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UMA HISTÓRIA EDIFICADA: A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E IDENTIDADE DE IMIGRANTE ITALIANO POR MEIO DA FAMÍLIA STOCH 1

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UMA HISTÓRIA EDIFICADA: A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA E IDENTIDADE

DE “IMIGRANTE ITALIANO” POR MEIO DA FAMÍLIA STOCH1

Juliana Maria Manfio2* MESTRANDA EM HISTÓRIA Vitor Biasoli3** DOUTOR EM HISTÒRIA

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho faz parte das atividades desempenhadas no Programa de Pós-Graduação em História (Mestrado em História) da Universidade Federal de Santa Maria, com auxílio de bolsa CAPES. A pesquisa tem por interesse a investigação de como se deu a construção de uma memória local, através da reconstituição da trajetória de uma família de imigrantes italianos, que tinha como objetivo o de garantir a manutenção de uma identidade, de matriz italiana entre moradores de uma comunidade, localizada no interior da cidade de Nova Palma, no Rio Grande do Sul.

Nova Palma está localizada na região central do Rio Grande do Sul, como mostra o mapa abaixo. No final do século XIX, recebeu imigrantes italianos que colonizaram o local, denominado naquele período de Núcleo Soturno, fazendo parte da Colônia Silveira Martins, o quarto núcleo de colonização no RS4. Entre os imigrantes que chegaram ali, estava o casal Ângelo e Maria Stella Stoch. O casal havia recebido um lote de terras na Colônia Jaguari5, entretanto devido à falta de investimentos iniciais no núcleo, eles abandonaram6 o local, estabelecendo-se em terras de conhecidos no Núcleo Soturno (MARCHIORI, 2000).

1 Este trabalho um pequeno fragmento de minha dissertação de mestrado, que está sendo desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em História da UFSM, com auxílio de bolsa CAPES.

2*Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em História - UFSM e bolsista CAPES.

3** Doutor em História e Professor do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM.

4 As primeiras colônias de italianos foram a Conde d”eu, Dona Isabel e Caxias do Sul, na região nordeste do RS. 5 Tal fato foi evidenciado na transcrição dos códices da colonização do núcleo Jaguari. Ver mais em: Marchiori

(2000).

6 Marchiori (2000) relatou que, no início da colonização de Jaguari, não havia barracão para o abrigo dos

imigrantes, sendo recomendado o encaminhamento imediato aos lotes. Salientou ainda que, para os primeiros imigrantes, não constavam “empréstimos relativos aos itens ‘casa provisória’ e ferramentas e sementes’ (p.17).

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Imagem 1: Mapa do Rio Grande do Sul, localizando a cidade de Nova Palma

Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Nova_Palma#/media/File:RioGrandedoSul_Municip_NovaPalma.sv g

Na pequena localidade de Linha Três, no núcleo Soturno, aconteceu um duplo assassinato que, provocou a dissolução da família Stoch. Quase 100 anos depois, Padre Luiz Sponchiado7 reconstituiu essa história, construiu um monumento no local do ocorrido e organizou uma festa para os descendentes dos Stoch.

Dessa forma, investigou-se a relação deste religioso com a comunidade, com a família e com a construção de uma memória que envolve o imigrante italiano. Neste crime, o primeiro suspeito foi o marido, ou seja, Ângelo foi acusado como o causador da tragédia que envolveu o assassinato de Maria Stella e o filho de colo. Já num segundo momento, envolveu-se um nacional a esta trama, o qual foi acusado por outro crime que ocorreu dois anos depois nessa mesma comunidade.

Em linhas gerais, ao longo da trajetória do padre Luiz Sponchiado, existia a necessidade de reafirmar uma identidade italiana, porém, isso não fez com que ele não contasse os exemplos negativos existentes na região. Deste modo, Ângelo foi acusado de beber e de maltratar a esposa, o que numa ótica moralizadora resultou na acusação deste

7 Padre Luiz Sponchiado nasceu na localidade de Novo Treviso, pertencente ao município de Faxinal do

Soturno, na Quarta Colônia. Seus avôs eram imigrantes italianos que chegaram a região no final do século XIX. Seguiu a vida religiosa, devido ao incentivo da família, bem como uma opção de saída do campo para a cidade, com o intuito de seguir os estudos. Formou-se padre em 1946 e, voltou como pároco de Nova Palma em 1956. Em Nova Palma, criou e organizou um importante acervo sobre a história da imigração italiana na Quarta Colônia, chamado de Centro de Pesquisas Genealógicas, acervo onde foram encontradas a maioria das fontes utilizadas nessa pesquisa. As atividades que estão sendo desenvolvidas no PPGH/UFSM tentam dar conta de estudar a trajetória de Padre Luiz Sponchiado nesse espaço denominado de Quarta Colônia.

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primeiro suspeito. Na seguida, “o caboclo LÚCIO JOSÉ DOS SANTOS, que residia em lote de dezesseis hectares” 8 foi apontado como desertor da Brigada Militar na narrativa do padre, e logo após uma sequência de eventos que ligaria Maria Stella ao Juvêncio, que acabaria no estupro seguido de assassinato.

Para melhor perceber a relação criada e apresentada à família e comunidade pelo padre Luiz desta história, foi cruzado o discurso por ele produzido com o processo-crime existente. Outra fonte pertinente foi o atestado de óbito de um segundo assassinato, supostamente realizado pelo Juvêncio e, que deu a diretriz final para a execução de uma lei comunitária contra ele. Então, no primeiro capítulo foi realizada a contextualização vivenciada pela família Stoch até o desencilhar desta tragédia.

No segundo capítulo foi analisado o teor do discurso do padre, assim como também as suas ações para que este acontecimento fosse “relembrado” pela comunidade que este episódio se passou. Aqui houve a problematização a partir da narrativa do religioso, para isso, a consulta as produções bibliográficas que dão conta de abordar a respeito da importância da presença do padre nos núcleos de colonização italiana, como também sobre a história desta imigração e de suas relações com os indivíduos9 de outras etnias.

1. DE CRIMES E DE NARRATIVAS: A TRAMA E A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA

No Rio de Janeiro aportou um vapor que trouxe o casal Ângelo e Maria Stella Stoch. Foi no dia 25 de janeiro de 1889, quando ao desembarcar naquele porto, ao dar os seus dados, saber o destino e partir para o Rio Grande do Sul, onde teria esta família, uma história trágica. A trajetória desse grupo familiar foi narrada pelo padre Luiz Sponchiado há 100 após esta esperança inicial em território brasileiro10. Este casal, ao chegar à colônia Silveira Martins foi estabelecido em um barracão, a qual serviu de residência inicial para muitos imigrantes que foram para está colônia.

8 A narrativa escrita pelo padre Luiz Sponchiado sobre o casal Stoch conteve o equivoco do nome do nacional, já que na verdade o seu nome era Juvêncio dos Santos. Fonte: Uma história de sangue na colonização italiana, no núcleo Soturno da ex-colônia de Silveira Martins do Rio Grande do Sul. Narrativa escrita de Padre Luiz Sponchiado: Igreja Santo Antônio, de Linha Três, Nova Palma. 2002.

9 O termo “indivíduos” deve ser compreendido como imigrantes, colonizadores e trabalhadores em geral, que passam pela região para realizar alguma tarefa esporádica ou aqueles que povoam os lotes ao mesmo tempo em que estes italianos.

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Porém, a situação na colônia não permitia a aquisição de lotes a estas novas levas de imigrantes. Assim, não havendo terras para eles, os mesmos foram enviados à Colônia Jaguari11, dando entrada em 02 de agosto de 1889. Aqui, ao olhar a narrativa do padre Luiz, ficou evidenciado que o mesmo não omitiu a existência daqueles que abandonaram os seus lotes. Neste sentido, foi relatado que a família abandonou a colônia, provavelmente pela falta de recursos e por não terem recebido casa provisória, ferramentas e sementes12.

Seria estes motivos que os fizeram retornar a Linha Seis Norte, em Silveira Martins, local onde nasceram os três primeiros filhos: João Antônio (1890), Adão (1891) 13 e Gerônimo (1892) 14. Apesar dos esforços do pároco em compreender e contar tudo o que motivou ao casal voltar para Silveira Martins, não se soube ao certo o ano da mudança, mas em 1894, ano de nascimento de Benevenuto, a família Stoch já estava em nova residência15, na localidade de Linha Três, no Núcleo Soturno16. Dado este constatado pelo sacerdote, provavelmente devido às informações encontradas em livros de batismo.

Já estabelecidos em seu novo lar, mais precisamente na comunidade denominada Linha Três, a família viveu no ano de 1897, o assassinato de Maria Stella e seu quinto filho Guilherme17– não foi possível saber com precisão a data de seu nascimento, pois a criança ainda não havia sido batizada. Na narrativa do padre ficou perceptível que ele deu ênfase há esse tempo, o qual além de viverem na nova residência tinha sérias desavenças18.

Das características de Ângelo, o marido, é elencável que: primeiramente, Ângelo não era afeito ao trabalho na terra, por segundo, vivia alcoolizado, como também, batia em Maria Stella, e finalmente, a obrigava a mendigar na vizinhança para alimentar os filhos19. Percebendo que o padre não omitiu estas informações, foi necessário verificar o que dizia o

11 Tal colônia foi criada com o intuito de estabelecer os imigrantes que chegavam à região central em grande

número.

12 O autor Marchiori (2000), ao transcrever os códices da Colônia Jaguari, constatou as data de entrada e os

membros que chegaram aos lotes. Além disso, observou que os primeiros imigrantes (entre eles, italianos, alemães e polacos) não receberam os empréstimos relativos aos itens de sementes, casa provisória e ferramentas, e que muitos deles, após receberam lotes de terra, acabaram abandonando-os. Somente a partir de 1890 os imigrantes passaram a receber o que fora prometido.

13 O bebê faleceu meses após o nascimento.

14Cabe salientar que todos os filhos discriminados nasceram no Brasil.

15A circulação de imigrantes italiana na Quarta Colônia era uma característica da região, cf. Manfio (2013). 16 Atual cidade de Nova Palma/RS.

17Conforme consta no Auto de prisão em flagrante delito. In: Processo-crime, Júlio de Castilhos, cível e crime,

n°1005, maço 4, 1897, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS).

18Consta na narrativa escrita de Padre Luiz Sponchiado. In: Igreja Santo Antônio, de Linha Três.

19 Conforme consta nos depoimento de 12 testemunhas, no qual praticamente foram unânimes em acusar Ângelo

Antônio Stoch de maus-tratos aos filhos e a esposa. Além disso, os depoentes também afirmaram que Ângelo não tinha apego ao trabalho e passava alcoolizado. Tais informações se encontram em: Processo-crime, Júlio de Castilhos, cível e crime, n°1005, maço 4, 1897, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS).

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processo-crime a respeito desta personagem. Desta maneira, os maus tratos20 sofridos por Maria foram contados a partir dos depoimentos das testemunhas do processo judicial instaurado contra Ângelo Antônio Stoch.

Foi no ano de 1897, que ocorreu um crime chocou a pequena comunidade de imigrantes italianos: mãe e filho de colo foram assassinados de forma brutal. Inicialmente, o principal suspeito era o próprio marido. A suspeita tinha fundamentação baseada nas atitudes supracitadas que tornava Ângelo em um desregrado local. Vendrame (2013:342) ao falar deste crime destacou que “foram estas características que o desqualificaram perante seus conterrâneos, pois tal conduta não correspondia com os atributos considerados essenciais para que um ‘chefe de família’ dispusesse de honra e respeito entre a população”.

Já que os vestígios apontavam Ângelo como principal suspeito do assassinato da esposa e do filho de colo, o imigrante foi detido e preso na Vila Rica21. O destino dos três filhos mais velhos do casal foi o de serem cuidados por curadores de menores – em três famílias distintas – isso se deu em decorrência do falecimento da mãe, e do pai estar preso. Porém, a ocorrência de outro crime motivou a verificação da culpabilidade de Ângelo, já que o atentado teve perfil semelhante ao ocorrido com Maria Stella.

Este novo crime se deu em dezembro de 1899, na mesma comunidade. A italiana Luiza Vedovato sofreu violência sexual e foi assassinada em uma estrada da comunidade, sendo o acusado pelo crime, o caboclo Juvêncio José dos Santos, morador do local22. Neste ponto, Vendrame (2011:305) apontou que “nesses locais, era a própria população que encontrava o culpado e escolhia a forma pela qual ele seria punido, antes mesmo de a justiça do Estado agir”, o que resultou na seguinte situação.

As autoridades policiais encaminharam Juvêncio à cidade de Cachoeira do Sul, onde seria preso. Contudo, devido esta tradição popular de fazer justiça com as mãos, o sujeito foi linchado no caminho para aquela cidade, na localidade de Dona Francisca, onde morreu, antes de ser julgado.

20 Manfio (2013) constatou em seu trabalho de conclusão de curso a desarmonia que vivia a família Stoch –

provavelmente também vividas por outras famílias na mesma situação. Além disso, percebeu-se a ocorrência da violência doméstica, assunto pouco abordado dentro da historiografia da imigração italiana. E, mais uma vez, a identificação de imigrante italiano que não tinha apego ao trabalho, contrariando o mito criado a respeito do “italiano trabalhador da terra”.

21 Atualmente, cidade de Júlio de Castilhos – RS.

22 Informações retiradas do processo criminal: Juvêncio dos Santos. Processo-crime: Cartório Cível e crime, nº

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Essa história serviu de cenário para que padre Luiz Sponchiado elaborasse uma narrativa para a criação de uma memória, não apenas a respeito do episódio, mas sobre a imigração italiana. A manutenção de uma identidade tinha que ter algumas alegorias, a qual tinha a família como centro de uma tragédia, sendo a mulher personificada como uma espécie de santa – ou melhor, mártir – família esta de antepassados colonizadores, do interior da atual Nova Palma. E, foi a partir deste episódio que este religioso tentou abarcar, toda a região da Quarta Colônia em um discurso que mostrava a dificuldade enfrentada pelos “primeiros povoadores da região”.

2. UMA HISTÓRIA EDIFICADA

No sentido de pensar a identidade italiana, reforçar os elementos que dava sentido a coletividade da Quarta Colônia é que motivou o padre Luiz Sponchiado a percorrer os arquivos, familiares e integrantes da comunidade. Aquela história tinha um sentido especial, demarcava um espaço de convivência, de conflito e de fé. A religiosidade ficou apontada no monumento, porém, existiam outros fatores que demonstravam a existência de uma relação não-harmoniosa no âmbito familiar e local.

Por isso, houve a obsessão pelo registro e pela busca de informações para compor a história dos Stoch. Era necessário relembrar aquele episódio, era preciso narrar os acontecimentos em forma de tragédia para que marcasse a comunidade de origem italiana. Padre Luiz Sponchiado ao escrever uma carta para Firmino Costa declarou: “Na ânsia (doentia?), de pesquisar a História Local, estou diante do Centenário do ASSASSINATO, por parte do caboclo LUCIO DOS SANTOS, da MARIA STELLA CASINI, mulher de ANGELO STOCHI. Tragédia perpetuada no inverno de 1898” 23.

Isso demonstrava que este padre percebia no episódio algo importante a ser lembrado. Para isso, além de narrar o que aconteceu, o mesmo incentivou e fez ser construído um monumento para marcar o local do crime. Mas apesar dos esforços, o nome do “caboclo” e a data do acontecimento que o padre apresentou não são os mesmos que constam no processo-crime. Essas confusões fazem parte da metodologia de pesquisa e aquisição de informações e documentos produzidos pelo Padre Luiz Sponchiado.

23 Carta destinada a Firmino, em 09.05.1996 – não foi enviada. In: caixa da família Stoch, Centro de Pesquisas

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Para isso, o pároco envolveu a comunidade local em um projeto que visava à reconstituição da trajetória do casal no Rio Grande do Sul, a construção de um monumento e uma festa religiosa. É nesse momento que, mais uma vez, acontecia à exaltação da figura do imigrante, aproximando o movimento de imigração italiana ao gênero da epopéia (CONSTANTINO, 2011).

O ponto de partida para a reconstituição da história de Ângelo e Maria Stella Stoch deu-se a partir de 07 de agosto de 1964. Em uma visita programada para a realização de uma missa na comunidade de Linha Três, o Padre Luiz Sponchiado “acompanhado de Pedro Manfio, Caetano Mazzonetto, Gentil Prevedello e Odila Vedovato [...] dirigiu-nos para o provável local24” onde teria acontecido o assassinato de Maria Stoch e seu filho. A pedido do sacerdote, os moradores da localidade que o acompanhavam começaram a escavar o chão com as mãos, em busca dos restos mortais das vítimas, que não estavam mais nesse local, pois haviam sido exumados e transladados para o cemitério de Linha Três, em 191725. A partir desse episódio, percebe-se a metodologia empregada pelo sacerdote para

Depois essa visita ao local onde aconteceu o assassinato de Maria Stoch, em 07 de março de 1973, o padre realizou pesquisas de campo na cidade de Cruz Alta-RS, no qual teve ajuda de Padre Cherubini26. Padre Luiz Sponchiado localizou descendentes do primeiro filho do casal Stoch, João Antônio Stoch. Esses parentes conduziram o pároco Sponchiado para a cidade de Passo Fundo-RS, onde localizariam os descendentes do segundo filho, Gerônimo Stoch. Esses indicaram outras informações sobre outros parentes na cidade de Itaara-Rs. A procura nos três municípios forneceu ao pároco de dados e documentos que se uniram com os dados que tinha, no qual construiu um primeiro relatório sobre a história da família Stoch. Para o documento final sobre a trajetória do casal Stoch, foram acrescentadas informações de depoimentos orais, dados de livros de batismo, dos códices da colonização e da relação de vapores. Material que o sacerdote reuniu e pesquisou por grande parte de sua vida.

Primeiramente, para construir a trajetória de Ângelo e Maria Stella Stoch no Rio Grande do Sul, padre Luiz Sponchiado tinha o objetivo de “registrar a saga de uma das milhares de famílias de imigrantes que aqui vieram procurar liberdade e melhores condições

24 Manuscrito de Padre Luiz Sponchiado. In: Caixa da família Stoch, Centro de Pesquisas Genealógicas. 25 Carta de Padre Franscisco Burmann para o Bispo Miguel de Santa Maria, pedido de autorização para a

exumação e o translado dos restos mortais de Maria Stoch e seu filho, que haviam sido assassinados e enterrados no mesmo local. O proprietário das terras era Luiz Fréo e, o mesmo pedia que os ossos das vítimas fossem transladados para o cemitério do Curato de Nova Palma.

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de vida para seus familiares27”. Contudo, diferente de um discurso tradicional que sugere a superação de dificuldades e o êxito final, o pároco indicou a valorização dos problemas enfrentados por aqueles imigrantes que não obtiveram sucesso, desenvolvendo um projeto que propunha a construção de uma memória e de manutenção de uma identidade, de matriz italiana.

O sacerdote Sponchiado escreveu algumas versões sobre o caminho percorrido pelo casal Stoch, que perpetuam como uma verdade única sobre o acontecimento. Contudo, cabe salientar que, não serão analisadas tais narrativas, pois já foram avaliadas em trabalho anterior28. É importante frisar que, o sacerdote não teve acesso aos processos crimes, acreditando inclusive na sua inexistência, fato esse evidenciado em manuscritos e no acervo, o Centro de Pesquisas Genealógicas (CPG). É possível que, tenha acontecido em decorrência de informações equivocadas, adquiridas por pessoas entrevistadas pelo pároco29. Além disso, em trabalho anterior, são apontadas as aproximações e as disparidades dos processos-crimes e da narrativa escrita pelo pároco.

A narrativa escrita pelo Padre Luiz Sponchiado sobre a família Stoch recebeu traços de um romance histórico, com a presença de um narrador onisciente, que apresentava alguns episódios ocorridos com a família – alguns positivos, enaltecedores; outros negativos, pouco louváveis –, contém também a versão e julgamentos do pároco. Ao descrever a história do casal, o sacerdote proporcionou o discurso do imigrante como um herói, sofrendo desafios e lutando para superá-los, e padecendo das piores violências também, como o estupro e o assassinato. Além desses aspectos dramáticos, a narrativa também apresenta peculiaridades da imigração italiana na Quarta Colônia, que foram pouco abordados pela historiografia, como, por exemplo, o cotidiano das famílias, os conflitos de um casal (incluindo violência doméstica) e, outro ponto culminante, no que dizer respeito a violência sexual, como defloramento e estupro, seguidos de morte.

Tanto em narrativas como em manuscritos, o padre deixou seu posicionamento e seu julgamento, estabeleceu modelos de comportamento para os indivíduos e a comunidade (MANFIO, 2013), diante dos fatos que ocorreram com os Stochs – e, não apenas com esse grupo familiar, mas com outras que ele pesquisou e que deixou registros. Ou, em outras

27 Manuscrito de Padre Luiz Sponchiado. In: Caixa da família Stoch, Centro de Pesquisas Genealógicas.

28 Ver mais em: MANFIO, Juliana Maria. De crimes e de narrativas: imigração e construção da memória (Nova Palma, final do século XIX). 2013. 58f. Monografia. (trabalho final de graduação em História). Centro

Universitário Franciscano, Santa Maria, 2013.

29 Dificuldade que também enfrentei ao procurar tais processos crimes para a construção do trabalho final de

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palavras, reforçou modelos patriarcais, sempre na perspectiva da exaltação dos pioneiros – porém, sem esconder alguns aspectos humanos dos personagens.

Para efetivar uma memória local, a história da família de Ângelo e Maria Stella Stoch, “a comunidade de S. Antônio sentiu-se motivada a perpetuar, num memorial, o acontecimento” 30. A motivação veio de Padre Luiz Sponchiado, o idealizador da construção do monumento, bem como da reconstituição da história e da organização de uma festa em homenagem a família Stoch, que contou com a ajuda dos moradores da localidade. A doação de materiais para a construção, o terreno que foi cedido pelo proprietário local e um mutirão foi organizado a construção do monumento.

Imagem 2: Monumento à Maria Stella Stoch Fonte: Caixa Stoch, Centro de Pesquisas Genealógicas.

O monumento apresenta, na parte superior, uma fotografia de uma mãe segurando um bebê, representando as vítimas do crime31. Na parte inferior, possui a seguinte descrição: “Nesta picada, a sete de agosto de 1898, o casal Ângelo Stoch foi destruída pelo assassinato de Stella Maria Casini Stoch e a filhinha. Os descendentes e a comunidade recordam. Homenageando a presença de todas as mães na aventura imigratória de nossa colonização”. A fotografia e a descrição são elementos elencados pelo sacerdote para representar a mãe

30 Manuscrito de Padre Luiz Sponchiado. In: caixa da A. Matriz, Centro de Pesquisas Genealógicas. 31 A fotografia não é das vítimas e sim, de outra família de imigrantes italianos.

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imigrante que veio ao Brasil com o intuito de ter melhores condições de vida e acabou tento um fim trágico.

Sobre esse texto impresso no monumento, vale salientar que a data, o nome de Maria Stella e o sexo do filho do casal não conferem com as informações do processo crime. Segundo o processo, a data do crime seria em janeiro de 1897, os nomes das vítimas seriam Maria e Guilhermo, e criança, então, do sexo masculino. Mas foi o modo como Padre Luiz configurou o episódio que acabou sendo registrado. A versão produzida por ele, após obsessiva pesquisa com os habitantes do lugar (e não nos arquivos), foi a que se tornou dominante. A comunidade, em relação a isso, nunca protestou. Supõe-se, dessa maneira, que a comunidade aceitou e acolheu a narrativa produzida pelo padre.

Seja como for, merece destaque a homenagem que o monumento faz as mães imigrantes italianas que colonizaram a região – mãe brutalmente assassinada junto com seu filho de colo. Uma exaltação da figura materna – a mãe e dona de casa dedicada –, aproximando-a do modelo sagrado de Mãe, mãe de Jesus, e sendo apresentada como exemplo a ser seguido – modelo de mãe estremada. Modelo a ser lembrado e seguido.

A construção do monumento tornou-se um marco não apenas do local em que uma imigrante italiana e seu filho foram assassinados. Mas lugar onde as dificuldades enfrentadas pelos antepassados italianos, os pioneiros, se concretizaram dramaticamente. Dessa maneira, os problemas encarados pelos italianos no inicio da colonização podem ser recordados pelas novas gerações e, assim, servirem de modelo. Segundo Manfio (2013:39):

O monumento tem como natureza a afetiva, pois não se apresenta e nem passa informações neutras. Seu intuito é tocar com emoção, uma memória viva. Nesse sentido, a construção de um monumento desperta sentimentos, provocando lembranças e esquecimentos de fatos bons e ruins.

O monumento acabou sendo um dos modos encontrados pelo Padre Luiz Sponchiado para atuar sobre a memória local. O episódio da família Stoch serviu como instrumento para a preservação do passado, ou de algumas características do passado. Segundo Nora (1993:7), “há locais de memória porque não há mais meios de memória”. Então, criou-se esse espaço em função da necessidade da comunidade e de futuras gerações recordarem aos antepassados de origem italiana. Dessa maneira, a função da edificação se dá pensando nos tempos passado, presente e futuro: o passado dá a matéria-prima, a qual é trabalhada pelas necessidades do presente, visando à construção do futuro. O passado da imigração servindo às necessidades de

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afirmação das comunidades de matriz imigrante e alicerçando a construção de um futuro no qual essas comunidades terão identidade e poder.

Como uma forma de mostrar a trajetória da família Stoch e realizar a inauguração do monumento, foi organizada a I festa da família Stoch32. A festividade equivale a “encontros entre parentescos próximos ou distantes, no qual reúnem-se para conhecer inúmeras histórias que envolvem desde os primeiros ancestrais e como o tronco familiar dividido sobreviveu até os dias atuais” (MANFIO, 2013, p.36). As comemorações foram organizadas pelo Padre Luiz Sponchiado e pela comunidade da Linha Três, para receber os descendentes dos Stoch. E adotaram a seguinte programação: missa festiva, com a leitura da história dos Stoch; inauguração do monumento, no local do assassinato; almoço e reunião dançante.

As atividades ligadas ao “projeto da família Stoch” encontram-se no Centro de Pesquisas Genealógicas, local onde aconteceram as pesquisas, estudos, produção de material e todo o planejamento das festividades. Entre a documentação, encontram-se documentos oficiais doados por familiares, a correspondência trocada com os descendentes dos Stochs, fotografias, as filmagens realizadas pelo sacerdote (a construção do monumento, as festividade do encontro dos Stochs na Linha Três), assim como os manuscritos do padre sobre o assunto. A atividade de pesquisa em relação à família Stoch é representativa do modo como Padre Luiz Sponchiado recolheu e classificou o material relativo às famílias de imigrantes e, dessa maneira, criou e organizou o CPG.

Diante da reconstituição da história familiar de Ângelo e Maria Stella Stoch, percebemos a construção de uma memória local sobre o processo de colonização da comunidade. Como uma forma de perpetuação dessa memória, ocorreu a edificação de um monumento, pois, para que o acontecimento permaneça vivo na comunidade, há a necessidade da construção de um monumento. O festejo, além de marcar a inauguração do monumento e a propagação da história dos Stoch, tornou-se um importante meio de envolvimento da comunidade. Os moradores, que em sua maioria, possuíam descendência italiana, passaram a se identificar com história do casal. A partir disso, procurou-se garantir e reforçar a identidade de matriz italiana, entre a população.

Constatou-se a atuação da Igreja Católica em festividades referentes à festas de família com origem italiana. A Igreja, que teve grande participação no período de colonização italiana na região da Quarta Colônia, dessa vez, agiu como organizadora de comemorações e dando a

32 O que vale lembrar que uma das primeiras festas de família que aconteceu na cidade foi no ano do centenário

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elas, o caráter de consagração do passado. Vale ressaltar que o interesse em reconstituir a história dessa família e estabelecer um monumentos ou marco de fundação partiu de Padre Luiz Sponchiado.

Por isso, pode-se concluir que o sacerdote foi o responsável pelo surgimento das festas familiares, ao reconstituir a história de um grupo familiar específico da comunidade, por exemplo, os Stochs. A narrativa criada pelo sacerdote acabou se tornando a verdade absoluta dos fatos e é lembrada como “aquilo que realmente aconteceu” (MANFIO, 2013, p.42). Assim, constata-se duas ações com I Festa dos Stoch: a construção de uma memória local, que reforça a ideia da “saga da imigração italiana” e produção de uma “identidade italiana”, capaz de buscar a união da população em um projeto comum.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ao reconstituir a história do casal Ângelo e Maria Stella Stoch, padre Luiz Sponchiado procurou reforçar a identidade italiana entre os moradores da localidade de Linha Três, no interior do município de Nova Palma, no Rio Grande do Sul. Para isso, traçou a trajetória desse casal de imigrantes através de indivíduos que buscaram na emigração, a possibilidade de melhor de vida e em terras brasileiras, foram surpreendidos por um duplo assassinato que causaria a dissolução desse grupo familiar. Além disso, o sacerdote construiu um monumento com a ajuda da comunidade local, com o intuito de reafirmar o passado histórico vivido pelos imigrantes que chegaram nesse espaço no final do século XIX, e assim, reforçando a identidade italiana entre os moradores da localidade de Linha Três.

Além disso, partiu do interesse do próprio sacerdote a realização do levantamento dessa família. O que era para ser algo trágico, o sacerdote transformou em uma saga – mostrando a população local as dificuldades que os primeiros imigrantes enfrentaram para alcançar o êxito final. Dessa maneira, padre Luiz Sponchiado contribuiu para a reafirmação da história da imigração italiana na Quarta Colônia, através da reconstituição de histórias de famílias, na qual o mesmo exaltava a figura do imigrante, como forma de reforçar a identidade italiana entre os moradores locais.

Referências bibliográficas:

MANFIO, Juliana Maria. De crimes e de narrativas: imigração e construção da memória (Nova Palma, final do século XIX). 2013. 58f. Monografia. (trabalho final de graduação em História). Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, 2013.

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MARCHIORI, José Newton Cardoso. Gênese da Colônia Jaguari. Porto Alegre: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, 2000.

NORA, Pierre. Entre memória e a história: a problemática dos lugares. In: Projeto História 10. São Paulo, dez/1993, p.7-28.

VENDRAME, Maíra Inês. Ares de vingança: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre imigrantes italianos no sul do Brasil (1878-1910). Tese de doutorado. Porto Alegre, 2013.

______________________. Entre ofensas e punições: reflexões sobre as concepções de honra e justiça entre os italianos no sul do Brasil (Rio Grande do Sul, 1880-1900). In: MARTINS, Ismênia de Lima; HECKER, Alexandre (org.). E/Imigrações: Histórias, culturas, trajetórias. São Paulo: Expressão e Arte editora. 2011. (297-307p).

______________________. “Lá éramos servos, aqui somos senhores”: a organização dos imigrantes italianos na ex-colônia Silveira Martins (1877-1914). Santa Maria: Edufsm, 2007.

Fontes:

Ângelo Antônio Stoch. Processo-crime, Júlio de Castilhos, cível e crime, n°1005, maço 4, 1897, Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). 1897.

Carta destinada a Firmino, em 09.05.1996 – não foi enviada. In: caixa da família Stoch, Centro de Pesquisas Genealógicas. 1996.

Juvêncio dos Santos. Processo-crime: Cartório Cível e crime, nº 2507, maço 81, 1899, Arquivo Público do Rio Grande do Sul. 1899.

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