscientes.

De acordo c o m Freud, as fantasias o r i g i n á r i a s são três: a cena primitiva, a fantasia de sedução e a fantasia de castração. Cada uma destas fantasias busca forjar uma resposta a questões fundamentais de todo i n d i v í d u o : a sua própria origem, a origem da sexu-a l i d sexu-a d e e sexu-a o r i g e m dsexu-a diferençsexu-a s e x u sexu-a l . Elsexu-as i r ã o constituir a base das teorias sexuais infantis.

Será n o m o m e n t o da passagem pelo C o m p l e x o de Edipo, porém, que estas fantasias farão função de normatização do sujeito. Isso supõe, para Freud, a a s s i m i l a ç ã o de certos interditos sociais q u e deve-rão integrar o "texto" destas fantasias, recalcando e / ou s u b l i m a n d o o desejo veiculado. O exemplo clás-sico dado por Freud é o da histérica que supõe ter

• P s i c a n a l i s t a , m e m b r o d a A s s o c i a ç ã o P s i c a n a l í t i c a d e P o r t o A l e g r e , p r o f e s s o r a d a F a c u l d a d e d e P s i c o l o g i a d a P U C - R S e d o u t o r a n d a n a U n i v e r s i d a d e d e P a r i s 1 3 .

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sido vítima de um abuso sexual na infância. Esta fantasia de sedu-ção, ao colocar o sujeito em posição passiva, comporta a marca do recalque que i n c i d e sobre o desejo sexual do próprio. É o carim-bo da passagem pelo C o m p l e x o de Edipo que promove os efeitos traumáticos da sexualidade infantil, après-coup.

Se, para Freud, porém, o Complexo de Édipo é esse momento em que a moral social incide sobre a sexualidade h u m a n a definin-do seus r u m o s , não se trata de u m e n c o n t r o i n é d i t o na história do i n d i v í d u o . Na verdade, os efeitos da cultura sobre o psiquismo o c u p a r a m boa parte das preocupações de Freud e transcendem as suas elaborações sobre o Édipo. Q u a n d o se trata, por exemplo, de dar conta da p r o v e n i ê n c i a das fantasias o r i g i n á r i a s , Freud apela para o darwinismo. Ele propõe que a universalidade dessas fantasias explica-se com base nas heranças filogenéticas comuns aos homens. Contudo, essa explicação não poupa Freud da dificuldade con-cernente à "verdade histórica" das fantasias originárias de cada um de seus pacientes. Freud não recorre à cultura para fazer a econo-mia do desejo de cada sujeito que se implica em u m a narrativa. A dificuldade em que ele esbarra consiste em conciliar o caráter uni-versal das fantasias e a lógica singular do desejo.

Freud v a c i l a entre essas a b o r d a g e n s . Ele hesita ao l o n g o de toda a sua obra entre a c h a m a d a "teoria do t r a u m a " , na q u a l a ênfase é posta no i m p a c t o da r e a l i d a d e externa sobre o p s i q u i s -m o , e o prevalência etiológica do desejo sexual, i n t e r n o ao indi-v í d u o , na p r o d u ç ã o do t r a u m a . Freud p e r m a n e c e s e m p r e c o m esta indecisão, preocupado em não ceder no rigor que o trabalho c l í n i c o exige.

A partir dessas considerações preliminares, gostaríamos de per-g u n t a r a Freud o que ele iria pensar se escutasse a seper-guinte nar-rativa:

"Até por v o l t a de 16 a n o s , q u a n d o a l g u é m m e p e r g u n t a v a sobre quem eram meus pais, invariavelmente eu respondia: o Go-verno. É óbvio que eu não tinha clareza suficiente para entender quem era esse meu pai nem o que ele fazia, mas isso ficou mais fácil q u a n d o tive de entender q u e m era então m i n h a mãe: a Fe¬ b e m " (Silva, 1997, p. 12).

"Febem", como é de conhecimento geral, é a sigla que denomi-na a "Fundação do Bem-Estar do Menor", i n s t i t u i ç ã o do governo brasileiro, fundada em 1965, e que tem por objetivo abrigar crian-ças e adolescentes que, por vários e diferentes m o t i v o s , não têm outro lugar para morar. Na maioria dos casos, trata-se de filhos de famílias em precária situação financeira. Grande parte destas crianças entra na i n s t i t u i ç ã o n u m a i d a d e m u i t o precoce, e fica lá até a m a i o r i d a d e sem ter n e n h u m c o n t a t o com seus pais e f a m i l i a r e s .

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Por vezes, elas não sabem nem mesmo quem são e como se cha-m a cha-m seus genitores. Muitas crescecha-m na instituição secha-m saber a data de seu aniversário, onde nasceram ou qual é o seu sobrenome.

Esse foi o caso de R o b e r t o da S i l v a , a u t o r da frase c i t a d a acima. Ele escreveu u m livro, uma dissertação de mestrado, sobre a história de toda uma geração de crianças que cresceram, como ele, d e n t r o da Febem. Neste l i v r o , que se c h a m a Filhos do governo, Silva sustenta a tese da culpa do Estado em relação ao destino das crianças que foram criadas sob a sua responsabilidade. O seu argu-mento principal é que u m terço das crianças da geração do autor, isto é, aquelas que viveram na instituição entre os anos de 1965 e 1983, teve u m mesmo destino na idade adulta: a prisão.

O p r ó p r i o a u t o r nos conta que passou a l g u n s anos de sua vida na prisão após ter cometido infrações contra a lei. S e g u n d o ele, este fato prova a incapacidade do Estado de educar seus filhos. Ele os criou de u m a forma que tornou impossível, a uma parcela significativa deles, adaptar-se ao m u n d o externo à i n s t i t u i ç ã o .

U m dos argumentos que Silva nos apresenta baseia-se no fato de o Estado ter negligenciado o contato com a história particular de cada u m a das crianças e adolescentes que se e n c o n t r a v a m sob sua tutela. O dado importante a considerar é que não se trata de falta de i n f o r m a ç ã o . Silva descobriu, d u r a n t e a sua adolescência, que a instituição m a n t i n h a em arquivo esses registros, mas que o acesso a eles era p r o i b i d o . Assim, sua p r i m e i r a infração à lei foi olhar esses registros e descobrir os dados elementares de sua iden-tidade.

Não é dispensável que se diga que os anos que Silva passou na Febem coincidem com a época em que o Brasil vivia sob o regime de d i t a d u r a m i l i t a r . No seu l i v r o , ele n ã o faz e c o n o m i a desse tema, bem pelo c o n t r á r i o . Por vezes, ao l o n g o da sua n a r r a t i v a , tem-se a impressão de que é mesmo em função desse fato histórico que o autor toma a força necessária para escrever e de fazer, por meio da escrita, o que ele mesmo chama de "um ato de reparação histórica". Ao falar de sua história pessoal, Silva fala da história de toda u m a geração; ele fala da história do Brasil.

O curioso é que foi durante o período que passou na prisão, onde ele reencontrou vários de seus antigos c o l e g a s / i r m ã o s da Fe-bem, que Silva se deu conta da sua situação. Ele relata que a cada vez que escutava a narrativa de vida de um deles - o que era bas-tante habitual, pois, dados seus dotes intelectuais, ele passou a ser-vir c o m o u m a espécie de a d v o g a d o para os c o m p a n h e i r o s - ele tomava consciência dos pontos em c o m u m que havia entre essas histórias. Foi aí que ele percebeu que eles eram todos "filhos do governo", e começou a escrever sobre isso.

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No livro, Silva t o m a a atitude de d e n u n c i a r o fracasso do Estado brasileiro na assunção da função de p a r e n t a l i d a d e adotiva. De fato, não há n e n h u m a necessidade de ser psi-c a n a l i s t a p a r a p e r psi-c e b e r - s e q u e as c o i s a s n ã o p o d e m f u n c i o n a r bem q u a n d o a l g u é m é d e l i b e r a d a m e n t e privado de sua história e da história de s u a f a m í l i a . H á , n e s s e p o n t o , u m a certa usurpação de significantes que não pode deixar de ser denun-ciada e que caracteriza bem, nos pa-rece, os efeitos s u b j e t i v o s de u m a política totalitária.

Podemos pensar que o que Sil-va d e n u n c i a é a u l t r a p a s s a g e m de u m l i m i t e ético por parte do Esta-d o , ao t e n t a r a p a g a r os t r a ç o s Esta-da h i s t ó r i a s i n g u l a r de cada u m . Para Silva, ele nos d i z em seu livro, es-crever foi a sua forma de r e t o m a r esta h i s t ó r i a e de inscrever-se nela. N ã o é, a s s i m , n a d a s u r p r e e n d e n t e que logo na primeira página encon-t r e m o s a c i encon-t a ç ã o a c i m a r e f e r i d a e que ela sirva de m o t o r para a sua pesquisa. Ele é "filho do governo" e quer saber o que isso significa.

O que g o s t a r í a m o s de interro-gar, a partir da história de Silva, a fim de a v a n ç a r na q u e s t ã o i n i c i a l -mente formulada, é o seguinte: qual a relação entre a n a r r a t i v a de u m a cena p r i m á r i a , de u m a fantasia ori-ginária, e a inscrição do sujeito em u m a filiação?

N ã o se t r a t a a p e n a s de u m a simples s i m i l i t u d e de termos, mas a história de Silva nos fez pensar no sofisma dos três prisioneiros de que Lacan se vale para elaborar a questão do t e m p o lógico. Silva t a m b é m foi p r i s i o n e i r o , e foi na prisão que ele

pôde reconstruir a sua história, anali-sar os efeitos decorrentes do fato de ter crescido d e n t r o de u m a i n s t i t u i -ção. O fator principal nessa sua expe-riência, o que permitiu que ele escre-vesse a sua história - é ele quem nos d i z - , foi a c o n v i v ê n c i a c o m seus colegas/irmãos de Febem e de cela.

No sofisma proposto por Lacan, tratase da h i s t ó r i a de três p r i s i o n e i -ros que são chamados pelo diretor da prisão para participar de u m jogo. O diretor mostra aos prisioneiros cinco d i s c o s , três b r a n c o s e d o i s p r e t o s . Ele fixa nas costas de cada u m dos p r i s i o n e i r o s u m destes d i s c o s sem que o p r ó p r i o s a i b a q u a l foi a cor escolhida. O jogo, então, consiste em que o p r i m e i r o que a d i v i n h a r a cor de seu p r ó p r i o disco e souber expli-car logicamente a conclusão alcançada será liberto da prisão. Para tanto, os três p r i s i o n e i r o s são c o l o c a d o s em u m a cela c o m u m o n d e eles p o d e m ver os o u t r o s d o i s c o m p a n h e i r o s e seus respectivos discos, mas não po-dem falar entre si.

J á na cela, cada u m dos p r i s i o -n e i r o s c o -n s t a t a q u e os o u t r o s d o i s t i v e r a m d i s c o s b r a n c o s f i x a d o s em suas c o s t a s . O seu p r ó p r i o d i s c o é branco também, mas ele não o sabe. Lacan nos conta que, após u m certo tempo, os três prisioneiros saem jun-tos da cela, tendo d e d u z i d o ao mes-m o t e mes-m p o q u a l é a cor do seu pró-prio disco. O que se passou?

O r a c i o c í n i o realizado por cada u m consiste em colocar-se na posição do outro e tirar conclusões dos seus a t o s . A s s i m , d a d o p r i s i o n e i r o " A " p o d e p e n s a r q u e , se o seu p r ó p r i o disco fosse preto, o p r i s i o n e i r o " B " teria d e d u z i d o r a p i d a m e n t e q u a l era

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a cor do seu. Isso porque se o p r i s i o n e i r o " C " visse dois discos pretos saberia, com certeza, que era branco e sairia. Se o prisionei-ro " C " não sai é porque " B " não é preto. " B " então, por sua vez, teria certeza de ser branco e sairia. Mas não é o que acontece.

Assim, "A" é levado a pensar que se " B " não sai é porque ele próprio é branco também. Ao chegar a esta conclusão, "A" preci-pita-se a sair. Porém, como cada u m deles realiza a mesma dedu-ção, ao m e s m o t e m p o , o fato de os o u t r o s d o i s d i r i g i r e m - s e à saída coloca a sua certeza em dúvida.

O que Lacan demonstra, então, é que apenas após dois mo-mentos de hesitação, de suspensão da certeza, os três prisioneiros poderão sair juntos e afirmar, cada u m , ter u m disco b r a n c o . A estes três tempos da dedução lógica, Lacan chama "instante de ver", "tempo de compreender" e " m o m e n t o de concluir".

No seminário sobre a Identificação, Lacan faz u m a breve alu-são a esse sofisma ao aproximá-lo dos três tempos da constituição do traço unário. Também nesse caso, trata-se de três tempos neces-sários para que o sujeito encontre u m suporte para a enunciação. Isto é, para que u m significante possa representar u m sujeito para outro significante é preciso que dois passos anteriores tenham sido dados. O p r i m e i r o , que consiste na inscrição da letra, o segundo, no seu a p a g a m e n t o - a m a r c a do recalque - e o terceiro, que é, justamente, a inscrição do sujeito nesse mesmo lugar.

É nesse s e n t i d o que Lacan vai a t r i b u i r à n e g a ç ã o a função fundamental de suporte ao sujeito da e n u n c i a ç ã o . Neste p o n t o , é no texto freudiano sobre "a negação" que encontramos a substân-cia das articulações lacanianas. Ali, se acompanharmos Freud, trata-se da passagem da primeira Bejahung (afirmação) pela Verneinung (negação) para que se constitua, n u m terceiro m o m e n t o , a verda-deira função de representação.

O que Lacan acrescenta a esse movimento lógico, por meio do sofisma dos prisioneiros, é a função do semelhante como suporte da constituição do sujeito. Na terminologia lacaniana, trata-se de ressal-tar a importância do imaginário na intermediação deste processo de inscrição simbólica do real. O semelhante em questão é aquele que encarna para o sujeito, no m o m e n t o da negação - tempo de compreender , a função simbólica. É no suporte do olhar dos outros -no m í n i m o , dois - que o sujeito representa-se inicialmente. Depois, mas apenas n u m terceiro tempo, ele poderá dispensá-los.

Em relação ao traço unário, trata-se do mesmo movimento. O suporte do traço, o movimento necessário para a sua constituição, é a passagem pelo n ú m e r o i m a g i n á r i o . O traço é efeito da série i m a g i n á r i a ; ele é a c o n s t a n t e que fica, a posteriori, q u a n d o do apagamento da imagem.

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Assim, também, o sujeito da enunciação precisa do suporte do e n u n c i a d o , isto é, do uso i m a g i n á r i o da l í n g u a . Porém, na escuta a n a l í t i c a , trata-se de d e m a r c a r o s i g n i f i c a n t e e n q u a n t o l u g a r de e n u n c i a ç ã o do sujeito, de fazer-se escutar o traço que o suporta, mas que ele m e s m o desconhece. Para tanto, é preciso o aporte da relação transferenciai, a presença do analista, que, na sua função de suposto, permite ao sujeito a apreensão de seu lugar de enunciação. O curioso é que esse movimento de passagem do e n u n c i a d o à e n u n c i a ç ã o comporta u m a subjetivação dos significantes evocados, m a s que só é possível ser realizado pela via negativa, isto é, pelo apagamento do sentido. Assim, trata-se de um processo de subjetiva-ção significante que é concomitante à desconstrusubjetiva-ção imaginária. Em termos freudianos, "Wo es war, soll ich werden", sendo o "ich" em questão sujeito do inconsciente.

Assim, se o momento de saída de análise, de dispensa da trans-ferência, pode ser formulado nesses termos, é porque ele comporta a inscrição singular do sujeito, sustentada pelo universal do código da língua e da cultura. O que é dispensado é a referência especular a u m dado semelhante, a base imaginária do amor de transferência. É nesse ponto que nos encontramos novamente com a história de Roberto da Silva. Seu livro não é o relato de u m a análise, mas pode nos servir de alegoria para pensar c o m o a função do seme-lhante permite a apropriação dos significantes de u m a dada história, a construção de u m a ficção, a identificação de u m traço.

Se ele p o d e f o r m u l a r ser " f i l h o do g o v e r n o " , é p o r q u e no capítulo seguinte ele conduz seu relato à história de sua família, o que ele descobriu após a saída da prisão e ao longo da escrita do livro. Ou seja, o que ele realiza é um reencontro com os significan-tes que lhe haviam sido usurpados. Podemos nos perguntar por que ele precisa ficar nesta posição de denúncia contra o pai "governo". Neste particular, parece-nos evidente que, se compararmos esse pro-cesso de escrita com o trabalho a n a l í t i c o , a i n d a haveria u m bom pedaço de c a m i n h o a ser trilhado.

A respeito da questão inicialmente evocada, sobre a relação entre Cena Primária e Complexo de Édipo, o que podemos concluir é que também a passagem pelo Édipo pode ser traduzida como este tempo terceiro de enunciação de u m singular concomitante à inscrição do sujeito nos universais da cultura. Os outros dois tempos anteriores -no sentido lógico - sendo a infância, momento de inscrição da letra, "instante de ver", e o "período de latência", momento de apagamento do particular do desejo, "tempo de compreender", em que o seme-lhante ocupa um lugar fundamental na identificação dos traços signi-ficantes que suportam o sujeito em sua enunciação. Fundamentalmen-te, sua posição em relação à filiação e à sexuação.

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No t e r c e i r o t e m p o , trata-se da f o r m u l a ç ã o de u m e n u n c i a d o e m que a f a n t a s i a o r i g i n á r i a se r e d u z a ao s u p o r t e do t r a ç o . Isto é, a essa m í n i m a d i f e r e n ç a s i g n i f i c a n t e que, em n o s s a c u l t u r a , se t r a d u z c o m o diferença sexual e diferença genera-c i o n a l . P o r é m , p a r a q u e i s s o seja p o s s í v e l , é p r e c i s o o t e m p o d a c o n s t r u ç ã o da ficção, do c o m p a r t i -l h a m e n t o com o s e m e -l h a n t e do en-r e d o q u e s u p o en-r t a o t en-r a ç o . É esse t e m p o de s u s p e n s ã o da certeza - e que, c o m o d i z i a o poeta a respeito do amor, "que seja eterno e n q u a n t o d u r e " - q u e g o s t a r í a m o s a q u i de p r o p o r c o m o a q u e l e do e x e r c í c i o d a f u n ç ã o do s e m e l h a n t e , o q u e p o d e m o s , t a l v e z , f o r m u l a r c o m o a função da fratria. • R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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