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Academic year: 2021

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Este capítulo está dividido nas seções: (1) Perfil e Caracterização dos entrevistados; (2) Motivações para ser adepto da Simplicidade Voluntária; (3) Como foi o processo de se tornar simples; (4) Consequências da adoção da Simplicidade Voluntária; (5) O papel do grupo do Facebook, (6) Entendimento sobre a Simplicidade Voluntária.

4.1.

Perfil e caracterização dos entrevistados

Treze pessoas foram entrevistadas, sendo quatro homens e oito mulheres. Na Tabela 8, são apresentados dados demográficos (idade, nível de instrução, profissão, religião, estado civil, filhos e cidade e estado de residência).

Todos os entrevistados pertencem às classes socioeconômicas A e B (Critério Brasil, ABEP – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), não tendo restrições financeiras. Moram em imóveis próprios ou alugados. Dois entrevistados possuem outros imóveis que alugam. Todos estavam praticando a Simplicidade Voluntária há pelo menos um ano, porém muitos a adotaram há mais tempo. Para manter seu anonimato, os nomes são fictícios.

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Tabela 8: Perfil dos entrevistados Nomes Idade Formação /

Trabalho Estado Civil / Filhos Religião Cidade / Estado Meio de entrevista José 28 Turismo / Analista comercial Solteiro, sem filhos Ateu Capital SP Skype Carlos 37 Administração / Servidor público Casado, uma filha Batista Capital SP Presencial Rubem 38 Administração / Negócio próprio Casado, um filho Católico (não praticante) Capital SP Presencial Paulo 50 Letras / Autônomo Divorciado, duas filhas

Sem religião Litoral SP Skype Jane 32 Marketing / Área comercial Casada, sem filhos Espírita Capital SP Presencial Clarice 51 Odontologia / Consultório Solteira, sem filhos

Sem religião Interior MG

Presencial

Marta 45 Gestão Pública / Servidora pública Viúva, um filho Evangélica e Espírita Capital SP Presencial Rosa 56 Jornalista / Servidora pública Casada, três filhos Católica Capital MG Presencial Marlena 40 Jornalista / Professora de Ioga Casada, um filho Agnóstica Capital MG Presencial Thalita 38 Transição na carreira: vestibular Nutrição Solteira, sem filhos Espírita Capital RJ Presencial Eliza 60 Psicologia / Consultório Divorciada duas filhas Espiritualista Sem religião Capital SP Presencial Beth 39 Psicologia/ Assistente Administrativa Solteira, sem filhos Espiritualista Sem religião Capital SP Presencial Catarina 37 Pedagogia / Professora primária Casada, sem filhos

Sem religião Interior PR Skype PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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José

José mora na capital paulista e é o mais jovem, com 28 anos. Porém, no

momento da entrevista estava passando uma temporada na Austrália e a entrevista ocorreu via Skype.

Começou a simplificar a vida há cerca de quatro anos, mas conheceu o termo Simplicidade Voluntária há um ano e meio. As motivações para tornar-se adepto da Simplicidade Voluntária foram várias: primeiramente, assistiu a um documentário que o fez refletir sobre a sociedade. Para ele, o documentário mostrava o quanto a sociedade estava “doente”. A partir daí, decidiu tornar-se vegetariano, gatilho para uma vida mais simples. Também fez pesquisas na internet sobre o tema da simplicidade e descobriu o livro ‘Simplicidade Voluntária’, passando a fazer parte do grupo no Facebook.

A principal motivação para uma vida mais simples foi a insatisfação no trabalho. José trabalhava em agências de viagem (tem formação na área de turismo) e começou a se questionar em relação à vida estressante, a trabalho que o ocupava mais de oito horas por dia, como se isso fosse natural. Percebeu então que sua vida não tinha sentido dessa maneira e tomou uma decisão radical: pediu demissão do emprego e planejou uma viagem de seis meses pela Austrália, para pensar no que realmente queria, uma viagem em busca de experiências e reflexões.

As principais mudanças em relação à vida simples foram: tornar-se vegetariano, preparar pessoalmente algumas de suas refeições e comer menos fora, comer de forma mais saudável, tornar-se mais paciente e tranquilo, comprar menos roupas, ir menos a shopping centers, tornar-se mais humilde (não tem ambição de ter alto cargo em uma empresa). Gosta de viajar, mas tem ficado hospedado em hostels e tem evitado comprar lembranças e presentes para outros. Considera que ainda não teve uma mudança radical de vida, mas está no processo. Como nunca foi consumista e não tem maiores ambições, simplificar a vida é considerado algo fácil e natural, porém com pontos negativos, como afastar-se de amigos e família, devido a diferenças de visões.

Enquanto está na Austrália, José tem refletido sobre projetos futuros, como visitar uma Ecovila, morar em uma cidade menor e procurar emprego em que possa trabalhar menos tempo, talvez em meio período.

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Carlos

Carlos mora na capital paulista, é casado e tem uma filha. Está há um ano e meio praticando a Simplicidade Voluntária. A entrevista com Carlos foi conduzida em um shopping center localizado perto da sua residência.

A motivação inicial para simplificar a vida foi o estresse no trabalho. Tem formação em Administração e atuava na área de Recursos Humanos. Surgiu uma oportunidade para ocupar um cargo de diretoria, porém não era o que queria. A gestora fora direcionada para outra área, deixando o cargo em aberto, e o mais indicado para a substituição era Carlos. Ele se viu na obrigação de assumir o cargo, apesar de ter certeza de que não tinha o perfil, já que não ambicionava ter cargo alto, que para ele era sinônimo de estresse. Após assumir o novo cargo, teve sua vida complicada e, como consequência, ficou doente. Insatisfeito, resolveu estudar para concurso público, passou, saiu da empresa, tornou-se servidor público e foi crescendo na carreira, porém de forma menos estressante e mais prazerosa. O cargo público oferece salário inferior ao que ele ganharia como diretor na empresa.

Sua religião também o auxiliou a ter vida mais simples. É batista e gosta de estudar sobre religião. Acredita que as religiões incentivam a simplicidade na vida, abordando que ser é mais importante do que ter, trazendo mais felicidade.

A partir de então, resolveu simplificar sua vida. Criou um blog dedicado ao tema e passou a integrar o grupo Simplicidade Voluntária no Facebook. Leu o livro ‘Simplicidade Voluntária’ e sempre faz pesquisas sobre o tema, para aprender mais. Como não conhecia pessoas que buscavam a vida simples, a criação do blog teve o intuito de interagir com indivíduos com o mesmo objetivo. Alguns amigos não entendem sua opção de vida simples e às vezes até a confundem com falta de dinheiro.

Quando decidiu tornar-se mais simples, refletiu sobre o propósito de vida e, com base nele, pensou nas coisas que iria simplificar. Busca valorizar amizades e a família. Resolveu diminuir coisas que não estavam ligadas diretamente a isso. Valoriza encontrar com amigos em sua casa e experiências, como viajar. Reduziu a compra de bens materiais, que não estão ligados diretamente ao que valoriza, e tem a percepção de que o consumismo exagerado é nocivo para o mundo e para as pessoas. Prioriza o consumo de serviços em detrimento do consumo de bens.

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Rubem

Rubem mora na capital paulista, é casado e tem um filho. A entrevista com Rubem foi conduzida em uma praça na cidade de São Paulo, local onde o entrevistado gosta de caminhar e ter contato com a natureza.

Pratica a Simplicidade Voluntária há cinco anos e também leu o livro ‘Simplicidade Voluntária’.

Não tem ambição de crescer no negócio próprio que possui. Pretende vender a empresa, por estar consumindo seu tempo e ter outro trabalho, que consuma menos tempo e que seja mais prazeroso. Uma das motivações para se tornar simples é a redução de tempo de trabalho, para poder dedicar-se à família e ter mais qualidade de vida. A pressão das pessoas cobrando crescimento profissional o incomoda. Entende que isso não traz felicidade, pelo contrário, faz as pessoas adoecerem. Critica o consumismo exagerado. Para Rubem, as pessoas trabalham muito para ter bens materiais.

O processo de mudança ocorreu com a redução do consumo de bens supérfluos. Valoriza a experiência ao invés de bens. Prefere serviços, como viagens e restaurantes, pois trazem momentos de prazer que marcarão a vida, diferente de bens materiais, que não trazem esse benefício.

Dentre os principais benefícios da Simplicidade Voluntária estão o sossego e a tranquilidade. Tem projeto futuro de fazer o caminho de Santiago de Compostela e de morar, algum dia, no interior. Afastou-se de alguns amigos e parentes por causa de diferenças de visões.

Paulo

Paulo mora no litoral paulista. Devido à distância, a entrevista foi feita via Skype.

Paulo pratica a Simplicidade Voluntária de forma mais radical. Muitos entrevistados relataram que Paulo é o que mais a colocou em prática, sendo considerado um exemplo. O próprio Paulo diz que, apesar de ser mais radical na prática da Simplicidade Voluntária, as pessoas não precisam seguir seu exemplo, podendo ser simples sem radicalismo. É bastante popular no grupo virtual, por ser um dos mais participativos. Todos os entrevistados o conhecem.

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É descendente de estrangeiros, que gostavam de estar em contato com a natureza em cidades do interior, tendo sido, portanto, influenciado pela família.

Passou por um período em que teve casa e automóvel, levando a vida padrão na sociedade. Porém, não estava feliz, não tinha tempo para fazer o que gostava. Teve duas filhas e, nesse momento, sentiu necessidade de voltar aos seus valores originais, para ter tempo para elas. Com isso, mudou sua vida.

Hoje, tem um terreno próprio, onde vive acampado. Tem uma pequena construção, que chama de rancho, para a cozinha, o banheiro e o escritório e pretende construir um pequeno quarto para as filhas. Tem plantação, apesar de comprar alguns alimentos, como frutas. Anda de bicicleta. Seu nível de consumo é o mais baixo dentre os entrevistados, produz lixo reduzido e procura reaproveitar tudo.

Trabalha ministrando oficinas sobre sustentabilidade. Critica o sistema. Estuda bastante sobre os acontecimentos no mundo. Considera-se livre, “sem as correntes no pé”. Para ele, as pessoas estão infelizes, doentes, trabalham muito, sem tempo para outras coisas, o que não é a vida ideal.

Suas filhas moram com a mãe, porém estão muito presentes. Procura ensinar a elas os valores da simplicidade.

Jane

Jane mora na capital paulista, é casada e não tem filhos. Seu marido também pratica a vida simples. A entrevista foi conduzida na rodoviária de SP, próxima à residência da entrevistada.

Jane tem um blog e um site de doação de objetos. Quando criança, foi ensinada pela mãe a não ser consumista e a doar brinquedos quando não os usava mais. Por ser assim desde cedo, não teve dificuldades para se tornar simples. Passou por uma fase consumista, e resolveu simplificar.

É espírita, considera-se religiosa e alega que a religião a fez dar mais valor à vida simples. Realiza trabalhos voluntários.

Reduziu o consumo de bens, comprando somente o que precisa e fazendo muitas doações. Pensa e pesquisa antes de comprar um produto. Valoriza a experiência e os serviços, gostando de ir a um restaurante e viajar. Gasta dinheiro com cursos. Dá valor a esse tipo de experiência, dizendo que, “se eu morrer ali na

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esquina, eu vou levar comigo as impressões, as impressões do que eu vivi, não do que eu tenho”.

Entrou no grupo do Facebook por indicação de uma das integrantes, que acompanhava seu blog. Trocaram mensagens e uma indicou para a outra o grupo.

Está insatisfeita com a vida profissional, pois trabalha na área comercial. Tem formação superior e considera que seu cargo vai contra as ideias em que acredita e que pratica. Tem projeto de iniciar novo curso de graduação, para trabalhar com o que gosta, em área que tenha mais afinidade com a Simplicidade Voluntária.

Clarice

Clarice mora no interior de Minas Gerais, é solteira e não tem filhos. Mora sozinha em casa própria, onde foi conduzida a entrevista.

Clarice nasceu em uma família simples. Seus pais eram da área rural. Aprendeu desde cedo a viver de forma simples. Saiu de casa para estudar, morando em lugares pequenos, mantendo a vida simples. Hoje, tem consultório de odontologia, casa própria e outros imóveis alugados. Contudo, sua vida é simples e acha que pode simplificar ainda mais.

Valoriza o tempo disponível, que chama de “ócio criativo”, que torna a vida mais saudável e com mais qualidade. Não tem ambição profissional de crescer mais na profissão.

Critica o consumismo exagerado e não entende as pessoas que acumulam bens buscando assim ser felizes. Reduziu, com facilidade, seu consumo de produtos e despesas da casa (água, energia).

A pesquisadora conheceu a casa da entrevistada. Em seu armário, há poucas roupas e acessórios. Há um cômodo vazio, pois, segundo ela, não precisa daquele cômodo, alegando que a casa é grande para ela por ter dois quartos. Os aparelhos eletrônicos não são novos, já que a entrevistada utiliza os bens até pararem de funcionar.

Clarice mencionou que amigos a criticam por levar uma vida tão simples. Por ter imóveis e consultório de odontologia, poderia ter posse de mais bens materiais, mas está satisfeita com sua vida, não tem ambição de ter produtos novos (por exemplo, seu carro é de um modelo antigo) ou bens materiais em

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excesso. Acha que esse tipo de consumo é desnecessário e não conduz à felicidade.

Marta

Marta mora na capital paulista com seu filho. Trabalha como servidora pública, é viúva e o namorado mora em outro estado. A entrevista foi conduzida no seu local de trabalho.

Desde cedo, Marta teve um estilo de vida simples: “na minha juventude, eu fui aquela que queria ser hippie (...), a gente ia acampar e já tinha essa ideia da simplicidade”. Aprendeu os princípios da simplicidade com o espiritismo. Ela mencionou que o espiritismo divulga práticas de uma vida simples, o que a encorajou a adotar. Procura passar esses princípios para o filho.

Gosta de aprender sobre simplicidade na internet e, no grupo do Facebook, aprende muito.

Não dá valor ao consumo de bens, comprando pouco. Gosta de viajar: viagem acompanhada (para encontrar o namorado em sua cidade natal ou outras cidades para turismo) ou com o filho; Também viaja sozinha, para reflexão e autoconhecimento, um momento para dedicar-se a si mesma.

É criticada pelas pessoas que conhece (amigos e parentes), que falam para comprar mais roupas, arrumar-se melhor ou comprar um celular mais moderno. Diz estar acostumada às críticas e não fica incomodada com elas. Continua mantendo a vida simples, por acreditar ser a melhor opção.

Rosa

Rosa mora na capital mineira, é casada e tem filhos adultos. Jornalista, trabalha como servidora pública. A entrevista foi conduzida no seu local de trabalho.

Considera que ainda fez poucas mudanças para a vida simples, porém, faltam poucos meses para sua aposentadoria e faz planos para simplificar ainda mais a vida a partir daí. Gosta de estudar sobre religiões e, quando se aposentar, pretende estudar mais e ter tempo para fazer o que gosta.

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A principal motivação para ser simples é a busca de serenidade e calma e fugir do estresse do dia a dia. Rosa acha que as pessoas vivem na correria no trabalho e no consumo: “ter que estar seguindo que nem boi, que nem boiada, todo mundo no mesmo caminho”. No ambiente de trabalho, por exemplo, gostaria de vestir roupas mais simples e não roupas formais.

Tem uma casa de campo para finais de semana, onde se dedica à horta e ao jardim. Identifica-se com ela, onde pode viver uma vida simples, em contato com a natureza. Após se aposentar, planeja se mudar para lá.

Algumas mudanças já estão incorporadas: reaproveitamento de objetos (utilização de pneus velhos para decorar o jardim), plantação de alimentos em sua casa de campo e redução do consumo de bens.

Rosa sente-se tão feliz por ter sua plantação de alimentos, por reaproveitar objetos, que sentiu vontade de mostrar diversas fotos para a pesquisadora, das suas plantações, do que já fez para reaproveitar objetos e de sua casa de campo.

Marlena

Marlena mora na capital mineira, é casada e tem um filho. Formada em jornalismo, trabalhou como jornalista, mas hoje é professora de ioga. A entrevista foi conduzida em um bistrô em Belo Horizonte, localizado em estabelecimento comercial onde, além do bistrô, existem um cinema e uma livraria.

Um dos motivos para se tornar simples foi a insatisfação com o trabalho de jornalista. Sentia que queria algo diferente e começou a procurar: “Então, eu fui buscando me ouvir”. Fez aulas de ioga, que trouxe mais tranquilidade na vida. Fez cursos de formação de professor e passou a dar aulas de ioga, abandonando o jornalismo.

Sua mãe faleceu de câncer, o que despertou reflexões para a importância de ter uma vida prazerosa, com qualidade: “Na vida, eu conheci muita gente que não tinha dinheiro, que eu via que aproveitava bem a vida, e outras que tinham e que eu via que não aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o que eu quero para mim”.

Nunca foi consumista, julga que o importante não é deixar de ter coisas, mas sim não ter em excesso, evitando o acúmulo do que não é necessário. Faz muitas doações. Busca ensinar essas ideias para o filho.

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Valoriza a experiência, aquilo que dá prazer e conhecimento: atividades culturais, viagens. Gosta muito de ler, comprando livros ou tomando-os emprestados. Para ela, livros são bens materiais que, por agregarem conhecimento, são positivos de comprar, apesar de muitos serem adquiridos via empréstimos.

Já conheceu pessoalmente alguns membros do grupo do Facebook.

Thalita

Thalita reside na cidade do Rio de Janeiro, é solteira e mora sozinha. É a criadora e moderadora do grupo no Facebook. A entrevista foi realizada em um shopping center no Rio de Janeiro próximo a sua casa.

Formou-se em Direito e trabalhou na área, mas não estava satisfeita. Migrou para as áreas de hotelaria e tradução, dos quais também não gostou, eram profissões que exigiam muito trabalho e carga horária elevada, não sobrando tempo para descansar ou se divertir. Decidiu investir em outra formação, desta vez algo com que ela se identifique: atualmente está estudando para o vestibular de Nutrição.

Viveu um período consumista na adolescência e início da fase adulta. Sua religião (espiritismo) contribuiu para que ela se tornasse simples, já que enfatiza as ideias de simplicidade. Refletiu sobre o consumismo, pois incomodava-se quando comprava coisas que não usava posteriormente. Já teve três armários de roupa, o que a deixava insatisfeita. Questionou a situação e decidiu adotar a Simplicidade Voluntária. Tem lembrança marcante de quando ingressou de vez na vida simples: costumava viajar com duas malas cheias e passou a viajar com uma mala de mão.

Reduziu o consumo de modo geral. Hoje tem somente um armário, que não está cheio. Não frequenta salão de beleza para pintar unhas e cabelo. Gasta dinheiro mais conscientemente: gosta de viajar.

Critica o consumismo desenfreado da sociedade, alegando que traz felicidade falsa e momentânea. Também critica o trabalho em excesso, que faz com que a pessoa não tenha momentos de divertimento.

Thalita pesquisa muito sobre a Simplicidade Voluntária e sobre a sociedade atual, temas que a interessam.

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Eliza

Eliza mora na capital paulista. É estrangeira, mas mora no Brasil desde o início da fase adulta. Divorciada, com duas filhas adultas, é psicóloga com consultório próprio, onde foi conduzida a entrevista.

Sua família valorizava a simplicidade: “Nunca faltou nada em casa, mas também nunca houve desperdício, gasto, excesso. Então, pra mim, desde a infância fui acostumada”. Quando veio para o Brasil, assustou-se com o excesso de consumo e desperdício, questionando-se sobre os pontos negativos do consumo exagerado.

Admira o trabalho do físico e escritor Fritjof Capra, famoso pela postura ambientalista. Lendo um livro dele, conheceu a Simplicidade Voluntária e, a partir daí, começou a ler sobre o tema.

Seu consumo é reduzido, produz pouco lixo, reaproveita objetos e preocupa-se com o descarte dos bens materiais. Os meios de transportes utilizados são metrô, ônibus e táxi. Para a entrevistada, não é preciso ter nada além do suficiente. Gosta de boas experiências e de cinema, teatro, viagens e programas culturais. Gosta de ler e pintar. Durante a entrevista, a pesquisadora conheceu e conversou sobre um de seus quadros, exposto no consultório.

Critica o consumismo exagerado, o desperdício e o que chamou de “desperdício de talentos”, o fato de as pessoas trabalharem em profissões com as quais não se identificam apenas para ganhar mais dinheiro. Para ela, é fundamental fazer o que se gosta.

Beth

Beth mora na capital paulista, é solteira e não tem filhos. A entrevista foi realizada em seu ambiente de trabalho (ela é servidora pública).

Considera-se espiritualizada, identifica-se muito com os princípios orientais e budistas, o que contribuiu para a prática da vida simples.

Seu hobby é tocar instrumentos musicais.

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Relatou que sempre foi uma pessoa simples, por conta da criação que recebeu dos pais, de origem humilde. Achava interessantes as ideias do pai sobre uma sociedade mais justa. Nunca foi consumista.

A vida espiritualizada contribuiu para a busca da simplicidade. Já vivenciou uma experiência mística, um momento importante em sua vida que deixou mais clara a importância da simplicidade. Já pensou em ser monge.

É formada em Psicologia, mas não atua na área. Passou em concurso público para um banco, porém, não gostou do cargo e pediu demissão, contrariando amigos que achavam que deveria continuar em um emprego estável. Mas como não estava satisfeita com o trabalho, resolveu sair e passou em outro concurso.

Fez o processo contrário: ao invés de ir da cidade grande para o interior, foi do interior para a cidade grande. Como a instituição em que trabalha tinha filial em São Paulo, solicitou a transferência, contrariando novamente seus amigos, que eram contra ela largar a vida estável que tinha no interior (com casa e conhecidos por perto) e ir para a cidade grande. Na sua visão, São Paulo é uma cidade cultural, com diversas oportunidades, principalmente para quem gosta de tocar instrumentos musicais, sua paixão. Tem planos de fazer aulas de instrumentos. Atualmente, mora em imóvel alugado.

Não valoriza o consumo de bens materiais, preferindo serviços, principalmente relacionados à dança, música, e outras atividades culturais, experiências prazerosas para ela.

Gosta muito do grupo do Facebook, pois os membros a entendem, já que pensam de forma semelhante. O grupo a ajudou muito em alguns momentos, já que as pessoas que conhece não a entendem e criticam muitas de suas decisões. O grupo do Facebook, por ter objetivos de vida semelhantes, a entende e apoia.

Catarina

Catarina mora no interior do Paraná, é casada e não tem filhos. Morava na capital de São Paulo e mudou-se há pouco para uma cidade menor com o marido. Por motivos de distância geográfica, a entrevista foi conduzida via Skype.

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Catarina considera-se serena e sempre teve vontade de ter um sítio e viver em cidade pequena. Quando viajava, gostava de ir para cidades do interior e não para o litoral, que em feriados, ficava igual às grandes cidades.

Quando casou, o marido prestou concurso público para uma cidade no interior do Paraná e eles se mudaram. Mas ela tem vontade de morar em local menor ainda, visto que a atual cidade está crescendo rapidamente. Trabalhava em São Paulo como professora, atualmente não está trabalhando.

A primeira vez que teve contato com a Simplicidade Voluntária foi por meio de reportagem no programa Fantástico, em 2007, que, segundo ela, abordou o tema como sendo relacionado a pessoas “de outro mundo”, diferente do normal. Mas ela se identificou com o assunto e resolveu pesquisar.

É vegetariana, nunca foi consumista, e, quando compra algo novo, questiona se realmente está precisando. Gosta de fazer as coisas, ao invés de comprar: faz sua própria comida em casa, faz sua unha, seu cabelo. Compra alimentos de produtores locais, valoriza a economia local e, por morar em cidade do interior, julga que esse comportamento é fácil de ser colocado em prática. Gosta de ler livros e, por isso, os compra (são os únicos bens materiais que ela acha positivo comprar, já que agregam conhecimento).

Preocupa-se com o descarte de produtos, fazendo reciclagem, ao invés de jogar fora, ou doando para alguém que esteja precisando (faz pesquisas para encontrar lugares e pessoas para a doação).

Os amigos acham seus hábitos simples estranhos, confundindo-os com mesquinharia ou problemas financeiros. As pessoas se assustam por ela ser vegetariana, não conseguindo entender seu comportamento. Já no grupo do Facebook, ela interage e aprende com pessoas que a entendem.

A Tabela 9 resume as características de cada entrevistado.

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Tabela 9: Resumo das características dos entrevistados Nome Motivações para ser

simples

Práticas da vida simples

José Estresse no trabalho; documentário que critica a sociedade.

Vegetarianismo, redução do consumo de bens (compra produtos de qualidade, que durem) busca de um trabalho menos estressante, redução de ambição profissional, valorização de experiências (viagens), doações de bens que não usa, usar transporte público. Carlos Estresse no trabalho;

religião

Redução do consumo de bens (compra produtos de qualidade, que durem), busca de um trabalho menos estressante (abriu mão de salário maior), redução de ambição profissional, valorização de experiências (viagens, encontros com amigos), doações de bens que não usa e de dinheiro para instituições, usar transporte público, vida mais organizada, comprar livros.

Rubem Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (compra produtos de qualidade, que durem), busca de um trabalho menos estressante, redução de ambição profissional, valorização de experiências (viagens, restaurantes, caminhada em um parque, contato com natureza), usar transporte público, reciclagem, não come carne vermelha.

Paulo A família era assim, sentiu necessidade de resgatar essa forma de vida, por causa do estresse.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade), trabalho que lhe dá prazer, usar transporte público/bicicleta/caminhada, comida natural, planta o que come, moradia simples, lixo reduzido e reaproveitamento de objetos, valorização de experiências (convívio com as filhas, ir à praia), trabalho voluntário, redução do consumo de remédios.

Jane A família era assim, sentiu necessidade de resgatar essa forma de vida; religião.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade), quer mudar o trabalho (o atual é estressante), valorização de experiências (viagens, restaurantes), doações, trabalho voluntário, vida mais organizada, reciclagem, trocas de produtos (ao invés de comprar), preocupação com o meio ambiente, valorização de cursos. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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Clarice A família era assim, sentiu necessidade de resgatar essa forma de vida.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa o produto até não poder mais), redução de ambição profissional, valorização de experiências (viagens), alimentação natural, vida organizada, doações, trabalho voluntário, preocupação com o meio ambiente.

Marta Religião Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa o produto até não poder mais), valorização de experiências (viagens), alimentação saudável, vida organizada, compra livros, evita o desperdício.

Rosa Estresse no trabalho; busca espiritual.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa o produto até não poder mais), valorização de experiências (viagens), alimentação saudável, planta alguns alimentos, reaproveitamento de objetos, quando se aposentar vai morar no campo, redução do consumo de remédios.

Marlena Estresse no trabalho Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa o produto até não poder mais), busca de um trabalho menos estressante, valorização de experiências (viagens, cinema), valorização de cursos, alimentação saudável, troca e empréstimos de objetos, compra livros, doações, fazer as coisas perto de casa.

Thalita Estresse no trabalho; infelicidade por causa do consumo exagerado; religião

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade), busca de um trabalho menos estressante, valorização de experiências (viagens), alimentação saudável, fazer as coisas perto de casa.

Eliza A família sempre foi assim.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade), valorização de experiências (viagens, cinema, teatro), alimentação saudável, reciclagem, reaproveitamento de objetos, lixo reduzido, preocupação com o meio ambiente, transporte público.

Beth Necessidade de resgatar forma de vida simples da família; busca espiritual, estresse no trabalho.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade), valorização de experiências (programas culturais, contato com a natureza), alimentação saudável, redução do consumo de remédios.

Catarina Redução do estresse e correria do dia a dia.

Redução do consumo de bens (valoriza a qualidade, usa o produto até não poder mais e prioriza o consumo consciente), valorização de experiências (contato com natureza), vegetarianismo, alimentação natural, ida para interior, priorização de produtores locais, compra de livros, reciclagem, evita o desperdício, doações.

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4.2.

Motivações declaradas

As motivações para adotar a Simplicidade Voluntária, de acordo com a análise das entrevistas e discussões no grupo virtual, estão relacionadas a valores individuais. Para categorizar as motivações, foram utilizados os valores propostos por Schwartz (1994). As motivações encontradas relacionam-se com os valores Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção.

 Benevolência: busca de uma vida espiritual, busca de uma vida com mais sentido e priorização dos relacionamentos com familiares e amigos (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER, 2009b; ABDALA, 2010; ALEXANDER e USSHER, 2011).

 Tradição: aceitação de ideias religiosas sobre a importância de uma vida simples (quatro entrevistados têm religião que os influenciou na escolha da vida simples) e aceitação de valores culturais da família, já que, em alguns casos, os entrevistados vieram de uma família humilde, com valores pautados nos princípios da vida simples (LEONARD-BURTON, 1981; ZAVESTOSKI, 2002; HUNEKE, 2005).

 Hedonismo: busca de uma vida mais feliz e prazerosa. Nove entrevistados estavam infelizes em seus trabalhos, não tinham tempo para divertimento e buscavam uma vida mais feliz ao adotar a vida simples (CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008; CHERRIER, 2009b; BALLANTINE e CREERY, 2010).

 Autodireção: independência em relação ao mercado e aos padrões impostos por ele, tendo mais liberdade para viver, sem preocupar-se com a opinião de outros (ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE,

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2005; BEKIN et al., 2007; CHERRIER, 2009b; ABDALA e MOCELLIN, 2010).

Embora a literatura (ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES e HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002; HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008; BALLANTINE e CREERY, 2010; ALEXANDER e USSHER, 2011) também aborde motivações ligadas ao valor universalismo, proposto por Schwartz (1994), não foram encontradas as motivações ligadas ao valor Universalismo. Segundo relato dos entrevistados e depoimentos no grupo virtual, a Simplicidade Voluntária é adotada por motivos de interesse pessoal, como busca de um trabalho que proporcione mais felicidade e tempo para lazer.

4.2.1.

Benevolência

A benevolência está relacionado à vida espiritual, busca de sentido na vida e necessidade de se relacionar mais com familiares e amigos, valorizando esses relacionamentos.

Alguns membros do grupo relatam que a vida espiritual (não relacionada à religião) os fez optar pela vida simples. Para eles, é importante a vida espiritual, em detrimento da vida materialista.

“(...) tem a ver um pouco também com essa busca espiritual”. (Rosa).

“(...) as minhas aspirações espiritualistas. Então o essencial não está na matéria (...)”. (Beth).

Outros também relataram a necessidade de dar sentido à vida. Não estavam encontrando sentido na maneira como viviam ou trabalhavam e viram a Simplicidade Voluntária como uma solução para viver melhor.

“Ai comecei a ver que a vida não tinha muito sentido dessa forma: a gente trabalha que nem um condenado para ter umas férias de sei lá, vinte dias, trinta dias, e achar que a vida vale a pena. Para mim eu acho que isso não vale a pena. Eu acho que a gente tem que todo dia acordar e querer viver aquele dia. Quando eu estava trabalhando na agência eu acordava e queria

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que o dia acabasse o quanto antes, isso para mim não era vida. Então eu acho que a partir daí eu comecei a procurar viver de uma forma diferente”. (José).

“(...) eu já tinha esse tipo de atitude (...). A primeira vez que eu ouvi falar, achei muito interessante, porque eu já tinha algumas coisas disso. Eu sempre gostei muito de tranquilidade, de calma, de ter uma vida mais tranquila, e quando fui conhecendo fui vendo que ia de acordo com o que eu sempre acreditava e o que eu sempre quis. Eu brinco que ‘deu nome aos bois’, é algo que sempre tive, mas não sabia explicar”. (Catarina).

Os entrevistados e membros do grupo virtual relatam que não estavam satisfeitos com a vida que estavam levando e perceberam que a Simplicidade Voluntária fazia sentido. Com a vida simples, passaram a ter contato com amigos e família, sem correria do dia a dia e a valorizar mais questões espiritualistas, no lugar de preocupações materialistas.

Os entrevistados ressaltam a importância dos relacionamentos, de ter amigos e familiares por perto, prezar esses laços de afeto. Tinham estilo de vida que exigia excesso de trabalho e alto consumo. Resolveram adotar a Simplicidade Voluntária para ter mais tempo para dedicarem-se a relacionamentos.

“(...) E assim, depois que minhas filhas nasceram que entrei nessa, preciso ter mais tempo, inclusive para estar com elas”. (Paulo).

Os membros do grupo trocam muitas informações sobre a importância de dar atenção a seus filhos e passar para eles os princípios da Simplicidade Voluntária. A Figura 3 é uma imagem compartilhada no grupo de discussão do Facebook e ilustra a valorização dos relacionamentos (neste caso com os filhos).

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Figura 3: Relacionamentos com filhos

Fonte: Página do Facebook de “Humor Inteligente”

4.2.2. Tradição

Os valores de Tradição estão relacionados à religião (aceitação de ideias religiosas) e à cultura familiar (valores adquiridos dos pais).

A religião tem papel importante na vida de alguns membros do grupo (Carlos, Jane, Marta e Thalita), que passavam por momentos de incerteza e insatisfação, trazendo respostas para eles. Segundo relatos dos entrevistados, a religião mostrou caminhos para a prática da vida simples, onde não se precisa de abundância para ser feliz, sendo grande impulsionadora na mudança de vida.

Quatro membros do grupo têm religião e procuram seguir seus ensinamentos. Jane, Marta e Thalita declararam que o espiritismo as influenciou para a prática da Simplicidade Voluntária, já que considera muitos princípios que são relacionados à simplicidade.

“(...) por questões religiosas, também tinha um pouco dessa coisa de não querer ter muito (...). O fato de eu ser espírita e a gente ter essa visão, é meio Simplicidade Voluntária”. (Marta).

Carlos mencionou a religião batista, que também o influenciou para a prática da vida simples.

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Alguns entrevistados (Paulo, Jane, Clarice, Eliza e Beth) nasceram em famílias humildes (pobres ou rurais). Porém, no decorrer da vida, passaram a viver com trabalho em excesso e/ou compras de bens. Jane relatou que chegou a ter vários pares de sapatos.

Esse estilo de vida lhes trouxe insatisfação constante, quando sentiram a necessidade de resgatar os valores familiares de simplicidade: eram felizes naquela época, perceberam que não precisavam de muitos bens materiais para alcançar a felicidade.

“(...) Isso aí quase que é resgate mesmo, porque fui criada com meus avós (...) e tinham horta em casa, comida era feita com tudo do quintal”. (Rosa).

4.2.3.

Hedonismo

O Hedonismo está ligado à busca de prazer e felicidade.

Sete entrevistados estavam insatisfeitos no trabalho e resolveram mudar de profissão ou ainda não mudaram, mas têm planos futuros, buscando trabalho que traga prazer e felicidade.

“Porque eu acho que a demanda, assim o que me exigia o jornalismo, hoje quando eu penso (...). Trabalhar com isso não é uma coisa que me dava prazer. Não era prazerosa para mim (...). Depois de um tempo que eu fui entender que aquilo não me fazia bem”. (Marlena).

Mensagens trocadas no grupo virtual revelam que os membros do grupo debatem bastante sobre escolhas profissionais e sobre como a Simplicidade Voluntária afeta suas trajetórias de carreira. A importância de ter um trabalho prazeroso está muito presente nos debates, como pode ser apreendido em uma das ilustrações compartilhadas (Figura 4).

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Figura 4: Prazer no trabalho

Fonte: Página do Facebook de “Inteligente Vida”

Ter tempo livre para atividades prazerosas é muito valorizado pelos membros da comunidade. A Simplicidade Voluntária, segundo eles, proporciona esse benefício.

“Na vida, eu conheci muita gente que não tinha dinheiro e que eu via que aproveitava bem a vida e outras que tinham e que eu via que não aproveitavam. Então, isso para mim também foi exemplo para o que eu quero para mim”. (Marlena).

Três entrevistadas decidiram adotar a Simplicidade Voluntária por estarem insatisfeitas com consumo exagerado, o que as deixava frustradas. A Simplicidade Voluntária levou-as a reduzir o nível de consumo e eliminar frustrações decorrentes. Mensagens trocadas no grupo virtual também mostraram insatisfação proveniente do consumo exagerado, que levou à adoção da vida simples.

“(...) eu acho que passou por um questionamento, porque a gente está nesse círculo vicioso de você compra uma coisa, eu quero determinada coisa, é um sonho de consumo para mim, quando você consegue a satisfação advinda daquilo, dura pouco”. (Thalita).

“Sem querer ser panfletária, nossa sociedade confunde muito consumo desenfreado com prazer e felicidade (mesmo que efêmeros, muito efêmeros...). A gente pode embarcar nessa tão fácil que, quando vê, já está dentro! É preciso um esforço consciente contínuo”. (Frase compartilhada no grupo no Facebook). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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“E o mais incrível é que milhões de pessoas ao redor do mundo vivem entorpecidas na ilusão de que comprar é viver, atolondradas e enfiadas em engarrafamentos, endividadas, gordas e doentes e acham que isso seja NORMAL”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Os entrevistados e o grupo, através de mensagens trocadas, revelam frustração e insatisfação com a época em que eram consumistas. Compravam bens e tinham uma satisfação apenas momentânea, que rapidamente dava lugar para outra necessidade de consumo. Segundo entendimento do grupo, as pessoas dedicam a vida a trabalho em excesso, para ganharem dinheiro e acumular bens, tendo pouco tempo livre para divertimento e prazer. São escravas do acúmulo de bens materiais e da manutenção dos mesmos. Ao perceberam que esse estilo de vida não lhes trazia felicidade, decidiram reduzir consumo de bens para ter mais tempo voltado para o que realmente lhes dá prazer.

Houve relatos de entrevistados e no grupo que associavam a felicidade prometida pelo consumo de bens à falsidade e à ilusão. Para eles, o consumo de bens traz uma felicidade ilusória, pois é momentânea. Um membro do grupo citou que a sociedade de consumo impõe desejos inalcançáveis, pois há discursos contraditórios.

“Sociedade de consumo sempre nos impôs desejos inalcançáveis e, muitas vezes, contraditórios. É preciso ser trabalhador e aproveitar a vida, é preciso ter posses e ser desprendido, é preciso ter uma vida regrada e ser aventureiro, preocupar-se com o futuro e viver como se não houvesse amanhã. É preciso comer tudo que é bom e ser magro, é preciso buscar a história de amor monogâmica perfeita e ser um objeto de desejo para todas as pessoas”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Outra imagem compartilhada no grupo do Facebook (Figura 5) retrata insatisfação que diversos entrevistados expressaram em relação ao consumo exagerado, tema recorrente nos debates.

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Figura 5: Frustração com o acúmulo de bens

Fonte: Perfil do Facebook de “ becoming minimalist”

Os entrevistados perceberam que as pessoas trabalham em excesso para ter mais dinheiro e assim acumular mais bens materiais. Porém, se não há a necessidade de acumular bens materiais, também não há a necessidade de se trabalhar tanto. Oito entrevistados resolveram buscar trabalho que lhes desse prazer, mesmo sem ganhar muito. Abdicaram da ambição profissional, passaram a trabalhar naquilo que gostam e o dinheiro que ganham não é usado para acumular bens materiais. Mensagens trocadas no grupo virtual também relatam essa busca profissional.

“Há uma propaganda fortíssima do consumo e, para consumir, precisamos trabalhar mais e ganhar mais dinheiro, tudo de forma rápida. As pessoas até se endividam para isso, o que as fazem trabalhar (ainda) mais”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

4.2.4.

Autodireção

Alguns entrevistados e membros do grupo adotaram a Simplicidade Voluntária por se sentirem dependentes da pressão social de ter que consumir. Queriam vida com mais liberdade, sem ter obrigação de ambições profissionais, sem ter que se vestir da forma como a sociedade determina. Para eles, a Simplicidade Voluntária significava a verdadeira liberdade de viver.

“(...) Só não quero ter que carregar o fardo de estar sempre tendo que fazer isso ou aquilo, ou usando isso ou aquilo, em função do que as pessoas, do

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que se intitulou como moda ou como viável ou como que está na onda, sabe. Isso eu não quero”. (Rosa).

Seis entrevistados relataram que se incomodavam com as cobranças de familiares e amigos, que os confundiam com acomodados ou pobres. Ao adotar a Simplicidade Voluntária, deixaram de se importar com tais julgamentos, deixaram de se incomodar com o que os outros falam sobre seu estilo de vida simples.

“Se você está sofrendo por coisas externas, não são elas que estão lhe perturbando, mas o seu próprio julgamento sobre elas. E está em seu poder anular este julgamento agora”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Entrevistados e membros do grupo também gostam de se sentir mais independentes não só em relação ao padrão que a sociedade diz que é correto viver, mas também em relação ao consumo de alguns bens. Rosa e Paulo possuem plantações em casa e quatro entrevistados fazem, eles mesmos, alguns serviços ou produtos (costura, pintura).

“Tenho hábitos de consumo bastante reduzidos assim, para alimentação é só o básico de mercado, é batata, abóbora, aquelas coisas, eu planto muitas coisas do que eu consumo.” (Paulo).

4.2.5.

Síntese das motivações

Das entrevistas e da leitura das mensagens trocadas no fórum do grupo, emergiram os valores de Benevolência, Tradição, Hedonismo e Autodireção, que parecem ser intimamente relacionados à prática da vida simples.

A benevolência é amplamente discutida na literatura da Simplicidade Voluntária e, nos resultados aqui encontrados, também se fez presente. O grupo busca vida com mais sentido, não aceitando a forma padrão de viver na sociedade de consumo, que leva as pessoas a trabalharem em excesso para poderem ter bens em excesso. Os membros do grupo valorizam vida mais espiritualizada e menos materialista, o convívio com as pessoas e dão pouca importância às questões materiais. Encontraram na Simplicidade Voluntária uma saída para viver melhor, abrindo mão de trabalho em excesso, pois não buscam acumular bens materiais.

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A tradição foi outro valor que emergiu e com papel fundamental na prática da Simplicidade Voluntária. Alguns entrevistados relataram que começaram a praticá-la por questões religiosas, outros começaram a praticá-la para retomar valores familiares esquecidos. Vinham de família pobre ou do meio rural, viveram de forma simples na infância, mas acabaram inserindo-se na sociedade de consumo e perdendo os valores familiares. Com o tempo, sentiram-se infelizes e quiserem resgatar a vida simples e feliz que tiveram no passado.

A autodireção diz respeito à necessidade de independência e liberdade, tendo maior controle sobre a própria vida. Os entrevistados consideram que a sociedade vive prisioneira do consumo e do trabalho. Com a prática da Simplicidade Voluntária, sentem-se livres de padrões impostos. Segundo relato dos entrevistados e membros do grupo, as pessoas normalmente vivem seguindo padrões impostos pela sociedade. Alguns desses padrões são acumular bens materiais e almejar crescimento na carreira profissional e, as pessoas que não os seguem, sofrem pressão social, sendo cobradas para que tenham esse comportamento padrão.

Ao adotar a Simplicidade Voluntária, eles deixaram que ter ambições profissionais, pois não precisam trabalhar muito, ganhar muito dinheiro e ter bens em excesso. Libertaram-se dos padrões impostos pela sociedade, passando a ter autonomia sobre que caminho seguir.

Entrevistados e membros do grupo sentiam prazer em fazer, eles próprios, algumas coisas, como plantar alimentos que consumiam e fazer rituais de beleza em casa, deixando de ir ao salão de beleza. Para eles, ao realizarem isso, estavam sendo mais livres, se sentiam mais donos da própria vida.

A literatura de marketing discute o papel do hedonismo no consumo (HIRSCHMAN e HOLBROOK, 1982; HOLBROOK, 2000). Os participantes do grupo da Simplicidade Voluntária parecem buscar viver experiências prazerosas, mas por meio de uma forma de anticonsumo. Procuram prazer não no consumo, já que o consumo não os levou a ter uma vida mais feliz, voltada para experiências vividas.

Não foram encontrados relatos que sugerissem a motivação ligada ao valor do Universalismo (preocupação social e ambiental). O grupo estudado não pareceu adotar a Simplicidade Voluntária por razões relacionadas a preocupações ambientais ou com a sociedade, mas por razões puramente individuais.

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A Tabela 10 apresenta uma síntese das motivações reveladas nas entrevistas e na leitura das mensagens trocadas no fórum.

Tabela 10: Motivações reveladas Valores ligados à

motivação

Descrição Apoio na Literatura

Benevolência Busca espiritual

Busca de sentido na vida

Valorização do

relacionamento com familiares e amigos

ELGIN e MITCHELL, 1977b; CRAIG-LEES e HILL, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; CHERRIER, 2009b; ABDALA, 2010; ALEXANDER e USSHER, 2011.

Tradição Resgate de valores familiares

Religião

LEONARD-BURTON, 1980; ZAVESTOSKI, 2002; HUNEKE, 2005.

Hedonismo Prazer no trabalho Tempo livre para atividades prazerosas Eliminar a insatisfação e frustração provenientes do consumo Ser feliz CHERRIER, 2002; ZAVESTOSKI, 2002; HUNEKE, 2005; OATES et al., 2008; CHERRIER, 2009b; BALLANTINE e CREERY, 2010. Autodireção Independência do consumo e da pressão social Liberdade

ELGIN e MITCHELL, 1977b; LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; BEKIN et al., 2007;

CHERRIER, 2009b; ABDALA e

MOCELLIN, 2010.

Na literatura sobre Simplicidade Voluntária, Elgin e Mitchell (1977b) sugerem que as motivações para sua adoção estão ligadas aos valores benevolência (busca de crescimento pessoal, espiritual), autodireção (busca de autossuficiência e maior controle sobre a vida) e universalismo (preocupação com o meio ambiente e sociedade). Elgin e Mitchell (1977b) enfatizam a preocupação com a responsabilidade social e ambiental, que, como sugerem, está presente, nos dias de hoje, na vida das pessoas. Diversos autores enfatizam o valor universalismo (CRAIG-LEES e HILL, 2002; SHAW e NEWHOLM, 2002;

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HUNEKE, 2005; MILLER e GREGAN-PAXTON, 2006; OATES et al., 2008; ALEXANDER e USSHER, 2011).

Autores como Craig-Lees e Hill (2002), Zavestoski (2002), Cherrier (2009b) e Abdala (2010) ressaltam forte relação entre vida espiritual (benevolência) e tornar-se adepto da vida simples e McDonald et al. (2006) e Cherrier (2009b) observam o desejo de crescimento individual, em busca de uma vida com mais sentido. Autores também citam a valorização do relacionamento, buscando a Simplicidade Voluntária para ter mais tempo de dedicação aos relacionamentos (CHERRIER, 2009b; ALEXANDER e USSHER, 2011).

Leonard-Burton (1980) sugeriu motivações ligadas à tradição, onde adeptos seriam provenientes de famílias com princípios da vida simples, sentindo necessidade de resgatar esses valores. Zavestoski (2002) e Huneke (2005) também ressaltaram as motivações ligadas à tradição, porém sob a perspectiva da influência da religião.

Cherrier (2002) aponta que a adoção da Simplicidade Voluntária vem da necessidade de ser feliz e ter bem-estar (hedonismo). Autores como Zavestoski (2002), Huneke (2005) e Oates et al. (2008) citam o desejo de reduzir estresse e ter prazer na vida (hedonismo).

A autodireção é mencionada por Bekin et al. (2005; 2007) e Cherrier (2009b), sendo um desejo de ser autossuficiente, dependendo o menos possível do mercado e se emancipando em relação aos padrões impostos pela sociedade, tendo uma vida com liberdade.

O presente estudo corroborou com estudos anteriores em relação às motivações para prática de vida simples, com exceção do valor universalismo, que não foi mencionado nem por entrevistados nem surgiu em mensagens trocadas no grupo. Parece que a Simplicidade Voluntária é adotada por conta de interesses pessoais e não pela preocupação com sociedade e meio ambiente, apesar deste ser amplamente mencionado na literatura.

4.3.

Mudanças decorrentes da adoção da Simplicidade Voluntária

As mudanças ocorridas na vida dos entrevistados e membros do grupo virtual foram divididas com base nos achados da literatura.

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 Vida profissional: como foi amplamente mencionado na literatura, praticantes da vida simples, reduzem carga horária de trabalho e buscam empregos que lhes deem prazer, não priorizando ganhos financeiros. Os resultados encontrados corroboram com a literatura.

 Moradia: adeptos da Simplicidade Voluntária, reduzem complexidade de moradia e podem mudar-se para regiões de interior e rurais, resultados que corroboram com o que já foi descrito na literatura.

 Transporte: tema amplamente mencionado na literatura, os adeptos da vida simples buscam utilizar mais transporte público, bicicleta e andar a pé. Quando possuem carro, não se preocupam que seja modelo moderno, já que é utilizado somente por razões utilitárias. Os resultados encontrados corroboram com a literatura.

 Alimentação: assunto também amplamente mencionado na literatura. Alteram alimentação, que passa a ser natural, alguns plantam alimentos que consomem. Os resultados encontrados corroboram com a literatura.

 Consumo de bens: o consumo é um dos assuntos mais abordados na literatura sobre Simplicidade Voluntária. Autores mencionam a redução drástica do consumo de produtos, consumindo somente o que acham necessário e considerando as questões utilitárias dos produtos. Os resultados corroboram com a literatura.

 Descarte: mencionado na literatura, os adeptos da vida simples se preocupam com o lixo de geram (reduzindo o lixo) e com o descarte de produtos (reaproveitando, reciclando e doando). Os resultados foram semelhantes com achados da literatura.

 Vida organizada: mencionado na literatura, adeptos da vida simples reduzem o acúmulo de bens e a bagunça, sendo vigilantes para não acumular bens. A presente tese encontrou resultados semelhantes.

 Experiências e Vivências: a literatura menciona a valorização de experiências pelos adeptos da vida simples. Preferem estar em contato com a natureza, ter tempo para relacionamento com amigos e familiares, viagens, atividades que lhes dão prazer. Apesar de ser assunto amplamente mencionado na literatura, os estudos não abordam que a busca por

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experiências, muitas vezes, está relacionada ao consumo de serviços. Este foi um achado relevante da presente pesquisa, já que o grupo ressaltou a valorização do consumo de serviços.

 Consciência ambiental e social: amplamente abordado na literatura, principalmente como motivação para adotar a Simplicidade Voluntária. Porém, no presente estudo, os adeptos pareceram não adotar a vida simples por preocupações de natureza ambiental ou social. Entretanto ao praticar a Simplicidade Voluntária, passaram a se preocupar com essas questões.

4.3.1.

Mudanças na vida profissional

Muitos entrevistados e membros do grupo virtual estavam insatisfeitos no trabalho e, ao adotarem a Simplicidade Voluntária, realizaram a mudança ou têm planos futuros para tal. Os resultados foram ao encontro da literatura, pois buscaram redução de carga horária, um trabalho prazeroso com significado e deixaram de se preocupar com remuneração alta.

O grupo estudado passou a almejar trabalho que lhes desse prazer e que lhes proporcionasse mais tempo livre para dedicação ao lazer. Uma grande motivação para ser adepto da vida simples foram insatisfação e estresse no trabalho e, por isso, diversos membros do grupo mudaram em busca de algo que oferecesse satisfação. Para eles, é fundamental que o trabalho lhes dê sentido e felicidade.

“O que me exigia o jornalismo, hoje quando eu penso (...). Trabalhar com isso não é uma coisa que me dava prazer. Não era prazerosa para mim (...). Depois de um tempo que eu fui entender que aquilo não me fazia bem”. (Marlena).

“(...) eu estou passando o negócio e estou querendo fazer outra coisa. Estou querendo trabalhar com sustentabilidade ou terceiro setor ou orgânicos. Eu quero tentar me aproximar da natureza. Alguma coisa nesse sentido”. (Rubem).

Ao procurarem um trabalho que lhes desse mais tempo livre, alguns recorreram a concursos públicos, outros a um trabalho em que eles pudessem fazer seus próprios horários (como passar a dar aulas de ioga, ministrar cursos),

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outros buscam um trabalho em tempo parcial. Dessa forma, eles podem ter mais tempo livre, com atividades de lazer, divertimento e para a família e para si.

“Quando eu comecei a delegar tarefas e a simplificar o trabalho (2 anos e meio atrás), ganhei tempo para outros interesses, para família, passeios, leitura, esporte”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

“Eu também fiz isso há uns dois anos. Fui diminuindo o número de aulas que dou por semana e isso me fez muito bem. Se eu não tivesse mudado minha maneira de perceber a vida, estaria pensando no dinheiro que estou deixando de ganhar, o que poderia comprar a mais do que não preciso, etc. Só que a vida é muita curta para só pensarmos em trabalhar, comprar, acumular, e para que? ”. (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

Clarice citou que a sociedade exerce pressão para que as pessoas tenham elevada carga horária no trabalho, como se trabalhar muito fosse o normal. Ela citou que quando alguém menciona que não tem trabalhado muito, as pessoas ao redor ficam achando que há algum problema, algo de errado está acontecendo. Ela critica esse padrão imposto pela sociedade de que trabalhar em excesso é o certo. Sua carga horária é reduzida e não vislumbra trabalhar mais, pois valoriza seu tempo livre.

Outra mudança em relação ao trabalho diz respeito a abrir mão de salários altos. Passaram, então, a abrir mão de altos salários para ter uma vida mais prazerosa. Abriram mão de ambições profissionais, não vislumbrando ter altos cargos em empresas ou trabalhar muito para ser promovido.

“(...) talvez trabalhar meio período também (...), aí eu já cortei aquela expectativa de virar coordenador, diretor de uma grande corporação (...). Eu nunca tive esse sonho de ter uma grande casa, carro do ano, ao mesmo tempo, eu não tenho motivo de me matar no trabalho para ganhar mais dinheiro”. (José).

“Eu fui para ganhar, do meu salário de analista que eu tinha, eu ganho sessenta por cento do que eu ganhava como analista”. (Carlos)

A literatura aponta que os adeptos da Simplicidade Voluntária buscam trabalho com carga horária reduzida (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON, 2003; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; ALEXANDER e USSHER, 2011). Esses achados foram encontrados no presente estudo, os membros do grupo

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reduziram carga horária, buscando empregos em tempo parcial, buscando trabalhos em que poderiam fazer os próprios horários e optando por pouca carga horária.

A literatura também aponta a busca de significado no trabalho, que deve ser condizente com valores individuais (CRAIG-LEES e HILL, 2002; JOHNSTON e BURTON, 2003; HUNEKE, 2005), e trabalho prazeroso (HUNEKE, 2005). Os resultados também apontaram para a busca de um trabalho que lhes oferecesse prazer e sentido. Não queriam mais um emprego que não estivesse de acordo com seus princípios de vida. Paulo, por exemplo, migrou para trabalho na área da sustentabilidade, Rubem tem planos de migrar para essa área também.

A literatura também menciona que os praticantes da vida simples passam a não se preocupar com salários altos (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON, 2003). Os resultados aqui encontrados corroboram com esses achados. O grupo estudado está disposto a abrir mão de salários superiores, pois para ganhar dinheiro, precisariam trabalhar em excesso.

4.3.2. Moradia

Alguns entrevistados e membros do grupo já realizaram mudanças em relação à moradia e outros possuem planos para o futuro, mudando-se para o interior, já que julgam que assim terão vida calma e pacata, diferente da vida nos centros urbanos.

“Eu gostaria de mudar para o interior de São Paulo, eu já estou com essa ideia (...). Eu gostaria de morar entre 100, 150 Km de São Paulo”. (Rubem).

“Eu morava em São Paulo na capital e agora moro numa cidade de interior do Paraná (...). São Paulo é uma cidade opressiva. Aqui a gente vive mais sossegada”. (Catarina).

Alguns entrevistados e membros do grupo realizaram outro tipo de mudanças em relação à moradia: a redução de sua complexidade. Essa simplificação ocorreu mudando-se para um imóvel menor, com menos cômodos, para não ter a necessidade de ter muitos bens e para simplificar a vida em relação

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à manutenção do imóvel, ou reduzindo o acúmulo de itens considerados desnecessários, que resultam em bagunça.

“A casa é muito grande para mim, eu vou querer por quê? Por que era no centro? Por que eu vou querer uma casa tão grande se eu sou sozinha?” (Clarice).

“Morava numa casa enorme, fiz três dias de bazar, doações para família e entidades, me desfiz de coisas que eu nem lembrava que tinha, e de coisas que guardava e não utilizava, que não usava mais, dá uma sensação de leveza....Vim morar num lugar bem menor e quando vejo que estou acumulando coisas, vou e me desfaço daquilo que realmente não preciso e posso muito bem viver sem.” (Frase compartilhada no grupo do Facebook).

A literatura aponta que alguns praticantes da Simplicidade Voluntária passam a residir no interior, em áreas rurais, menos urbanas (ETZIONI, 1998; JOHNSTON e BURTON, 2003; SHAW e MORAES, 2009), outros se mudam para comunidades alternativas (BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; BEKIN et al., 2007). As mudanças mencionadas na literatura enfatizam a ida para áreas rurais. Os dados analisados corroboram com esse ponto, mostrando que os entrevistados e membros do grupo consideram a ida para regiões menos urbanas. Porém, não mencionaram a mudança para comunidades alternativas, somente o interesse em conhecê-las.

No presente estudo, o grupo investigado também mencionou a simplificação da moradia como um todo (em termos de tamanho e objetos), assunto que é tratado por poucos autores (HUNEKE, 2005).

4.3.3. Transporte

Os entrevistados e membros do grupo passaram a andar de bicicleta, a pé, utilizar transporte público ou ‘carona solidária’. Aqueles que têm carro reduziram sua utilização e não têm modelos novos, um inclusive é do ano de 1997 (automóvel de Clarice). Os resultados corroboram com relatos encontrados na literatura sobre mudança no meio de transporte dos adeptos da vida simples.

“Começando a sentir o ventinho no rosto e toda a renovação do projeto de usar a bike como meio de transporte! (Depois de uns 25 anos sem

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pedalar...)”. (Frase compartilhada por um dos membros do grupo no Facebook).

“Eu ando de ônibus e de metrô, eu não tenho carro. Não é porque não possa tê-lo, odeio tê-lo, odeio ficar parada no trânsito (...). Quando preciso pego táxi, senão vou de ônibus ou de metrô”. (Eliza).

“Tudo o que eu faço é a pé. É uma das coisas que eu gosto muito. É muito raro precisar de carro”. (Catarina).

Alguns membros do grupo possuem carro, porém dão preferência a utilizar o transporte público na maior parte dos casos. Os carros são mais usados nos finais de semanas, quando fazem algum passeio ou viagem. Dizem que possuem carros por terem filhos pequenos, o que facilita a locomoção. Porém, apesar de terem carro, não buscam ter modelos novos e modernos, pautando-se nas questões utilitárias do carro.

“Meu carro tem dez anos. Se eu pudesse abrir mão totalmente, eu até abriria. Mas, assim, eu utilizo vez ou outra o carro, já usei mais, com a simplicidade eu consegui reduzir o uso”. (Rubem).

Estudos anteriores sobre Simplicidade Voluntária sugeriram que adeptos alteram o meio de transporte utilizado no dia-a-dia, passando a adotar bicicletas (LEONARD-BURTON, 1981; ELGIN, 2000), transporte público (ELGIN, 2000), carros mais eficientes (SHAMA, 1995; ELGIN, 2000), ‘carona solidária’ (SHAW e NEWHOLM, 2002), redução do uso de automóveis (SHAW e NEWHOLM, 2002; HUNEKE, 2005), opção por ter carros antigos ou usados (BEKIN et al., 2005). As entrevistas e depoimentos do grupo corroboram com a literatura, indicando a preferência pela utilização de transporte público, por carros antigos e a utilização de bicicleta ou caminhar. Porém, não foi mencionado o uso de carros mais eficientes.

Alguns entrevistados relataram que procuram fazer as coisas perto de casa, para encurtar distância e gastar menos tempo com transporte. A literatura sobre Simplicidade Voluntária não menciona esta mudança de hábito na vida dos adeptos, sendo mais encontrada em estudos sobre comunidades alternativas (BEKIN et al., 2005). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0913122/CA

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“Como também facilitar a vida, assim, por exemplo, como eu dou aula de ioga, eu tinha a oportunidade de escolher os lugares onde eu dava aula. Então o que eu fazia? Se era possível para mim, eu podia escolher entre um lugar mais próximo de casa.” (Marlena).

4.3.4.

Alimentação

Este é um tema recorrente na literatura, no discurso dos entrevistados e nas mensagens trocadas no fórum.

Estudos encontrados na literatura indicam que a alimentação dos adeptos da vida simples sofrem modificações, como: redução do consumo de carne ou adoção do vegetarianismo (LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; SHAW e MORAES, 2009), plantação de alimentos em casa (LEONARD-BURTON, 1981; BEKIN et al., 2005; SHAW e MORAES, 2009; ABDALA e MOCELLIN, 2010); adoção de alimentação saudável, natural e/ou orgânica (IWATA, 1997; ELGIN, 2000; SHAW e NEWHOLM, 2002; BEKIN et al., 2005; HUNEKE, 2005; SHAW e MORAES, 2009). Em muitos casos, foi constatado que esse tipo de alimentação tem preço alto, que estão dispostos a pagar (HUNEKE, 2005). Também ocorre a compra de alimentos de produtores locais (SHAW e MORAES, 2009). Todos esses pontos mencionados na literatura revelaram-se no discurso do grupo estudado.

Os membros do grupo relataram ter alterado sua alimentação ao adotar a Simplicidade Voluntária, passando a consumir alimentos não industrializados. Preferem a comida caseira, que consideram ser associada à saúde, evitando alimentos que tenham sido produzidos com agrotóxicos, hormônios e conservantes.

Muitos se tornaram vegetarianos, outros não comem carne vermelha e alguns optaram por sementes germinadas e alimentação crua (frutas, verduras), que chamam de alimentação viva. Não se importam em pagar mais por produtos saudáveis. Os que residem no interior preferem comprar alimentos de produtores locais.

“Agora que estou até pela Simplicidade Voluntária, comecei a pesquisar alimentação mais saudável, mais simples, menos conservantes e coisas

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Referências

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