Zonas Costeiras:
Gestão, Conservação e
Biodiversidade
Luís Cancela da Fonseca
FCMA, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, P-8005-139 Faro IMAR/Laboratório Marítimo da Guia, Estrada do Guincho, 2750-374 Cascais
Guia Marine Laboratory
...Património: algo que herdámos ou recebemos dos antepassados e é suposto que deixemos preservado e em bom estado aos que nos irão suceder.
Património?
Património?
A utilização dos sistemas lagunares e dos estuários pelo Homem foi continua ao longo da história. A sua elevada produtividade primária determina, tanto a sua função de viveiros para muitas espécies de moluscos, crustáceos e peixes que os utilizam durante a sua fase juvenil, retornando aos oceanos para se reproduzirem, como o papel que desempenham na alimentação, quer de muitos animais marinhos migradores, quer de inúmeras espécies de aves...
... Assim se tornaram locais privilegiados para a colecta de bivalves, caranguejos, camarões, peixes e aves para o consumo humano.
A importância destes locais como zonas portuárias remonta à antiguidade. Mais recentemente e a par do desenvolvimento de actividades de aquacultura, as lagunas e os estuários passaram a ser ainda requisitadas para actividades industriais e de recreio e lazer. O usufruto de todos os serviços referidos reflecte-se numa grande pressão sobre os seus recursos naturais, desde sempre muito procurados pelo Homem pelas suas condições de grande produtividade biológica e de abrigo natural.
... e a respectiva importância e relevância para a avifauna. Sempre a referência às aves! No sentir conservacionista colectivo, o papel das aves e de outras espécies emblemáticas tem sido preponderante.
10 20 30 40 50 P87 P88 P89 P90 P91 P92 P93 P94 P95 period nシ o f b o a ts a n d f is h e rm e n 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 7000 8000 n o . b ir d s birds f ishermen boats
Lagoa de Stº André: Variação annual do número de barcos e de pescadores (fonte: Docapesca, Sines) e abundância de aves (contagens invernais in Rufino, 1988, 1989, 1991, 1992; Rufino e Costa, 1993; Costa e Rufino, 1994; 1996).
Lagoa de Stº André: Número de dias de caça, número de aves abatidas e abundância de aves aquáticos P87 a P95 (contagens invernais in Rufino, 1988, 1989,1991,1992; Rufino e Costa, 1993; Costa e Rufino, 1994; 1996).
0 2000 4000 6000 8000 P87 P88 P89 P90 periodP91 P92 P93 P94 P95 n o .b ir d s 0 1 2 3 n o . h u n ti n g d a y s hunting days birds shot birds
Variação da precipitação média
Variação da precipitação média
entre 1931 e 2004 (----: valor
entre 1931 e 2004 (----: valor
médio para o período 1961-1990)
médio para o período 1961-1990)
[INM]
[INM]
Variação da precipitação média
Variação da precipitação média porpor
estação de 1931 a 2004 (----:
estação de 1931 a 2004 (----:
valores médios para o período
valores médios para o período
1961-1990) [INM]
No fishermen No boats No hunting days Fish catch Bird annual nb. -0.93, p <0.0005 -0.81, p <0.005 -0.72, p <0.025 -0.80, p <0.005 A. strepera -0.48, n.s -0.25, n.s -0.48, n.s -0.47, n.s A. crecca -0.77, p <0.01 -0.70, p<0.025 -0.49, n.s -0.58, n.s A. platyrhyncos -0.85, p <0.005 -0.86, p <0.005 -0.62, p <0.05 -0.68, p <0.025 A. clypeata -0.90, p <0.005 -0.89, p <0.005 -0.74, p <0.01 -0.76, p <0.01 N. rufina -0.69 p<0.025 -0.48, n.s -0.53, n.s -0.61, p<0.05 P.carbo -0.58, n.s -0.63, p <0.05 -0.81, p <0.005 -0.63, p<0.05 F.atra -0.94, p <0.0005 -0.82, p <0.005 -0.84, p <0.005 -0.84, p <0.005 Lagoa de Stº. André: Valores do coeficiente de correlação entre abundância de aves (Contagens de fim de Outono – dados do CEMPA) e nº de pescadores, nº de barcos, nº de dias de caça e descargas de pescado durante o período estudado.
Números médios (±SE) de Outubro a Março (1991/92 a 1993/94) na Lagoa de Stº André (SA) e noutras zonas húmidas monitorizadas em Portugal (Portugal).
Interacções entre o meio lagunar e os domínios adjacentes (continental e marinho): fases principais do ciclo
lagunar. (Alterações abruptas [ ] e lentas e continuadas [ ]).
!
Bacia hidrográfica da Ria Formosa
R. Gilão
R. Almargem
R. Gilão - Tavira
Ria
Ria
Formosa
Formosa
Zona Húmida 10 500 ha Canais Área Subtidal 3 500 ha Pisciculturas 500 ha Salinas 1 000 ha Zonas arenosas e lodosas Área Intertidal 2 000 ha Sapais 3 500 ha ©
Actividades Económicas
(zonas húmidas)
Cultivo de ameijoas
5 000 ton/ano
Cultivo de ostras
2 000 ton/ano
Piscicultura
(dourada e robalo)700 ton/ano
Berbigão
1 500 ton/ano
Sal
50 000
ton/ano
Trocas
mar-laguna
Escorrência continental
Trocas
sedimento-água
1990
1990
1995
1995
A importância das salinas como áreas de alimentação e/ou descanso para aves em diferentes locais de
Portugal (Ria Formosa, Ria de Aveiro, Castro Marim), tem vindo a ser demonstrada.
(Rufino et al. 1984, Biljsma et al. 1985, Múrias et al. 1997, Luis 1998, Masero et al. 2000, Dias 2000, Masero & Pérez-Hurtado 2001)
Monthly variation in the number of birds (B) and species (S) at low tide and Monthly variation in the number of birds (B) and species (S) at low tide and
high tide, on the salt works and mud flats at Tavira, southern Portugal. high tide, on the salt works and mud flats at Tavira, southern Portugal.
As salinas são zonas húmidas artificiais cujo valor biológico desaparece rapidamente na ausência de uma gestão adequada. Necessitam de uma conservação cuidadosa e de mais investigação.
Uso do espaço: conflitos
Uso do espaço: conflitos
ou harmonisação?
A perturbação das zonas de alimentação
A perturbação das zonas de alimentação
das aves da costa, acoplada à redução
das aves da costa, acoplada à redução
em presas disponíveis por causa da
em presas disponíveis por causa da
competição com os mariscadores, assim
competição com os mariscadores, assim
como o efeito no próprio habitat, é
como o efeito no próprio habitat, é
particularmente preocupante devido à
particularmente preocupante devido à
grande alteração física dos biótopos
grande alteração física dos biótopos
(Evans and Clarke, 1993).
Castro Marim - RNSCMVRSA
Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e V. Real Stº António: Número médio de aves entre 1992 e 1999.
8000 6000 4000 2000 0 Spring Autumn/Winter
Oct Nov Dec Jan Mar Apr 0 3 6 9 12 Cerro do Bufo N o in d /h a
Oct Nov Dec Jan Mar Apr
0 3 6 9 12 Salinas do Parra N o i n d /h a
Oct Nov Dec Jan Mar Apr
0 3 6 9 12 Venta Moinhos N o i n d /h a
Oct Nov Dec Jan Mar Apr
0 3 6 9 12
Horta d!el Rei
N o i n d /h a
Oct Nov Dec Jan Mar Apr
0 3 6 9 12 Cunha d'Eça Months N o i n d /h a
Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e V. Real Stº António:
Valores médios mensais de densidade da avifauna aquática (± SD) em biótopos de sapais e salinas - 1992 a 1999.
Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e V. Real Stº António: Relação entre o nº de aves e a precipitação durante o período de Outono/Inverno Rainfall No Individuals 500 400 300 200 100 0 4000 5000 6000 8000 y = 8711.8 - 9.3563x R = 0.891 P < 0.01 9000 7000
28/9/1999
2/1/2000
Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António
Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António
(
Setembro
Janeiro de 2000
Novembro
As alterações na composição e diversidade específica podem produzir modificações nas comunidades biológicas, já que interferem no alimento e na sua disponibilidade e, por essa via, na qualidade dos habitats para a manutenção das espécies e da sua reprodução. Tal como a poluição e outras alterações físico-químicas, a escassez de alimento também provoca um declínio acentuado das comunidades animais, pelo que é importante compreender como é que tais modificações se repercutem no funcionamento dos ecossistemas e seus “serviços”.
A ocupação das ilhas-barreira
A ocupação das ilhas-barreira
aumentou a seguir a 1974. Os
aumentou a seguir a 1974. Os
poderes central e local em Portugal
poderes central e local em Portugal
têm sido incapazes de lidar com
têm sido incapazes de lidar com
este tipo ... este tipo ... 1996 1996 1978 1978 1974 1974 1986 1986 1996 1996
... de ilegalidades (o mesmo tem
... de ilegalidades (o mesmo tem
acontecido com o ICN ). O cidadão
acontecido com o ICN ). O cidadão
continua... (uns julgam-se com todos
continua... (uns julgam-se com todos
os direitos; outros têm a certeza de
os direitos; outros têm a certeza de
que a legislação só se aplica a
que a legislação só se aplica a
alguns...)
A importância dos estuários e das lagunas é já reconhecida e começa a ser razoavelmente aceite entre nós, mas...
O olhar despreconceituado para estes charcos, ao revelar-nos a importância das contingências para a manutenção da biodiversidade a eles associada deveria permitir que brote em nós um outro modo de olhar para os espaços e espécies - devendo nós, enquanto
espécie, questionarmo-nos sobre as necessidades profundas (e deveres!) que temos relativamente aos espaços que nos suportam a vida.
1987:
“Do trabalho presente infere-se em particular a grande importância de que se reveste a tranquilidade nos sítios actuais e recentes de ocupação, e a conservação das zonas lagunares e barragens com peixe dulçaquícola. A extinção desta exígua população, altamente ameaçada pela ocupação humana do litoral e elevado isolamento geográfico, poderá ser evitada pela protecção do seu habitat e por um programa de maneio directo.”
... N
Wilcox (1984) definiu biodiversidade como “a variedade das formas de vida,os papéis ecológicos por elas desempenhados e a diversidade genética nelas contida”.
Odum (1997) refere dois provérbios provenientes da experiência de gerações humanas, relacionados com a diversidade e frequentemente ouvidos em conversas diárias:
“Não se põem todos os ovos no mesmo cesto” “A variedade é o condimento da vida”
E explica: “A variabilidade entre os organismos enriquece certamente as nossas vidas, mas tem também um valor muito prático: é muito mais seguro ter mais do que um tipo de organismo que possa “carregar com” (desempenhar) uma função vital. Nunca sabemos quando é que uma espécie rara (…) poderá fornecer um novo fármaco ou ser necessária para substituir uma mais comum que tombe vítima de uma doença”.
___________________
(Assim, chegamos à definição de biodiversidade actualmente aceite (Cincotta & Engelman, 2000): A diversidade de todos os seres vivos e todas as interconexões que suportam a vida na Terra
A biodiversidade, juntamente com os elementos notáveis da geologia,
geomorfologia, paleontologia e
paisagem devem ser considerados como valores patrimoniais. O reconhecimento e a consciencialização de que, tal
como o nosso património histórico e cultural, este património constitui também uma riqueza nacional, com valor não só em termos científicos, éticos e ecológicos mas também sob o ponto de vista sócio-económico,
estético, recreativo e cultural, torna-se na primeira atitude que importa adoptar colectivamente.
Os ecossistemas planetários abrigaram incontáveis gerações humanas,
que aprenderam a utilizá-los sem comprometer a sua produtividade e
biodiversidade. Conseguiremos nós, seres humanos da aurora do 3º
milénio, redescobrir a sustentabilidade da Natureza?
R.S.K. BARNES (1999) “The conservation of brackish-water systems : priorities for the 21st century”