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12º Encontro da ABCP 18 a 21 de agosto de 2020 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB)

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12º Encontro da ABCP 18 a 21 de agosto de 2020

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB)

Área Temática 04. Ensino e Pesquisa em Ciência Política e Relações Internacionais:

PARA QUE SERVE O ESTUDO DOS TEÓRICOS DA POLÍTICA? UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE EM CIÊNCIA POLÍTICA

NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Mônica Dias Martins (UECE)

Angícia Gomes Pereira Mourão (UFRGS)

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Resumo: Este estudo se detém sobre ementas e metodologia de prática pedagógica em Ciência

Política do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará. A pesquisa tem caráter qualitativo e faz uso de análise documental, com o objetivo de compreender quais os sentidos atrelados ao ensino de Ciência Política em uma instituição de ensino superior do Nordeste brasileiro. Observou-se que as ações pedagógicas utilizadas propagaram as produções para além dos temas do Estado e do poder e a substituição de provas por seminários estimulou a realização de debates e a autopercepção dos alunos como sujeitos pesquisadores de Ciência Política.

Palavras-chave: Ciência Política. Ensino Superior. Prática docente.

Abstract: This study focuses on the programs and pedagogical practice in Political Science of

the Social Sciences College from Universidade Estadual do Ceará. The research has a qualitative character and makes use of documentary analysis, with the objective of understanding the meanings linked to the teaching of Political Science in a university in the Northeast of Brazil. It was observed that the pedagogical actions used propagated the productions beyond the themes of State and power and the substitution of tests for seminars stimulated the holding of debates and the self-perception of the students as Political Science researchers

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PARA QUE SERVE O ESTUDO DOS TEÓRICOS DA POLÍTICA? UMA REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA DOCENTE EM CIÊNCIA POLÍTICA

NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

Mônica Dias Martins1

Angícia Gomes Pereira Mourão2

1 À GUISA DE INTRODUÇÃO

A ciência política comporta uma diversidade e uma riqueza de temas que não costumam se esgotar nas atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão; no entanto, são corriqueiras as percepções deste campo científico apenas como uma abordagem do Estado e do poder. Já existem iniciativas que indicam a necessidade de conhecermos como se configurou o campo científico da ciência política nas instituições de ensino superior no Brasil (cf. MILANI; AVRITZER; BRAGA, 2016), assim como há indicações da lacuna nas investigações sobre a docência dessa disciplina nas escolas brasileiras de ensino médio e em seus livros didáticos, entre os anos de 2008 e 2016, período em que vigorou a lei federal que ratificou a presença das ciências sociais nos currículos escolares do país (cf. MAIA, 2015). Foi esse cenário que instigou a nossa reflexão crítica sobre os conteúdos programáticos e os procedimentos metodológicos da prática pedagógica em ciência política na Universidade Estadual do Ceará (UECE), onde ambas as pesquisadoras vivenciaram e uma delas ainda vivencia as potencialidades e os desafios impostos pela docência nesse campo do conhecimento científico.

O ponto de partida da pesquisa é o registro das nossas experiências concretas em sala de aula, durante os anos 2014 e 2015, quando uma das pesquisadoras realizou seu estágio à docência do curso de mestrado na graduação em Ciências Sociais (CS) da UECE e a outra era a docente efetiva do mesmo curso. Com o objetivo de compreender os sentidos atrelados ao ensino de ciência política, em uma instituição de ensino superior do Nordestes brasileiro, realizamos pesquisa de caráter qualitativo por meio de análise documental de ementas disciplinares dos referidos cursos e de relatórios de estágio e monitoria acadêmica, para tentar responder às questões: afinal, para que serve o estudo dos teóricos da política? Quais significados circulam nos documentos que estruturam a prática docente em Ciência Política na

1 Professora do curso de gra dua çã o em Ciência s Socia is e coordena dora do Progra ma de Pós -Gra dua ção em Sociologia , a mbos da Universida de Esta dua l do Cea rá (UECE). Líder do grupo de pesquisa Observa tório da s Na ciona lida des (UECE) e editora do periódico Tensões Mundiais. E-ma il: ma ricota m.martins@gma il.com 2 Aluna de doutora do e bolsista CAPES do Progra ma de Pós-Gra dua çã o em Antropologia Socia l da Universida de Federa l do Rio Gra nde do Sul (UFRGS). Mestre pelo Progra ma de Pós-Gra dua çã o em Sociologia da Universida de Esta dua l do Cea rá (UECE). Membro do grupo de pesquisa Observa tório da s Na ciona lida des (UECE) e do Grupo de Antropologia Econômica e Política (UFRGS). E-ma il: a ngicia @gma il.com

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2 UECE? Quais as percepções de professores em formação na UECE sobre o ensino de Ciência Política?

Na próxima seção deste trabalho, começamos pela análise documental das ementas das disciplinas de Ciência Política II e Teoria da Nação da graduação em CS da UECE, assim como dos relatórios de estágio à docência e de monitoria acadêmica, produzidos em 2014 e 2015, respectivamente. Essa análise segue orientações teórico-metodológicas socioconstrucionistas sobre a pesquisa com documentos públicos, tal como proposta por Spink (2013). Nesse sentido, reconhecemos a centralidade da linguagem nos processos de objetivação da vida social e entendemos as ementas e os relatórios como produtos sociais que se tornaram públicos ao poderem circular amplamente, no nosso caso particular, na instituição de ensino superior da rede pública estadual que tomamos como contexto. Entendemos que o sentido é uma produção dialógica e que a perspectiva socioconstrucionista advém de uma postura que visa tanto a desconstrução da retórica da verdade absoluta, como a busca por narrativas e percepções de grupos socialmente marginalizados (SPINK, 2013). Sendo assim, a análise desses documentos permitiria uma responsabilização e a reflexão sobre as transformações lentas em posturas institucionais, assumidas pelos aparelhos simbólicos que permeiam o cotidiano daqueles que nelas interagem.

Ao estudo dessas ementas, tentamos aproximar o método etnográfico de análise. Como explicado por Fonseca (1999), a etnografia é uma ciência calcada no concreto e o ponto de partida desse método é a interação das pesquisadoras com seus objetos de estudo; em nosso caso, as ementas e as nossas interações enquanto docentes em 2014 e 2015. Nossa aproximação à etnografia é responsável também pela escolha das ementas que aqui analisamos, uma vez que a representatividade dos objetos e sujeitos pesquisados nessa ciência calcada no concreto não é tratada da mesma forma do que em outros ramos das ciências sociais:

Nas análises usuais destes [outros ramos das ciências sociais], os “informantes” são cuida dosa mente escolhidos conforme critérios (muita s vezes esta tísticos) formula dos de antemão; devem ser “representativos” das categorias analíticas (e/ou tipos ideais) usa da s na formula ção inicia l do problema . O pa rticula r é usa do pa ra ilustra r ou testar a lguma a firma ção gera l. Por outro la do, na a ntropologia clá ssica , o pesquisa dor escolhe primeiro seu “terreno” e só depois procura entender sua representatividade. Chega a o ca mpo com a lguma s pergunta s ou hipóteses, ma s é sa bido que esta s devem ser modifica da s a o longo do conta to com os sujeitos pesquisa dos. [...]. É o dado pa rticula r que a bre o ca minho pa ra interpreta ções a bra ngentes. (FONSECA, 1999, p. 10).

Na penúltima seção deste texto, discorremos sobre a formação da ciência política no Brasil, especialmente durante os anos 1960 e 1970. Iremos nos deter no surgimento desse campo do conhecimento científico brasileiro, a fim de podermos caracterizar os elementos

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2 fundantes do processo de formação dos profissionais da área e cotejar esses elementos com a docência em ciência política praticada atualmente em disciplinas da UECE. Apresentamos as conclusões desse exercício histórico e comparativo na última seção deste trabalho.

2 ENTRE EMENTAS DISCIPLINARES E RELATÓRIOS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA

No curso de CS da UECE, a área de ciência política ocupa um espaço mais acanhado do que o da antropologia e o da sociologia em termos de número de disciplinas ofertadas e de docentes. O esforço desenvolvido pelos professores da área tem sido de ampliar o estudo da ciência política na nova matriz curricular do bacharelado e da licenciatura deste curso, aprovada no final de 2019. Assim, filosofia clássica, economia política e elementos de conjuntura brasileira passaram a integrar a área, ao lado das já tradicionais disciplinas que se encarregam de apresentar uma introdução à ciência política, às teorias do Estado, às concepções de democracia e ao pensamento político brasileiro. No que diz respeito às disciplinas optativas, há uma vasta gama de possibilidades que é limitada, no entanto, pelo reduzido quadro de professores. As disciplinas de metodologia do curso de CS - UECE servem como um aporte à área da ciência política tão-somente devido à possibilidade de instrumentalizar alunas e alunos na realização de entrevistas, na condução de observações participantes e na aplicação de questionários – a proposta destas disciplinas, portanto, atende aos três eixos da formação do cientista social (antropologia, ciência política e sociologia) nesta instituição de ensino, sem considerar particularidades.

Para efeito deste trabalho, optamos pela análise das ementas disciplinares de Ciência

Política II e Teoria da Nação, sendo a primeira uma disciplina obrigatória e a segunda uma

optativa, ambas da graduação em CS da UECE. Como explicamos anteriormente, a escolha dessas duas disciplinas parte da nossa experiência compartilhada enquanto docentes, seja como professora efetiva, seja como estagiária de prática docente, portanto, professora em formação. É desse período que recuperamos anotações dos comentários das alunas e alunos com que interagimos em sala de aula, de forma não estruturada para não acentuarmos as assimetrias em jogo, mas semelhante à prática antropológica de registro em diário de campo. É também a essas experiências que fazemos referência nos relatórios de estágio à docência e de monitoria acadêmica, tomados como objeto de análise neste artigo.

Relembramos que as ementas e os relatórios são documentos tornados de domínio público (SPINK, 2013), pois estão à disposição e circulam entre coletivos, no caso, principalmente estudantes matriculados nestas disciplinas. Seu conteúdo reflete enunciados – de ideias, saberes e fazeres – construídos intersubjetivamente em diálogo com um outro ainda

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2 desconhecido, mas imaginado como ator do processo educativo, entendido enquanto ação social e ato comunicativo, dialógico e eventualmente de orientação (FONSECA, 1999). A proposta que lançamos de fazer uso da análise documental e do método etnográfico para t entar entender quais significados são atribuídos à ciência política, antes de nos munir de certezas, nos criará dúvidas, levantando hipóteses sobre os hiatos e assimetrias que existem entre nossa maneira de ver as coisas e a dos outros (FONSECA, 1999).

Além do texto inicial que evidencia de forma breve, concisa e precisa o objetivo e as principais características da disciplina, cada ementa segue um roteiro padrão contemplando conteúdo, metodologia, avaliação e bibliografia. Na apresentação da disciplina, independentemente de sua condição de obrigatória ou optativa, pudemos observar procedimento similar na elaboração do texto, que contém um conjunto de palavras-chave indicando o assunto a ser estudado e, inclusive, as afinidades temáticas. Na ementa de Ciência Política II, lemos que o objetivo desta disciplina é estudar a teoria política moderna, em particular a questão democrática e o termo democracia é considerado ensejador de grandes debates, pois envolve valores, normas, atitudes e práticas que influenciam a vida em sociedade. As sessões iniciais devem tratar das bases filosóficas da modernidade política, destacando o surgimento do Estado-Nação e os direitos do indivíduo. Tais ideias devem fundamentar concepções distintas de democracia e alguns dos temas que merecem tratamento detalhado são os regimes políticos, as formas de governo, os processos eleitorais, os partidos políticos, o protagonismo das massas e o sufrágio universal.

Já a ementa de Teoria da Nação apresenta uma disciplina que tem por objetivo refletir, em perspectiva multidisciplinar, sobre a entidade que marca o advento da política moderna e estabelece os fundamentos das relações entre os povos: o Nação. Sendo assim, o Estado-Nação é tomado como referência básica para as noções orientadoras da modernidade (soberania, progresso, liberdade, igualdade, desenvolvimento), uma vez que, no século XX, torna-se a única forma de organização que se auto reconhece e é reconhecida internacionalmente. A origem e a expansão do nacionalismo, ou seja, do propósito formador do Estado nacional, e a construção da nacionalidade, sentimento indispensável à existência do Estado moderno, são temas propostos para a discussão ao longo da disciplina. Para examinar tais processos histórico-sociais, a disciplina foi estruturada de moda a permitir que docente e discentes se debrucem sobre o estudo de autores clássicos e contemporâneos que se firmaram como importantes teóricos da emergência do Estado-Nação e do sentimento nacional.

No caso da disciplina obrigatória, o conteúdo programático está organizado em unidades, de modo a permitir um enlace com os conhecimentos sobre teorias do Estado, adquiridos em Ciência Política I, pré-requisito para cursar Ciência Política II. Destacamos que

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2 o programa tem sido modificado ao longo da última década, tanto pela maior experiência em sala de aula, como pelas avaliações feitas durante o semestre por monitores e estudantes. A crítica destacava, sobretudo, a predominância masculina entre os autores estudados; então, nos dois últimos anos, foi introduzida a leitura de Emma Goldman, indicada pela sua práxis anarquista e sua postura de mulher emancipada.

No tocante à disciplina optativa, foi decisiva a escolha de um texto básico, a coletânea organizada por Balakrishnan (2000), cuja introdução escrita por Benedict Anderson traz um amplo painel do estado da arte do estudo sobre as nacionalidades. A presença de Anderson por três vezes em Fortaleza, para atividades acadêmicas na UECE, influenciou não apenas os conteúdos da disciplina, mas os métodos e as fontes. A abordagem conceitual e a formação dos Estados-nação nas Américas, respectivamente o módulo inicial e final da disciplina, se beneficiaram de resultados obtidos na realização de um projeto financiado pelo CNPq, que tinha como objetivo, a partir das formulações teóricas disponíveis sobre a nação e o sentimento nacional, investigar o papel do Banco Mundial no processo de construção dos Estad os nacionais na América Latina.

Quanto à metodologia empregada em sala de aula, verificamos a confluência de procedimentos pedagógicos entre as disciplinas analisadas, em parte porque ambas são ministradas por uma professora cuja trajetória profissional emerge na área da educação popular e da assessoria aos movimentos sociais, entrando tardiamente na vida acadêmica. Então, a prática desenvolvida junto aos grupos urbanos e rurais trouxe um aprendizado transferido para a docência em instituição de ensino superior, particularmente na compreensão de que o aprendizado é um processo coletivo. As habilidades de leitura e escrita foram estimuladas de várias formas, sendo um dos instrumentos utilizados o compartilhamento da ficha abaixo:

Figura 1 – Ficha de leitura

Orientações para leitura e apresentação de textos

1. Informe-se sobre o autor: a época em que viveu e escreveu o texto, sua formação, a corrente de pensamento à qual se vincula e seus compromissos políticos.

2. Leia o texto, grifando as palavras novas. Descubra seu significado. 3. Examine o conjunto do texto, tanto o conteúdo como sua estrutura.

4. Resuma as ideias principais do autor. Cite os trechos importantes (com aspas e nº da página).

5. Observe como o autor desenvolve sua argumentação. Mostre que aspectos são destacados (econômicos, políticos, culturais, sociais, ambientais…).

6. Diga com o que concorda e do que discorda, a partir de sua experiência pessoal e profissional. Use casos concretos.

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2 7. Relacione o texto com outros que você conhece. Faça comparações quanto ao

conteúdo, fontes de dados e materiais apresentados. 8. Comente a contribuição do texto para seus estudos. Fonte: Arquivo pessoal de uma das autoras.

Essas orientações visam à assimilação das ideias de cada autor estudado, facilitando o fichamento da obra escolhida, a elaboração de um plano de aulas, o seminário pelo grupo de discentes e o respectivo trabalho escrito. As exposições devem ser entendidas como oportunidades de síntese das discussões, acompanhadas de “apontamentos de aula” (por exemplo sobre “as bases do pensamento político moderno” e “a nação em foco”), elaborados pela professora e compartilhados com a turma. Os pequenos ensaios deveriam motivar os estudantes a refletirem criativa e criticamente sobre as obras de referência, fazendo suas próprias interpretações e, assim, contribuindo com novas formulações ao debate sobre democracia no Brasil.

No caso específico de Ciência Política II, a professora planejou a intercalação entre aulas expositivas e seminários para discutir os textos selecionados. Dos alunos, a professora solicitava a participação pessoal e a elaboração de exercícios críticos, mantendo a leitura atualizada e fazendo apresentações em classe. Cada estudante deveria elaborar, por escrito, sínteses dos autores escolhidos e um pequeno ensaio sobre um tema do curso. Já no caso de Teoria da Nação, a proposta da professora era a apresentação e discussão dos capítulos que compõem o livro adotado ao longo do semestre. Todos os alunos tiveram como tarefa escrever uma resenha dos textos selecionados e apresentá-la em sala de aula. Os debates eram complementados por exposições e leitura de obras indicadas na bibliografia. Eventualmente, a turma poderia contar com palestras de convidados. Ao final da disciplina, cada participante deveria elaborar um pequeno ensaio que entrecruzasse os temas da nação com um de sua escolha.

Em consequência, a avaliação valorizou os seminários em substituição ao instrumento tradicional da prova, geralmente, considerado o único com validade no processo de aferição de conhecimentos. Cada trabalho era comentado e a recomendação era a de que não deveria ser considerado em termos de “certo ou errado”. O trabalho periodicamente era devolvido com a nota para que o estudante acompanhasse seu percurso acadêmico e fizesse a própria reflexão sobre o seu desempenho e possível progressão, ao longo do semestre. Muitas mudanças nas ementas decorreram desta sistemática de procedimentos avaliativos. Sendo assim, a nota final de Ciência Política II resultava da média obtida nos trabalhos, complementada pela participação em sala de aula. Ao longo do curso, deveria ser feita uma avaliação da disciplina pelos alunos,

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2 com o objetivo de adequar seu conteúdo e metodologia às expectativas discentes. Já a nota final de Teoria da Nação resultava da média obtida nos trabalhos escritos e na participação de cada aluna e aluno nos debates em sala de aula. Mensalmente era feita uma avaliação do curso pelos alunos, de modo a também adequar seu conteúdo e sua metodologia às expectativas. Consideramos necessário destacar que há indicativos de que a avaliação mais significativa provinha da comunidade acadêmica de CS da UECE, no momento da finalização da disciplina, por meio da realização de uma mesa redonda. Particularmente neste caso, os debates norteadores do processo de produção coletiva do saber em sala de aula, entre os alunos da CS da UECE, resultaram na realização de seminários sobre os teóricos clássicos da política e as democracias contemporâneas, nos anos de 2014 a 2016.

No que diz respeito à bibliografia básica, a decisão de priorizar a leitura de poucas obras selecionadas teve o intuito de, por um lado, criar o hábito de dialogar diretamente com seus autores, não com comentaristas ou intérpretes, por melhor que fossem; por outro, estimular a imaginação dos estudantes relacionando sua experiência pessoal com as teorias políticas e conceitos. As ações pedagógicas empreendidas propagaram as produções científicas da Ciência Política para além das temáticas do Estado e do poder, ao estimularem as reflexões sobre os conceitos de “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “nação”, “justiça” e “participação social/coletiva”, tornando-as recorrentes em sala de aula, com a participação ativa de monitores/estagiários na condução do processo de ensino-aprendizagem na graduação.

O programa de monitoria acadêmica da UECE estabelecia como finalidade a “cooperação, ampliação de conhecimentos, autonomia na formação integral dos alunos e estímulo docente e discente”. Para atender tais objetivos, eram previstas as seguintes etapas: elaboração/aprovação de um projeto de monitoria, formação de uma comissão avaliadora de três professores, prova escrita de conhecimentos teóricos, prova didática ou entrevista, prova de títulos, ata e mapa com os resultados.

Em 2015, o projeto de monitoria direcionado à disciplina de Ciência Política II tinha como título “Concepções de democracia e debate político contemporâneo” e buscava evidenciar sua importância para o curso de CS, por abordar temas indispensáveis à compreensão do contexto social brasileiro e internacional. Nesse sentido, ganhava destaque a atividade de encerramento do semestre letivo a ser inserido no calendário do curso, de modo a fortalecer e dar maior visibilidade à área de Ciência Política. O evento sobre “A democracia no Brasil hoje”, organizado pelo monitor em conjunto com os estudantes, pretendia socializar com a comunidade acadêmica uma abordagem aprofundada e crítica do conteúdo ministrado na disciplina.

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2 Ressaltamos que a monitoria acadêmica trouxe, além da oportunidade de capacitar um futuro docente e pesquisador, um efeito benéfico para estudantes e professor. Tendo em vista formar o monitor como facilitador do processo de ensino-aprendizagem, se adotaram os seguintes procedimentos didático-metodológicos:

• Seleção do monitor, observando critérios de interesse pela docência, assiduidade nas aulas, responsabilidade na execução de tarefas, capacidade de iniciativa, comprometimento com o curso e disponibilidade de horário;

• Encontros semanais, de modo a assegurar domínio sobre o conteúdo da disciplina, entrosamento com o orientador e postura cooperativa em sala de aula e demais atividades pedagógicas;

• Participação ativa na produção de conhecimentos, na proposição e discussão de questões pertinentes à experiência de monitoria;

• Estímulo à organização de grupos de estudo sobre os conteúdos da disciplina e integração com outros monitores, tendo em vista contribuir com o aperfeiçoamento tanto da própria disciplina quanto do curso de Ciências Sociais.

A professora-orientadora assumiu as atribuições abaixo listadas:

• Relação dialógica entre o orientador, o monitor e os alunos, tendo em vista o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem;

• Planejar estratégias com o monitor para assegurar acompanhamento da turma, preparação e seleção de material para aulas;

• Assistir o monitor na elaboração de um trabalho sobre a experiência docente e/ou ao conteúdo da disciplina, para apresentar na Semana Universitária;

• Publicar o relato da experiência de monitoria.

Duas técnicas combinadas foram empregadas para avaliar o desempenho do monitor de Ciência Política II: a observação sistemática de sua atuação (conhecimentos teóricos, desenvolvimento de habilidades relacionadas à atividade docente e aos procedimentos didático-científicos, capacidade de exercer papel de mediador entre alunos e entre esses e o professor); e a aplicação de um questionário não-identificável, junto aos estudantes ao término da disciplina para averiguar sua postura pedagógica frente aos colegas de curso.

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2 Conforme relatório de um monitor de Ciência Política II, a experiência vivida ao longo de 2015 levou-o a perceber suas contribuições para o desenvolvimento da disciplina e seu aperfeiçoamento pessoal e acadêmico, além da significativa ampliação do número de estudantes interessados na área de Ciência Política na CS – UECE. Dentre as atividades realizadas, esse monitor ressaltou a organização do minicurso “Nação e cinema” durante a semana universitária da UECE; a preparação de plano de aula sobre a “Revolução Russa”, por meio da exibição do documentário “Eles se atreveram” e da discussão de questões por ele levantadas após o filme; o atendimento a alunos e professora por meio de um grupo privado, criado na rede social Facebook, que serviu para disponibilizar avisos, compartilhar arquivos, notícias, vídeos e questionamentos. Os fatores positivos que esse monitor elencou foram: incentivos à pesquisa e à docência; aquisição de novos conhecimentos e técnicas; aprimoramento das habilidades de planejamento, organização e oratória; melhor relacionamento em grupo; e inspiração para a carreira de magistério. A falta de reconhecimento por parte de estudantes do papel do monitor, devido à pouca difusão da importância da monitoria, dificultou algumas tarefas como a mediação para solucionar determinados problemas entre os alunos.

A documentação que nos auxiliou na apreciação da disciplina de Teoria da Nação em 2014 foi o relatório de estágio docência, produzido para atender a exigências do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS – UECE). Lembramos que 2014 foi um ano atípico para a condução das aulas, em virtude da Copa do Mundo que se realizava no Brasil e, no caso específico da UECE, em estádio próximo ao campus universitário. O dito relatório oferece elementos relevantes sobre o aprendizado da mestranda em uma sala de aula com um corpo discente de perfil diversificado. Os destaques apontados no exercício do estágio docência foram: necessidade de mais pesquisa sobre conteúdos e técnicas para melhor assimilação dos estudantes; organização de um calendário de aulas para garantir o semestre letivo; criação de grupo na internet como meio de facilitar a comunicação fora da sala de aula e de compartilhar textos e vídeos; seleção e facilitação à exibição e comentário de filmes, que serviram de apoio didático suplementar ao material básico de leitura; esclarecimento de dúvidas sobre o conteúdo ministrado em sala e apresentação dos seminários.

No processo de ensino-aprendizagem, pudemos observar dilemas e conflitos pelos quais passaram a docente e os discentes, o que permitiu lidar com situações adversas no que tange à execução da disciplina, sendo um fator negativo preponderante a sobrecarga do educador de uma instituição de ensino público. Por sua vez, os fatores positivos da atividade de estágio foram: crescimento intelectual e profissional, aprofundamento do conteúdo visto em sala de aula e experiência de orientação de atividades de pesquisa em diferentes temáticas. A experiência resultou marcante, pois além da apreensão do conteúdo, era necessário que a

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2 estagiária transmitisse de maneira clara e estivesse preparada para eventuais dúvidas das alunas e alunos. Seu relatório conclui com a seguinte passagem: “Certamente, para ser um bom professor, não basta a leitura de produções acadêmicas, é preciso também maturidade para se apropriar e discorrer sobre conceitos e teorias, torná-los próximos à vivência dos alunos e estar disposto a modificar as próprias ideias, a partir das discussões em sala de aula”.

Dessa forma, podemos sintetizar que tanto para o ensino-aprendizagem do regime democrático, da elaboração de direitos, bem como da formação dos Estados-Nações e dos nacionalismos, competências diversas são exigidas. Algumas das evidenciadas nessa seção foram a pesquisa constante por parte dos professores, dos monitores e dos estagiários; a adoção de um material didático que não seja fragmentário (composto de capítulos ou trechos de livros); a leitura de obras de teoria política e não de textos de seus comentadores; e a interlocução entre sala de aula e projetos de pesquisa ou entre alunos e pesquisadores em atividade. Seriam essas competências passadas de geração em geração de profissionais, através dos cursos de formação de cientistas políticos brasileiros? Para respondermos a isso, partiremos para a próxima seção deste artigo, em que trataremos da formação do campo da ciência política no país.

3 A FORMAÇÃO DO CAMPO DA CIÊNCIA POLÍTICA NO BRASIL

Embora seja usual considerarmos que a ciência política trata das relações de poder inerentes às comunidades sociais, o enunciado pouco esclarece – afinal, o que seria o “poder”? E o que é uma “comunidade social”? As definições de poder remetem, necessariamente, a conceitos, tais como: soberania, legitimidade, dominação, liberdade, arbítrio, legalidade, liderança e carisma, que, por sua vez, ensejam grandes discussões. Essas definições teóricas trazem implícitos interesses variados e em conflito, com consequências práticas.

A aventura inacabada de formação deste campo científico inspira cientistas políticos a se debruçarem sobre as correntes, os debates e os temas que estiveram e estão no centro das preocupações científicas e da prática política (ROIZ, 1980; HARTO DE VERA, 2005; LAMOUNIER,1982). Com a chegada do século XX, o Estado de caráter liberal-democrático passa a integrar as classes sociais no sistema, amplia os direitos e reconhece o pluralismo político. Harto de Vera (2005) afirma que este é o momento fundador da Ciência Política, que troca de objeto e método, com o Estado tornando-se pequeno diante do poder. O que antes era limitado ao campo de estudos legais e formais do Estado expandiu-se de duas formas, segundo Roiz (1980): o poder estava presente em todos os âmbitos da investigação política empírica e em distintos tipos de grupos sociais. Mudam os autores e seu tempo, mas persistem as controvérsias sobre a tendência associativa ou agressiva dos indivíduos e dos coletivos sociais, as ideias de soberania e de legitimidade do Estado, os conceitos de liberdade e igualdade. Os

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2 estudos sobre o pensamento político caracterizam-se por ser área de fronteira entre disciplinas (Sociologia, Antropologia, História da Arte, Teoria Literária, História, Direito, Economia, Filosofia). Assim, é um exercício necessariamente multifacetário e polêmico.

No Brasil, a formação do campo da Ciência Política é recente, apesar d e a história das ideias políticas remontar aos discursos do projeto colonial português (Carta de Pero Vaz de Caminha) e às narrativas da resistência dos povos originários e dos africanos escravizados (Guerra dos Bárbaros e Quilombo dos Palmares). As formas de pensar o Brasil contêm modelos de sociedade e de Estado distintos e práxis relativamente diferenciadas. Tal reflexão visa a ajudar na compreensão da natureza e dos limites dos processos políticos contemporâneos (cf. MAIA, 2015).

Foi a partir de meados da década de 1960 que o contexto brasileiro passou a sinalizar oportunidades para efetivação da ciência política enquanto campo específico, em função dos acontecimentos registrados no país. Com a ditadura, os principais nomes da área de sociologia estavam sendo exilados, deixando um vazio que precisava ser ocupado por outros profissionais. Então, o Estado assumia um papel ativo no processo de desenvolvimento e modernização da sociedade brasileira e necessitava de técnicos dispostos a adotar novas formas de ação política, o que impulsionou as análises neste campo do conhecimento. Tal modernização era calcada em um modelo conservador e com um forte controle estatal nas diversas áreas em que o país se organizava (MAIA, 2015). Segundo Forjaz (1989), nesse período, ampliaram-se os cursos de pós-graduação, em conjunto com as agências de fomento ligadas a um sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, vinculado às políticas de planejamento e desenvolvimento econômico. Keinert e Silva (2010) afirmam que a reivindicação de um caráter moderno pelo grupo de profissionais de então era marcada pela recusa das referências acadêmicas da geração imediatamente anterior, mas não significava o rechaço a uma linhagem tradicional, uma vez que a novidade era proposta em relação de continuidade com referências mais antigas. Assim, a tradição que se forjava demandava a constituição de uma nova periodização da história das ciências sociais no Brasil e a valorização dos ensaios de caráter social e político do início do século, bem como “marcava a exigência de se relativizar a ideia de que a estrutura universitária é a principal fonte de legitimidade intelectual” (KEINERT; SILVA, 2010, p. 80).

Em 1964, Peter Bell, então representante da Fundação Ford no Brasil, esteve com cientistas sociais cujas disposições pareciam se ajustar ao perfil intelectual que a agência pretendia estimular. De acordo com Keinert e Silva (2010), tais influxos devem ser tomados como parte de um quadro mais amplo, em que o esforço de exportação de um modelo de organização do trabalho intelectual pela Fundação Ford adquiria sentido no âmbito de um

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2 projeto mais abrangente de hegemonia cultural dos Estados Unidos para a América Latina. Como “uma espécie de ação profilática contra a disseminação da suposta influência do comunismo na região” (KEINERT; SILVA, 2010, p. 82), o ideário desenvolvimentista da fundação constituía o eixo articulador de uma dita política de assistência às chamadas nações subdesenvolvidas. A atuação da Fundação Ford na América Latina se orientou para o investimento em instituições acadêmicas, inicialmente restrito às áreas de economia e de administração, mas depois passando a contemplar outras especialidades científicas, dentre as quais as ciências sociais, que galgaram espaço por serem tomadas como instrumentos de uma espécie de “engenharia social” dos processos locais de modernização (KEINERT; SILVA, 2010).

A experiência no âmbito da Faculdade de Administração e Ciências Econômicas (FACE), posteriormente incorporada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde o curso de sociologia e política havia sido implantado em 1953, moldou uma visão acadêmica suscetível às demandas por uma ciência política mais especializada e aplicada. Para contornar o problema de ausência de um corpo docente especializado na área de ciências sociais, foi introduzida na própria faculdade um programa de capacitação e reprodução de seu quadro docente, um sistema hierarquizado de bolsas de estudo que demandava de seus contemplados dedicação exclusiva e assistência aos professores da instituição (KEINERT; SILVA, 2010). Tal regime de estudos forneceu as condições para a consolidação de uma concepção profissionalizada de vida acadêmica, para a modelagem das noções constantemente evocadas de “elite” e de “excelência” e para a constituição de um grupo de profissionais bastante coeso. No entanto, como esse sistema implementado em Belo Horizonte não se mostrou apto para a autorreprodução, os diplomados pelo curso de sociologia e política acabaram por complementar sua formação em centros intelectuais, como a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), no Chile, e as universidades estadunidenses (KEINERT; SILVA, 2010). Forjaz (1997) apresenta os principais representantes desta chamada primeira geração de cientistas políticos brasileiros: Wanderley Guilherme dos Santos, Fábio Wanderley Reis, Bolivar Lamounier, Simon Schwartzman e José Murilo de Carvalho. A trajetória intelectual deste grupo nos mostra mais alguns traços comuns: a rejeição do marxismo como paradigma científico, a militância política dos anos 1960 e a incorporação de modelos teóricos anglo-saxões (MAIA, 2015).

A Fundação Ford, a Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) foram as três instituições diretamente responsáveis pelo desenvolvimento da ciência política brasileira, além do Conselho Latino americano de Ciências Sociais (CLACSO) e da Comissão

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2 Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). A ANPOCS, em particular, abriu espaço dedicado à área de ciência política, sendo central para criação da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), em 1986, no Rio de Janeiro (MAIA, 2015). Segundo o estatuto da ABCP, seu objetivo principal era o intercâmbio de ideias, o debate de problemas, a manutenção de elevado padrão de ética profissional e a defesa de interesses comuns à ciência política. Lynch (2016) observa que o balanço do campo da ciência política promovido sob os auspícios dessa associação é de suma importância para pesquisadores da área e se caracteriza pela análise das relações do pensamento político brasileiro com a teoria política e a história do pensamento político, tal como empreendidas pela ciência política norte-americana e europeia. Esse exame “permitiu o oferecimento de um programa ‘puro-sangue’ do campo, que assegurou o rigor do empreendimento e manteve sua identidade disciplinar [...]” (LYNCH, 2016, p. 76), mas excluiu os estudos análogos sobre o pensamento brasileiro produzidos por outras áreas das ciências humanas, como a história e a antropologia.

Alguns autores (cf. KEINERT; SILVA, 2010; LESSA, 2011; LYNCH, 2016) concordam em reputar aos Estados Unidos as primeiras influências à ciência política no Brasil:

Os cientista s políticos vincula dos a os primeiros progra ma s de pós-gra duação rea liza ra m seus estudos de mestra do e doutora do no exterior, sobretudo nos Esta dos Unidos. E essa a proxima çã o com a disciplina norte-a merica na impactou o enfoque escolhido pela ciência política bra sileira pa ra a na lisa r os eventos políticos. A construção de uma “ciência da política” no país foi marcada por um rompimento profundo com a tra dição de pensamento político que existia a té então. Esse rompimento nã o se deu a pena s em rela çã o a os a utores e à s teoria s, mas ta mbém na maneira de se fa la r sobre os fenômenos políticos (LESSA, 2011, p. 4 ).

Sendo assim, o percurso da ciência política brasileira esteve diretamente ligado às diretrizes estrangeiras, que alimentaram e formaram os primeiros profissionais brasileiros que se dedicaram exclusivamente a esta área de estudo. No Brasil, o primeiro mestrado da área se inicia em 1966 na UFMG; o segundo é fruto do trabalho conjunto entre cariocas e mineiros, ao criarem o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), em 1969. Este corpo intelectual fixou os padrões disciplinares da ciência política nos anos 1970 e 1980 (KEINERT; SILVA, 2010). Assim, falamos em um espaço de tempo não maior do que três ou, no máximo, quatro gerações, de tal modo, que profissionais mais jovens ainda conviveram com os fundadores da disciplina. Maia (2015) considera que a falta de uma história linear e sistematizada, durante boa parte dos anos de empreendimento da ciência política no Brasil, deve-se a esta proximidade temporal, sendo marcada pela desordem de informações contidas, na maioria das vezes, apenas nas memórias pessoais.

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2 Ainda assim encontramos narrativas de referência sobre o assunto. Santos (1977) constrói uma representação sobre as origens da Ciência Política, encontrando no pensamento autoritário dos anos 1920 e 1930, exemplos de uma tradição de estudos políticos que teriam resultado na versão moderna da disciplina (KEINERT; SILVA, 2010). Lamounier (1982) fez uma análise considerada até hoje o mais importante resgate das memórias desta ciência, ao revisitar e valorizar estudos políticos que ocorreram no Brasil antes mesmo da formação dos primeiros cursos de Ciências Sociais e a implantação da pós-graduação em Ciência Política. Ele delimita o período entre 1960 e 1980 como ponto de partida do “campo da ciência política brasileira”:

É sa bido que a tra diçã o de a ná lise política no Bra sil vem de longa da ta . Antes mesmo do esta belecimento forma l da s universida des, ocorrido a pa rtir dos a nos 1920, já se conta va com uma tra diçã o de pensa mento que produziu importa ntes a ná lises sobre a vida política do pa ís. Nesse período, a queles que se dedica vam ao pensa mento político era m intelectua is isola dos, gera lmente liga dos a a tivida des governa menta is e que nã o fa zia m parte de uma comunidade a cadêmica. Tinham como foco, sobretudo, a construçã o e a via bilida de do Esta do bra sileiro e eram ma rca dos pela a spira ção de um pa pel a tivo na definiçã o da a genda política do país. (LAMOUNIER, 1982, p. 415).

À medida que se produziam livros com este grau de importância, percebia-se um claro desenvolvimento do campo científico da ciência política; a cada título lançado, um novo fôlego era passado aos profissionais que optaram pelos estudos políticos em terras nacionais. O avanço da área e das suas subáreas foram sendo maturadas, caracterizando maior diversidade de temas e, dessa forma, novas abordagens histórico-empíricas foram apresentadas.

A nossa atenção aos sinais identitários presentes na constituição da ciência política, no período que compreende os anos 1960 e 1970, permite que ressaltemos alguns pontos. O primeiro deles é a preocupação metodológica de caráter quantitativo da ciência política brasileira, em suas origens atrelada ao desenvolvimento de políticas públicas e ao projeto desenvolvimentista de Estado-Nação. Em outras palavras: “A sofisticação das técnicas quantitativas de pesquisa aparecia como símbolo maior de um empreendimento cujo sentido de inovação se apoiava num diagnóstico acerca do que seriam as fragilidades metodológicas da ciência social praticada no Brasil até a primeira metade da década de 1960 [...]” (KEINERT; SILVA, 2010, p. 82). Isso implica que nossa disciplina foi configurada e corre o risco de persistir nos valores positivistas e empíricos, tanto ao se concentrar, à época, na investigação do autoritarismo e em conjecturas sobre as formas de sua superação, quanto ao destacar a autonomia dos fenômenos políticos e institucionais. O segundo diz respeito à necessidade de invenção de uma tradição disciplinar que relativizasse a importância da universidade como meio de produção legítimo do conhecimento social. O terceiro e último ponto é o programa de

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2 bolsas de estudo da UFMG na década de 1960, permeado pelo ideal de excelência, estabelecedor de distinções sociais entre alunos bolsistas e os demais e, portanto, hierarquizador das relações em sala de aula na universidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ações pedagógicas empreendidas nas salas de aula que aqui investigamos propagaram as produções científicas da ciência política para além das temáticas do Estado e do poder, ao estimularem as reflexões sobre os conceitos de democracia, liberdade, igualdade, nação e participação social/coletiva. Esses conceitos foram abordados recorrentemente em sala de aula, com a participação ativa de monitores/estagiários na condução do processo de ensino-aprendizagem na graduação. A participação de monitores e estagiários em sala de aula na universidade é uma iniciativa que remete aos primeiros programas de capacitação e formação de quadros docentes em ciência política, portanto não nos admiramos com o aumento dos interesses dos alunos nessa área das ciências sociais. Apontamos também a necessidade de atenção para que essas práticas de monitoria e estágio supervisionado não se revistam da aura de elitização e distinção social que caracterizou as primeiras décadas de formação de docentes em ciência política no Brasil.

Os debates norteadores do processo de produção coletiva do saber em sala de aula, entre os alunos da CS - UECE, resultaram na realização de seminários sobre os teóricos clássicos da política e as democracias contemporâneas, lidos no original, em ambos os anos tomados como recorte desta pesquisa. Nesse sentido, as práticas pedagógicas da professora das disciplinas são marcadas pela aproximação entre ciência e teoria política, presente desde a fundação da disciplina no Brasil.

A substituição de provas por seminários estimulou a realização de pesquisas e debates, bem como o uso da oralidade por alunos que passaram a se ver também como sujeitos pesquisadores. Essa iniciativa é inovadora se comparada às metodologias mais corriqueiras de ensino em curso nas instituições brasileiras de ensino superior (aulas teórico-expositivas) e foi justificada pela trajetória da profissional em sala de aula que, antes de ingressar como professora no ensino superior, trabalhou como assessora política e professora em movimentos sociais. Sendo assim, a prática pedagógica da docente pode ser entendida como capaz de recuperar um ideal de relativização da universidade como locus legitimador de produção do conhecimento científico, que permeava as ciências políticas de 1960 e 1970; contudo, a semelhança termina nesse ponto, na medida em que suas referências não se encontram na recuperação de um passado mais longínquo de produção do pensamento político, mas sim na escuta ativa e no acolhimento de sugestões dadas por alunas e alunos em cada semestre letivo.

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2 Concluindo, esperamos que a reflexão acerca das experiências relatadas neste trabalho tenha contribuído para identificar alguns aspectos relevantes que ampliem e aprofundem os estudos em ciência política, tanto no que se refere aos desafios epistemológicos, teórico-conceituais e metodológicos inerentes à disciplina, quanto no desbravamento de metodologias de ensino-aprendizagem específicas para as temáticas trabalhadas na ciência política e que promovam a curiosidade de futuros professores e pesquisadores em instituições de ensino superior e em escolas de educação básica.

REFERÊNCIAS

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2 SANTOS, W. G. dos. Poder e política: crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.

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