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O subdesenvolvimento econômico da América Latina sob a perspectiva da teoria da dependência

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O subdesenvolvimento econômico da América Latina sob a perspectiva da teoria da dependência

Maíra Machado Bichir

“É a América Latina, a região das veias abertas. (...). O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo. A cada um dá-se uma função, sempre em benefício do desenvolvimento da metrópole estrangeira do momento, e a cadeia das dependências torna-se infinita (...)”

(Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina)

Resumo: A teoria da dependência se constitui enquanto arcabouço conceitual e intelectual para

a formação de um pensamento particular latino-americano a partir da segunda metade do século XX. Surgida em um contexto de crise do modelo de substituição de importações, que havia sido implementado no início da década de 1930, ela avança nos estudos sobre a problemática do subdesenvolvimento latino-americano, ressaltando o caráter dependente do capitalismo vivenciado pelos países da região. O presente artigo busca lançar luz sobre essa perspectiva, na medida em que ela permeou, em grande medida, os posteriores debates acerca da díade desenvolvimento-subdesenvolvimento na região.

Palavras-chave: América Latina; teoria da dependência; subdesenvolvimento; relações

centro-periferia.

The economic underdevelopment of Latin America in the perspective of the Dependence Theory

Abstract:: The Dependence Theory constitutes itself as a conceptual and intellectual structure

that sets the basis for a particular latin american thought at the mid-20th century. Being brought into question during the crisis of the import substitution model at the beginning of the 1930, this theory was developed around studies about the latin american underdevelopment, highlighting the dependent variable of the capitalism that took place at the region. The present paper intends to clarify this perspective since it has, in a great measure, played a part at the following debates around the development-underdevelopment issue of Latin America.

Key words: Latin America; dependence theory; underdevelopment; center-periphery relation.

Introdução

O presente trabalho tem como foco de análise o subdesenvolvimento econômico latino-americano e as leituras realizadas sobre essa problemática pelos teóricos da teoria da dependência. A contribuição teórica desses autores está na formulação de um novo pensamento sobre o subdesenvolvimento, que, segundo eles, estaria ligado a uma condição de dependência dos países latino-americanos, enquanto periféricos, em relação aos países centrais desenvolvidos. Tal pensamento se desenvolve preponderantemente

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no campo econômico, mas traz consigo elementos da configuração política e social dos países latino-americanos. A tentativa de se realizar um estudo sobre essa temática se relaciona diretamente com a produção teórica existente dentro da própria região, uma vez que se pretende ressaltar a importância de uma perspectiva autóctone que pense a realidade local a partir de um olhar próprio. Assim, é relevante o resgate de uma das primeiras produções teóricas da América Latina cujo objeto de estudo é o subdesenvolvimento da região.

Para uma melhor compreensão da temática escolhida, são abordados, de maneira breve, os processos histórico-estruturais presentes na configuração e desenvolvimento da economia latino-americana entre a primeira Guerra Mundial e o fim da década de 60, período em que se formam as bases da concepção dependentista, apresentando um resgate das condicionantes político-econômicas a que a América Latina esteve sujeita naquele momento particular. Ao mesmo tempo, faz-se necessária uma recuperação dos preceitos teóricos formulados pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), que exerceram, em grande medida, influência na elaboração do pensamento da dependência, constituindo-se, portanto, como elemento introdutório essencial para o entendimento da teoria a ser esmiuçada.

Em seguida, tem lugar a análise das principais vertentes da teoria da dependência – formuladas ao longo das décadas de 1960 e 1970 – que se apresentaram, no desenvolvimento da pesquisa, como sendo duas fundamentais: a primeira, que apresenta maior conexão com o referencial teórico marxista e tem como principais teóricos Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra e a segunda, com a obra Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, na qual estão ilustradas as principais teses da dependência associada, vertente da teoria da dependência por eles representada 1.

Contexto econômico latino-americano e o desenvolvimentismo cepalino

O período que se estende do início da Primeira Guerra Mundial até o final da década de 1960 é marcado por profundas modificações nas estruturas econômicas dos países latino-americanos. O contexto da Primeira Guerra significou para tais países o

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Este trabalho é resultado de uma pesquisa de iniciação científica ainda em estágio inicial de desenvolvimento, que conta com auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Dessa forma, ainda não é possível vislumbrar conclusões definitivas e finais.

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fim dos investimentos diretos da Europa na região e a redução da sua demanda de importação por produtos primários, o que instaura uma crise financeira interna em muitas economias latino-americanas, visto que suas estruturas produtivas estavam voltadas quase que exclusivamente para a exportação de bens primários.

A crise de 1929, atrelada aos efeitos da Primeira Guerra, representou um marco para a mudança econômica na América Latina. Passou-se de um crescimento econômico voltado para fora para um desenvolvimento direcionado para dentro, ou seja, teve início uma política de estímulo à industrialização nacional, ancorada no modelo de substituição de importações. Tal política começou a ser implementada a partir da década de 1930 e contou com medidas que demonstram uma nítida intervenção do Estado na economia, como a desvalorização real da moeda, o aumento de tarifas e os controles cambiais, que ofereceram um grande incentivo aos consumidores para substituir os produtos importados por mercadorias locais, estimulando dessa forma a industrialização nacional.

A instauração do modelo de substituição de importações na região, apesar de constituir uma experiência comum da América Latina, não se deu de maneira homogênea, nem concomitante. Tal fato se deve às peculiaridades internas de cada país, que determinavam a dinâmica e a configuração das economias nacionais. Um exemplo desse fato é a adoção desse modelo na América Central, que se deu somente na década de 1960. É importante ressaltar que tal fenômeno enfrentou uma ampla gama de problemas, como a pequena competitividade nos mercados de exportação, a baixa produtividade, a instabilidade das políticas internas, a debilidade de empresários locais, sua reduzida poupança, a ausência de técnicas avançadas, a reduzida demanda interna, entre outros. Todavia, pode-se afirmar que houve mudanças significativas nas estruturas econômicas nacionais dos países latino-americanos, propiciadas a partir desse modelo instalado 2.

O pensamento da CEPAL exerceu um importante papel neste processo de industrialização latino-americana. Tendo sido criada como Comissão regional das Nações Unidas, em 1948, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento econômico da América Latina, buscou explicar a natureza do processo de industrialização, apontando os obstáculos a serem enfrentados pelas economias

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Para um estudo mais aprofundado sobre a dinâmica estrutural-histórica latino-americana a partir de 1930 consultar Leslie Bethell, História da América Latina – A América Latina após 1930: Economia e Sociedade. Volume VI. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2005

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nacionais, bem como propostas de resolução desses problemas. Raúl Prebisch e Celso Furtado, integrantes da Comissão, deram origem à escola estruturalista e a um modelo de desenvolvimento que ficaria conhecido como desenvolvimentismo. Segundo José Luís Fiori, eles introduziram “(...) uma visão sistêmica do desenvolvimento desigual do capitalismo em escala mundial (...)” (FIORI, 2001, p. 42).

Dentro da concepção cepalina, foram elaboradas críticas contundentes às teorias econômicas clássicas e às teorias da modernização. No que se refere à primeira, o estruturalismo cepalino se caracterizou pelo rompimento com a noção de especialização propagada pelas teorias econômicas clássicas, na qual cada país deveria se especializar na produção de determinados produtos. Essa perspectiva identifica tal fenômeno justamente como sendo o motor do subdesenvolvimento latino-americano.

A região, enquanto exportadora de bens primários aos países desenvolvidos, estaria submetida às suas demandas e padrões e constituiria a periferia do sistema econômico mundial. Em oposição a ela estariam os países industriais, centrais nesse sistema. Essa relação estava ancorada em uma deterioração dos termos de troca, qual seja, a redução dos preços dos produtos primários e a manutenção ou elevação dos produtos manufaturados produzidos pelos países centrais e importados pelos países periféricos. Nessa deterioração e na vinculação estabelecida entre centro-periferia residiria o subdesenvolvimento latino-americano. As economias centrais imporiam padrões de comércio e desenvolvimento desiguais, a partir de sua condição privilegiada no mercado econômico mundial.

Ao mesmo tempo, o conteúdo teórico gestado pela CEPAL se opunha diretamente às teses das teorias da modernização, perspectivas teóricas dominantes dentro da temática do subdesenvolvimento até a década de 1930. Essa problemática era explicada por aqueles estudiosos como uma dificuldade enfrentada pelos países latino-americanos para passarem de sociedades tradicionais para sociedade modernas: “A teoria estruturalista foi a primeira reflexão sistemática e original dos latino-americanos sobre sua própria trajetória político-econômica e sobre sua especificidade com relação ao resto do mundo capitalista” (FIORI, 2001, p. 42).

A partir da análise cepalina do processo de trocas no sistema econômico internacional e do subdesenvolvimento dos países latino-americanos delas advindo, são empreendidos esforços para a aplicação do modelo de substituição de importações, o qual se constituiria, segundo a CEPAL, como projeto autônomo de desenvolvimento. (SANTOS, 2000).

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O surgimento da teoria da dependência

A nova política econômica efetivada pelos Estados latino-americanos não respondeu às previsões desenvolvimentistas cepalinas. O mecanismo, que implicava no impulso à industrialização dos países da região e na alteração de sua pauta de importações – uma vez que se pretendia, em última instância, a produção de bens de capital – significou uma continuidade da condição latino-americana de subdesenvolvimento. Isso se deve ao fato de que esses países, para a evolução do seu processo de industrialização, necessitavam dos excedentes originados com a exportação dos bens primários aos países centrais 3. “A partir da década de 1960, as teorias do desenvolvimentismo perdem sua força, na medida em que o capitalismo não é capaz de reproduzir experiências bem-sucedidas de desenvolvimento em suas ex-colônias” (SANTOS, 2000, p. 21,).

Diante das limitações contidas no modelo desenvolvimentista cepalino, começa a se formar um novo pensamento, em grande medida influenciado pelo conceito centro-periferia elaborado pela CEPAL. A teoria da dependência surge como uma tentativa de explicar a questão da não-industrialização nacional e se torna referência no estudo da temática do subdesenvolvimento. De acordo com Robert Gilpin:

A teoria da dependência surgiu em meados da década de 1960, parte como uma reação ao aparente fracasso da análise e das propostas dos estruturalistas. Os teóricos da dependência argumentam que a estratégia de industrialização baseada na substituição das importações deixou de produzir crescimento sustentado nos países menos desenvolvidos em razão da permanência das suas condições econômicas e sociais tradicionais (GILPIN, 2002, p. 311).

A emergência do pensamento dependentista está ancorada no Chile, em Santiago, cidade onde estava fixada a CEPAL e diversas universidades e institutos que se juntaram em um esforço direcionado à construção de um pensamento latino-americano, o que permitiu um ampliado intercâmbio intelectual e de experiências político-sociais (FALETTO, 1998). Ao nos debruçarmos sobre os escritos dos teóricos da dependência e de estudiosos que têm como objeto de análise essa teoria, podemos

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O fracasso do modelo de substituição de importações não é explicado apenas por esse fator. Existe um elevado número de condicionantes econômicas e políticas que também estiveram presentes nesse processo e que foram determinantes para insucesso do projeto. Para uma discussão mais aprofundada ver Theotônio dos Santos, “A Teoria da Dependência- Balanço e Perspectivas”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

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notar grandes discordâncias e variações no que tange à classificação das distintas vertentes da Teoria da Dependência. Para João Manuel Cardoso de Mello, a teoria da dependência se ramifica em duas vertentes: a primeira, representada por André Gunder Frank; e a segunda, por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (MELLO, 1994). Luiz Carlos Bresser-Pereira, por sua vez, divide os teóricos da dependência em três vertentes: a da superexploração capitalista, que conta com André Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Theotônio dos Santos; a da dependência associada, representada por Fernando Henrique Cardoso; e a do nacional-desenvolvimentismo, tendo como teóricos Celso Furtado e ele próprio (BRESSER-PEREIRA, 2005).

Em seu texto A Teoria da Dependência – Balanço e perspectivas, Theotônio dos Santos sugere como tentativa mais acertada de divisão e classificação dos teóricos dependentistas – ainda que passível de críticas – o quadro definido por Magnus Blomström e Bjorn Hettne, economistas suecos que tiveram papel fundamental na historiografia da teoria da dependência. A divisão proposta por estes autores apresenta três ou quatro subdivisões, dentre as quais:

a) corrente crítica ou autocrítica estruturalista dos cientistas sociais ligados à CEPAL, que conta com Oswaldo Sunkel, Celso Furtado e Raúl Prebisch como representantes. Fernando Henrique Cardoso é considerado por alguns autores como pertencente a essa corrente 4;

b) corrente neomarxista, que congrega Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra, assim como os demais pensadores do Centro de Estudos Socioeconômicos da Universidade do Chile (CESO). Em alguns estudos André Gunder Frank aparece como membro dessa vertente;

c) corrente representada por Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso, que, segundo os autores, poderia ser caracterizada pela terminologia marxista ortodoxa;

d) corrente não-marxista, composta por André Gunder Frank.

Para efeitos de análise, assumirei a classificação supradescrita, tendo em vista o reconhecimento por parte de um dos principais representantes da teoria da dependência de sua validade. Dessa forma, a tradição dependentista estaria sendo formulada já no âmbito das discussões cepalinas, uma vez que seus preceitos se constituem enquanto bases primordiais para a evolução daquele pensamento. Assim, prossigo por meio da

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Para uma melhor visualização da divisão proposta por Magnus Blomström e Bjorn Hettne, ver Theotônio dos Santos, “A Teoria da Dependência- Balanço e Perspectivas”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

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abordagem das duas vertentes, neomarxista e a da dependência associada, nomenclatura emprestada de Luís Carlos Bresser-Pereira e do próprio Theotônio dos Santos para caracterizar a última corrente.

Ambas as vertentes estudadas apresentam como cerne de suas análises a dependência das economias latino-americanas em relação aos países centrais e a vinculação desse fenômeno ao desenvolvimento do capitalismo:

A situação de dependência é caracterizada como situação na qual um certo número de países têm suas economias condicionadas pelo desenvolvimento e expansão dos outros (...), o que coloca os países dependentes em posição desfavorável enquanto explorados pelos países dominantes (KAUPPI; VIOOTI, 1999, p 349).

Nessa visão, o subdesenvolvimento não representaria uma etapa no desenvolvimento de uma sociedade, mas haveria uma relação de concomitância entre ambos.

Magnus Blomström e Bjorn Hettne elencam algumas idéias formuladas pelos teóricos da teoria da dependência, as quais ocupariam, segundo eles, posição central na caracterização desse conjunto de pensamento: a estreita conexão entre o subdesenvolvimento e a expansão dos países industrializados; a abordagem do subdesenvolvimento e o desenvolvimento como aspectos diferentes do mesmo processo universal; a descaracterização do subdesenvolvimento como condição primordial para um processo evolucionista; a dualidade em sua manifestação, na medida em que se apresenta externamente e sob diversas formas na estrutura interna, social, ideológica e política (SANTOS, 2000, p. 27).

Embora haja uma intersecção entre os conteúdos abordados pelas duas correntes, existem divergências nas metodologias de análises empreendidas por elas. Enquanto a corrente neomarxista parte de um referencial mais sistêmico, no qual as relações de dependência são descritas a partir de uma vinculação externa existente entre periferia e centro, a vertente representada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto prima por uma abordagem mais endógena desse processo. Incorre-se em um erro ao afirmar a ausência de enfoques endógenos dentro da primeira corrente e a desvinculação entre dependência e condicionantes externas na última.

Theotônio dos Santos pontua que o entrave ao desenvolvimento latino-americano estava assentado na dependência econômica e política à economia internacional e que o crescimento desses países poderia culminar em um

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aprofundamento da miséria, analfabetismo e dos índices desiguais de distribuição de renda. Assim, diferentemente da noção desenvolvimentista cepalina, o crescimento não é considerado sinônimo de superação do subdesenvolvimento.

A industrialização nos países da América Latina não implicaria necessariamente em uma autonomia de decisões, em uma maior distribuição de renda e na elevação da oferta de empregos. Ela se vincularia ao investimento externo, ancorado nas empresas multinacionais e com sede nos pólos centrais da economia mundial, ao mesmo em que concentraria o poder e a riqueza nos grandes grupos econômicos. Outro resultado esperado desse processo era a forte diferenciação de renda na classe assalariada (SANTOS, 2000, p. 27).

De acordo com Santos, a expansão industrial na América Latina não implicou em sua passagem para o campo dos países industriais desenvolvidos. A revolução técnico-científica possibilitou o crescimento da exportação nos países dependentes de desenvolvimento médio, mas, ao mesmo tempo, implicou em uma alta especialização dos países centrais em tecnologia de ponta, afastando, cada vez mais, os países dependentes dos países centrais (SANTOS, 2000).

No interior do pensamento desenvolvido por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto teve lugar uma preocupação com o estudo dos modos de produção dentro de cada economia. Desse modo, formulam uma conceituação de caráter endógeno, na qual abordam as condições, possibilidades e formas de desenvolvimento econômico nos países que mantêm relações de dependência com os centros hegemônicos do sistema capitalista. Constituem focos centrais de suas análises as interações entre os grupos sociais dentro do plano nacional, relações essas que condicionariam o desenvolvimento dos países latino-americanos – o que não significa a inexistência de influências e alterações ocasionadas pela economia e pelos processos internacionais (CARDOSO; FALETTO, 1970).

Em seu estudo Dependência e desenvolvimento na América Latina, Cardoso e Faletto afirmam partir de uma análise dialético-histórica, o que lhes permite conceber o desenvolvimento como resultado da interação entre grupos e classes sociais que possuem interesses materiais e valores distintos, cuja dinâmica poderia modificar a estrutura social e política de seus países. Por meio de um estudo minucioso acerca da composição social dos países latino-americanos, os autores pretendem evidenciar as estruturas de dominação nelas presentes, fator fundamental, segundo eles, para a compreensão das transformações históricas no processo de desenvolvimento da região.

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A concepção de dependência presente nessa última vertente pode ser elucidada no quadro estrutural básico da dependência, por eles elaborado:

(...) existência de um mercado aberto; impossibilidade de conquista dos mercados dos países mais desenvolvidos pelas economias dependentes e incorporação contínua de novas unidades de capital externo sob a forma de tecnologia altamente desenvolvida. A combinação dessas questões econômicas com os interesses políticos, as ideologias e as formas jurídicas de regulamentação das relações entre os grupos sociais é o que permite manter a idéia de economias industriais em sociedades dependentes (CARDOSO; FALETTO, 1970, p. 143).

O debate dentro do pensamento dependentista

Como já foi ressaltado, não é possível identificar um pensamento uníssono no interior da teoria da dependência. Essa última seção traz alguns dos importantes debates entre a vertente da dependência associada e a neomarxista.

Uma das principais divergências entre as duas vertentes estava em sua metodologia analítica. Enquanto Cardoso critica veementemente uma noção mecanicista e determinista em Santos, Marini e Bambirra, autores que teriam atribuído demasiada relevância aos fatores externos na explicação da dependência latino-americana, estes se defendem argumentando a invalidez de uma análise que opusesse as economias nacionais e o estudo de sua articulação com a economia mundial e ressaltando a imprescindibilidade de um estudo dialético da problemática abordada (SANTOS, 2000, p. 50).

André Gunder Frank, um dos principais teóricos da dependência, impulsionou, em grande medida, uma ampla gama de discussões entre os estudiosos da área. Ao afirmar o caráter capitalista das economias latino-americanas desde sua colonização ibérica e a inexistência de burguesias nacionais dentro daqueles países, foi criticado por Theotônio dos Santos, bem como por outros autores, pelo fato de ter apresentado um modelo estático e radical. No entanto, proporcionou a emergência de acirrados debates acerca da problemática.

No que tange à existência de burguesias nacionais latino-americanas, Theotônio dos Santos critica a visão de Gunder Frank sobre a completa ausência de projetos nacionais pelas burguesias locais. Ele afirma a existência desses projetos, apontando, no entanto, a presença de limites estruturais diante de uma expansão das empresas multinacionais para o setor industrial. Nessa mesma direção, Fernando Henrique Cardoso admitia uma limitação histórica aos projetos nacionais conduzidos pela

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burguesia, assim como a possibilidade e vontade delas em se associar ao capital internacional.

Outra divergência fundamental está na perspectiva de avanços democráticos dentro das economias dependentes. De acordo com Theotônio dos Santos, no final da década de 1970, Cardoso,

(...) abandonava qualquer perspectiva de crítica e de enfrentamento com o capitalismo dependente, suas expressões monopólicas e seus interesses articulados com o capital internacional. Ela limitava seus objetivos reformistas aos objetivos liberais, ao processo de destruição e desestabilização das ditaduras, para construir regimes democráticos (SANTOS, 2000, p. 143).

Por outro lado, Cardoso passa a criticar a vertente neomarxista em suas análises sobre a elevada dificuldade de consolidar regimes democráticos no capitalismo dependente. Apesar de Bambirra, Santos e Marini reconhecerem a possibilidade de ocorrência do fenômeno elucidado por Cardoso, eles pontuam uma incompatibilidade entre tais avanços e a permanência de um capitalismo dependente. Segundo eles, ambos não podiam coexistir, a existência de um implicaria necessariamente na destruição do outro (SANTOS, 2000).

Conclusão

O presente artigo buscou destacar a relevância de um estudo que reflita sobre o subdesenvolvimento econômico da América Latina a partir de perspectivas teóricas desenvolvidas na própria região, as quais se esforçaram no sentido de explicar as motivações político-econômicas desse subdesenvolvimento, bem como de propor modelos para a sua superação. A Teoria da Dependência, assim como o pensamento cepalino, apresenta-se como teoria que pensa a realidade latino-americana através de uma ótica própria, de intelectuais latino-americanos que acompanharam o desenvolvimento dos processos econômicos e políticos que tiveram lugar em seus países. A importância do surgimento de um pensamento autóctone latino-americano deve ser ressaltada, uma vez que as políticas, as idéias e os modelos econômicos eram, geralmente, importados dos centros desenvolvidos, Europa e Estados Unidos. A criação de um modelo autônomo, que traduza as percepções da realidade local, permite uma dimensão mais autêntica dos problemas econômicos, sociais e políticos da sociedade latino-americana.

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O ideário introduzido pelo pensamento dependentista, expandido para os demais países do mundo, possibilitou a emergência de novas perspectivas e abordagens econômicas e políticas da configuração do sistema internacional. Um elevado número de teóricos dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos incorporou a dimensão analítica, bem como diversos preceitos formulados dentro da teoria da dependência, e avançaram na problematização dessa temática e do desenvolvimento econômico na contemporaneidade.

As mudanças advindas do aprofundamento da globalização suscitam um exercício de reflexão para uma possível releitura do pensamento dependentista, sem, no entanto, perder de vista o caráter histórico-dialético já presente naquela perspectiva e fundamental para uma análise atual da problemática abordada.

Referências:

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