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N.º NOV.IDEZ. 125$00

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N.º 11-12184

NOV.IDEZ.

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N.º 11-12/84 NOV./DEZ.

revista

Director: A. Gentil Martins Redactores: A. Osório de Araújo Tello Morais A. Castanhinha

,

sumario

Editorial

1

Relações com o 6overno

3

Opinião

5

Defesa sócio-profissional

14

Colégios de especialidades

16

Congressos, cursos e reuniões

21

Relações internacionais

23

Vária

24

Depósito Legal N.º 7372/84

Propriedade, Adminiatnçio e Redacção:

.

editorial

SANGUE É VIDA

A. GENTIL MARTINS

À medida que a tecnologia tem avançado e apesar dos seus evidentes progressos nada se conseguiu obter até hoje que substituísse de facto, e em todas as circunstân­ cias, o Sangue Humano.

Numerosos são os substitutos do Plasma que podem ser utilizados em situações de hipóvolémia e choque gra­ ves; mas cedo ou tarde, acaba por ser o Sangue, em muitas circunstâncias, o elemento que representa a di­ ferença entre a vida e a morte do doente.

Elemento verdadeiramente salvador, não só nos gran­ des acidentados mas também em doentes com síndromas hemorrági.cos ou neoplasias causadoras de graves ane­ mias, tem sido o Sangue factor fundamental na segurança dos actos operatórios de grande Cirurgia. Os problemas le­ vantados pelas Testemunhas de Jeová, ao recusar serem transfundidos, vieram confirmar que, se por um lado muita Cirurgia grave se poderia realizar utilizando apenas substi­ tutos do Plasma, por outro lado era indiscutível o aumento de risco cirúrgico e o aumento da mortalidade, quando não se utilizava sangue nas referidas situações.

Não se desconhecem os riscos que a transfusão san­ guínea comporta e entre os quais mais se destacou recen­ temente a possibilidade da transmissão do temível Síndro­ ma de !muno- deficiência Adquirida. Não subsistem dúvidas porém de que o balanço é largamente positivo a favor da Hemoterapia.

Em anos recentes, campanhas intensas nos Ógrãos de Comunicação Social, debruçando-se quantas vezes dema­ gogicamente apenas sobre um dos múltiplos aspectos do problema, vieram apresentar a remuneração dos dadores de Sangue como "forma execrável de exploração humana feita por comerciantes sem escrúpulos".

A tal ponto foi o impacto desta campanha junto das po­ pulações e dos Governantes que a remuneração da dávi­ da de Sangue passou a ser proibida no nosso País. Quais forijm as consequências de tal solução dramati­ camente simplista?

PUBLICAÇÃO MENSAL Execução gráfica:

Ordem dos Médicos Preço avulso: 125$00 - Altagráfica

Av. Ahnlranta Aets. 2•2. 2.•-Eaq. 24.000 exemplares Estrada da Carvoeira Telef. 806412 - 1000 LISBOA. Tetefs. 52483/52874 - 2640 MAFRA

(3)

- A falta sistemática de Sangue para os doentes que dele precisam, já .que as campanhas para dávida benévola não têm resultado suficientes para a aquisição do Sangue necessário - e muito especial­ mente no que respeita aos grupos raros; - O prejuízo grave para a Saúde de muitos

doentes, e talvez, quem sabe, a morte de alguns deles;

- A diminuição da rentabiliddade dos blo­ cos operatórios e a permanência mais prolongada dos doentes hospitalizados, com o consequente importante aumento dos custos económicos directos. e sem fa­ lar já nos muito mais graves custos hu­ manos e sociais de tais situações de ca­ rência.

Foi assim que uma medida que se pretendia moralizadora, resultou em grande prejuízo para a vida de Seres Humanos.

Pareceu esquecer-se que, ao contrário dos rins, fígado ou coração, o Sangue se renova dia­ a-dia e, tomadas as devidas precauções, quer nas colheitas quer no intervalo entre as mesmas, não há prejuízos reais para o dador.

Pareceu também esquecer-se que perante regras bem definidas, não só éticas mas tam­ bém consagradas por via legislativa, se pode assegurar a salvaguarda dos interesses dos dadores, protegendo-os de qualquer situação in­ devida ou actuação abusiva.

Pareceu esquecer-se que a colheita e a pre­ paração de Sangue para administração, envolve custos reais, (técnicos e de organização) que têm que ser compensados.

Pareceu esquecer-se finalmente que a re�u­ neração da dádiva de Sangue, se condenavel como meio de exploração comercial e espe.cula­ tiva de outros Seres Humanos, não se afigura ilegítima como compensação pelas despesas de deslocação, tempo perdido, trabalho não re�l1za­ do, etc., a que o dador se sujeita e que a propna lei admite.

Pareceu esquecer-se também que, em qualquer caso, se trata de acto livre e por vo�­ tade expressa do dador e não de acto coerci­ vamente imposto.

Estes e muitos outros argumentos, pró e contra, foram ditos e reditos, no País e além fronteiras, em debate por vezes acalorado, mais emocional que racional, mais demagógi­ co e hipócrita que objectivo e honesto. Não valerá a pena alongar-mo-nos mais neste mo­

mento, até porque certamente a maioria das

pessoas formou já a sua opinião sobre a maté .­

ria.

O que nos parece importante é fazer com que o problema seja repensado e reavaliado. O problema que se apresenta à Sociedade, quer no campo dos conceitos quer na prática diária, é simples: ou impedir a remuneração da dádiva de Sangue e causar com isso danos graves e objectivos aos doentes ou autorizar tal remu­ neração e com isso salvar vidas!

Para nós, tudo visto e ponderado, não nos restam dúvidas: optamos pelo que permite be­ neficiar os doentes e salvar as vidas, nosso dever ético Médico primordial.

António Gentil Martins

COMPLEMENTO ÀS NORMAS DE ADMISSÃO

À ORDEM DOS MÉDICOS

O �on_selho Nacional Executivo decide, em complemento às regras já estabelecidas para adm1ssao na Ordem, que serão aceites automaticamente todos os Médicos licenciados nos Países da Comunidade Económica Europeia, Espanha e Brasil.

Todos os restantes deverão submeter-se a um exame feito com base num teste de escolha múltipla a efectuar anualmente em Janeiro. Este teste de escolha múltipla ficará a cargo do Conselho Nacional de Ensino e Educação Médica ou de Comissão por esta proposta e sancionada pelo Conselho Nacional Executivo.

O !est� incidirá s?�re Ciências Básicas e na parte clínica fundamentalmente em Medici­ na, C1rurg1a, Obstetr1c1a/Ginecologia e Pediatria.

O número de perguntas de Ciências Básicas deverá ser 100 e o correspondente à parte Clínica 200, havendo o tempo de 4 horas para resposta.

Estas normas entram em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1985.

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relações com o governo

A O.M. E A NATURALOGIA

A posição da O.M. tem sido. sobre este assunto,

desde sempre inequívoca, por isso aqui se reafirma:

- Medicina é a ··ciência que ensina as formas de conser·var a Saúde e de tratar as doenças". Entende­ -se. assim. que toda a Medicina é científica e só é di­ gna de tal nome a que aceitar as regras do conheci­ mento rigorosos que caracteriza as diversas ciências e a Medicina engloba uma feição preventiva. outra cu­ rativa e outra ainda. de reabilitação.

Havendo. portanto. apenas uma Medicina, embora acom perspectivas diversas quanto à forma de encarar ·•o Ser Humano. é lógico que todo o ensino da Medici­

na esteja, num País organizado, dependente do plano organizativo dum Ministério da Educação.

E também se reconhece óbvia a existência de uma Associação de todos os Médicos, a Ordem dos Médi­ cos. ficando o exercício da Medicina obrigatoriamente a depender da isncrição na referida Associação. Desta maneira, é ilegal qualquer Acto Médico realizado por pessoas não inscritas na Ordem dos Médicos.

Não se compreende que deva ser "oficializada a prática da Medicina Natural no nosso País e praticada em igualdade de cisrcunstãncias com a Medicina Ofi­ cial" e --Que sejam criados os instituídos cursos ofi­ ciais de Naturopatia nas nossas Faculdades".

Reconhecer tal seria aceitar a existência de mais do que uma Medicina, o que seria incorrecto, dado

que a Medicina · Oficial" contempla todas as facetas que a ··sociedade Portuguesa de Naturalogia" invoca como justificativas da criação de "cursos oficiais de Naturopatia". Lembre-se que nas Faculdades de Me­ dicina Portuguesas existem disciplinas de feição total­ mente preventiva (como a de Higiene) são ensinadas as regras de Dietologia a aplicar nos sãos e nos doentes, se lecciona sobre Hidrologia e tratamentos termais. etc .. etc.

Por outro lado, recorde-se que os inscritos na Or­ dem dos Médicos nunca foram obrigados a recorrer a ·'Quimioterapia", sendo sempre livres de escolher o método terapêutico que entendem ser o mais adequa­ do ao indivíduo que os procura; e que os doentes são igualmente livres, não só de optar por um ou outro Médico, mas também de aceitar ou não as sugestões que lhes sejam apresentadas em matéria de preven­ ção ou de tratamento.

A todos os Médicos foi sempre possível prevenir ou tratar, por meio de dietas, de águas termais ou de fármacos. Até foi sempre dado estímulo para que se aperfeiçoassem em vários campos da profilaxia e da terapêutica, sem qualquer omissão ou lacuna grave, em Portugal.

Mas, naturalmente que, de acordo com as aleis em vigor, aos que não estiverem inscritos na Ordem dos Médicos, terá que continuar a ser vedado o exer­ cício da Medicina .

EXERCÍCO ILEGAL DA MEDICINA

A O.M. toma posição firme no combate às tentativas do exercício da medicina, bem como aler­ ta os responsáveis governamentais para situações que considera anómalas.

Carta ao Ministro do Trabalho:

Consta a esta Ordem dos Médicos, que cer­ tos "profissionais" apelidados de Naturopatas, Homeopatas, etc., encontram a sua situação le­ gitimada e legalizada através da regulamenta­ ção do Ministério do Trabalho.

Muito agredecia que V. Exa. esclarecesse em que medida tal é verdade, visto representar exercício ilegal da medicina, previsto no código penal português.

Dada a recente tentativa de legalização de uma faculdade de "medicinas alternativas", ê de extrema importância o rápido esclarecimento desta problemática.

E nesse sentido que solicitamos a colabora­ ção do Ministério do Trabalho".

Resposta do Ministério do Trabalho.

"Temos presente o v/ofício n.º 8387, de 10/9/84.

Julgamos ser nele visada a Associação Por­ tuguesa de Naturopatia, registada neste Minis­ tério em 21 /4/82, cujos estatutos, publicados no B.T.E. Ili Série n.º 10, de 29/5/82, foram recen­ temente alterados (clr. B.T.E. Ili Série n.º 12, de 30/6/84) a qual tem por âmbito a representa­ ção das "empresas singulares ou colectivas

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que nela se inscrevam e que no território me­ tropolitano e insular exerçam nomeadamente as actividades profissionais de naturopatas, dietis­ tas, massagistas de recuperação e desportivos, acupunctores, homeopatas, hidroterapeutas, herbologistas, higienistas, bem como outras ac­ tividades dentro do âmbito da naturopatia que venham a ser reconhecidas pela APNA com ac­ tividades afins e ainda as entidades privadas que se dediquem ao ensino destas especialida­ des".

Sobre a questão por V. Exa. suscitada cumpre-nos esclarecer o seguinte:

1 .º - Os processos apresentados neste Minis­ tério pela referida Associação estavam formalmente correctos. face ao disposto no Decreto-Lei n.º 215-C/75, de 30 de Abril, e nada continham que contrariasse, quer as disposições deste diploma, quer as normas do Código Civil aplicáveis. 2.0

-Constatada a regularidade formal dos processos, nada mais restava aos servi­ ços que o cumprimento do disposto no art. 7.º, do DecretoLei acima citado -registar a Associação, providenciando à publicação oficial dos respectivos estatu­ tos e após esta, remeter o processo ao Agente do Ministério Público competente, acompanhado de parecer sobre a sua

conformidade com as disposições legais já referidas.

3.0

-O registo da Associação em causa, como o de qualquer outra efectuado ao abrigo ddas mesmas disposições legais. não si­ gnifica de qualquer modo legitimação ou legalização de qualquer sitl,Jação para além do reconhecimento da sua existên­ cia jurídica como associação patronal. Muito menos haverá que falar, portanto, em "regulamentação" do MTSS.

4.º - Chama-se ainda a atenção para o facto de, nos termos do art.º 13.º do mesmo Decreto-Lei 215/C/75, de 30 de Abril, competir exclusivamente aos Tribunais o "controle" da legalidade da actividade das associações sindicais".

Dado conhecimento ao Ministro da Saúde:

"Junto lhe envio, para os efeitos que enten-· 1 der convenientes, a resposta que obtivemos da Divisão de Organizações do Trabalho do Minis­ tério do Trabalho e respeitante à actividade "le­ gai·· de �Jaturopatas. Acupunctores, Homeopa­ tas, Hidroterapeutas, Herbologistas, Higienistas, etc."

MINISTÉRIOS DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE

ESTÁGIOS EM LABORATÓRIOS DE PATOLOGIA CLÍNICA

Sempre tem sido uma das preocupações domi­

nantes da 0.M. a qualidade do ensino da Medicina em Portugal.

E, fácil, será compreender que para se atingir qualidade aceitável e melhorá-la, é forçoso ter em atenção, não apenas o curso de licenciatura mas também o estágio que se lhe segue. Um mau está­ gio, mais não fará do que prejudicar os conheci­ mentos anteriormente adquiridos e fomentar a for­ mação de profissionais medíocres.

Esta tem sido a posição da O.M. e nesta linha de orientação a sua actuação, nomeadamente ten­ tando manter a qualiddade dos estágios de espe­ cialização em Patologia Clínica. Transcrevemos a carta enviada pelo CNE da O.M. ao Sr. Ministro da Saúde em 23 de Novembro de 1983.

"O Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos ao tomar conhecimento do despacho do an­ terior Secretário de Estado da Saúde de 31 de Maio de 1983 que autoriza contactos entre a Faculdade de Farmácia do Porto e estabelecimentos Hospitalares dependentes da Secretaria de Estado da Saúde com vista à realização de estágios de estudantes da Farmácia no ramo de Análises Químico Biológicas,

prevendo a possibilidade de tal se poder estender a outros pontos do país nomeadamente às regiões

Cen-. tro e Sul, não pode deixar de manifestar a V. Ex.ª a sua discordância do mesmo.

Não havendo capacidade para dar treino adequa­ do em Patologia Clínica a todos os médicos que pre­ tendam obter tal Especialização, quer por via da Car­ reira Hospitalar quer no regime de voluntariado, nem tão pouco proporcionar formação aos técnicos para­ -médicos para isso preparados, não podem nem de­ vem ser admitidos quaisquer outros estagiários, pelo que se impõe a anulação do referido despacho" Na sequência do oficio da SAN da O.M.

"A Ordem dos Médicos tomou conhecimento de um despacho do anterior Secretário de Estado da Saúde de 31 de Maio de 1983, que autoriza con­ tactos entre a Faculdade de Farmácia do Porto e esta­ belecimentos hospitalares dependentes da Secretaria de Estado da Saúde, com vista à realização de está­ gios de estudantes da Famácia no ramo de Análises Ouimico-Biológicas.

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68$00

Não havendo capacidade para dar treino ade­ quado em Patologia Clínica a todos os Médicos que pretendam obter tal especialização, quer por via da Carreira Hospitalar, quer no regime de voluntariado, nem tão pouco possa proporcionar formação aos

téc-nicas paramédicos para isso preparados, considera o Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos que não podem ser admitidos quaisquer outros esta­ giários, solicitando, por tal facto, a revogação do refe­ rido despacho".

E MAIS... PLEONASMOS

Teve o Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, conhecimento através de comunicações dos seus Associados, de que continuam a verificar-se inúmeras situações semelhantes à já referida na nossa Revista (Agosto 84, pág. 6).

Tal situação consiste em os ex-SMS estarem a exigir aos beneficiários para além de receita na qual se prescreve um tratamento, uma declaração do Médico afirmando que tal tratamento é necessário, anomalia para que a Ordem dos Médicos já alertou por ofício de 9 de Julho dirigido ao Director Geral dos Cuidados de Saúde Primários de Saúde.

Estas situações de burocratização, não podem de maneira nenhuma receber o aplauso ou concor­ dância dos Portugueses, principalmente daqueles que estiverem ou se encontrem doentes, pela simples razão do absurdo que é e dos incómodos e gastos a que são obrigados, apenas porque se resolve exigir ao doente a apresentação de uma declaração complementar da receita médica.

.

·-op1n1ao

A RESPONSABILIDADE MÉDICA FACE AOS PROGRESSOS

DA MEDICINA MODERNA

PROF. A. TORRES PEREIRA Já há alguns anos que as conquistas científi­

cas e tecnológicas têm com ritmo sempre cres­ cente transbordado para a Medicina, obrigando a renovada reflexão sobre os seus aspectos éti­ cos, sobre o modo como se recortam no quadro dos valores humanos ou que novo tipo de res­ ponsabilidade envolvem. Tem estado ou estava o médico, principal técnico da Saúde, preparado para aceitar, criticar, envolver-se ou praticar esta nova Medicina? Terá que haver um novo médico ou o mesmo que temos conhecido deverá adap­ tar-se a praticar a nova medicina?

Há poucos anos escrevia-se "A ética médica não é nova, mas ela mudou a sua imagem duma preocupação paroquial com a etiqueta e com as implicações legais da prática médica, para a pro­ cura duma filosofia capaz de envolver. todos os dilemas morais dos cuidados de Saúde".

É notável e reconfortante que os valores mo­ rais pudessem ter sido permanentes e mante­ nham actualidade quando foram concebidos ou identificados como tais quando o Homem tinha um conhecimento do Mundo ou uma visão de si próprio tão inexacto como pretenciosa. lnexacto era o conhecimento do Sol andar à volta da

Ter-ra, ou a discussão filosófica do átomo e da ma­ téria. Pretenciosa era a ideia de ser predestinado ou privilegiado da criação. Que resta desse re­ moto edifício cultural face ao Universo em ex­ pansão, à explosão das super-novae, aos neutri­ nos que preenchem o espaço, e ao aparecimen­ to do hominídeo na teoria da Evolução das Es­ pécies?

E, todavia, hoje como dantes, o homem teima em definir, necessita cada vez mais e pratica um código de ética. Os princípios gerais mantêm-se não obstante serem abissais as diferenças no conhecimento do mundo e no desenvolvimento da ciência. No nosso caso particular os progres­ sos da medicina actual lançam envolventes de­ safios à responsabilidade médica que procurarei resumir adiante.

Com a alocução presidencial desta noite en­ cerrarei um conjunto de oito orações que tiveram como elementos de ligação ou pontos comuns temas latos, de interesse geral e modernos na problemática da medicina nas suas férteis ver­ tentes do ensino médico, da prática profissional e da prevenção.

Na alocução de há seis anos apreciei a

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ponsabilidade social dos cientistas em geral. Procurarei esta noite (1) cingi-la aos médicos ao tratar da "Responsabilidade médica face aos progressos da Medicina actual". A Sociedade das Ciências Médicas tem acompanhado com preocupação este delicado problema, e dele se faz eco o nosso ilustre presidente-adjunto na sua oração de Março deste ano intitulada "A humani­ zação da Medicina e a técnica da Medicina Con­ temporânea". Por outro lado um grupo de sócios propôs à Sociedade a realização, no ano acadé­ mico que ora corneça, duma série de três coló­ quios sobre responsabilidade médica, o primeiro dos quais subordinado ao título '·A responsabili­ dade médica na medicina institucional" terá lugar no último dia desta semana. Por estas razões, entre outras, escolheu o presidente da Socieda­ de das Ciências Médicas este tema para a alo­ cução do seu último mandato, tendo consciência da modéstia da contribuição face à grandeza do tema proposto.

1 - A nova responsabilidade médica

Há alguns anos. precisamente em 1966, teve lugar em Par:s o 11 Congresso Internacional de Moral Médica que foi exclusivamente consagrado ao estudo da responsabilidade médica. Como assinala Guéniot várias são as razões que fun­ damentam debruçarmo-nos sobre a responsabili­ dade, sempre e com renovada preocupação.

a) Um desejável direito médico?

Em primeiro lugar as leis de muitos países não têm textos que tratem especificamente da responsabilidade médica. Os tribunais recorrem a artigos gerais do Código Penal e muito a uma vasta jurisprudência que se foi cimentando com o rodar dos anos. No Código Penal Português publicado em 1982 o art.º 150.º, referente a inter­ venções e tratamentos médico-cirúrgicos, define o n.º 2 que "se da violação das legis artis resul­ tar um perigo para o corpo, a Saúde ou a vida do doente, o agente será punido com prisão até 2 anos". O art.º 148.º (ofensas corporais por ne­ gligência) no n.º 3 define que se do facto resultar ofensa corporal grave ou criação dum perigo para a vida a pena será a de prisão até 1 ano, prevendo o art.º 145.º (morte do ofendido) que a prisão osr::ile.

Dum modo muito genérico nos surge a orien­ tação legal francesa que aponta para o médico "dever, na impossibilidade de curar o doente, ad­ ministrar-lhe cuidados médicos, não quaisquer mas conscienciosos, atentos, e conformes com os dados adquiridos da Ciência, salvo circuns­ tâncias excepcionais".

( 1) Alocução pres1denc1al proferida em 1 O 12 84 na inauguração do ano academ1-co de 1984-85 pres1d1da pelo Secre1ar10 de Estado do Ensmo Superior Prof J Pinto Machado

Da versão actual do projecto do Código Deon­ tológico que a Ordem dos Médicos procura fazer aprovar respigo do art.º 26.º que "o médicoç se obriga à prestação dos melhores cuidados ao seu alcance, agindo com correcção e delicadeza, no exclusivo intuito de promover ou restituir a

Saúde, suavizar os sofrimentos e prolongar a

vida, no pleno respeito pela dignidade do Ser hu­

mano". Levar-nos-ia muito longe a discussão do que se poderia entender por "melhores cuida­ dos" e do que significaria '·ao seu alcance".

E sempre na linha de generalidades inevitá­ veis se relembra que as condições exteriores não devem prejudicar a qualidade dos seus ser­ viços (art.º 28 º), que o médico não deve ultra­ passar os limites das suas qualificações e com­ petências (art.º 29.º), e que deve abstêr-se de quaisquer cuidados terapêuticos ou diagnósticos não fundamentados cientificamente (art.º 44.º).

Ora os recursos, os meios dispon :veis e as normas de aplicação da arte médica contempo­ rânea não são susceptíveis de transcrição escri­ ta exaustiva: é toda a ciência médica de 1984, acrescentada da versatilidade de soluções cl íni­ cas, afins ou diferentes, em função do condicio­ nalismo do sexo, da idade, do pêso, das doen­ ças associadas, das reacções psicológicas, do ambiente comunitário do doente concreto, para só referir algum dos factores que impõem aquela versatilidade.

b) A crescente complexidade da prática médica

A segunda razão que justifica a nova preocu­ pação da responsabilidade médica tem a ver com a crescente complexidade da prática médi­ ca, consequência do progresso científico e tec­ nológico, e com as repercussões sociológicas na classe médica (medicina de grupo, sociedades cooperativas, etc.). As duas noções que mere­ cem comentário individualizado são a partilha da responsabilidade e a transferência da responsa­ bilidade, necessárias numa medicina em que o médico deixou de actuar isoladamente e de ser individualmente responsável pelos seus actos.

Apreciemos primeiramente a partilha da res­

ponsabilidade. Já anteriormente havia equipas

de médicos e trabalho de grupo. Todavia existia um responsável hierarquicamente muito superior aos restantes cuja autoridade por eles era tacita­ mente aceite e que tinha experiência de todas as técnicas por as haver praticado ao longo da sua formação profissional. As suas orientações e de­ cisões não deixavam dúvidas. E perante a Lei ele ( cirurgião ou chefe de clínica hospitalar) era

o responsável.

Com o rodar dos anos as condições modifica­ ram-se. Numa sala onde se pratica a cirurqia cardíaca ou a transplantação de órgãos, o

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gião continuando a ser a figura representativa já não é tecnicamente superior aos restantes técni­ cos que com ele colaboram, o bioquímico, o electrofisiologista, o reanimador, o hemoterapêu­ ta. As decisões têm de ser discutidas, havendo lugar para dúvidas, qualquer deles pode tomar uma decisão que os outros deverão acatar. A responsabilidade está claramente repartida entre vários, a cada um cabendo uma responsabilida­ de própria a qual contudo predomina no que de­ cidirá em última análise.

Da responsabilidade sobre terceiros já se conhecia o exemplo antigo da transfusão de san­ gue incompatível e que era mortal. Era variável a decisão judicial havendo juízes que condena­ vam exclusivamente o biologista que meses ou anos antes havia realizado a determinação do grupo sanguíneo e cujo registo incorrecto havia originado a morte. Noutros casos médico e biolo­ gista foram conjuntamente incriminados. Mas es­ ses casos de transferência total de responsabili­ dade são excepcionais. Este é, em geral, parcial e manifesta-se muito claramente na administra­ ção de novos medicamentos.

Colocando em segundo lugar ou minimizando as acções secundárias ou deletérias e sendo muito salientados os novos méritos do novo me­ dicamento,_ este é lançado com certa pressa no mercado. E facto que hoje já não seria possível lançar na terapêutica a estreptomicina que há mais de 40 anos representou pela primeira vez a cura da meningite tuberculosa. Milhares de vidas se salvaram mas nelas e noutros doentes a quem o produto foi administrado a surdez perr­ manente ficou a testemun/7ar a forte ·toxicidade das altas doses para o VIII.º par-a craneâno. É evi­ dente que se o médico não prescrever os novos medicamentos e esperar que outros o façam para adquirir experiência não se envolverá numa responsabilidade eventual. Se, pelo contrário, pelo seu interesse de actualizaçãÓ profissional ·e ou pela pressão do doente ensaiar o novo medica­ mento e que daí resultem consequências lamen­ táveis a responsabilidader poderá ser de tercei­ ros, desde o fabricante, ao químico de síntese, ao experimentador apressado, à informação e promoção justa-médicas, às próprias autoridades sanitárias, enfim. Recorda-se sempre o exemplo da responsabilidade governativa em muitos aci­ dentes e mortes súbitas quando o governo da

Formosa por orientação da OMS decidiu a admi­ nistração maciça de penicilina numa tentativa de erradicação da sífilis, como já havia resultado com todo o êxito no Botswana. Com razão os médicos militares chineses foram ilibados.

A actividade de comissões como o Comité Eu­ ropeu de Revisão Ética credenciando protocolos para o ensaio de medicamentos e criado há 7 anos deverá ser reproduzida ao nível

institucio-nal consagrando as declarações de Helsínquia de 1964.

Como conclui Guéniot o papel do médico é es­ sencial. Ele tem uma responsabilidade crítica. Para o autor o médico é feito para tomar respon­ sabilidades. Não deve ter medo delas, deve ter consciência das mesmas.

Em recente Editorial na revista da Ordem dos Médicos subordinado ao título Responsabilidade Médica assinala o Presidente da Ordem que "o autêntico médico deve ter a coragem de assumir a responsabilidade por todos os seus actos e correr os riscos eventuais decorrentes do exer­ cício da sua profissão". Mas esta responsabilida­ de tem uma dupla vertente moral e penal. É ain­ da o mesmo autor que relembra "O médico como qualquer cidadão está sujeito à lei geral da responsabilidade, quer civil quer criminal por ne­ gligência, culpa ou dolo". Porém, para além do que sucede ao cidadão comum, está ainda sujei­ to a dispositivos legais especiais e específicos que são os Códigos Deontológico e Disciplinar da sua Ordem, podendo vir a ser punido mesmo quando a lei geral o não faria.

2 - Aspectos da responsabilidade

na medicina computorizada e cibernética A automatização do diagnóstico médico é crescente. Em Cardiologia, em Obstetrícia, em Neurologia estão-se aperfeiçoando as tecnolo­ gias computorizadas para interpretar diferentes tipos de traçados, para estudar a função cardía­ ca e pulmonar, para a monitorização fetal de fre­ quência cardíaca ou da pressão intrauterina. A criação de imagens é cada vez mais esclarece­ dora classificando leucocitos ou analizando cinti­ gramas em Medicina Nuclear. Enfim procura-se cada vez mais tirar proveito da tomografia axial computorizada, ou da ressonância magnética nu­ clear na qual a ressonância magnética e a infor­ mática construiram uma imagem de tipo novo.

Uma outra faceta refere-se ao diagnóstico e terapêutica após exame clínico. Os programas vão proliferando e será neste campo que me de­ terei um pouco mais. O programa terá de ser cuidadosamente bem feito e com vocabulário preciso, mas para que possa ser útil deve o clí­ nico colher com o máximo rigor a totalidade dos sintomas e sinais o que pressupõe elevada com­ petência profissional. Daí algunas falarem no pa­ radoxo do computador poder ser mais útil àque­ les médicos que dele menos precisariam.

Assentemos que a ajuda não é tanto dada pela máquina mas pela equipa que programou o computador e que fica com enorme responsabili­ dade. O modo de pensar médico e o diagnóstico clínico sempre foram intuitivos, caprichosos e dialéticos. Para passar desta dialética às

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conse-quências de silogismos que a máquina requer, assinala Cossa, o programador assumiu extraor­ dinária responsabilidade.

O médico que está apto a receber a informa­ ção da máquina deverá estar igualmente con­ vencido que deve haver benefício para o doente. Hoje é ainda com desconfiança que muitos de nós sabemos dessa resposta enciclopédica e instantânea dos diagnósticos possíveis, da sua desigual probabilidade e da sugestão de provas complementares a fornecer ao computador para restringir aquela lista de diagnósticos possíveis. É ainda Cossa quem refere que aquela descon­ fiança se confunde no nosso espírito como uma espécie de dessacralização do homem ou ainda

o medo que ele terá de "perder a sua alma".

As gerações futuras não pensarão assim. Sa­ bem que o homem é afinal o criador do soft­ -ware do computador. Não terão medo dele. É o médico até ao fim do acto médico quem escolhe e decide. Mas durante algum tempo (muito tem­ po?) o médico não se consgeuirá abstrair de que no momento do diálogo com a máquina ele tinha uma ideia diagnóstica. Se a conclusão da máqui­ na se lhe opuser vai docilmente abandonar a sua intuição? Numa conferência entre médicos, após discordância, é fácil abdicar. O contacto humano e o diálogo vivo são facilitantes e escla­ recedores. No caso dum homem só, pode acei­ tar vencido a decisão do grupo programador suupercompetente, e refugiar-se numa consciên­ cia aliviadda e sem r.esponsabilidade. E todavia esta responsabilidade pode ser bem grande se o exame clínico que forneceu à máquina não foi correcta e exaustivamente colhido. Mas no final haverá sempre um doente, o diálogo singular, e é o médico quem decide face a muitos outros factores psicológicos e sociais que provavelmen­ te só com muita dificuldade poderão alguma vez serem introduzidos no computador.

Este problema envolve a Educação Médica. Além do estudo profundo dos computadores, a rigorosa colheita de sintomas, a maior vivência da Semiologia, o contacto mais precoce do aluno com o doente no curso médico, etc., etc.

A atitude do médico do futuro resultará sobre­ tudo do que sobre as máquinas lhe for ensinado. Não tanto considerar o computador omnisciente e equivalente a uma equipa de sábios e que leva à demissão da responsabilidade profissional, mas sobretudo aprender a noção' de que a má­ quina não vale sem a decisão do médico, que ela é uma enciclopédia à sua disposição mas que a decisão é sua conjugando a inteligência do médico com as subtilezas que a mesma inte­ ligência sabe descortinar do condicionalismo psi­ cológiico e social do seu doente.

3 - Responsabilidade nas terapêuticas

psicológicas

Poderá parecer paradoxo da medicina

moder-na a valorização dos factores psicológicos moder-na doença, a aceitação da causalidade

psico-somá-tica e de quantos os doentes deveriam beneficiar

da psicoterápia, contrastarem com o afastamento

na prática das relações médico-doente, reduzi-das as mais reduzi-das vezes à atribuição de um

núme-ro, à referência a uma cama, a um caso clínico

ou terminando pela entrega duma receita não explicada ou duma requisição de exame comple­ mentar sem palavras de entendimento cordial entre dois seres. Esta apreciação não é infeliz­ mente caricatural conquanto se aceite que com o· tempo por força de pressões sociais, pela expan-são da Psiquiatria e Medicina Psicossomática e sobretudo pela renovada compreensão da Medi­ cina Moderna possam os médicos manifestar • uma disponibilidade e uma atenção para com os �' seus doentes, primeiro passo duma terapêutica psicológica. Neste sentido e embora com o cos­ tumado atraso, recentemente se criou entre nós a carreira de generalista e se procura relançar e creditar a nobre figura do clínico geral.

Neste capítulo procuramos chamar a atenção para a importância e delicadeza da terapêutica psicológica e para os riscos e responsabilidades que ela envolve, sendo este tema um dos que mais evidencia a dificuldade de garantir em ter­ mos deontológicos que o médico "aplica os me­ lhores cuidados ao seu alcance" ou que eles "sejam conformes com os dados adquiridos da Ciência". Entre nós no projecto já citado do Có­ digo Deontológico pode ler-se no art.º 44.º que "o médico se deve abster ... de processos de te­ rapêutica que possam produzir alteração de consciência, com diminuição da livre determina­ ção ou da responsabilidade... salvo havendo consentimento formal do doente ... ". Como já re­ feri o articulado é inevitável e é indispensável, mas também é uma fonte inesgotável de subtile­ zas e de interpretações diversas. Pode ter a ver ainda com o tema das terapêuticas psicológicas o art.º 45.º que garantindo ao médico o direito de liberdade de diagnóstico e terapêutica acrescen­ ta que ele se deve abster de prescrever exames ou tratamentos desnecessariamente onerosos ou de realizar actos médicos supérfluos.

Um dos primeiros aspectos do perigo para o doente e da responsabilidade médica na tera­ pêutica psicológica tem a ver com o risco do psi­ quiatra se deixar encerrar nos sistemas filosófi­ cos o que para Eck é uma grande tentação no mundo da doença mental.

No caso particular da equipa de Saúde mental também o médico necessitará de muitos auxilia­ res técnicos que sob sua orientação deverão ocupar-se de aspectos terapêuticos psicológicos.

(10)

o

psiquiatra, como qualquer médico, é um psico--­ terapeuta. · E todavia ainda no dizer do Eck, a psicoterápià é a bem menos definida disciplina ou atitude médica ou paramédica. Todos a prati­ camos com efeito. Não é afinal uma acção psi­ coterápiéa a que um homem procura e está a obter sempre que a um outro se confia, que o ouve, o aconselha ou o acarinha? Acresce que a qualificação de especialista não implica necessa­ riamente uma gàrà.ntida competência nesta ma­ téria em particular.·

A doença mental com ou sem factores organo­ génicos comporta

·

em

grau variável factores psi­ cogénicos. As terapêuticas orgânicas (medica­ mentosa ou física) poderão ter indicações preci­ sas. Mas a psicoterápica · dificilmente deixará de ter indicações. Poderia envolver responsabilida­ de o facto do especialista· numa concepção ex­ clusivamente psicogénica ter· excluído qualquer outra terapêutica que não a psicológica.

É do conhecimento médico corrente que é so­ bretudo no campo das neuroses que as terapêu­ ticas psicológicas têm mais ampla aplicação, quer a psicoterápia directa, de orientação, de aconselhamento, de compreensão e ajuda ao doente, quer a psicoterápia analítica que procura as raízes inconscientes que motivam o compor­ tamento neurótico presente.

A psicoterápia directa pressupõe um certo grau de abdicação em face do médico. Ainda que seja a mais corrente e apareritemente ino­ fensiva, ela é contudo a que pode representar o maior perigo para a personalidade do doente, sobretudo nos com mais fraco Ego e que podem ser totalmente influenciados pelo médico que es­ colheram. Daí os bons especialistas entenderem ser indispensável que o psicoterapeuta se co­ nheça muito bem a si próprio e evidente moldar o doente à sua imagem. É ainda por isso que al­ guns psiquiatras recusando aceitar o conceito de personalidade normal, não deixam de ficar preo­ cupados ante a vocação precoce para a Psiquia­ tria revelada por estudantes de Medicina ensi­ mesmados e introvertidos, considerando suspeita essa precoce atracção pelo pensamento mórbi­ do. ,

Nalguns doentes a acção da psicoterápia di­ recta é com efeito tão marcada que leva alguns a falarem de lavagem ao cérebro. Influenciar ou não o indivíduo terá muito a ver com o terreno, com a hereditariedade. Influenciá-lo totalmente, recondicioná-lo, será negar-lhe a sua personali­ dade. Pelo contrário a sua liberdade exprimir­ -se-á, em cada momento, pela distância a que consegue manter afastado ou travar esse condi­ cionamento.

Condicionamento e liberdade, uma antítese.

Os profetas nada temem o futuro das psicoterá­ pias directas correntemente conduzidas no cam­ po da psiquiatria pura, no tratamento do doente

conduzindo à restauração da sua personalidade e à sua harmónica reintegração social. Mas o trágico tem sido e será o aproveitamento de tais técnicas para o condicionamento, reconstruindo o doente (ou os indivíduos na comunidade) não no sentido de integridade da sua personalidade mas ao serviço duma ideologia prevalente.

A psicoterápia psicanalítica ficou marcada pela passagem inolvidável de Freud pela Psi­ quiatria, o que será outro interessante paradoxo de como a partir do agnosticismo freudiano se pode compreender o significado psicológico dos altos valores do espírito. Dado que a técnica analítica consiste numa terapêutica a executar vários dias por semana durante alguns anos, to­ talizando centenas de horas, e ser altamente onerosa para o doente, a sua indicação deve ser cuidadosa e muito competentemente posta re­ presentando em elevado grau um _desafio à res­ ponsabilidade médica.

A técnica e a cura psicanalíticas_ em si não de­ vem despertar crítica, por não arrastarem nece­ sariamente alterações éticas, familiares ou so­ ciais. Os seus detratores consideram sobretudo as concepções filosóficas, aliás, versáteis que lhe estarão subjacentes, a sua autonomização como ciência ou o seu aproveitamento pan-se­ xualista tão difundido na Arte ou na Literatura. 4 - A responsabilidade médica para com

o final da vida

Procurarei neste capítulo referir-me a aspectos da responsabilidade médica recentes ou ainda a regulamentar, nomeadamente os que se pren­ dem com a morte cerebral, os enxertos e trans­ plantações de órgãos, e a eutanásia.

a) Eutanásia por omissão

Sobre a eutanásia resumirei que o art.º 133.º do Código Penal acerca do homicídio privilegia­ do considera ter o autor sido "dominado por compreensível emoção violenta ou por compai­ xão, desespero ou outro motivo, de relevante va­ lor social ou moral, que diminua sensivelmente a sua culpa". Na anotação 5 da edição de 1982 (Maia Gonçalves) distingue-se claramente a eu­ tanásia activa da eutanásia por omissão. A euta­ násia activa é punida, ainda que de forma ate­ nuada, enquanto que a eutanásia passiva em que o médico "renunciou o tratamento destinado unicamente ao prolongamento precário e penoso da existência", não o é.

No projecto do Código Deontológico apresen­ tado pela Ordem dos Médicos refere-se ao n.º 4 do art.º 46.º que "não é considerada Eutanásia a abstenção de qualquer terapêutica não iniciada, quando tal resulte de opção livre e consciente do 9

(11)

doente ou do seu representante legal. .. ", e em pormenor no art.º 48.º que "em caso de doença comportando prognóstico seguramente infausto a muito curto prazo deve o médico evitar obstina­ ção terapêutica sem esperança, podendo limitar a sua intervenção à assistência moral do doente e à prescrição ao mesmo de tratamento capaz de o poupar a sofrimento inútil, no respeito do seu direito a uma morte digna e conforme à sua condição de Ser humano". Deste modo é aceite o que há pouco referi corria eutanásia por omis­ são.

É fácil perceber quão grave e delicada seja a responsabilidade médica nesta matéria face à esperança nos modernos recursos terapêuticos tão onerosos, à pressão social sobre o médico e sobretudo às modalidades diversas de exercício da medicina.

b) Morte cerebral

O que hoje correntemente se designa por mor­ te cerebral está previsto no art.º 49.º do Código Deontológico (projecto citado). Nele se consigna que "a decisão de por termo ao uso de meios extraordinários de sobrevida artificial em caso de coma irreversível, com cessação sem regres­ so da função cerebral, deve ser tomada em fun­ ção dos mais rigorosos conhecimentos científi­ cos disponíveis no momento e capazes de com­ provar a existência de morte cerebral".

É insatisfatório este articulado na actualidade, uma vez que ele se baseia no conceito suscep­ tível de discussão e interpretação do que sejam "os mais rigorosos conhecimentos científicos dis­ poníveis no momento".

Sobre esta matéria em que a responsabilidade médicas é máxima - quando desligar a venti­ lação assistida a ·um doente em coma profundo - têm-se debruçado os especialistas de todos os países, e recentemente entre nós o Conselho Médico-Legal que há poucas semanas elaborou normas que procurará que quer a Ordem dos Médicos quer o Ministério da Justiça transfor­ mem em legislação conveniente. Assentaram os seus membros em que. a morte se verifica ou quando haja paragem das funções respiratória e circulatória ou quando haja paragem irreversível da função do tronco cerebral (morte cerebral) sendo a verificação desta da exclusiva compe­ tência médica. Adaptaram-se as normas inglesas elaboradas conjuntamente por diversas entida­ des nOmeadamente os Colégios Reais de Medi­ cina, de Cirurgia e de Anestesiologia do Reino Unido.

Em três circunstâncias deve ser considerada a possibilidade do diagnóstico da morte cerebral a saber, um d_oente em coma profundo de cujas · causas se puderam excluir substâncias depres­

soras da SNC ou alterações endócrinas ou

me-tabólicas ou um doente mantido com ventilação assistida podendo ser excluída a administração prévia de relaxantes musculares ou depressores respiratórios ou finalmente quando se puder ga­ rantir conhecida a etiologia (traumatismo cra­ nean�, hemorragia cerebral), que o quadro clíni­ co se deve a lesão estrutural irreversível.

A confirmação da morte cerebral deverá con­ templar numerosas exigências, particularmente a ausência de reflexos do tronco cerebral, tais como rigidez pupilar, ausência do reflexo da cór­ nea, ausência de respostas motoras dos pares craneanos, ausência dos reflexos da deglutição e da tosse. O diagnóstico da morte cerebral é compatível com a presença de reflexos de auto­ matismo espinhal, e a temperatura do corpo não pode ser inferior a 35°. O neurologista e o neuro­ -cirugião deverão clarificar quaisquer dúvidas. Dois médicos um dos quais com mais de 5 anos de experiência profissional deverão certificar o óbito, após o que se desligará a ventilação me­ cânica.

e) Enxertos e transplantação de órgãos

• O actual e delicado problema que acabei de resumir ainda se pode complicar pela crescente e quase ávida procura de órgãos para transplan­ tações. Para que o respeito pela vida humana mantenha o seu valor moral ímpar e se possa garantir que um doente em coma com ventilação assistida nunca será encarado como um banco de órgãos, urge associar às regras anteriores outras que especificamente se apliquem aos en­ xertos e transplantações.

Esta matéria é tratada no art.º 50.º do projecto do Código Deontológico que refere que a colhei­ ta é feita a partir de indivíduo que se presume falecido, devendo os médicos responsáveis tudo fazer para que a morte seja certificada segundo os mais rigorosos critérios científicos. Já referi atrás quanto estas expressões são vagas ou dis­ cutíveis. O Código Penal Português trata no art.º

150.º, sobre a epígrafe de intervenções e trata­ mentos médico-cirúrgicos a mesma matéria, em termos mal definidos e que se apresentam várias interpretações, como já referi no início: "Se da violação das leges artis resultar um perigo para o corpo, a saúde ou a vida do paciente, o agente será punido com prisão até dois anos".

Na anotação 5 deste artigo Maia Gonçalves ao introduzir o Dec. Lei 553/76 que actualmente re­ gulamenta a utilização de órgãos e tecidos hu­ manos de origem cadavérica, afirma algo surpre­ endente à luz do que atrás defini: "a morte em muitos casos é um fenómeno reversível, mas só durante escassos momentos". Mas acrescenta que estreitos foram os limites consentidos ao le­ gislador uma vez que nos órgãos a transplantar não se podem verlficar fenómenos de necrose

(12)

como é óbvio. E o legislador teve o cuidado de impôr que a colheita se possa fazer imediata­ mente após a morte certificada por dois médicos, distintos dos da equipa que irá proceder à trans­ plantação. O diploma discrimina as várias penas em que incorrem os profissionais se infringirem vários preceitos nele contidos como a oposiçãão do falecido ou evitarem-se mutilações. Mas estes aspectos por estarem bem definidos não mere­ cem comentário particular.

Em conclusão, a enorme resposabilidade mé­ dica actual ante a delicadeza destas situações não pode presciindir de normas rigorosamente definidas. Só elas podem proteger os médicos e as famílias quer face a uma quase cobiça de ór­ gãos precocemente colhidos quer da consciência da escassez e elevado custo de manutenção dos meios de reanimação artificial e que não de­ vem ser mantidos nos doentes irrecuperáveis.

5 -A responsabilidade médica para com o começo de vida

Dividirei este capítulo em duas partes distin­ tas, a interrupção da gravidez e as novas tecno­ logias da reprodução humana.

a) A interrupção da gravidez

No projecto do Código Deontológico já várias vezes citado no art.º 46.º considera-se falta deontológica grave a prática do aborto. Não é considerado aborto "uma terapêutica imposta pela situação clínica do doente como único meio capaz de salvaguardar a sua vida e que possa ter como consequência uma interrupção da gra­ videz". Esta atitude é evidentemente explicada no art.º 47.º que pormenoriza as condições a que a mesma deve obedecer.

Após tempestuosa controvérsia pública a que não faltaram várias vozes discordantes do Tribu­ nal Constitucional (Acórdão n.º 25/84 de 19 de Março de 1984) foi publicada a Lei 6/84 de 11 de Maio e que se intitula com eufemismo "Exclu­ são da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez". Esta Lei altera os artigos 139.º, 140.º e 141.º do Código Penal aos quais dá nova redacção. A novidade da lei refere-se ao art.º 140.º (exclusão da ilicitude do aborto). Passa a não ser punido o aborto efectuado por médico ou sob sua direcção, e com o conheci­ mento da grávida, quando segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da Medicina, ou constitua o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da grá­ vida e seja realizado nas priemiras 12 semanas de gravidez, ou haja "seguros motivos para pre­ ver que o nascituro venha a sofrer, de forma

in-curável, de grave doença ou malformação e seja realizado nas primeiras 16 semanas de gravi­ dez" ou, enfim, haja sérios indícios de aue a

gravidez resultou de violação da mulher e seja realizado nas primeiras 12 semanas de gravidez. A lei manda ainda que a verificação daquelas circunstâncias deva ser certificada em atestado médico redigido por médico diferente daquele que irá realizar o aborto. Este ponto assume toros de importância uma vez que o art.º 2.0 da mesma Lei 6/84 consigna "que o médico que por negli­ gência não se premunir, nem os obtiver poste­ riormente a uma intervenção para interrupção voluntária e lícita da gravidez, conforme os ca­ sos, com os documentos comprovativos da verifi­ cação das circunstâncias que excluem a ilicitude do aborto exigidos por lei será punido com pena de prisão até 1 ano". Enfim, o art.º 4.0 ainda da mesma Lei assegura "aos médicos de demais profissionais de Saúde, relativamente a quais­ quer actos respeitantes à interrupção da gravi­ dez voluntária e lícita o direito à objecção de consciência", que deve ser manifestada em do­ cumento assinado pelo objector.

No Código Penal anotado e comentado por Maia Gonçalves o art.º 139.º inclui a anotação 3. Nela se assinala após um historial político e reli­ gioso, que "é manifesto que há ou pode haver um problema de consciência, que se põe aos ca­ tólicos mas que pertence ao foro íntimo destes e que não tem virtualidade para obrigar os não ca­ tólicos pese embora a forte implantação da Igre­ ja Católica em Portugal".

A posição dos actuais dirigentes da Ordem dos Médicos tem sido a da condenação da Lei 6/84, e um apelo ao art.º 30.º do Código Deonto­ lógico segundo o qual "o médico tem o direiito de recusar a prática do aborto do acto da sua profissão quando tal prática entre em conflito com a sua consciência moral, religiosa e huma­ nitária, ou contradiga o disposto no Código", afi­ nal versão ampla da mesma objecção de cons­ ciência que a própria Lei 6/84 consigna no art.º 4.º.

Como se deduz de tudo o que referi a respon­ sabilidade médica no aborto, deontológica e ou penal é muito grande. Ainda que só praticada por parte dos médicos não influenciados pela Or­ dem dos Médicos e pelo seu apelo à invocação da objecção de consciência, e sujeito a sanções deontológicas, essa responsabilidade tem um enquadramento legal muito mal definido uma vez que se refere "ao estado de conhecimento e da experiência da Medicina"·, expressões que como assinalei de início por não poderem nunca cor­ responder a normas susceptíveis de transcrição escrita exaustiva, se aprestarão à interpretação ·ou à ambiguidade. De tudo isso ressalta clara-.

mente a dificuldade em excluir uma responsabili­ dade médica nos planos estritamente técnico . e 11

(13)

profissional. Lamenta-se profundamente o pre­ sente condicionalismo que levou os actuais diri­ gentes da Ordem dos Médicos a concluir (con­ clusões de 28-7-7 4) "ser a interrupção voluntária da gravidez uma imposição legal à revelia do Código Deontológico que expressamente a con­ diciona entre duas vidas", pelo que isso de de­ sarmonia entre o órgão máximo da classe e a lei geral do País.

b)

As

novas tecnologias da repropdução humana

Já faz parte da História da Medicina o ano de 1978 em que nasceu Lou'ise Brown a primeira bébé-proveta. Assim se preencheu o hiato entre a ficção e a fantasia genialmente antevistas por Aldous Huxley e a realidade biológica. Desde en­ tão, e num ritmo vertiginoso que riem Muller, Criador há 23 anos de eugenia positiva com es­ colha germinal poderia ter imaginado, têm-se su­ cedido as realizações tecnológicas da insemina­ ção artificial in vivo com semen do cônjuge ou com semen congelado de dador; ou a fertiliza­ ção in yitro de óvulo da mãe com qualquer da­ quelas duas qualidades de espermatozoides e sua ulterior implantação no útero materno (a his­ tória -de Louise Brown), ou ainda a. utilização .de óvulo e espermatozoide de dadores más sendo o embrião implantado numa mulher que doutro modo não saberia resolver o problema da sua in­ fertilidade, ou a escolha dum filho -do. sexo mas­ culino pela inseminação com espermatozoides Y, .ou ainda a utilização na investigação ciieptífica

de

embriões não utilizados em re'impla_ntações úterinas ou ainda a criação de embriões com o ,fim de os utilizar na investigação científica, ou ·ainda... até onde? A ciência não vai por certQ 'parar. A nossa preoçupação no que será ético ou não éticÓ só poderá ser elaborada à medida que se d_esenvolvam os progressos dessa nova tecnoíogia, como acentua Dunstan de Teologia . Moral e Social, em Londres.

No dizer de Luria a ética não só evolui, como tem uma função ajustadora no sentido de que, a validade· dos seus princípios é experimentada pelas ·suas consequências como mecanismos re­ guladores no decurso de acontecimentos que envolvem o homem num mundo em rápida muta-·

.. ção. As regras éticas são parte da cultura huma­ na num dado estádio, e experimentadas e vali­ dades pelos seus efeitos sobre essa cultura.·

As preocupações públicas e de muitos cientis­ tas, de natureza social, ética e legal, levaram o governo inglês a nomear em 1982 uma Comis­ : são cujo relatório foi tornado público em· 18 ·de

Julho deste ano e que tomou o nome da sua

.· presidente· - Relatório Warnock, São em núme­ ro de 63 as recomendações produzidas por esse heterogéneo grupo de médicos, biólogos,

teólo-. 12

gos, sociólogos e leigos. O governo inglês apro­ vou o relatório e pô-lo à consideração pública, pedindo uma crítica nacional até Dezembro de 1984, com vista à elaboração da legislação con­ veniente.

Resumirei as principais recomendações. Em primeiro lugar as que obtiveram o ·acordo da to­ talidade dos 17 membros da Comissão. É indis­ pensável criar uma nova autoridade preocupada igualmente com os problemas éticos e os proble­ mas médicos, com competência para decidir e legislar em todo o complexo problema da repro­ dução humana, e estudos de fertilização e de embriologia. Só essa autoridade pode licenciar serviços ou clínicas, após inspecção apropriada, que pratiquem tais técnicas de inseminação arti­ ficial, de fertilização in vivo, da doação de gâ­ metas e da congelação de embriões ou de es­ permatozoides. Antecipando-se à lei futura o re­ latório consigna que as manipulações de investi­ gação no embrião humano só possam ter lugar até 14 dias após a fertilização, e que as expe­ riências de hibridização em que um dos gâmetas é da espécie humana devem terminar no estádio da divisão em duas células.

Já não houve acordo quanto à prática de in­ vestigações no embrião humano, disponível ou não utilizado na reimplantação uterina. Alguns membros aceitaram essa possibilidader mas não aquela outra que consistiria na preparação de embriões com a finalidade exclusiva de investi­ gação científica. Todavia por maioria de 9 mem­ bros contra 7 prevaleceu o ponto de vista de que a investigação em embriões humanos era lícita, sujeita ao licenciamento geral atrás referido, e em embriões até ao 14.º dia após a fertilização. Outro processo que gerou controvérsia foi o das mães emprestadas, ou se qUizer com maior carga verbal, o dos úteros emprestados ou de aluguer, "surrogate mothers" em língua inglesa. Aqui procura-se utilizar, com ou sem pagamento, os serviços duma mulher que cede durante 9 meses o seu útero a um casal que obteve um embrião fertilizado in vitro eventualmente a par­ tir de dadores de gâmetas. Está descrição hux­ leyana hoje realidade ou rede já com filiais em Inglaterra foi considerada ilegal devendo ser ser­ seguidos e condenados todos os que, ou os es­ tabvelecimentos, se dediquem· a tais práticas .

Nesta breve análise de tão importante docu­ mento médico-social da nossa época não quero . deixar de assinalar o anonimato dos dadores de gâmetas e o carácter de bénevolato que se

reco-·mendariam. · ·

Em Portugal que normas iremos ter? Em ter­ mos deontológicos e ainda no projecto do Códi-· go Deontológico no n.º 1 do art;º 46.º, que se re­ Jere "o médico deve guardar· respeito pela vida· humana desde o seu início". E o art.0 52.º expli­ cita que i,É lícita a inseminação artificial como

(14)

forma de tratamento da esterilidade co'njugal nos termos da lei aplicável",,. E ainda conforme o n.º 2 do art.º 54.º "É proibida a manipulação genéti­ ca no ser humano". Como se pode depreender o projecto do Código Deontológico não podia pre­ ver a variedade de situações a que as novas tecnologias deram origem.

Sobre esta matéria o art.º 214.º do Código Pe­ nal pune quem praticar inseminação artificial em mulher, sem o seu consentimento, o que obvia­ mente se não aplica quando o casal procura re­ solver a sua infertilidade.

É evidente que se e quando em Portugal tiver­ mos normas do tipo das que o relatório Warnock irá originar em Inglaterra, a responsabilidade mé­ dica ficará bem definida sendo de desejar que o Código Deontológico e as leis gerais do País es­ tejam então harmoniosamente articuladas. • Parece ainda desejável juntar mais argumen­

. tos nesta procura de falares e regras de ética.

primeiro tem sido defendido por Dunstan. Para ele nova técnica tem de ir a par com as novas tecnologias. Considera que a protecção absoluta do embrião é uma novidade na nossa tradição moral e nas normas codificadas durante séculos uma vez que elas eram sempre condicionadas à idade da gestação. Deste modo considera que o embrião não deve ter direitos humanos comple­ tos. Daí admitir a experimentação sobre o em­ brião não utilizado desde que traga benefício para a comunidade através do seu conhecimento científico, mas nunca os embriões poderem ser criados com essa finalidade.

Por outro lado Swyer _recorda que a vida co­ meçou há centenas de milhões de anos, que desde então um "continuum" do fluxo vital se tem imposto, que óvulos ou espermatozoides • aos milhões em cada um de nós são células vi­vas. É discutível o respeito que devemos a es­

sas células vivas sejam leucocitos, células da pele ou os milhões de oocitos do ovário do feto humano. O autor interroga-se sobre os direitos humanos que devemos atribuir a tais células sa­ bendo-se que em cada ovário só uma célula em 200 000 poderá vir a ser uma criança, número que baixou ainda mais para 1 a 2 milhões por força da contracepção. Tod.Q.s os outros oocitos sofrerão a atresia ou destruir-se-ão após a ovu­ lação sem fertilização. Os correspondentes nú­ meros para os espermatozoides ainda são mais elevados. Acresce que tomados isoladamente, óvulo e espermatozoide, nada garante que a cada um só falta a outra metade do genotipo para se originar um indivíduo completo. Se o ar­ gumento pode ter valor nos ovos já implantados outro tanto não se poderá garantir nos ainda não

implantados, uma vez que muitos deles são in­ capazes de originar um disco germinal e acabam num pequeno saco vazio. Deste modo para

mui-tos autores seriam especulativos os direimui-tos a conceder a estes zigotos pregerminativos.

Mas muitos outros argumentos existem e de outra natureza. A exploraç:ão comercial que já se antevia para as mães alugadas, o compromisso de que o filho deveria ser entregue sem quais­ quer para aquelas aos proprietários do embrião que haviam alugado a cavidade uterina durante 9 meses, e os possíveis conflitos potenciais de­ vem ter sido fortes razões além dos decisivos ar­ gumentos de natureza moral que levaram a Co­ missão Warnock a banir tais práticas e a proces­ sá-las. Haverá sempre quem queira defender este último recurso para a esterilidade. Mas afi­ nal não será mais simples aceitar que a liberda­ de de um só, a liberdade dum casal estéril, não lhe pode conferir um direito inalienável a ter um filho, quaisquer que sejam o método e o custo para a Sociedade e para si próprios? Aceita-se que a esterilidade seja triste ou mesmo trágica. Mas não deve arrastar outros mais graves pro­ blemas sociais de profunda implicação ética.

Um editorial do British Medical Journal conclui muito judiciosamente que "os médicos têm a responsabilidad6 de demonstrar que não só compreendem os factos científicos mas também que estão em sintonia com as suas consequên­ cias morais e éticas, de modo a poder informar os seus doentes de modo correcto e equilibra­ do.

Senhor secretário de Estado,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

O homem a quem a Evolução privilegiou não parece ter hoje caractéres biológicos muito dife­ rentes do seu antepassado Cro-Magnon. O nú­ mero de mutações deletérias metabólicas cresce vertiginosamente mas temos disso conhecimento por serem compatíveis com a vida. Assim salvo qualquer cataclismo geológico a selecção natural deixou de se aplicar a este primata que se fez homem, filósofo e cientista, e que aprendeu a manipular e a controlar o meio ambiente a seu bel-prazer. Tudo apontando portanto para que a linha evolutiva-homem seja hoje em termos da teoria da Evolução um beco sem saída ou o fim do seu processo evolutivo como Handler propõe. Mal se delineava o que hoje designamos por tecnologia da reprodução humana quando há 13 anos Handler pôs o problema, e desafiando filó­ sofos e biolbgistas perguntava se o homem po­ deria orientar uma evolução humana ulterior? Ou se a responsabilidade de o fazer?

Aceito como todos vós que as normas éticas, a responsabilidade, a tecnologia que melhora biologicamente a espécie humana ou lhe alivia os eventuais sofrimentos - são tudo pedras pre­ ciosas dum delicado e esperançoso equilíbrio ei1tre a nossa cultura e .o prosseguimento do tra­ balho científico.

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