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ESTANTE INFANTIL: A LITERATURA INFANTOJUVENIL NA REVISTA INFÂNCIA ( )

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Academic year: 2021

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ESTANTE INFANTIL: A LITERATURA INFANTOJUVENIL NA REVISTA

INFÂNCIA (1935-1937)

Aline Santos Costa

1 A seção denominada Estante Infantil, fazia parte da revista Infância, lançada em 1935 pela “Cruzada Pró-Infância”, organização filantrópica fundada na cidade de São Paulo. A instituição contava com o apoio de membros da elite paulistana e da Igreja Católica. Dentre as fundadoras da organização estava Perola Biyngton2, esposa do engenheiro Albert Biyngton. O periódico tinha como principal objetivo abordar temáticas relacionadas à criança e à infância, em diferentes aspectos, principalmente no que tange à medicina, higiene e desenvolvimento cognitivo. Para isso, havia seções especificas. Uma delas era a seção Estante Infantil, que trazia propagandas com pequenas resenhas sobre os livros infantis em lançamento, ou indicados pelos editores. Além da Estante Infantil, havia também outra seção dedicada à literatura para crianças, o “Serão Infantil”. Esta seção trazia contos e trechos de livros clássicos voltados para crianças, e antecedia (ao menos nas primeiras edições) a seção Estante Infantil.

A fundação da Cruzada Pró-Infância (1930) e da revista Infância (1935) ocorrem em um momento em que o país passava por transformações significativas, tanto na política, quanto na economia. Todavia, os debates em termos médicos e higiênicos sobre a infância vinha se ampliando, como demonstram KUHLMANN JÚNIOR (2002), desde os finais do século XIX, momento em que o modelo republicano brasileiro buscava se consolidar. A preocupação com a infância estava ligada à ideia de construção de uma sociedade moderna, aos moldes europeus. Era fundamental então, segundo esses discursos, que as técnicas médicas e higienistas mais modernas pudessem ser divulgadas e aplicadas, tendo por objetivo assegurar o crescimento saudável das “novas gerações”.

1 Mestre em História Social pelo Programa de Pós Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação (PROPED) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professora de História da Rede Municipal de Ensino do Município de Itaguaí. Email: aline.s.costa.hist@gmail.com

2 Nascida na cidade de Santa Bárbara do Oeste, no ano de 1879, Perola Ellis Byington era membro da elite

paulistana e, durante os anos de 1920, atuou nos projetos sociais vinculados à Cruz Vermelha, no Estados Unidos da América. Nos anos de 1930 associou-se à Associação de Educadoras Sanitárias, de São Paulo e, em 1931, fundou, em conjunto com a educadora Maria Antonieta de Castro, a Cruzada Pró-Infância. Voltada para projetos sociais dedicados às crianças e às mulheres (sobretudo das classes populares), a Cruzada Pró-Infância contou, a partir de 1932, com o apoio do governo paulistano. Vale ressaltar que, guardadas as devidas proporções em termos de atuação, a instituição existe até hoje.

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A revista Infância: qual infância?

Criada em 1935, a revista Infância teria como principal objetivo divulgar conhecimentos ditos científicos e modernos acerca do universo infantil e da criança. Uma vez que fora organizada e financiada pela Cruzada Pró-Infância, que visava atuar junto às classes populares no que tange à educação moral e educação sanitária, vale observar que, possivelmente, o público ao qual a revista era destinada era diferente daquele atendido pelos projetos sociais da organização filantrópica. Salienta Moysés Kuhlmann Jr, que durante os anos de 1920, quando se acirram os debates entorno da Educação Pública, apresentam-se projetos diferentes de “educação popular”, mais voltada para o “mundo do trabalho”. Embora os discursos em torno dessa separação, entre o tipo de educação dado à criança da elite e o dado à criança da classe popular não fosse homogêneo, ele aparece em diversos espaços, e, durante os anos de 1930, também pode ser observado. “Na linguagem pedagógica, tratava-se de educar as crianças pobres para que aceitastratava-sem ficar à distância do usufruto da riqueza nacional, por meio de um sistema de educação popular.[...]” ( KUHLMANN JÚNIOR, 2002, p. 473).

Ao pesquisar os discursos em torno da infância, veiculados pela revista, Marina de Moura (2007)3, pondera que o público alvo da revista era, certamente, a classe média e a elite paulistana. Indícios significativos, presentes na revista, podem corroborar para tal afirmação. Dentre eles, as fotos de crianças, que eram divulgadas pela revista. Tal qual ocorria em outros periódicos similares que circularam no período, como, por exemplo, a Fon-Fon (que possuía uma página dedicada às crianças), a revista Infância recebia fotos de crianças, vindas de vários estados brasileiros, e as divulgava na seção “ Galeria da Criança”. Nas fotos, crianças brancas, com roupas engomadas, cercadas de brinquedos ou participando de almoços em família. Outro estudo acerca das fotos de crianças publicadas em revistas que circulavam nos anos de 1930 é o de Olga Brites (2000). Segundo a autora

Nessas fotografias de crianças, a pobreza não costumava aparecer, inexistindo espaço para o registro do trabalho infantil, da sujeira, da carência, exceto sob o signo da assistência. A luz que revelava essas crianças faziam parte de um mundo da bela aparência, que indicava saúde e felicidade. Tirar fotos de corpo inteiro integrava um projeto de revelar condições sociais favoráveis: o corpo era elemento importante no diagnóstico dos fotografados “pés, mãos, rosto, tronco”, roupas asseadas, limpas, cabelos impecáveis, pele aveludada e macia, sempre branca, tão valorizada no anúncio de certos produtos para a infância. (BRITES, 2000, p. 166).

3 MOURA, Marina de. A noção de infância no Brasil na década de 1930: uma análise da revista Infância.

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Nesse sentido, como observa BRITES (2000), as fotografias divulgadas por revistas da época, já apontam para o tipo de público alvo da revista. Outro possível indício são as propagandas veiculadas pelo periódico. No caso da revista Infância, propaganda de lojas que vendiam roupas para viagens, propagandas de brinquedos e produtos alimentícios como biscoitos e chocolates também podem ser indicativos. Assim, em meio a discursos higienistas, médicos, psicológicos e pedagógicos, a revista Infância buscava falar aos seus leitores, apresentando certo tipo de concepção de criança e infância.

Estante Infantil: orientações para a formação da criança leitora

Presente em todas as edições da revista Infância4, a seção Estante Infantil

apresentava, a cada edição, alguns livros, indicados pela revista como propícios para a formação dos jovens leitores. Tal preocupação encontra-se evidenciada na primeira edição da revista, onde, na seção Estante Infantil aparece a frase “Preparando a mentalidade de amanhã”( INFÂNCIA, 1935, s/p). Ainda na mesma edição, Vicente Lessa Júnior, responsável pela seção Estante Infantil, pondera que, embora o Brasil não tivesse, até a alguns anos antes, uma significativa produção de livros, a ampliação das escolas, bem como as teorias acerca do desenvolvimento infantil, favoreceu a expansão dos livros voltados para crianças e jovens. Os livros indicados pela primeira edição foram “O Tesouro de Tarzan”; “As viagens de Tom Sawyer”; “Mil milhas por hora” e “ O tesouro das ilhas Galápagos”. Estes livros faziam parte da coleção Terramarear, da Companhia Editora Nacional. Ainda esta primeira edição, algumas considerações tecidas por Venâncio Lessa apontam novamente para a preocupação com o caráter educativo que o livro infantil poderia ter.

[...] Nessa coleção, aparecem livros de leitura amena e instrutiva, procurando despertar o gosto pelo estudo das várias ciências, cujas noções são apresentadas no decorrer de agradáveis páginas. Sobretudo, porém, o que mais objetivam esses livros é implantar, na criança, de maneira definitiva, o habito da leitura sã e instrutiva, e assim julgamos merecerem um lugar de destaque na estante dos nossos filhos. (LESSA JÚNIOR, 1935, s/p).

A concepção de que a literatura infantil possui potencial educativo não era uma exclusividade do período no qual a revista Infância circulou. Nos primeiros anos da República, autores como Olavo Bilac, Manuel de Bonfim e Júlia Lopes de Almeida escreveram livros voltados ao público infantil. O Livro Através do Brasil (de Olavo Bilac e Manuel de Bonfim) foi adotado como livro de leitura em escolas públicas, principalmente no

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Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Este livro, assim como alguns outros que circularam no mesmo período são chamados de “Literatura Cívica Pedagógica” (HANSEN, 2011, p.52), uma vez que apresentavam franca preocupação com a formação moral dos leitores, bem como o incentivo ao “amor à pátria”. No que se refere à estética, a preocupação com a língua portuguesa (correta, rebuscada) e com a criação de personagens exemplares (crianças obedientes aos adultos, bondosas) era comum a maioria desses livros (ZILBERMAN & LAJOLO, 2007, p. 40).

Durante as primeiras décadas do século XX, a preocupação em oferecer às crianças livros com exaltação à “boa conduta moral” permaneceu. Se, aos poucos, a linguagem adotada era mais coloquial, a exaltação de valores socialmente valorizados (culto ao trabalho, ao amor à pátria, à obediência aos mais velhos, a caridade, etc) permaneciam presentes nos livros escritos especificamente para crianças. Exemplo disso são os livros do escritor Thales de Andrade. Seu livro “El Rei D. Sapo” (escrito em 1917), trazia o discurso da Escola como salvadora, instituição capaz regenerar e salvar as futuras gerações da ignorância (apontada por muitos como o grande mal do Brasil)5. Dessa forma, em sua coleção “Encantos e Verdades”, Tales de Andrade demonstrou de forma clara a preocupação em educar a partir das histórias fictícias. Lessa Júnior, na seção Estante Infantil, ao discorrer sobre os livros da coleção ressalta, justamente, seus possíveis aspectos pedagógicos e educativos.

Já a edição seguinte, de abril de 1930, não traz, especificamente, considerações de Vicente Lessa Júnior sobre a literatura infantil. São apresentados os títulos, com breves resumos sobre as obras. Além das seções nas quais são divulgadas as coleções de livros, duas em especial chamam a atenção, por, assim como na primeira, apresentarem textos com considerações críticas acerca do livro para crianças: a edição de setembro de 1935, e a edição de junho de 1936, que apresenta um artigo escrito pela educadora Elvira Nizynska da Silva6, à

5 Ver: SOARES, Gabriela Pellegrino. Semear horizontes: uma história da formação de leitores na Argentina e no

Brasil, 1915-1954. Belo Horizonte: Editora UFMG/ FAPESP, 2007.

6 Elvira Nizynska da Silva (1896 – 1964): Filha de poloneses, Elvira Nizynska da Silva nasceu no Rio de

Janeiro, na época, Distrito Federal. Estudou na Escola Normal do Distrito Federal, entre 1911 e 1913. Além de lecionar, Nizynska também atuou como Diretora Adjunta da Escola Rodrigues Alves, no Catete (hoje extinta) entre (1938) . No mesmo período, filiada à Associação Brasileira de Educação (ABE) a professora Elvira Nizynska participou de vários debates em torno do livro infantil, juntamente com Juracy Silveira, que era sua amiga pessoal. Em 1933, Elvira Nizynska foi nomeada professora assistente da cadeira de Matérias de Ensino, do Instituto de Educação do Distrito Federal.A educadora permaneceu no Instituto de Educação até 1938, neste período, Nizynska lecionou as disciplinas “Literatura Infantil” e “Leitura e Linguagem”. Concomitante a sua passagem pelo Instituto de Educação, atuou também como diretora adjunta da Escola Argentina. Ao longo dos anos, Elvira tornou-se estudiosa e especialista em Literatura InfantoJuvenil, tanto em 1936, foi convidada a compor a Comissão de Literatura Infantil, criada pelo ministro de Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema. Nela desempenhou importante função técnica, procurando apresentar pesquisas e estudos recentes, à época, sobre o assunto. Para maiores informações, ver: COSTA, Aline Santos. A Comissão Nacional de

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época, professora da disciplina Literatura Infantil, no curso de formação de professores do Instituto de Educação do Distrito Federal.

O texto de Vicente Lessa, publicado na edição de setembro de 1935 intitula-se Formando o hábito de ler e antecede ao anúncio da Coleção Infantil da Biblioteca Pedagógica, coordenada pelo educador Fernando de Azevedo. Nas considerações de Lessa Júnior, o habito de ler deve ser construído antes mesmo de a criança ser capaz de ler.

Cremos não afirmar nenhum absurdo se dissermos que é antes de aprender a ler que a criança forma seu hábito de leitura. Para isso reconhecer, não é preciso mais do que observar como o petiz, via de regra, quando cercado de um ambiente que não seja muito avesso à leitura, sente pelos livros o mesmo interesse que pelos brinquedos [...] ( LESSA JÚNIOR, set/ 1935, p. 25).

A fala de Lessa Júnior aponta para uma dimensão interessante acerca do desenvolvimento infantil, a consideração do desenvolvimento infantil como um processo contínuo e, ao que parece, crescente. Assim, embora ainda não leia, a criança pequena é capaz de reconhecer as formas das imagens, imaginar histórias para elas, manusear os livros e ouvir as históricas contadas por um adulto ou criança mais velha. Esse contato prévio seria, então, fundamental para a formação de uma “nova geração” de leitores. Mais adiante, em seu texto, o autor pondera que cabe aos pais orientar os gostos literários infantis, ao oferecer obras edificantes e instrutivas, sem, contudo, abrir mão do caráter fantasioso e humorístico comuns às históricas infantis (segundo Lessa Júnior).

Se os primeiros textos acerca do livro infantil são apresentados como breves comentários que antecedem a propaganda das coleções de livros infantis, o mesmo não ocorre na edição de junho de 1936. A Estante Infantil desta edição é assinada pela educadora Elvira Nizynska da Silva, à época, componente da Comissão Nacional de Literatura Infantil (CNLI), criada em maio de 1936, pelo então ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema. O artigo intitulado Problemas da Literatura Infantil apresenta um estudo mais específico, dialogando com outros estudos sobre o tema, realizados no Brasil e em outros países, tais como França, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos da América. Além desses estudos, é possível perceber o diálogo estabelecido com alguns teóricos da chamada Escola Nova, uma vez que trata da literatura infantil partindo dos estudos sobre a criança.

Dissertação defendida para obtenção do título de Mestra em História Social, pelo Programa de Pós Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no ano de 2011. COSTA, Aline Santos. “ESCOLA NOVA E LITERATURA INFANTIL:a atuação de Elvira Nizynska como educadora e pesquisadora dos livros infantojuvenis nos anos de 1930”. In: PIMENTA, Jussara Santos; DINIZ, Aires Antunes; PIMENTA, Thales Henrique; COSTA, Aline Santos. Diálogos sem fronteiras: Educação, História e

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Em seu artigo, a educadora Elvira Nizynska, a educadora apresenta, dentre diferentes questões, a preocupação com o caráter estético e, ao mesmo tempo, o que chama de alcance educativo das obras de literatura voltadas para o público infantil. No início de seu artigo, a educadora pondera:

Mas, quais as qualidades essenciais aos livros, para que tal finalidade [ oferecer sentimento estético e ideais de ação às crianças] seja alcançada? Antes de tudo, arte. Arte na apresentação material do livro, afim de que ele seja um estímulo agradável. Até na linguagem, que deve corresponder a simplicidade, a clareza e a correção, sem preciosismos de estilo e rebuscamento de termos, sem o emprego de termos grosseiros de gíria, sem abuso de termos Técnicos. Arte no enredo, isto é, fantasia delicada, dentro dos interesses dominantes nas crianças, em determinadas idades; tipos humanos, dignos de imitação possível; situações de vida bem aproximadas das situações reais, embora o elemento de ficção aí se deva fazer sentir; soluções felizes, sem recurso a absurdos; incidentes jocosos que mostrem os aspectos pitorescos da vida, sem abuso do grotesco, e muita ação, muita vivacidade, muita imaginação, com uma preocupação dominante com a “formação moral” da nossa infância. (NIZYNSKA, 1936, p. 27).

As considerações apresentadas por Nizynska apontam para algumas dimensões, ainda que um pouco vagas, dos predicativos de um livro de literatura infantil considerado, por ela – e, possivelmente, pelos educadores que compartilhavam da mesma opinião – como ideais para o público leitor almejado. Em sua fala, a educadora considera a Literatura Infantil como arte, não é, portanto, apenas um instrumento educativo e moralizador. É necessário que estes livros façam sentido para as crianças, que os leitores sejam capazes de estabelecer uma relação de compreensão e, ao mesmo tempo, de afeto para com os livros. Pensando em uma criança que passa por fases diferentes ao longo seu desenvolvimento cognitivo, Nizynska aponta a necessidade de histórias que, embora tenham como finalidade maior o desenvolvimento de valores morais, estejam também de acordo com os gostos literários infantis. A criança, então, é capaz de opinar, de gostar ou rejeitar um livro literário que se pretende escrito para ela. Não é por acaso que a educadora, ao expor os resultados do inquérito coordenado por ela, no Instituto de Educação, sobre gostos literários infantis, apresentados no mesmo artigo, pondera:

Um fato muito interessante foi observado: os livros de Literatura Infantil, com preocupação francamente didática, não eram procurados e quando, por insistência, recebidos, eram abandonados, logo depois da leitura das primeiras páginas. (NIZYNSKA, 1936, p. 28).

Nesse sentido, os inquéritos realizados pela disciplina, bem como as considerações apresentadas pela professora, apontam para a busca de um estatuto para a Literatura Infantil. A respeito desta questão pode-se estabelecer um diálogo profícuo com o trabalho de

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Maria Zaira Turchi. Ao discorrer sobre os estudos teóricos da Literatura Infantil, Turchi pondera que, por muitos anos, a Literatura Infantil foi considerada um gênero marginal. Isso porque não havia, para este gênero literário, um campo teórico específico. E mesmo no início dos anos 2000, o campo teórico da Literatura Infantil ainda não estava bem delimitado.

Diante das especificidades da Literatura Infantil, Maria Turchi salienta a necessidade de encará-la não como obra pedagógica ou paradidática, mas como uma expressão artística, um objeto estético. Este seria um dos grandes desafios do campo teórico da Literatura para crianças. O estatuto artístico do livro Infantil, ainda segundo a autora, aponta como fundamental a capacidade do livro de apresentar os elementos fantásticos de maneira que faça sentido para o público leitor almejado. “[...] Escrever para crianças não é dominar artifícios que venham a preencher um rótulo, mas é ser capaz e expressar-se dentro de uma[...] troca significativa em que o leitor se sinta tomando parte no mundo da literatura[...]” (TURCHI, 2001, p. 38).

Ainda que defendesse o papel educativo e formador da literatura para crianças, para Nizynska, era fundamental que houvesse qualidades específicas em aspectos como a linguagem, a encadernação, as figuras e a construção da narrativa. Levando-se em consideração a concepção de educação estética vislumbrada à época, é possível perceber que os aspectos literários e materiais dos livros infantis deveriam, então, concorrer para a formação moral dos leitores. Trata-se, portanto, de uma relação mais complexa entre estética e formação educativa, para além da visão na qual a literatura infantil estaria subjugada aos valores morais e preocupações pedagógicas.

Todavia, não é possível, no período de circulação da revista Infância, falar sobre educação estética, sem falar de educação moral, através de valores sociais disseminados e defendidos por determinados grupos sociais. Nesse sentido, um diálogo com Cintia Greive da Veiga (2006) torna-se de fundamental relevância. Segundo a autora, o discurso corrente em torno da modernidade, durante as primeiras décadas da república, apontava para uma preocupação com os hábitos e gostos dos brasileiros, sobretudo, dos indivíduos das classes populares.

Assim, era necessário desenvolver o senso de estética, de ações e sentimentos “saudáveis”, de acordo com os valores disseminados pelos grupos que, àquele momento, conseguiram estabelecer um lugar de fala nos diferentes âmbitos sociais ( juristas, médicos, educadores). Para isso, o processo de escolarização se tornou um da importante aliado. Através de diferentes manifestações artísticas, se dava esse processo de educação estética,

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que visava preparar as novas gerações para se adequarem ao ideal de civilidade e modernidade.

[...] Essa educação estética referia-se às mais variadas formas de expressão artística , como o canto, a dança, a musica, a literatura, o teatro, os trabalhos manuais, mas, principalmente, às formas de educar para produzir uma emoção estética. A capacidade de contemplar a beleza urbana, seus jardins e edificações, a nova estética dos prédios escolares e das salas de aula; pensou-se também nas festas cívicas e escolares [...] (VEIGA, 1996, p. 405 – 406).

As considerações de Veiga apontam, assim, para um projeto de educação estética que possui expressão fundamental no âmbito escolar, mas que se estende, para além dele. Procurava-se sensibilizar não apenas pelo canto, pela dança, pela literatura, mas também pelos novos prédios, jardins e praças criadas no espaço urbano. A Literatura infantil, assim, insere-se nessa tipo de preocupação estética, uma vez que é apresentado, em diversos momentos, como um potencial instrumento educativo.

A literatura infantil como elemento de potencial educativo e pedagógico é assim percebida, podemos inferir, pelas concepções de infância que circulavam à época. Considerar a infância como um momento da vida em que se constrói os valores morais, para que, a criança (entendida enquanto ser incompleto) venha a se tornar um adulto seguindo determinados padrões sociais, corrobora para certo tipo de relação para com o livro infantil. Vale aqui ressaltar que esta relação se estabelece entre a literatura infantil e o adulto, que cumpre o papel de mediador entre o livro e as crianças, uma vez que são eles que compram, escolhem e oferecem os livros aos pequenos leitores. Não é fortuita, portanto, o título da primeira matéria de Venâncio Lessa Júnior, para a seção Estante Infantil, “Preparando a mentalidade de amanhã”.

As concepções de criança e infância, em voga à época podem ser percebidas no estudo apresentado pela educadora Elvira Nizynska, acerca dos gostos literários infanto-juvenis.

Foi observado: até 8-9 anos o interesse pelo maravilhoso é muito acentuado; as crianças se sentem empolgadas pelas personagens de ficção, agradando-lhes extraordinariamente que os animais e objetos tenham dons sobrenaturais. É curioso notar, porém, que embora haja esta ânsia de fantasia, [...] as crianças distinguem o real do fantástico [...] (NIZYNSKA, 1936, p. 26).

Dos nove anos em diante verificou-se que há insistência, da parte das crianças observadas, por histórias mais próximas da realidade, em que o elemento fantástico apareça, não como parte essencial, mas para permitir soluções felizes desejadas por todas as crianças, em suas histórias. Os desfechos tristes não correspondem ao desejo das crianças [...] (NIZYNSKA, 1936, p. 27).

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Nesse trecho do artigo, parece oportuno observar a forma como ocorreram os inquéritos realizados pela disciplina Literatura Infantil, ministrada no Instituto de Educação pela referida educadora. Embora circunscrito apenas a um circulo pequeno de crianças (familiares das alunas e estudantes da Escola Elementar do Instituto de Educação), o inquérito consegue responder ao questionamento inicial, que visava entender em quais idades específicas a criança possuía maior interesse por histórias fantásticas. Pensar o desenvolvimento cognitivo e psicológico das crianças a partir de faixas etárias aponta para as contribuições que alguns estudiosos do desenvolvimento infanto-juvenil. Os estudos de Jean Piaget e Edouard Claparède sobre o desenvolvimento infantil trouxeram novas perspectivas para a relação entre Educação e Literatura Infantil. Assim, como pondera a educadora no trecho citado do artigo, busca-se dar à Literatura Infantil um lugar na Educação.7

Pode-se dizer, por exemplo, que o momento em que a criança mais gosta de histórias fantásticas seria o período em que, segundo Piaget (1975), a criança estaria na fase “pré-operatória” (mais ou menos entre os 4 e os 7 anos). Nesta fase, as crianças começam a adquirir a linguagem, bem como a capacidade de entender símbolos e elaborar brincadeiras simbólicas (dar novos nomes e usos para objetos; teatralizar). Já nas fases seguintes, isto é, “operatória concreta” (8 aos 11 anos, aproximadamente) e “operatória abstrata” (a partir dos 12 anos), começa a ter uma maior exigência de histórias que representem situações vividas, cotidianas. Esta é a fase, segundo Piaget (1975), na qual a criança começa desenvolver a capacidade de pensamento abstrato, de contestar o real e propor soluções possíveis8.

É possível, então, afirmar que o estudos desses autores auxiliaram na construção de uma determinada concepção de infância e de criança, que aparecem nos discursos tanto da educadora, quanto nos de Venâncio Lessa Júnior, responsável por assinar a seção. Esta concepção, então, incide diretamente sobre a relação que se tenta estabelecer entre os livros infantis e seu público alvo. Possibilitam-se, assim, novas exigências sobre esses livros oferecidos às crianças, pautados no papel conferido ao livro infantil e nos aspectos do desenvolvimento cognitivo do público almejado.

7 Sobre as contribuições dos estudos sobre a criança e o desenvolvimento infantil, realizados nas décadas de 1920

e 1930, sugerimos ver: COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática. São Paulo: Editora Moderna; 2000.

8 A respeito das fases do desenvolvimento infantil, dividido por fases e sua relação com o aprendizado, ver:

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Considerações finais

A partir do estudo apresentado é possível observar a maneira como a questão da literatura infantil, bem como a formação de um público leitor infantil foram tratados na revista Infância. O discurso acerca da modernização do Brasil e da necessidade de formar um cidadão apto para esta sociedade moderna aparecem nos discursos acerca da literatura infantil. O título conferido ao primeiro artigo acerca dos livros infantis “Preparando a mentalidade de amanhã”( INFÂNCIA; 1935:s/p) torna-se emblemático dessa preocupação com o papel educador e conformador do pensamento infantil. De forma mais especificada ele também é apresentado no artigo escrito por Elvira Nizynska da Silva. No caso do artigo, é possível perceber a complexa relação estabelecida entre a concepção acerca do público leitor almejado (a criança), o papel educativo conferido ao gênero literário e os predicativos esperados de um livro infantil (ligado à concepção acerca da criança e ao papel conferido à literatura infantil).

Uma vez que o público alvo da revista Infância era o adulto que, fosse no âmbito doméstico ou fora dele tivessem contato com crianças, a Estante Infantil visava assim fornecer orientação, de acordo com os “mais modernos estudos sobre o assunto”. Tal objetivo pode ser vislumbrado a partir do convite feito à Elvira Nizynska da Silva que, à época, além de lecionar a disciplina Literatura Infantil no Instituto de Educação do Distrito Federal, também compunha a Comissão Nacional de Literatura Infantil, no Ministério de Educação e Saúde. Seu discurso pautado em pesquisas educacionais e experiências no âmbito escolar podem indicar sua pretensão em atingir, além dos pais, os educadores. Outra consideração importante é que, embora a seção Estante Infantil fosse, possivelmente, mais lida por membros da classe média e elite paulistana, a Cruzada Pró-Infância demonstrou-se preocupada em relação à formação de leitores. Tal preocupação pode ser percebida na construção de algumas bibliotecas públicas, na cidade de São Paulo, por iniciativa da organização beneficente. À guisa de conclusão, vale observar que tais considerações mais complexas em torno do livro infantil não o isenta, para alguns discursos veiculados na revista, de seu caráter formador e conformador moral e educador.

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Fontes Documentais

Revista Infância Ano 1 nº 1

Revista Infância Ano 1 nº 2

Revista Infância. Ano 1 n° 9

Revista Infância Ano 2 nº 10

Referências

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CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Molde Nacional e Fôrma Fisica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação (1924 – 1931). São Paulo: EDUSF; 1998.

_______. “Pedagogia da Escola Nova e uso dos impressos: itinerário de uma investigação”. In:

Educação; Santa Maria, v. 30 – n. 02, p.87 – 104; 2005

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática. São Paulo: Editora Moderna; 2000.

COSTA, Aline S. A Comissão Nacional de Literatura Infantil e a formação do público leitor. Dissertação de Mestrado. UFRJ/ PPGHIS; 2011.

________. “A Escola Nova e a Literatura Infantil: a atuação de Elvira Nizynska como educadora e pesquisadora dos livros infantojuvenis nos anos de 1930”. In: PIMENTA, Jussara.S.(org). Diálogos

sem fronteiras: Educação, História e Interculturalidades. Curitiba: Editora CRV; 2012.

GONDRA, José G. História, Infância e Escolarização. Rio de Janeiro: Ed. 7 Letras; 2002.

HANSEN, Patrícia dos Santos. Brasil, um país novo: literatura cívico-pedagógica e a construção de

um ideal de infância brasileira na Primeira República. PUC SP; 2007.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil brasileira: História e Histórias. São Paulo: Editora Ática; 2007.

KUHLMANN Jr. Moysés. Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Editora Meditação; 1998.

MOURA, Marina de. A noção de Infância no Brasil na década de 1930: uma análise da Revista Infância. Dissertação de Mestrado em História Social. São Paulo: PUC 2007.

PIAGET, Jean. A construção do real na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. SILVA, Márcia Cabral. Uma história da formação do leitor no Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ; 2009.

Referências

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