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As representações sobre o Integralismo e suas relações com o Nazismo no filme Aleluia, Gretchen

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As representações sobre o Integralismo e suas relações com o Nazismo no filme Aleluia, Gretchen

VINÍCIUS DOS SANTOS ARANTES1 *

Resumo

Neste trabalho, pretendo analisar as relações entre integralistas e nazistas no sul do Brasil a partir das representações sobre o tema no filme Aleluia, Gretchen, do cineasta Sylvio Back, e da bibliografia disponível sobre o assunto, buscando traçar um quadro das relações entre esses dois grupos e da visão a respeito do tema no filme acima mencionado. Para isso, primeiro realizarei uma breve descrição do enredo e do tema principal do filme, levando em conta também o contexto autoritário vivido pelo país quando o filme foi produzido, em meados da década de 1970, e como isso se relaciona com o principal argumento do cineasta, a afirmação de que há uma continuidade das ideias autoritárias em nossa sociedade ao longo do tempo. Após isso, analisarei mais detidamente as cenas do filme em que o personagem integralista da trama, Aurélio, aparece no filme e de que maneira sua ideologia é representada, principalmente em suas relações com o nazismo. Por último, será realizada uma revisão bibliográfica a respeito da atuação dos integralistas no sul do país durante a década de 1930 e suas relações com o nazismo nessa região, principalmente entre a comunidade de imigrantes e descendentes de alemães, buscando ao final articular brevemente essa revisão com a análise sobre o filme.

Introdução

Como mencionado acima, apresentarei neste trabalho uma análise das relações entre integralistas e nazistas no sul do Brasil a partir das representações sobre esse tema presentes no filme Aleluia, Gretchen, de Sylvio Back, e da bibliografia utilizada sobre o tema.

O enredo do filme mencionado conta a história da família Kranz, que migra da Alemanha para o sul do Brasil na segunda metade da década de 1930, durante a Era Vargas, tornando-se proprietária de um hotel. Ao longo da história, são mostradas as

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relações dessa família alemã com o Nazismo e o totalitarismo não só durante o período em que esse movimento esteve no poder na Alemanha, mas ao longo de décadas, chegando até a época de produção do filme, na década de 1970, durante o regime militar brasileiro. Dessa forma, o filme é divido em quatro blocos diferentes, cada um correspondendo a um determinado período de tempo. Em torno do núcleo central da trama, representada pela família Kranz, estão outros personagens, como outra família de imigrantes alemães, já estabelecida no Brasil antes da chegada dos Kranz. Além deles, a empregada alemã da família e seu filho também os acompanham. Entre os personagens brasileiros, encontra-se Repo, um menino negro adotado pelos Kranz e que passa a trabalhar para eles. E, por último, Aurélio, um integralista que já se encontrava ali quando da chegada da família, alugando um quarto no hotel, tornando-se próximo dos Kranz.

Esse último personagem, a forma como ele é retratado, como é mostrada a sua ideologia e suas relações com o nazismo, será o principal objetivo de nossa análise neste trabalho, levando em conta também o argumento principal apresentado pelo filme: as ideias autoritárias e totalitárias permanecem e se reproduzem em nossa sociedade ao longo do tempo. Tal argumento, inclusive, é reforçado por uma fala de Aurélio no final do filme, mostrando que, no contexto autoritário da ditadura militar vigente no período de produção do filme, suas ideias, representadas pela ideologia do Integralismo na década de 1930, ainda não teriam envelhecido.

Cabe lembrar que o produto audiovisual, como o filme, mesmo quando tem como tema o passado, nos diz muito sobre o período presente em que o filme é realizado, tornando-se assim um documento de sua própria época. Não podemos nos esquecer que, desde o seu surgimento, o cinema produziu muitos filmes que tem o passado como tema. Como afirma Magalhães em sua breve análise sobre o filme, “à semelhança do historiador, o diretor de cinema faz uma montagem do passado, real ou imaginado, e o revela, a partir do filtro de sua câmera, ao espectador”. Porém, a autora ressalta que, “diferentemente do historiador, que busca atingir a consciência do leitor, o filme penetra nas fantasias e nos sonhos do espectador, dialogando todo o tempo com seu inconsciente visual”. (MAGALHÃES, 2008, p. 33).

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Assim, considerando o caráter não-textual dessa fonte, ou seja, as características e especificidades próprias do documento audiovisual, iremos levar em conta alguns conceitos para realizarmos uma análise do filme que vá além do caráter textual deste. Em primeiro lugar, devemos considerar que todo filme é composto por uma sequência de ideias, imagens e de sons colocados de maneira conjunta em um processo de seleção desenvolvido por aqueles responsáveis por darem concretude a uma história a partir de um texto escrito, o roteiro original. Nesse processo, as escolhas ideológicas e subjetivas dos responsáveis pelo filme levam à representação de algo, seja um assunto, um lugar, uma pessoa, um grupo, uma ideologia, um período ou determinados aspectos da sociedade. Assim, considerando que os filmes são compostos de representações, vamos considerar o conceito de representação de Roger Chartier (2002) para a realização de nossa análise.

Segundo esse autor, as representações são o processo de construção de ideias, signos ou imagens por meio do qual os homens interpretam e conferem sentido à realidade, e assim, não existem práticas ou estruturas que não sejam produzidas pelas representações. Para Chartier, embora aspirem à universalidade, as representações do mundo social são construídas e determinadas pelos interesses dos grupos que forjam essas representações. Portanto, ao analisarmos as representações apresentadas pelo filme, iremos nos atentar à visão de mundo que o cineasta apresenta a respeito do tema do filme e, principalmente, sua visão a respeito do Integralismo e suas relações com o nazismo, que é uma visão própria e que pode ser diferente das visões apresentada por outras pessoas e grupos sobre o mesmo tema. Porém, essa visão do cineasta sobre o passado não está descolada da sua visão sobre a situação vivida no presente de produção do filme, portanto o contexto histórico da elaboração do filme não pode ser desconsiderado na análise.

Não pretendo, neste trabalho, comparar as informações apresentadas pela historiografia com as informações apresentadas pelo filme de maneira a conferir a veracidade histórica ou não destas últimas. Mas acredito que as representações presentes no filme podem fornecer informações sobre o processo histórico, revelando, ao menos, determinadas visões sobre esse processo, baseando-se, em maior ou menor medida, em alguns dados e informações concretas disponíveis. Assim, acreditamos que o filme,

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como fonte audiovisual, pode contribuir significativamente para a compreensão da história, ao menos no que se refere às representações e visões sobre ela, sendo uma forma de mediação entre o presente e o passado histórico representado.

Como afirma Eduardo Morettin, “para que possamos recuperar o significado de uma obra cinematográfica, as questões que presidem o seu exame devem emergir de sua própria análise” (MORETTIN, 2007, p. 63). Dessa forma, o enfoque da análise fílmica realizada neste trabalho irá partir da própria narrativa do filme, e de como o tema analisado se relaciona com o argumento principal do filme, para posteriormente articularmos com as informações encontradas na bibliografia sobre o tema.

O Integralismo e suas relações com o nazismo através das representações do filme

A partir de agora, apresentarei alguns aspectos do filme, analisando algumas cenas com o objetivo principal de analisar como o Integralismo é representado no filme, através do personagem integralista Aurélio e sua ideologia, principalmente em suas relações com o Nazismo.

Logo na primeira cena do filme, que mostra a chegada dos Kranz ao sul do Brasil, entre os anos de 1937 e 1939, aparece pela primeira vez o personagem integralista da trama. Ao ser apresentado para a família Kranz por Oskar, responsável por cuidar da propriedade, este personagem dirige-se a Frau Lotte, uma das personagens nazistas, afirmando que ela gostaria de Aurélio pois ele é um “bom brasileiro”, embora não especifique o motivo de tal afirmação. Nesse momento ainda não havia sido revelada a ideologia integralista de Aurélio, o que irá acontecer somente em uma cena por volta dos 35 minutos do filme. Mas de qualquer forma podemos pensar se esse diálogo já não seria uma primeira indicação da proximidade ideológica entre Nazismo e Integralismo apontada pelo cineasta ao longo do filme, considerando que Oskar também é mostrado como um simpatizante nazista durante o filme.

Na primeira cena em que é revelada a vinculação de Aurélio ao Integralismo, este aparece em seu quarto com o uniforme integralista, e ao fundo uma grande bandeira com o Sigma na parede, em um diálogo com o personagem alemão Wilhelm, sendo mostrada logo no início da cena, e de maneira explícita, a vinculação ideológica do personagem. A respeito da ideologia dos personagens do filme, em cena anterior,

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Wilhelm aparece como membro da Juventude Hitlerista local, assim como outros jovens alemães, como Werner e Josef. Logo no começo do diálogo, após Aurélio mostrar seu revólver para Wilhelm e perguntar sobre o que ele achava do uniforme integralista, começam a ser estabelecidas comparações entre o Nazismo e o Integralismo. Wilhelm questiona se o uniforme dos camisas-verdes era brasileiro ou alemão, e Aurélio retruca: “Qual a diferença?”. Aqui aparece pela primeira vez a visão mostrada pelo filme sobre o Integralismo, considerado como movimento muito próximo, ou até mesmo igual ao Nazismo, ao menos no que se refere ao caráter totalitário de suas ideologias. Após isso, Aurélio afirma que através do revólver é possível mudar a história, e que os Integralistas iriam tomar o palácio do governo, embora afirme que sua índole é pacífica. A partir de então, passa a contar sobre a sua participação em uma tentativa integralista de tomar o poder, em uma referência provável ao fracassado golpe integralista de 1938.

Enquanto encena de maneira entusiasmada a ação dos integralistas, em outra parede do quarto se vê o retrato de Plínio Salgado, líder dos camisas-verdes, ao qual Aurélio dirige, em um determinado momento, a saudação dos camisas-verdes, esticando o braço e gritando “Anauê”, enquanto ao fundo surge, com um volume cada vez maior, o hino integralista “Avante”. Quando a música atinge o volume máximo, os personagens da cena retiram outra bandeira integralista do armário, a esticam sobre a cama e, enquanto a música passa a ter um volume cada vez menor, Aurélio afirma que, quando os camisas-verdes tomassem o poder, seria a primeira vez que “verdadeiros patriotas” colocariam os pés no palácio. Aurélio afirma que “tem muita fé no futuro”, graças ao que estava ocorrendo na Alemanha, país no qual haveria “um grande homem, um líder”, em clara referência à Hitler, mostrando assim sua admiração em relação ao nazismo e estabelecendo, mais uma vez, uma proximidade ideológica entre o Integralismo e este movimento. O integralista continua, afirmando que “ninguém pode alterar o rumo da roda do tempo”, colocando assim o triunfo das ideias integralistas, e fascistas de forma geral, como algo inevitável.

Ao final da cena, Aurélio deita-se em cima da bandeira do Sigma, e enquanto o som do hino integralista diminui novamente e chega ao fim, o camisa-verde dirige-se para Wilhelm, de maneira pessimista: “Passa uma borracha em tudo o que eu falei. Eu estava delirando (...) Hoje é tudo tão provisório, até o sabor do sonho”. Aqui, deve-se deixar

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claro que no período em que se passa a primeira fase do filme, entre 1937 e 1939, o Integralismo se encontrava em sua fase final e, nos últimos anos, já se encontrava na ilegalidade, o que não significa que seus antigos integrantes tivessem abandonado a ideologia do Sigma e que suas ideias, pelo menos em parte, não estivessem mais circulando pela sociedade e inspirando aqueles que nelas acreditavam, considerando que muitos dos antigos militantes integralistas continuaram atuando politicamente no país nos anos posteriores, inclusive até o período da ditadura militar, durante o qual o filme foi realizado.

Analisando o enredo construído pelo cineasta neste trecho, podemos enxergar a representação do Integralismo como um movimento autoritário, conservador, extremamente nacionalista, e que ao mesmo tempo colocava o nazismo como um modelo a ser seguido. Assim, de certa forma, o movimento do Sigma é representado como uma espécie de tentativa de imitação do nazismo, tal qual muitos de seus críticos faziam na década de 1930. Porém, diferentemente do movimento alemão, o movimento brasileiro fracassou, seria um “sonho” que não teria se realizado para aqueles que o seguiam, apesar de ainda trazer esperanças.

A próxima cena em que o personagem integralista aparece é logo no início da segunda parte do filme, quando há a indicação de uma mudança temporal para o período entre 1942 e 1945, portanto quando o Brasil rompe de vez as relações com a Alemanha e outros países do Eixo, participando do conflito da Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Neste período, o Estado Novo varguista passa a vigiar e perseguir os imigrantes dos países do Eixo presentes no Brasil, entre eles os Alemães. Em conjunto com o projeto de nacionalização implementado a partir do final da década de 1930, os alemães presentes no Brasil passam a ser considerados um “perigo étnico”, como estrangeiros indesejáveis, sendo frequentemente associados ao nazismo, mesmo que muitos germânicos estivessem no Brasil justamente por terem fugido do regime hitlerista.

Na cena que indica a mudança temporal para esse período, brasileiros enraivecidos, com tochas na mão, dirigem-se ao hotel de propriedade dos Kranz, chamando-os de nazistas e ameaçando entrar no hotel. Todos presentes no hotel ficam apreensivos, e Aurélio passa a recolher todos os seus materiais integralistas, bandeiras, uniforme e o

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retrato de Plínio Salgado. Enquanto faz isso, em alguns momentos, olha de maneira demorada e afetuosa para os símbolos integralistas, principalmente em relação ao retrato do líder integralista. O recorte da cena intercala-se mostrando os diferentes personagens presentes no hotel e sua reação frente à ameaça externa, até que no final Aurélio reaparece em cena em um jardim cavando um buraco no qual enterra os seus materiais integralistas apressadamente. Ao fundo surge novamente o som do hino integralista “Avante”, que, como o nome sugere, passa a ideia de avanço, de coragem, contrastando de maneira clara com a atitude do personagem integralista, apresentado neste momento como medroso e preocupado, enquanto tenta esconder qualquer material que o possa incriminar caso o hotel fosse invadido.

Importante lembrar que no período da Segunda Guerra Mundial o Integralismo já estava na ilegalidade, e que a relação entre integralistas e os movimentos fascistas europeus era destacada, principalmente por seus inimigos, desde a década de 1930, o que, neste momento de conflito do Brasil com a Alemanha nazista e a Itália fascista, tornava ainda pior a situação dos camisas-verdes. Aqui mais uma vez, de certa forma, são representados os laços que uniam o Integralismo com o Nazismo, embora de maneira diferente da cena anterior, na qual os integralistas são apresentados como admiradores incontestes do Nazismo.

A última cena do filme analisada neste trabalho também está na segunda parte do filme, em que ocorre um diálogo entre Aurélio, Oskar e o professor Ross. No trecho de quase seis minutos de duração, Aurélio, Oskar e Ross discutem sobre a situação do Brasil e da Alemanha naquele período, fazendo um balanço sobre os regimes nazista e varguista.

De acordo com Ross, “quem sofreu na carne vê a coisa sob outro prisma”, e Aurélio retruca que só alguns alemães no Brasil reclamam, afirmando em seguida que Hitler seria “o maior estadista do século”, destacando em vários momentos ao longo da cena a sua admiração pelo regime nazista. O personagem compara com a situação do Brasil sob o governo Vargas, chamado de “tampinha” e “caudilho de meio tigela”, e que iria demorar duas gerações para consertar a situação do país. Aurélio faz uma crítica à mudança da diplomacia varguista em relação à Alemanha nazista, regime que secretamente seria admirado por Vargas, pois este teria copiado “só os erros” do

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Nazismo e colocado o país na guerra. Posteriormente, Aurélio cita as perseguições do regime varguista contra os camisas-verdes, muitos dos quais teriam sido presos e torturados em nome do “combate ao perigo pardo”, sendo tal perseguição também feita aos “patriotas alemães”, o que seria confirmado pelo alemão Oskar, que afirma esta perseguição teria sido feita por “pura inveja e medo”. Aurélio então questiona o motivo da perseguição de Vargas aos integralistas, e afirma que estes não seguiam “ordens de ninguém”, e que suas ideias vinham da cabeça e do coração, que não seriam ideias “importadas” e nem “rebatizadas”.

Assim, nessa cena, apesar de abertamente admirar Hitler, Aurélio busca também destacar o extremo nacionalismo da ideologia do Sigma, procurando mostrá-la como genuinamente nacional, livre da submissão ideológica aos fascismos europeus, e que partiria também do sentimento dos camisas-verdes. Ou seja, apesar de destacar sua admiração por Hitler e pelo regime nazista, assim como da situação vivida pela Alemanha após o início desse regime, Aurélio busca mostrar o Integralismo como movimento autônomo em relação aos seus congêneres fascistas europeus, destacando sua originalidade nacional, aspecto que não teve muito destaque nas primeiras cenas analisadas em que o personagem integralista aparece.

Assim, vemos nestas e em outras cenas do filme, como o cineasta representa, em boa parte do tempo, o Integralismo como movimento próximo e tributário do Nazismo, com Aurélio sempre expressando sua admiração por Hitler e o que estava ocorrendo na Alemanha nazista, ao mesmo tempo em que os personagens nazistas não expressam, em nenhum momento do filme, algum tipo de admiração pelo movimento do Sigma e por Plínio Salgado ou mesmo de concordância com o mesmo, representando a ideologia integralista, de certa maneira, em uma relação de subserviência ideológica ao Nazismo, embora em alguns trechos, como na conversa entre Aurélio, Ross e Oskar, o personagem integralista tenha dado maior destaque à suposta originalidade nacional da ideologia integralista.

A historiografia sobre as relações entre Integralismo e nazismo

A respeito do Integralismo, a bibliografia utilizada no trabalho abrange tanto obras mais gerais sobre o movimento como obras com enfoque mais específico sobre a

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atuação da Ação Integralista Brasileira na região sul e, principalmente, sobre a relação entre Integralismo e Nazismo nesta região, especialmente entre os imigrantes alemães e seus descendentes. Devemos lembrar que a AIB se tornou o primeiro partido de massas do Brasil, atingindo, em seu auge, entre 500 mil e 1 milhão de seguidores, sendo este último número fornecido por fontes integralistas, de acordo com Cavalari (1999, p. 34). Durante seu período oficial de atuação, entre o final de 1932 e 1938, o Integralismo atingiu grande popularidade em várias regiões do Brasil, entre elas a região sul, sendo popular especialmente nas regiões de maior concentração de imigrantes europeus e seus descendentes, como as colônias de alemães e italianos.

O Integralismo adotava um discurso antiliberal e anticomunista, e, em menor medida, antissemita, além de defender uma ideia de sociedade extremamente hierarquizada, organizada por meio do corporativismo, a harmonia entre as classes sociais em contraposição à luta de classes, a existência de um Estado forte centralizado na figura de um grande líder e a existência um partido único, sob uma perspectiva conservadora, autoritária e nacionalista, e por isso foi caracterizado por muitos autores como um movimento fascista. Segundo João Fábio Bertonha (2008), as semelhanças e as proximidades do Integralismo com o fascismo, como a ideologia, os símbolos e rituais apresentados pelo movimento, permitem esta caracterização do Integralismo como pertencente ao universo fascista. Concordo com esta posição, entendendo o Integralismo como movimento político representante do fascismo no Brasil na década de 1930, e parto dessa posição ao apresentar a revisão bibliográfica sobre a atuação do Integralismo e suas relações com o Nazismo no sul do Brasil.

Em linhas gerais, como já mencionado anteriormente, na região sul do país o Integralismo teve grande popularidade nas regiões de imigração europeia. De acordo com Bertonha (2008), tal popularidade se deu principalmente entre os descendentes de imigrantes, especialmente italianos e alemães, que buscavam obter maior representatividade política e participar de maneira mais ativa na política do país, levando-se em conta que se encontravam mais assimilados e integrados à cultura nacional do que seus pais, nascidos em solo europeu. Segundo Bertonha, pelo menos no caso brasileiro, havia uma grande simpatia pelos fascismos europeus entre as comunidades de imigrantes, com um apoio difuso pelo fascismo, o que não significa

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que mesmo entre esses simpatizantes havia uma grande adesão aos movimentos fascistas, fosse o fascismo italiano entre os imigrantes italianos e seus descendentes, o nazismo alemão entre os imigrantes alemães, ou o Integralismo como alternativa principalmente para os descendentes. Mas essa simpatia pelos fascismos não se restringia aos europeus e seus descendentes presentes em solo brasileiro, visto que havia um apoio difuso e uma opinião favorável aos fascismos em muitos espaços da sociedade brasileira da década de 1930.

De acordo com Carneiro (2010), as ideias de extrema-direita emergiram em vários pontos do país entre 1922 e 1945, partindo de variados núcleos de produção, como o Estado, setores conservadores da Igreja Católica e da imprensa, além de parte significativa das comunidades de imigrantes italianos, alemães e seus descendentes. Segundo a autora, mesmo antes da tomada do poder por Vargas em 1930, o Estado apelou para um conjunto de leis de exceção que, de certa forma, prepararam o país para receber as propostas nazifascistas como “novidades da modernidade”.

Como afirma Eliane Dutra (1997), havia uma disposição totalitária no país naquele período. O contexto de crise do liberalismo, além da crise econômica de 1929, o anticomunismo crescente entre alguns grupos durante o período do entre guerras após a Revolução Russa de 1917, o surgimento da União Soviética em 1922 e de Partidos Comunistas em vários países, assim como a ascensão dos movimentos fascistas europeus, servindo como modelo para muitas pessoas, contribuiu para o surgimento e o crescimento de movimentos autoritários e conservadores como o Integralismo.

No caso do sul do país, a busca por maior representatividade e por participação política por parte de muitos imigrantes e, principalmente por seus descendentes, levou muitos destes a participarem do Integralismo, tendo em vista também o cenário político crescentemente autoritário e conservador que o Brasil vivia naquele período, que contribuía para a simpatia por movimentos que representassem esses ideais, além da atração que muitos desses imigrantes e descendentes tinham pelos movimentos fascistas de seus países de origem.

Não podemos esquecer que no Brasil desse período existiu a atuação direta tanto do fascismo como do nazismo entre os imigrantes italianos e alemães, respectivamente. Segundo Dietrich (2012), o nazismo teve a preocupação de difundir seus ideais além das

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fronteiras da Alemanha, apropriando-se de instituições que buscavam agregar as atividades relacionadas aos alemães no exterior e já existentes antes da ascensão do partido de Hitler ao poder, como forma de levar o movimento nazista a todos os cantos do mundo onde estivessem presentes imigrantes alemães. Nesta tarefa, o nazismo chegou a estar presente em 83 países dos cinco continentes, com 29 mil integrantes. No Brasil, o partido nazista local chegou a contar com cerca de 2900 integrantes, sendo a maior célula nazista fora da Alemanha, e funcionou legalmente entre 1928 e 1938, quando foi proibido pelo governo Vargas logo no início do Estado Novo, junto com outros partidos políticos, como a AIB, e em meio ao início de uma campanha de nacionalização implementada pelo Estado e que atingiria diretamente a comunidade alemã no país nos anos seguintes.

Durante boa parte de seu período de atuação legal, contou, no mínimo, com a tolerância do Estado brasileiro, principalmente após a chegada de Vargas ao poder, que inicialmente estava mais preocupado com o “perigo” vermelho representado pelos comunistas. De acordo com Dietrich, o partido nazista e o Estado brasileiro tiveram relações bem cordiais durante boa parte dos anos de atuação legal do partido no país, pois este buscou incentivar as relações comerciais, políticas, econômicas e culturais entre o Brasil e a Alemanha através dos partidários presentes na Embaixada e representações consulares da Alemanha no Brasil. Inclusive, houve um trabalho em conjunto com o governo brasileiro no combate ao comunismo e no treinamento de policiais brasileiros pela GESTAPO (DIETRICH, 2012, p. 52). Pela ótica nazista, o partido representava o povo alemão e seu governo, e assim suas ações tinham repercussão direta nas relações entre o Brasil e a Alemanha. Tal fato pode explicar, em parte, porque o partido foi tolerado pelo governo Vargas durante tanto tempo, sendo proibido apenas “quando suas atividades entraram em conflito com o projeto de nacionalização brasileiro e a implementação do Estado Novo” (DIETRICH, 2012, p. 56).

O período entre 1939 e 1941 é de ambiguidade nessas relações, considerando que a neutralidade brasileira não permitia, também, a propaganda política antinazista no país. Houve, nesse período, tentativas de aproximação, até chegar em 1942, quando ocorreu o rompimento definitivo e a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado dos

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Aliados. Neste momento, com os decretos que visavam nacionalizar os estrangeiros, o alemão passa a ser visto como um “perigo étnico”, e com a entrada do Brasil na II Guerra, eles passam a ser considerados inimigos militares e alvo da polícia política (DIETRICH, 2012, p. 51-56).

Durante o período de atuação do partido nazista no Brasil, as diretrizes recebidas pelos chefes do partido local eram de que somente alemães natos poderiam participar ativamente da organização. Dessa forma, dentro da política nazista para as comunidades alemãs no exterior, havia uma distinção entre os alemães considerados “puros” e aqueles nascidos em solo estrangeiro, o que pode ter contribuído para que muitos descendentes de alemães admiradores do nazismo buscassem participar de algum movimento político que apresentasse algum grau de proximidade ideológica com esse movimento e que, ao mesmo tempo, permitisse sua participação. A saída encontrada por muitos desses descendentes foi a adesão ao Integralismo, mesmo que a direção do partido nazista local condenasse, muitas vezes, a participação desses descendentes no movimento fascista nacional.

Tal condenação por parte da direção nazista pode ser considerada um exemplo dos conflitos e distanciamentos que ocorreram entre nazistas e integralistas, cuja relação foi mais complexa do que inicialmente se possa imaginar, principalmente se levássemos em conta somente as semelhanças entre os dois movimentos. Justamente uma das principais características em comum entre os movimentos de caráter fascista, o nacionalismo exacerbado, foi a principal razão para os conflitos entre o Integralismo e o nazismo, considerando que, justamente nesse ponto, os movimentos divergiam por defenderem o nacionalismo de diferentes países. Assim, o fato de que, em sua política oficial, os líderes nazistas não tenham defendido a participação direta dos descendentes de alemães no partido nazista local, não significa que os membros do partido não buscassem ter uma influência maior sobre toda a colônia, incluindo os descendentes, e nem que aceitassem a participação destes em um movimento nacionalista brasileiro, mesmo que tivesse um caráter fascista e, portanto, algum grau de proximidade ideológica com o nazismo.

Segundo Gertz (1987), o Integralismo pode ter recebido influência ideológica do nazismo, porém sua expansão entre os alemães em solo brasileiro não poderia ser

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explicada a partir do apoio ou da orientação nazista. De maneira geral, segundo este autor, havia mais atritos do que colaboração entre nazistas e integralistas, apesar de alguns membros do partido nazista terem se aliado ao integralismo, e de exemplos da atuação conjunta entre os dois grupos, como o caso do jornal Blumenauer Zeitung, publicado em alemão e que fazia propaganda tanto para o Integralismo como para o Nazismo (GERTZ, 1987, p. 131). Para o autor, a explicação mais provável para o crescimento do Integralismo em Santa Catarina residiria no dinamismo das colônias e na política regional. Segundo o autor, o típico integralista de Santa Catarina seria uma pessoa relativamente jovem, entre 30 e 40 anos, que se encontrava em um processo de ascensão social (GERTZ, 1987, p. 197).

De acordo com Zanelatto (2012), a AIB obteve grande aceitação nas regiões em que muitas colônias alemãs e italianas estavam estruturadas em Santa Catarina, destacando-se alguns grupos entre as fileiras da AIB no estado, como os funcionários públicos, profissionais liberais, e, os grupos mais numerosos, compostos por pequenos proprietários urbanos e rurais e descendentes de alemães, italianos e poloneses, ou de outros países (ZANELATTO, 2012). Portanto, no momento em que os imigrantes e seus descendentes estavam um processo de ascensão social e econômica, e buscavam ter maior representação na política regional, estes enfrentaram uma certa resistência por parte das elites locais, encontrando assim no Integralismo uma alternativa aos partidos tradicionais.

Ainda segundo Zanelatto, algumas análises sugerem mais tensão do que proximidade entre nazistas e integralistas. Em relação a um dos pontos de tensão entre os dois grupos, a questão do uso da língua portuguesa nas colônias alemãs, proposta que os integralistas defendiam, a imprensa alemã-brasileira que fazia propaganda do Integralismo em Blumenau e Joinville afirmava que o movimento iria garantir a sobrevivência das escolas alemãs e o uso da língua alemã, desde que o ensino de português e de outras disciplinas como a história do Brasil não fossem esquecidos. Por parte do Integralismo, a oposição ao nazismo veio, algumas vezes, de sua maior liderança, Plínio Salgado, que em várias ocasiões teceu críticas a este movimento. Porém, algumas vezes, a imprensa integralista ou simpatizante do Integralismo comparou Salgado a outros líderes, como Mussolini e Hitler, claramente comparando o

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Integralismo aos fascismos europeus, porém sem tratá-lo como uma cópia desses movimentos (ZANELATTO, 2012, p. 207-208).

Considerações finais

A partir de autores como Bertonha (2008), Dietrich (2012), Gertz (1987) e Zanelatto (2012), é possível afirmar que havia, nas relações entre Nazismo e Integralismo no sul do Brasil, muitas tensões, principalmente por parte das lideranças nazistas, mas também proximidades, considerando muitas semelhanças entre as ideologias dos dois movimentos, e a associação entre nazismo e Integralismo realizada por parte de alguns desses descendentes e mesmo por parte de algumas lideranças integralistas, as quais buscavam atrair esses imigrantes para as fileiras do movimento do Sigma.

Mas além das proximidades realizadas por membros dos dois movimentos no país, havia, entre muitos dos críticos da AIB, a ideia de proximidade, ou até mesmo semelhança entre o Integralismo e o Nazismo. Tal imagem é vista também no filme Aleluia, Gretchen, cujas representações sobre as relações entre o Integralismo e o Nazismo exploram largamente essa ideia de proximidade e semelhança ideológica entre os dois movimentos, principalmente através das falas do personagem integralista da trama, Dr. Aurélio, que constantemente elogia o movimento nazista e o regime hitlerista, apresentando-o como um modelo a ser seguido. Porém, as representações sobre o Integralismo no filme não se restringem à imagem desse movimento como simples mimetismo ideológico do Nazismo, pois em alguns momentos o personagem integralista busca ressaltar o extremo nacionalismo dos camisas-verdes, procurando mostrar a ideologia do Sigma como autenticamente nacional, e não como sendo importada ou como cópia de uma ideologia externa. Tal imagem reflete, de certa maneira, os distanciamentos existentes entre os dois movimentos fascistas, como mostra parte da historiografia sobre o tema analisada neste trabalho.

Apesar de não apresentar uma imagem monolítica sobre as relações entre Integralismo e Nazismo em suas representações, o filme dá pouco destaque para os distanciamentos e, principalmente, para as tensões existentes entre integralistas e nazistas no sul do país, tal como foram destacadas por parte da historiografia citada aqui neste trabalho.

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ZANELATTO, J. H. O Integralismo e as disputas políticas em Santa Catarina na Era Vargas. Criciúma: UNESC, 2012.

Filmografia

ALELUIA, Gretchen. Direção: Sylvio Back.

Produção: Sylvio Back, Carlos Karan, Oscar Milton Volpini e Embrafilme. Roteiro: Sylvio Back, Manoel Carlos Karan e Oscar Milton Volpini. Distribuidora: Embrafilme.

Referências

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