• Nenhum resultado encontrado

Morrer em Madrid: uma análise do filme de Frédéric Rossif

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "Morrer em Madrid: uma análise do filme de Frédéric Rossif"

Copied!
24
0
0

Texto

(1)

Resumo: a proposta deste trabalho é a de apresentar uma

discus-são sobre a vidiscus-são da Guerra Civil Espanhola, apresentada no documentário Morrer em Madrid, de Frédéric Rossif. Para tanto, ire-mos comparar a visão deste diretor, da já citada intervenção, com outras fontes documentais, evidenciando que a linguagem cinematográfica pode distorcer e, até, reinventar os fatos históricos.

Palavras-chave: linguagem cinematográfica, guerra, intervenção,

diplomacia

Jeanne Cristina Menezes Crespo MORRER EM MADRID: UMA ANÁLISE DO FILME

D

esde os mais antigos, como a Guerra de Tróia, até os mais recentes, os conflitos bélicos têm sido uma constante fonte de inspiração para os cineastas. O tema, em si, está longe de se esgotar. Porém, entre os filmes baseados na Guerra Civil Espanhola, Morrer em Madrid é caracterizado por muitos críticos do cinema como o melhor no gênero de filme de montagem, isto é, baseado em material de arquivo.

Esse filme possui imagens fortes, nas quais fica evidente a interven-ção (caracterizada pelo diretor como criminosa e nefasta) decisiva das po-tências nazi-fascistas. Está bem evidenciada a acintosa interferência de Adolf Hitler e Benito Mussollini em apoio ao general Franco, ao passo que os dirigentes da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos bradavam pela não-intervenção. Foi esta posição dos dirigentes das potências ocidentais que encorajou o marechal Goering a usar o território espanhol como campo de manobra das suas experiências bélicas e, ao mesmo tempo, deu margem para que, em 1939, Hitler impusesse o Tratado de Munique, no qual os dirigen-tes ocidentais entregaram a Tchecoslováquia ao expansionismo de Hitler.

(2)

Produzido na França, em 1963, em plena Guerra Fria, sob a direção de Frédéric Rossif, Morrer em Madrid emocionou o mundo e, em especial, a Europa, que ainda não havia conseguido se livrar do ‘peso’ da Segunda Guerra Mundial e da lembrança do nazi-fascismo. E a Espanha, sob a sólida liderança do general Francisco Franco, contribuía substancialmente para isso. Os ‘derrotados’ na Espanha (republicanos: soviéticos, liberais e democratas) mereciam um acerto de contas com o franquismo, por mais que o Ocidente não fizesse questão de remexer nesse passado ‘obscuro’. Morrer em Madrid cumpriu esse papel, mostrando ao mundo o massacre fascista aos republi-canos espanhóis que, juntos e unidos, com a ajuda da União Soviética, de-fenderam os ideais libertários na Espanha. Será que, de fato, a história se passou dessa forma?

Morrer em Madrid é um documentário montado com imagens de

arquivo (Moscou, Nova York, Berlim, Londres e Paris) e algumas imagens do território espanhol no período contemporâneo à produção do filme. Como em todo documentário histórico, as imagens do filme são escolhidas e encadeadas, acompanhando o texto de fundo, não de forma ocasional ou imparcial. À medida que elas vão aparecendo, vai se delineando uma inter-pretação do diretor sobre o acontecimento que ele narra, e as imagens, in-dependentemente de serem documentos históricos de per si, vão adquirindo o significado que ele deseja.

Assim, a questão aqui a ser discutida, a priori, é a possível apropriação que o documentário, como gênero cinematográfico, tendo em vista que também pode ser interpretado como gênero jornalístico, faz dos recursos da ficção e vice-versa, e no que isso implica à História: interferência, distorção dos fatos históricos.

Partindo desses pressupostos, este trabalho propõe aprofundar a dis-cussão da seguinte questão: o cinema, ficção ou documentário, pode distorcer/ reinventar os fatos históricos, mesmo contrariando provas concretas de sua veracidade?

A GUERRA ATRAVÉS DAS LENTES DE ROSSIF

Morrer em Madrid é certamente a mais importante obra de Frédéric

Rossif, nascido na Iugoslávia, naturalizado francês, que se dedicou, sobretu-do, a filmes de montagem. Com texto de Madeleine Chapsal, que complementa as fotos selecionadas por Rossif em vários filmes da época do conflito, o espectador é envolvido pela atmosfera e pelos acontecimentos que abarcam a Espanha de 1931, na antevéspera da queda da monarquia do

(3)

rei Alphonso XIII, até dezembro de 1939, com a paisagem desolada e mor-tífera de uma Espanha submersa no terror da ditadura fascista do generalíssimo Franco.

Com imagens do campo espanhol, nas quais se revezam cenas de camponeses que passam entre algumas ferramentas agrícolas, ao passo que de longe as ovelhas pastam, ouve-se em crescendo a música que fortalece a atmosfera dramática da narrativa, que começa a ser contada na tela, sobre os trágicos acontecimentos, que historicamente marcaram a Espanha dos anos 1930.

Com a música pungente de Maurice Jarre martelando ao fundo, o filme se abre em plano geral sobre uma paisagem meio desolada, ao passo que entra o texto que fala de uma Espanha, em 1931, com 24 milhões de pessoas, sendo a metade da população analfabeta, com oito milhões de pobres. São dois milhões de camponeses sem terra, ao passo que vinte mil pessoas possuem a metade da Espanha e províncias inteiras são propriedades de um só homem. Alternando imagens de igrejas e monastérios de longe, a narra-tiva prossegue falando de um país clerical e militarizado, com 31 mil padres, sessenta mil religiosos, cinco mil conventos, 15 mil oficiais, sendo oitocen-tos generais. Um oficial para seis homens, um general para cem soldados. Um rei, Alphonso XIII, o 14º soberano depois de Isabel, a Católica.

Corte rápido para a multidão e tropel de animais numa praça. Estamos em 12 de abril de 1931, quando os candidatos monarquistas foram derro-tados nas eleições municipais. O rei Alphonso XIII se retira. É a República por surpresa. O povo descobre que ela existe, dando direito à palavra, dando direito aos discursos. Entretanto, os camponeses continuam sem a terra, os operários não têm trabalho. Todo o mundo passa ao mesmo tempo à ação direta: os monarquistas contra a República, os catalães pela autonomia, os anarquistas contra o Estado, os camponeses contra a Guarda Civil. A direita se articula. José Antonio Primo de Rivera funda a Falange. A esquerda se organiza. Enquanto isto, o governo utiliza a polícia, depois o Exército.

Agora, as imagens adquirem tom dramático e nos encontramos em outubro de 1934. É a sublevação das Astúrias. Os mineiros controlam, há 15 dias, Oviedo e Gijon. A repressão é rápida: mil e quinhentos mortos, três mil feridos e cinqüenta mil operários prisioneiros. Um general se destaca, Francisco Franco. Este general de quarenta anos é conclamado, por Alcalá Zamora, presidente da República, como ‘o salvador da Nação’.

Aqui termina a parte introdutória de Morrer em Madrid. A partir de agora, os fatos se precipitam. Estamos em 1936, nas eleições gerais. Duas frentes: a Frente Popular e a Frente Nacional. A esquerda exige anistia para

(4)

os mineiros, pão, paz e liberdade. A direita exige uma Espanha nova, única e grande. A Frente Popular ganha com quatro milhões de votos contra 3,5 milhões da direita. Ela obtém a maioria absoluta no parlamento espanhol, as Cortes.

Os camponeses ocupam as terras inexploradas, os mineiros das Astúrias são postos em liberdade. Há um aumento de 15% nos salários. Duzentas igrejas são destruídas, registram-se trezentos assassinatos políti-cos, 130 greves espontâneas, dez jornais são empastelados. Os generais protestam no exílio: Franco nas Canárias, Goded em Baleares. A pessoa sagrada da Espanha está em perigo. Em nome da Espanha eterna, os carlistas, os monarquistas e a Falange se unem sob o manto da Igreja, pre-param a revolta. Das tropas da África às casernas em Burgos, circulam as palavras de ordem do complot. A senha é Arriba España!

Nas Cortes, o líder da direita, Calvo Sotelo, ameaça o governo e apregoa sua condição de fascista. Três semanas depois, Calvo Sotelo é as-sassinado. A revolta encontrou seu pretexto, e seu mártir.

Em Madri, 18 de julho de 1936, é a greve dos garçons de café. Surge a notícia: as guarnições do Marrocos se sublevaram contra a República. Seus chefes, quatro generais: José Sanjurjo, Emilio Mola, Quiepo de Llano e Francisco Franco. Pela rádio de Tétouan, Franco declara:

todos vós que possuem o santo amor da espanha, todos vós que juraram defendê-la contra seus inimigos até a perda da vida, a vós todos, a nação vos apela à sua defesa. A armada decidiu restabelecer a ordem na espanha. Imediatamente, sobre o território da Espanha, cinqüenta guarnições se sublevam. Cinqüenta batalhas se travam entre os militares insurretos e os partisans da República. Por traição, por fraqueza ou por convicção, caem: Algésiras, Cordone, Granada, Andaluzia, Navarra, Oviedo e Saragoça. Já o País Basco, Málaga, Barcelona e Madri resistem vitoriosamente, desarmando os rebeldes. Franco declara: “A Espanha está salva”. O presidente da República, Manuel Azana, proclama: “A República continua”. De fato, a guerra civil começava.

A partir desse momento, o filme ganha intensidade. As imagens se precipitam em rápidas seqüências. É a guerra que estoura, com massacres dos dois lados, com execuções sumárias sem julgamentos. Ricos, pobres, patrões, operários, guardas civis, padres, religiosos, ninguém escapa.

No meio das cenas de extermínio, o filme alcança o seu momento mais dramático, com a descrição do crime acontecido em Granada: “Non,

(5)

con-denado à morte sem julgamento e executado ao amanhecer, o poeta Federico Garcia Lorca.

Realizado com o distanciamento de quase trinta anos do evento, Morrer

em Madrid foi feito com base no aproveitamento de um rico material de

arquivo, pesquisado nos acervos da Cinemateca de Berlim, da antiga Repú-blica Democrática Alemã (RDA), nos jornais cinematográficos Movietone e

Visnews, de Londres, Pathé, Gaumont e Éclair, de Paris, nos arquivos

cine-matográficos de Moscou, da Fox em Nova York. Ainda, foram aproveitadas imagens rodadas pelo camera-man soviético Ramon Karmen, que documen-tou, com imagens contundentes, quase todo o conflito espanhol.

O filme, no início e na parte final, utiliza, sobretudo, imagens filmadas durante o período em que Morrer em Madrid estava sendo estruturado na mesa de montagem. Já quando tem início a guerra civil até a entrada de Franco em Madri, há um predomínio absoluto na utilização do material de arquivo, com imagens, seqüências ou fragmentos dos vários filmes rodados durante o conflito. Este ma-terial tem um significado especial na valorização artística do filme. Em reconhe-cimento, Frédéric Rossif dedica a obra aos correspondentes de guerra e, sobretudo, àqueles cinegrafistas que tombaram, quando registravam as lutas que se travavam nas ruas de Madri.

PARA UMA ANÁLISE DO FILME

O filme de Rossif pode ser analisado por várias esferas, já que o cinema é um testemunho da sociedade que o produziu e, portanto, uma fonte docu-mental para a ciência histórica por excelência. Nenhuma produção cinemato-gráfica está livre dos condicionamentos sociais de sua época. Isso nos permite afirmar que todo filme é passível de ser utilizado como documento. No entan-to, para se utilizar cientificamente de uma tal assertiva, requerem-se cautela e cuidados especiais. A forma como o filme reflete a sociedade não é, em hipó-tese alguma, direta e jamais se apresenta de maneira organizada (em circuitos lógicos e coerentes), mesmo que assim o aparente. Por isso, é necessário que o pesquisador, ao tratar o filme como fonte documental, distancie-se da con-cepção mecanicista pela qual o reflexo social é abordado de forma direta, tão cara ao pensamento vulgar de uma das vertentes da sociologia histórica dita marxista, nos séculos XIX e XX, e que pode ser identificada, por exemplo, nas idéias defendidas por Plekhanov, numa linha de pensamento que se afirmou como dominante no seio da II Internacional e que influenciou bastante a teorização sobre a arte de vários segmentos da esquerda em todo o mundo. Outros pensadores, por sua vez, opuseram-se à postura plekhanovista, a exemplo

(6)

de Mehering, para quem a arte, na sua dialética da criação, não constituía um mero reflexo social, valorizando, assim, o momento subjetivo na teoria esté-tica (KONDER, 1967).

Toda produção cinematográfica é um produto coletivo, não apenas por conter elementos comuns a uma coletividade, mas por ter sido, de fato, rea-lizada por uma equipe (diretor, produtores, financiadores e tantos outros). No entanto, nem isso nem os seus condicionamentos sociais eliminam a presença do caráter individual e artístico de cada obra, cuja análise é, por vezes, difi-cultada pelo fato de que a arte nem sempre segue modelos lógicos e coeren-tes e possui um grau elevado de subjetividade. É também necessário ressaltar que a estética também se encontra condicionada socialmente. E não apenas a estética, como também a própria linguagem cinematográfica como um todo (os movimentos de câmara, os planos, os enquadramentos, a iluminação etc.). Portanto, esses aspectos precisam ser levados em consideração no momento da análise de um filme pelo historiador, o que, na maior parte dos casos, não é uma tarefa fácil, em razão de sua falta de preparação.

O valor documental de cada filme está relacionado diretamente com o olhar e a perspectiva do analista. Um filme diz tanto quanto for questio-nado. São infinitas as possibilidades de leitura de cada filme. Algumas pe-lículas, por exemplo, podem ser muito úteis na reconstrução dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes da sua época, so-bretudo aquelas em que o enredo é contemporâneo à sua produção. Mas, para além da representação desses elementos audiovisuais, elas ‘espelham’ a mentalidade da sociedade, incluindo a sua ideologia, pela presença de ele-mentos dos quais, muitas vezes, nem mesmo têm consciência aqueles que produziram essas películas, constituindo-se, assim, como sentencia Ferro (1992, p. 93), em “zonas ideológicas não-visíveis” da sociedade. Postula-se, assim, que um filme, seja ele qual for, sempre vai além do seu conteúdo, escapando mesmo a quem faz a filmagem.

Na mesma linha de pensamento, Kracauer (1988, p. 18) – um dos pioneiros da utilização do cinema como documento de investigação histó-rica – diz que “o que os filmes refletem não são credos explícitos, mas dis-positivos psicológicos, profundas camadas da mentalidade coletiva que se situam abaixo da consciência”. Os filmes, na verdade, como todo produto humano e, portanto, histórico, contêm elementos que neles foram inseridos de forma consciente e outros que não. Estes últimos, por sua vez, localizam-se numa esfera inconsciente, localizam-seja do produtor tratado individualmente, localizam-seja da coletividade como um todo. Dessa forma, a análise histórica do filme nos permite também introduzir o método psicanalítico no estudo de

(7)

fenôme-nos históricos, prática ainda pouco trabalhada (teórica e metodologicamente) pelos historiadores que se têm mostrado muito reticentes com a utilização da psicanálise em suas pesquisas.

É bom salientar que, se a sociedade exerce influência sobre a produ-ção cinematográfica, a recíproca também é verdadeira. A aprodu-ção exercida pelo cinema nos espectadores é um fato inquestionável, não obstante ainda não se tenha chegado a um consenso quanto ao seu grau de ação. Ter consciência desse mecanismo é fundamental para o trabalho analítico, visto que boa parte do conteúdo do filme, sobretudo no cinema dito comercial, é ditada pelos gostos e pelas expectativas do público, os quais, por sua vez, são influencia-dos pelos filme, numa relação altamente dialética. Cabe, então, ao pesqui-sador, buscar, detectar e diferenciar esses elementos. Mas essa tarefa, por vezes árdua e tortuosa, só pode ser realizada parcialmente, visto que o significado mais totalizante de uma película apenas pode estar presente nela própria. Toda tentativa de análise de um filme implica uma redução do seu sentido em conseqüência da impossibilidade de uma análise total e acabada (só al-cançável como hipótese). Todo processo de transformação (que se configura como uma abstração) das imagens em linguagem escrita ou verbalizada leva sempre ao empobrecimento relativo do seu significado.

A primeira questão a ser levantada diz respeito exatamente à relação passado-presente contida no filme. Qualquer representação do passado exis-tente no filme está intimamente relacionada com o período em que este foi produzido. Por exemplo, a escolha de um tema histórico e a forma como ele é representado em uma película são sempre ditadas por influências do pre-sente. Nesse sentido, pode-se falar de um presentismo na construção histó-rico-cinematográfica, fenômeno já assinalado por filósofos da história, como Benedetto Croce, e historiadores, como Collingwood, em relação ao dis-curso histórico. Em muitos casos, o retorno ao passado funciona como um instrumento de ocultação de um conteúdo presente que se deseja passar para o espectador.

O que dizermos, por exemplo, da relação passado-presente existente no filme Alexandre Nevinsky, de Serguey Eisenstein? Não seria o retorno ao século XIII (durante um episódio histórico no qual a ‘grande’ Rússia é ata-cada de surpresa pelos cruéis exércitos teutônicos – isto é, germânicos –, mas, pela mobilização popular, consegue defender-se e rechaçar os alemães, con-solidando sua força) um instrumento ideológico que visava claramente a agir sobre a consciência dos indivíduos do seu tempo? Ou seriam pura e simples coincidência as semelhanças entre as conjunturas político-militares de 1242 e 1938? A resposta nos parece bastante clara e pode ser comprovada pelos

(8)

próprios fatos que se seguiram à finalização do filme: ele foi censurado até 1941, em conseqüência da assinatura do pacto germano-soviético, e só foi liberado após a invasão do território russo pelos exércitos nazistas. Mas, na maioria das vezes, a relação passado-presente se dá de forma menos direta e consciente. Por isso, a utilização dos filmes históricos não pode prescindir de uma leitura histórica, ainda que esta não seja realizada de forma tão minuciosa (quanto seria para sua utilização como documento primário).

Todo filme histórico é uma representação do passado e, portanto, um discurso sobre este e, como tal, está imbuído de subjetividade. Para se captar o seu conteúdo histórico, é necessário que o historiador, primeira e momentaneamente, renuncie à busca objetiva da verdade histórica. Na película, ele apenas encontrará uma visão sobre um objeto passado, que pode conter verdades e inverdades parciais. Um filme nunca poderia con-ter a verdade plena de um acontecimento histórico, mesmo se assim o desejasse o seu autor. Ainda que aborde fatos reais, nunca abandonará a sua condição de representação e, portanto, de algo que, no máximo, ape-nas representa o real e que não coincide com este. E esta afirmativa tam-bém se aplica aos documentários. A realização de um filme histórico sempre implica seleções, montagens, generalizações, condensações, ocultações, quando não invenções ou mesmo falsificações. Dessa forma, o que deve ser buscado em um filme histórico não é a verdade histórica contida nele, mas a verossimilhança com o fenômeno histórico que retrata.

Mas, sob a denominação de filmes históricos, coexistem numerosos tipos de filmes que se diferenciam bastante quanto ao seu conteúdo, à sua forma e às suas possibilidades de tratamento e utilização. Isso gera uma necessidade de se criar uma classificação para os filmes históricos. A primeira e mais geral classificação, por nós proposta, dos filmes históricos consiste na diferenciação entre documentários e não-documentários. Os docu-mentários são os filmes, cujo enredo não se baseia numa trama representativa (com atores representan-do personagens históricos), mas no relato, na descrição ou na análise de um acontecimento histórico. Em geral, esses filmes são realizados por intermédio de montagens de imagens do passado, de documentos filmados e de cenas do presente, que possuem um texto de fundo narrado e são, muitas vezes, inter-caladas por entrevistas realizadas contemporaneamente à produção do filme. Os não-documentários correspondem a todos os filmes, cujo enredo possui uma história, uma trama. É preciso que se tenha em mente que essa classifi-cação não é estanque e absoluta e que muitas produções podem se enquadrar concomitantemente nos dois tipos de filmes. É importante ainda diferenciar os filmes históricos dos filmes que tratam de acontecimentos, hoje históricos,

(9)

mas que no momento de sua produção eram contemporâneos. Esses filmes podem ser perfeitamente utilizados como recursos didáticos, mas não pode-mos lhes atribuir a condição de discurso histórico. Por exemplo, um documentário produzido no bojo de uma guerra, com imagens do conflito, não se constitui em um filme histórico, mesmo que, atualmente, possua um valor histórico. No entanto, um documentário produzido na década de 1970, utilizando as mesmas imagens, é um filme histórico. Nesses termos, chegamos à conclusão de que o documentário de Roussif pode ser considerado um filme histórico, na medida em que tem um distanciamento do fato narrado.

Na produção cinematográfica, os documentários, não obstante as suas aparentes objetividades, também são representações sobre o passado e, como tais, devem ser tratados. A seleção do tema, dos fatos abordados, das ima-gens e o seu encadeamento, a música utilizada, o conteúdo do texto narrado e a sua inserção, tudo isso faz parte do universo de subjetividade presente no filme, que deve ser abordado à luz da relação passado-presente.

A aparência de objetividade e de neutralidade dos documentários acaba por facilitar a sua utilização propagandística que cria seus próprios mecanis-mos de indução, ocultação e falsificação dos fenômenos históricos, aos quais o historiador deve estar muito atento. A falsificação das imagens nos documentários, durante o século XX, foi um instrumento de manipulação bastante utilizado, sobretudo nos contextos bélicos. Durante as duas gran-des guerras, por exemplo, muitas imagens falsas de vitórias dos aliados e das derrotas dos adversários foram apresentadas aos exércitos de ambos os lados como instrumento de manipulação.

Todo documentário, para além dos fatos históricos narrados, cuja veracidade deve ser avaliada, revela uma visão da História e possui uma interpretação para o objeto histórico sobre o qual se debruça. E esses pontos devem ser detectados e analisados pelo historiador. Muitas vezes, um documentário contém um texto extremamente verdadeiro no que consiste à narração dos fatos, mas a interpretação geral que este dá ao fenômeno se encontra comprometida.

Qualquer reflexão sobre a relação cinema-história toma como verda-deira a premissa de que todo filme é um documento, desde que corresponda a um vestígio de um acontecimento que teve existência no passado, seja ele imediato, seja remoto. No entanto, isso não seria suficiente para que uma película se tornasse um documento válido para a investigação historiográfica. Na verdade, o conceito historiográfico de documento se relaciona funda-mentalmente com dois pontos: a concepção de História do pesquisador e o valor intrínseco do documento.

(10)

UM BREVE RELATO DA GUERRA

Para podermos realizar uma real análise da obra de Rossif, precisamos corroborá-la com outros tipos de fontes documentais. Para tanto, iremos defrontar o discurso do cineasta com os discursos de historiadores, diplo-matas e políticos contemporâneos à Guerra Civil Espanhola.

A agitação anarquista e o movimento separatista na Catalunha no início do século XX levam o rei Alfonso XIII a encorajar o golpe militar do general Primo de Rivera, em 1923. Em 1931, o rei é deposto, e a República é proclamada. A Frente Popular (FP), aliança entre republicanos, socialistas e comunistas, ganha as eleições de 1936. Militares liderados pelo general Francisco Franco sublevam-se no Marrocos espanhol, em julho de 1936, e obtêm o apoio de cinqüenta guarnições em toda a Espanha. A população invade os quartéis e toma armas para defender a FP contra os franquistas, que têm o apoio das oligarquias rurais e da Igreja Católica. Assim, iniciam-se violentos combates entre milícias populares e o Exército. A Guerra Civil dura até 1939 e ganha dimensão internacional. Aos olhos da opinião públi-ca mundial, estava sendo travado um combate entre fascistas e antifascistas. Quanto ao caráter das intervenções internacionais, podemos dizer que os nacionalistas de Franco passaram a ser apoiados pela Alemanha de Hitler e pela Itália de Mussolini. Portugal, governado pelo ditador Antônio de Oliveira Salazar, enviou vinte mil soldados e se constituiu em uma impor-tante base de apoio para os nacionalistas. Potências como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha adotaram uma postura oficial de neutralidade que, na prática, acabou favorecendo sempre os acionalistas. A Texaco e a Ford, entre outras empresas, abasteceram os nacionalistas sobre o olhar complacente do governo norte-americano. A Grã-Bretanha foi uma das patrocinadoras de um comitê de não-intervenção, que acabou sendo flagrante e constantemente desrespeitado pela Alemanha, pela Itália e, mais tarde, pela União Soviética. Em seu livro A era dos extremos, Eric Hobsbawn (1998, p.159-60) analisa da seguinte forma o envolvimento das potências européias no conflito:

A reação da opinião antifascista à rebelião dos generais foi imediata e espontânea, ao contrário da reação dos governos antifascistas, bem mais cautelosos, mesmo quando, como a URSS e o chamado governo da Fren-te Popular que acabara de chegar ao poder na França, eram forFren-temenFren-te a favor da república. A Itália e a Alemanha imediatamente enviaram armas e homens para o seu lado. A França estava ansiosa para ajudar, e deu alguma assistência (oficialmente não-reconhecida) à República, até

(11)

ser exortada uma política oficial de não-intervençãopor divisões internas e pelo governo britânico, profundamente hostil ao que via como como o avanço da revolução social e do bolchevismo na península Ibérica. A opi-nião da classe média e conservadora no Ocidente em geral partilhava desta atitude, embora (com exceção da Igreja Católica e dos pró-fascistas) não se identificasse muito com os generais. A Rússia, embora firme do lado repu-blicano, também entrou no Acordo de não-intervenção patrocinado pelos britânicos, cujo objetivo, o de impedir a ajuda alemã e italiana aos gene-rais, ninguém esperava nem queria atingir, e aos poucos passou de equívoco à hipocrisia.

De setembro de 1936 em diante, a Rússia enviou sem reservas, embora não exatamente de modo oficial, homens e material para auxiliar a República. A não-intervenção, que significava simplesmente que a Grã-Bretanha e a França se recusavam a fazer fosse o que fosse em relação à maciça intervenção das potências do Eixo na Espanha, com o que aban-donavam a República, confirmou tanto fascistas quanto antifascistas em seu desprezo aos não-intervencionistas. Também aumentou enormemente o prestígio da URSS, a única potência que ajudou o governo legítimo da Espanha, e dos comunistas dentro e fora daquele país, não apenas porque organizaram essa ajuda internacionalmente, mas porque também logo se estabeleceram como a espinha dorsal do esforço militar republicano. As palavras de Hobsbawn sobre a intervenção da URSS na Guerra Civil Espanhola confirmam a versão mais favorável à URSS, como única potência a ter efetivamente participado da Guerra Civil Espanhola, em auxílio à Espanha republicana, mesmo que de uma maneira extra-oficial, em virtu-de virtu-desta ter avirtu-derido à política virtu-de não-intervenção ditada pela Grã-Bretanha. No entanto, historiadores, como Pierre Broué, questionam o por que de o governo da URSS se juntar às nações ‘democráticas’ com a adoção, na prá-tica, da política de não-intervenção.

No livro Guerra y revolución en Espana1, que traz o selo oficial do PCE, apenas na metade do segundo volume (num total de três), e no segundo capítulo, a não-intervenção é abordada, e caracterizada enquanto ‘farsa’ e ‘traição’. Já, em outra obra oficial do PCE, intitulada L’URSS devant la

Non-intervencion2, o autor começa afirmando que, desde os primeiros momen-tos, a URSS se pronunciou contra o princípio desta proposição que foi feito neste sentido pelo governo francês. Os soviéticos apoiavam-se no direito internacional que, segundo ele, interditava os países de limitar o direito do go-verno legal da Espanha de comprar armas onde ele desejasse. Tal direito também

(12)

não justificava colocar-se sobre um mesmo plano um governo legítimo e cons-titucionalmente eleito e um bando de rebeldes se insurgindo contra o regime constitucional.

Ele explica, entretanto, que a URSS teve que procurar o meio correto, de “levar uma luta efetiva contra as tentativas imperialistas de estrangular o povo espanhol” (GUERRA..., 1971, p. 105), o que implicava que ela tinha calculado todas as circunstâncias concretas. Tais circunstâncias relacionavam-se com o fato de que a proposição emanada do governo francês de Frente Popular era julgada por muitos como o único meio de evitar uma guerra mundial e de impedir a ajuda alemã e italiana a Franco, e, por fim, de que a não-intervenção foi aceita até mesmo pelo governo republicano espanhol.

Nessas condições, prossegue a hagiografia do PCE, uma recusa da proposição francesa teria aberto as portas às acusações contra a URSS de querer intervir na Espanha, e ofereceria uma justificativa a Hitler e a Mussolini para ajudar as tropas franquistas, permitindo isolar a URSS, que poderia ser acusada, primeiramente, de ‘intervenção’ na Espanha. Ele define assim a atitude da União Soviética:

aceitar a não-intervenção, mas sob forma condicional. Quer dizer que a URSS aplicou a não-intervenção sob a condição de que a Alemanha e a Itália a aplicassem igualmente, sob a condição, por conseqüência, que Hitler e Mussolini cessassem de enviar material de guerra aos rebeldes

(GUERRA..., 1971, p. 106).

Os esforços louváveis dos redatores dessa defesa da política soviética não podem, todavia, impedir que apareçam duas lacunas incontestáveis. Como, nessas circunstâncias, explicar que a URSS tenha assinado o acordo de não-intervenção sem ter, por sua vez, enviado armas à Espanha anterior-mente, ao passo que a ajuda ítalo-alemã seguia sem interrupção há cinco semanas? Como acreditar que a adesão à não-intervenção era ‘condicional’ para a URSS, quando se tratava de um acordo geral, evidentemente condi-cional para todos: nenhuma potência que se liga através de um acordo mútuo pensa autorizar os outros a agir a sua maneira. Uma tal interpretação toma seus leitores por ‘simples de espírito’.

É ao historiador de diplomacia, o britânico Haslam (1984), que se pode pedir a definição histórica da política de não-intervenção da URSS durante as primeiras semanas da Guerra Civil. Sublinhando a ausência quase que total de relações entre a Espanha e a URSS, a ausência tanto de diplomatas quanto de correspondentes soviéticos na Espanha, ele assegura que os diplomatas

(13)

sovi-éticos estavam sobretudo interessados em demonstrar a ingerência ítalo-alemã e que a Internacional Comunista, refletindo certos temores, permanecia ‘cu-riosamente muda’ e que a concessão à opinião pública soviética se fazia sob a forma de uma ajuda financeira confiada aos sindicatos.

Avaliando diferentes reações da imprensa e das autoridades soviéticas, Haslam escreveu, para caracterizar a política destes, que a reação soviética a esses acontecimentos foi um pouco ambígua e confusa, uma mistura curiosa de reserva formal e de ajuda ‘oficiosa’, divulgada acompanhada de vituperações contra as potências fascistas. De todos os modos, Stalin não estava ainda de-cidido e a confusão se fez crescer à medida que o verão avançava.

Quanto às reações provocadas na imprensa soviética pela assinatura da declaração de não-intervenção pela URSS no dia 23 de agosto, seguindo outras potências, igualmente a Alemanha e a Itália, Haslam sublinha que eles chegaram até a escrever que ‘a teoria da neutralidade’ – no caso a não-intervenção – era “de fato um bater em retirada geral diante dos governos fascistas e de seus partidários nos diversos países” (LE JOURNAL, 1936). De fato, a situação da URSS tornou-se bastante difícil com a explo-são da guerra civil na Espanha, país pelo qual a sua diplomacia não havia se interessado muito até então. De fato, a União Soviética estava engajada em uma política de segurança coletiva diante da Alemanha, dando-se conta, finalmente, que ela a ameaçava diretamente desde a chegada de Hitler ao poder. O pacto franco-soviético constituiu um importante passo nessa di-reção, mas revelou igualmente seus limites com o muito inquientante resul-tado das eleições francesas e o avanço dos socialistas e dos comunistas que arriscavam inquietar o governo britânico, cuja inclusão no Pacto era condi-ção sine qua non de sua eficácia.

A esse respeito, a situação espanhola, antes mesmo da explosão da Guerra Civil, constituía uma ameaça para os planos da URSS. A vitória eleitoral da Frente Popular criou uma situação de profunda agitação social na Espanha, na qual a direita denunciava a ação dos comunistas e a ‘mão de Moscou’ e de personagens também influentes como Auckland Geddes, o presidente diretor-geral do Rio Tinto, e suplicava ao governo de Londres a fazer alguma coisa para preservar na Espanha seus interesses ‘legítimos’. A Guerra Civil, como testemunham os relatórios do Cônsul britânico na Espanha ao Foreign Office, provocou, do lado republicano, uma revolução que só podia repugnar profundamente ao governo conservador de Londres, cujas simpatias ‘sociais’ se dirigiam, evidentemente, aos militares sublevados.

Uma perspectiva revolucionária na Espanha, dessa forma, não po-dia alegrar em nada a União Soviética. Seus dirigentes acreditavam que

(14)

ela poderia desencadear uma cruzada anti-revolucionária que permitiria às potências fascistas convencer a Grã-Bretanha do perigo da revolução e voltá-la, de novo, contra a União Soviética. A França, sua única aliada, seria fortemente golpeada pelo contágio revolucionário, sobretudo na sua capacidade de defesa. É necessário acrescentar que as organizações políti-cas que poderiam, na Espanha, desempenhar um papel nesta revolução, apresentavam, para os dirigentes soviéticos, aspectos profundamente inquientantes: eles se inquietavam com a Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT), com sua ideologia libertária, com o controle anar-quista da Federação Anaranar-quista Ibérica (FAI) e, mais ainda, com o Partido Operário Unificado Marxista (Poum), influente partido na Catalunha, di-rigido por antigos líderes dissidentes do PC, cujo prestígio popular, na-quele período, era bem superior ao dos dirigentes do PC.

Inversamente, a vitória dos generais sublevados contra o governo ‘re-publicano’, sustentado por Roma e por Berlim, modificaria a situação de maneira muito profunda, isolando diplomaticamente a França e criando-lhe, sob uma nova fronteira, graves problemas de segurança, ameaçando-a em território magrebino.

Nesse momento, os rumores sobre a intervenção soviética na Espanha e o apoio material que eles supostamente teriam concedido aos ‘vermelhos’ – puras invenções de propaganda – apavoraram os dirigentes soviéticos, visto que eles não desejavam, de forma nenhuma, que a URSS fosse identificada com elementos perturbadores da ordem, do status quo, desestabilizadores das sociedades democráticas. Já que esta posição não era propriamente a mais conveniente para aliados das democracias parlamentares e de potências coloniais como a França e a Grã-Bretanha. Provavelmente convencido desde o início de que o interesse geral de sua política exterior visava a derrota dos aliados de Roma e de Berlim na Espanha, para evitar o enfraquecimento do precioso aliado francês, o governo soviético estava muito ansioso por se esqui-var das acusações formuladas contra ele, cortina de fumaça atrás da qual se concretiza a ajuda dos governos de Roma e Berlim à Espanha franquista.

Os dirigentes soviéticos levaram um tempo excepcionalmente longo, não somente para tomar uma decisão, mas também para simplesmente se orientar nesta situação concreta, da mesma forma como eles haviam levado para compreender que a chegada de Hitler ao poder constituía, para a URSS, uma ameaça direta. Seria possível, como asseguram certos autores, soviéticos e outros, que essa postura da URSS se explicasse por uma crença ingênua na rápida vitória das forças ‘republicanas’? É verdade que, para a imprensa comu-nista, as tropas leais combatiam com sucesso após sucesso, dia após dia, e não

(15)

se abatiam mais contra os restos esparsos de uma sublevação esmagada. Mas é sabido que não é esse tipo de informação que determina a política, mas, ao contrário, é a política que determina a escolha da informação.

A política dos soviéticos em relação à Espanha afirma que essa demo-ra foi o resultado da inexistência de relações diplomáticas entre os dois paí-ses. Até porque é certo que a mudança dos embaixadores prevista para 1933 não foi realizada logo após o falecimento do embaixador soviético Lunacharsky, e que os dirigentes do governo do biênio negro colocaram muita má vontade na realização da troca de representantes. Mas as relações foram retomadas, em 1936, com o governo da Frente Popular, entre Litvinov e o embaixador da Espanha na Sociedade das Nações, Salvador Mandariaga (HASLAM, 1984).

Curiosamente, o governo soviético deu sinais de interesse para uma defesa concreta da Espanha somente a partir do momento em que ele se certificou, nas negociações –, de forma consciente – de que estas o levariam à política de não-intervenção. Em 3 de agosto, no momento em que se es-tabelece em Paris um conjunto de procedimentos, um encontro visivelmen-te organizado de última hora reuniu, na Praça Vermelha, mais de duzentas mil pessoas, segundo cifras oficiais. E, no mesmo dia, o encarregado dos negócios americanos, Henderson, indica que há divergências em Moscou entre aqueles que não querem enviar dinheiro para a Espanha, com medo que isso seja encarado como uma ‘intervenção’, e aqueles que pensavam que não aju-dar a Espanha era impossível (FOREIGN, 1936b, p. 461). Em 4 de agosto, o Pravda traz: “Pela defesa do povo espanhol contra os assassinatos e inter-venções fascistas”. O editorial explica que “o combate dos operários e dos camponeses espanhóis por uma república democrática... é um combate pela paz”. Em 5 de agosto, o encarregado de negócios francês, Payart, se aproxi-ma do comissariado de negócios estrangeiros para apresentar as proposições francesas de não-intervenção (DDF, 1936). O embaixador italiano assina-lou que a proposição foi recebida em Moscou ‘com grande alívio’ (DOKUMENTY, [19_ _]). A imprensa anunciou, no mesmo dia, que se passava a deduzir 12 milhões de rublos dos salários dos operários soviéticos, a seu pedido, para auxiliar a Espanha. Em 9 de agosto, Payart escreveu ao ministro Delbos que o governo soviético ‘aderiu sem reserva’ ao dispositivo do projeto francês de declaração comum e solicita apenas que fossem supri-midas as considerações gerais de princípios que não eram, a seu ver, muito felizes e traziam o risco de dividir os signatários (DDF, 1936). Ivon Delbos, em 12 de agosto, afirma que ele “apreciou vivamente a solicitude que o governo soviético dispensou ao aderir ao dispositivo de nossa proposição”

(16)

(DDF, 1936). É verdade que Krestininsky, o adjunto de Litvinov, voltando de férias, assegurou a Payart que os russos não tinham nenhuma ilusão e não duvidavam um minuto que a Alemanha e a Itália dariam continuidade, até o último momento, quer dizer, até a derrota dos legalistas, ao fornecimento de ajuda às suas tropas.

Simultaneamente, entretanto, a chave da atitude do governo soviético é dada pelas declarações públicas de Litvinov. Em 29 de setembro, na assem-bléia geral das Sociedades das Nações, ele dá uma declaração perfeitamente conservadora e mesmo anti-revolucionária da política soviética por meio de suas considerações jurídicas sobre o pano de fundo da Guerra Espanhola. Contrariamente a todos os princípios da política exterior soviética do tempo de Lênin – cujos vários companheiros foram executados em 24 de agosto, no fim do Processo dos Dezesseis, o primeiro Processo de Moscou – as conside-rações jurídicas emitidas por Litvinov constituem uma apologia do status quo interior e exterior no qual o pacifismo da política externa vai até legitimar as mais cruéis ditaduras dos piores inimigos da União Soviética.

PALAVRAS DE MOSCOU

A maior parte dos observadores da época, entretanto, exalta as resis-tências encontradas por esta política em Moscou, mesmo nos meios diri-gentes no período, cujo resultado, foi o abandono puro e simples, em troca de discursos dos combatentes operários e camponeses espanhóis e de uma ajuda financeira de toda maneira insuficiente.

O tenente-coronel Simon, adido militar da França em Moscou, escreve na data de 13 de agosto (DDF, 1936) que a atitude que seria adotada pelo Comintern na presença dos acontecimentos da Espanha seria apreciada, de modo diferente, pelos membros desta organização: a fração moderada, à qual perten-cia o Senhor Stalin, desejava evitar qualquer tipo de intervenção para não pro-vocar uma reação da Alemanha ou da Itália; a fração extremista, ao contrário, defendia que a URSS não deveria se manter neutra, mas apoiar o governo legal. Os partidários deste ponto de vista seriam acusados de ‘trotskistas´, passíveis de medidas repressivas, chegando até mesmo, para os russos, à deportação.

Em 3 de setembro, o encarregado de negócios, Payart, retomou esta questão e até sugeriu ao ministro dos Negócios Estrangeiros que ele inter-viesse junto à imprensa para que ela desse um pouco de razão à fração de Stalin (DDF, 1936)3.

Mais tarde, os diplomatas franceses retomaram essas questões para indicar o que se passava do ponto de vista dos acertos de conta, quer

(17)

dizer, da liquidação do que eles chamavam, não confidencialmente, de ‘oposição’ e cuja ajuda a Espanha evidentemente constituiu, em agosto, o ponto de cristalização. A imprensa mundial por inteiro notou o artigo de Karl Radek, no Izvestja, em 5 de agosto. Foi uma denúncia dos fascis-tas que intervinham e a afirmação de que a política de ‘neutralidade’ dos ocidentais estava inspirada pelo medo da revolução. O nome de Radek foi pronunciado no curso das ‘confissões’ do Processo dos Dezesseis, quando, em 21 de agosto, foi anunciada a abertura de uma sindicância contra ele.

Um pouco mais tarde, em 16 de novembro, é o embaixador da Fran-ça, Colondre, quem cita uma frase pronunciada por Litvinov: “Nem eu, nem meus colegas nem o Senhor Stalin fazemos tudo o que queremos, contrari-amente ao que se crê em Paris”.

O diplomata francês tocou em um ponto nevrálgico: a ligação entre a Guerra de Espanha e o processo que marcou o início do extermínio dos companheiros de Lênin e principais atores da Revolução de Outubro. A não-intervenção e as pesadas derrotas das milícias em campo aberto se produzi-ram no momento em que se cobrem de lama os velhos bolcheviques em Moscou, antes deles serem abatidos nos porões de Lubjanka. Um dos pri-meiros pesquisadores a estabelecer tal ligação, foi o historiador americano Stephen Cohen que escreveu, a propósito do verão de 1936, na sua biografia de Bukarin que:

Os membros do Politiburo que se opuseram ao terror, como Ordjonikidzé, provavelmente apoiado pelo grupo ucraniano no qual encontramos Kossior, Tchoubar e Pavel Postychev, tentam pela última vez resistir. Parece que eles não protestaram contra o processo de Zinoviev e Kamenev, já que condenados duas vezes a penas de prisão, Stalin lhes havia prometido que os acusados não seriam executados. Quando perceberam que foram tra-ídos, decidiram tentar salvar Bukarin e Rikov que eram ademais figu-ras políticas de longe as mais populares e as mais importantes. Em fins de agosto e início de setembro, ocorreram um certo número de reuniões do mais alto nível [...] eles tiveram êxito ao fazer passar um certo número de decisões importantes: a intervenção na Espanha foi aprovada e as perseguições contra Bukarin e Rikov foram abandonadas (COHEN,

[19_ _], p. 444-5).

Segundo uma tal interpretação, a oposição, revelada pelos diploma-tas franceses, que tinha se ‘cristalizado’ sobre a questão da Espanha, teria

(18)

sido idêntica àquela que se levantou na URSS contra o agravamento do terror e que iria ainda custar a vida de outros tantos velhos bolcheviques. A INTERVENÇÃO SECRETA

O primeiro passo para a “virada” da política soviética de não-interven-ção, foi dado com o envio de víveres e de socorro material, que correspondia à coleta financeira, ao mesmo tempo em que o governo soviético afirmava estar respeitando o acordo de não-intervenção4.

As fontes soviéticas e pró-soviéticas asseguram que as primeiras ar-mas foram entregues atendendo à solicitação do governo espanhol de Largo Caballero o que tornou necessário adiar a execução desta medida até a for-mação desse governo, em 14 de setembro. A queda de San Sebastián, no dia 13, mostrou aos olhos do mundo inteiro, por meio de seus correspondentes, que os milicianos estavam cruelmente sem munição. Em 17 de setembro, tornou-se público o fato que Dimitrov havia insistido na necessidade de medidas de ajuda concreta à Espanha.

Mas ao mesmo tempo, a União Soviética, que havia ingressado em Londres no Comitê de Não-intervenção, lançou-se em uma campanha – aparentemente muito mal documentada e demonstrando grandes lacunas de informação – de denúncia da ajuda ítalo-alemã às forças de Franco. Seu porta-voz nesta campanha, o conselheiro do embaixador em Londres, Samuel Cahan, não se contenta em reivindicar uma ‘não-intervenção eficaz’, mas exige o en-vio de uma comissão à fronteira hispano-portuguesa. Ele ameaça, declarando, notadamente, em 7 de outubro, em nome de seu governo, que, “se as violações do acordo de não-intervenção não cessassem logo em seguida, o governo so-viético se consideraria livre das obrigações decorrentes” (GUERRA..., 1971, p. 108). Em 12 de outubro, ele deu mais um passo e assegurou que não so-mente o acordo não alcançava seu objetivo, mas ainda, que “ele servia de co-bertura para os rebeldes contra o governo legítimo”. Finalmente, é Maisky, o embaixador, que revela a política da URSS, incontestavelmente nova, numa declaração lida ao Comitê de Londres, em 23 de outubro.

Atualmente, muitos outros trabalhos têm mostrado como a URSS utilizou sua ‘intervenção’ para fins políticos próprios e notadamente para conter a revolução na Espanha, que ela temia, antes de tudo. Utilizou tam-bém para garantir a ‘aliança com as democracias’ que ela tanto desejava, como o havia demonstrado o período da não-intervenção. Desse ponto de vista, não havia solução de continuidade. A demonstração que fizemos concernente à não-intervenção soviética deveria ajudar a tornar relativa a importância de

(19)

sua ‘intervenção’: tanto uma como a outra não eram um fim em si, mas somente um aspecto de uma ‘linha geral’ que não se importava, finalmente, muito com destino dos operários e camponeses espanhóis, cuja imprensa do PC dizia que se tratava de defendê-los. É talvez aí que se encontre a explica-ção do ‘massacre dos espanhóis’ e do extermínio, em Moscou, a partir de 1937, do grosso dos homens que se identificaram, no campo de batalha ou no primeiro plano da cena política, com essa intervenção: os diplomatas Rosemberg, Antonov-Ovseenko, os militares Berzine, Gorev, Stern e tantos outros, que retornaram a Moscou para serem abatidos.

Mas parece que, durante muito tempo, subestimou-se a influência par-ticular dessa não-intervenção soviética sobre o destino bélico da Guerra. Foi nesse período que caíram, sucessivamente, Badajós – o que permitiu a unificação da ‘zona’ franquista – Irun e San-Sebastián, separando a ilhota republicana do norte da fronteira francesa. Foi também nesse período que ocorreram pânicos desesperadores das milícias, cujos membros não sabiam nem combater nem, sobretudo, proteger-se, criando uma desordem inominável e que se consti-tuiu em um terrível fator de desmoralização para as outras unidades. Foi nesse período que ocorreram vitórias como a de Sierra, que custaram um preço exorbitante de vidas humanas nas quais a maior parte dos chefes militares profissionais e militantes, foram mortos em combate, inviabilizando hipoteticamente um sucesso futuro. Nesse período decisivo, faltava tudo aos combatentes da ‘República’: os últimos milicianos que atravessaram a fron-teira francesa diante de Irun mostraram suas cartucheiras vazias. Sabe-se que, aos defensores do vilarejo, faltavam munições e explosivos. Antes de deixa-rem seus postos, finalmente eles fizeram rolar rochas sobre os assaltantes. Ao mesmo tempo, dezenas de milhares de cartuchos esperavam em Barcelona o avião que os transportaria, ao menos uma parte, para a região de Irun. O adido militar francês em Madri, o coronel Morel, havia constatado, em julho, que os combatentes da República sabiam porque combatiam e ti-nham brilhante superioridade moral. Em 14 de outubro, ele constata que a situação estava completamente modificada e que as milícias, armadas somente de fuzis, quase sem artilharia, estavam, nesse momento, persua-didas de que eram incapazes de fazer frente aos meios técnicos dos inimi-gos, e passaram a abandonar a arena dos combates quase em todos os lugares, antes do choque. E ele acrescenta a essa observação capital, no que diz respeito à não-intervenção e a sua significação histórica, que os rebeldes tinham “mais meios materiais (carros, armas automáticas, aviões) do que tropas” (DDF, 1936, p. 527). Essas observações são confirmadas particu-larmente pelos observadores alemães.

(20)

Com um distanciamento de quase trinta anos, Morrer em Madrid, foi produzido em 1963, em meio a uma ordem mundial bipolar, caracte-rizada pela Guerra Fria, momento em que duas potências mundiais trava-vam um embate por zonas de influência militar, ideológica, econômica, por todo o planeta.

Segundo a presente obra, a Guerra Civil Espanhola foi um conflito que opôs duas forças sociais contrárias: os seguidores de Franco, apoiados na ideologia fascista, e os republicanos, defensores da liberdade e da demo-cracia (em uma dualidade antagônica, como no contexto contemporâneo de Rossif ). A visão apresentada por Rossif, inclusive, era também compar-tilhada pela opinião pública mundial contemporânea ao conflito. Dessa forma, essas duas forças, não obstante, internamente, fossem compostas de grupos divergentes sobre muitos aspectos, estavam, a partir do golpe dos rebeldes, unidas sob o objetivo de vencer o lado rival ou morrer pela causa. Há vários indícios de que a tese principal defendida pelo diretor es-taria comprometida, visto que a Guerra Civil Espanhola não foi apenas uma luta da democracia versus fascismo. A Guerra de Espanha foi também, e muito mais, um processo dialético de revolução e contra-revolução, no qual as forças ‘republicanas’ estavam longe de possuírem homogeneidade, também no que concerne aos objetivos do conflito.

É essa interpretação, que compromete historicamente, o filme por inteiro: os anarquistas, principal força revolucionária, quase não aparecem (são apenas citados duas vezes); as contradições da social-democracia e sua ‘virada’ contra os organismos revolucionários radicais (Federação Anarquis-ta Ibérica e Partido Operário Unificado MarxisAnarquis-ta) não são abordadas; o Pacto de Não-intervenção é tratado breve e deturpadamente; a postura contra-revolucionária da URSS não é, em nenhum momento, mostrada e, ao invés disso, ela é vista como ‘nobre defensora da democracia’ e inimiga do fascis-mo. E é justamente a postura da URSS, tão prestigiada no filme (como por muitos pesquisadores do tema), que se tornou objeto do presente trabalho. Como já vimos no capítulo anterior, essa mesma visão sobre a posição russa é apoiada pela maioria dos pesquisadores que analisam esse conflito. A URSS é vista como a grande aliada da Espanha naquele momento. Contudo, no capí-tulo anterior, vimos indícios de que a posição da URSS talvez não estivesse tão clara assim, e que naquele momento era de interesse maior não entrar em cho-que com as outras nações ditas democráticas: França e Grã-Bretanha, cho-que não tinham o menor interesse em uma disseminação da “Revolução Vermelha” na península Ibérica. A URSS efetivamente só entrou no conflito quando aumen-tou a probabilidade de uma vitória dos nacionalistas fascistas na Espanha, o que

(21)

era tão ou mais temido na época, do que o “perigo vermelho”.

Num outro exemplo, quando trata do período final da Guerra, pró-ximo à queda de Madri, o narrador fala: “Resta Madri. Negrin e os comu-nistas vão resistir até a morte”. Isto não corresponde à realidade, levando-se em conta que a ajuda da URSS, havia muito, já não passava de simbólica. Como não compreender as ‘hesitações’ percebidas no Kremlin pelo senhor Henderson e o temor “de ser criticado pelas forças mundiais do movimento revolucionário mais militantes por ter aceitado não ajudar materialmente um governo amigo de esquerda diante de uma revolução (sic) reacionária” (FOREIGN, 1936c, p. 515)?

O mesmo Henderson cita o diplomata Aleksei Fedorovitch Neyman, que lhe assegura:

Eu posso vos assegurar que o governo soviético tomou cuidado ao se abster de toda ação que poderia ser considerada como uma interferência nos negócios espanhóis: nenhuma arma soviética e nenhum outro equipamen-to militar foram encaminhados e nenhum barco soviético desempenhou algum papel lá direta ou indiretamente (FOREIGN, 1936a, p. 452-3). No filme, após comparar o caráter das milícias operárias com o Exército regular franquista, referindo-se aos milicianos como um grupo homogêneo de republicanos, o narrador fala: “todos estão decididos a vencer o fascismo ou a morrer pela República”. Assim, vemos o destaque dado à liberdade, representa-da pela República. Não obstante isso, vemos que a tão sonharepresenta-da liberrepresenta-dade está representada pela união de operários e trabalhadores, que, coincidentemente, foram os bastiões das Revoluções comunistas como a russa, a chinesa e a cubana. No entanto, o Kremlin estava perfeitamente indiferente ao destino dos operá-rios milicianos: a prova irrefutável disto está no conteúdo das confissões exigidas dos acusados do primeiro Processo de Moscou, no qual a Espanha não foi se-quer mencionada, porque não se podia pensar em acusar Zinoviev e seus cama-radas de ‘apunhalar pelas costas’ combatentes que se ignoravam.

A virada de Stalin em direção à Espanha se produziu muito tarde, não somente em relação à vitória militar, cuja ajuda soviética não forneceria jamais condições, mas em relação à revolução, efetivamente abatida pelas vitórias franquistas. Somente então Stalin tomou a iniciativa na Espanha ‘republi-cana’, fazendo-a pagar sua ajuda e livrando-se, por outro lado, de uma série de críticas e de adversários interiores.

Dessa forma, podemos classificar a postura pró-soviética de Rossif como a visão de alguém comprometido em causas humanitárias. Talvez até

(22)

um defensor da democracia e do livre-arbítrio, mostrando como poderia ser violenta a opressão de um povo. Principalmente, em um momento em que o mundo estaria dividido entre capitalismo e socialismo.

Talvez, nesta ordem bipolar, “o perigo vermelho” não fosse tão ame-açador, ao passo que foi a URSS que lutou pela liberdade de um povo opri-mido e massacrado pelos fascistas. E que lugar mais propício para produzir esse discurso, do que a própria França, que até hoje se ressente da domina-ção das tropas de Hitler, em seu território, durante a Segunda Grande Guer-ra? Momento propício para uma suavização da imagem de “terror” que a URSS tinha nos países capitalistas.

Talvez fosse importante apresentar como uma política de não cola-boração entre os países poderia proporcionar grandes catástrofes humanitá-rias. Por que viver em clima de tensão nuclear, se casos como a Guerra Civil Espanhola, ou até a própria Segunda Guerra Mundial, estavam tão vivos na memória, como exemplos?

Rossif pode talvez ter tido essas intenções ao produzir seu documentário. Suas intenções até poderiam ter sido nobres, no entanto, não o eximem da culpa de não ter sido melhor analista dos fatos históricos.

Por isso, vale a grande ressalva que foi o fio condutor deste trabalho: totalmente esquecida pela obra de Rossif, a não-intervenção soviética na Espanha merece sair do esquecimento, definitivamente.

Notas

1A obra é precedida da advertência: “Esta obra foi elaborada por uma comissão presidida por Dolorès

Ibarruri” (GUERRA…, 1971, p. 324, 296, 280).

2Le gouvernement Largo Caballero. Affaires internationales, § L’URSS devant á Non-Intervention.

(GUERRA…, 1971).

3“A atitude tomada pelos dirigentes de Moscou não é tão natural como possa perecer numa primeira

abordagem. Ela determinou, no seio do Partido Bolchevique, antes e depois de sua precisão, violentos redemoinhos, dos quais, afora isso, eu senti, de forma contundente, os contragolpes no curso de minha negociação. Inspirando-se nos dois princípios, da solidariedade européia e da coexistência pacífica de povos, ela representa um sucesso das idéias atualmente construtivas de Senhor Stalin, sobre as idéias opostas. Parece-me bom, por conseguinte, que nossa imprensa, sem se engajar em uma discussão inoportuna de tendências que se afrontavam aqui, dê a prova da compreensão simpática em relação ao gesto soviético e não desanime, pelo seu silêncio, a política positiva da qual ela constitui uma manifestação” (DDF, 1936).

4 A fisionomia da virada pode ser percebida por meio do artigo que se segue, de l’Humanité, que

co-menta, no dia 22, a partida de Odessa de um primeiro barco carregado de víveres: “Uma embarcação de víveres partiu antes de ontem de Odessa para a Espanha. Outros partirão. E os fascistas começaram a lançar mentiras criminais sobre ‘47 aviões soviéticos que iriam receber os Vermelhos’. Adiciona-se mesmo setenta mil fuzis de origem russa. A futilidade das afirmações fascistas resulta do fato de que se tentou servir da adesão leal da URSS ao embargo sobre as armas e o material de guerra para atacar os comunistas e os operários franceses que reclamavam o fim do bloqueio”.

(23)

Referências

ACIOLI, J. de L. O princípio da incerteza e o realismo do documentário cinematográfico. Revista

Humanidades, Brasília, n. 40, p. 41-44, 1995.

ALEA, T. G. Dialética do espectador. São Paulo: Summus, 1984. AUMONT, J. et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995. AUMONT, J. et al. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.

BELOFF, M. The foreign policy of soviet Russia. [S. l.: s. n], [19_ _]. V. 2. BENTES, I. Glauber Rocha: cartas ao mundo. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.

BERNADET, J.-C.; GAlVÃO, M. R. Cinema: repercussões em uma caixa de eco ideológica (as idéias de nacional e popular no pensamento cinematográfico). São Paulo: Brasiliense, 1983.

BERNADET, J.-C.; GAlVÃO, M. R. O que é cinema? São Paulo: Brasiliense, 1985.

BERNADET, J.-C.; GAlVÃO, M. R.; RAMOS, A. F. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Contexto, 1988. CARNES, M C. Passado imperfeito: a história no cinema. Rio de Janeiro: Record, 1997.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995. COLI, J. O que é arte? São Paulo: Brasiliense, 1985. COHEN, S. Boukharine. [S.l.: s. n.], [19_ _].

COSTA, A. Compreender o cinema. 2. ed. São Paulo: Globo, 1989.

COUTO, J. G. Seleção comprova vocação documental. Folha de São Paulo, São Paulo, 21 mar. 2000. p. 3. (Ilustrada).

CUNHA, E. da. Os sertões. São Paulo: Publifolha, 2000.

DELEUZE, G. A imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório Payart, 6 ago. 1936, 2° série, t. III., doc. 89. DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório Payart, 6 ago. 1936, doc. 89.

DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório do tenente-coronel Simon adido militar em Moscou, 13 ago. 1936, p. 208.

DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório Payart, 3 set. 1936, doc. 231.

DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório de Yvon Delbos, 12 ago. 1936, doc. 130. DDF. Documents Diplomatiques Français, Relatório do tenente-coronel Morel, 14 out. 1936, doc. 350. p. 527.

DOKUMENTY Vneshnei Politiki SSR, [19_ _], v14, doc. 244. Também Krestinsky à Stein (Rome), v.16, doc. 244.

FERRO, M. A história vigiada. São Paulo: M. Fontes, 1989. FERRO, M. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FOREIGN Relations, U.S. Diplomatics Papers. Entrevista Henderson-F.A. Neyman, 31 jul. 1936a. V. 2. FOREIGN Relations, U.S. Diplomatics Papers. Europe Rapport Henderson, 4 ago 1936b. V. 2.

(24)

FOREIGN Relations, U.S. Diplomatics Papers. Relatório Henderson, 29 ago. 1936c. V. 2. GUERRA y Revolución en Espanha 1936-1939. Moscou: Progresso, 1971. V. 3.

HASLAM, J. The Soviet Union and Struggle for Collactive Security in Europe, 1933-1939. Nova York: St-Martin’s Press, 1984.

HOBSBAWN, E. A era dos extremos. São Paulo: Cia. das Letras,1998. KONDER, L. Os marxistas e a arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

KRACAUER, S. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1988.

MONTERDE, J. E. Historia, cine y enseñanza. Barcelona: Laia, 1986.

PAZ, M. A.; MONTERO, J. Historia y cine: realidad, ficción y propaganda. Madri: Complutense, 1995.

Abstract: this work proposes to present a discussion about the vision of the

Spanish Civil War, shown in the documentary to Die in Madrid, by Frédéric Rossif. For this purpose, we will compare this director’s vision of the said intervention with other documental sources, evidencing that the cinematographic language may distort and even re-invent historical facts.

Key words: cinematographic language, war, intervention, diplomacy

JEANNE CRISTINA MENEZES CRESPO

Mestranda no PPGH/ da Universidade Federal Fluminense. E-mail: emporikoi@yahoo.com.br, jcmcrespo@zipmail.com.br

Este artigo é um resumo da monografia intitulada Morrer em Madrid: a intervenção da URSS na guerra civil espanhola, através de uma análise do filme de Fréderic Rossif, apresentada pela autora como requisito para obtenção do certificado de pós-graduado em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes.

Referências

Documentos relacionados

Para alcançar o objetivo deste trabalho foram estabelecidos objetivos específicos que consistiram na identificação dos principais processos que constituem o setor em

A proposta também revela que os docentes do programa são muito ativos em diversas outras atividades, incluindo organização de eventos, atividades na graduação e programas de

• A Portaria nº 1.669, de 04/12/03, DOU de 05/12/03, do Ministério da Previdência e Assistência Social, autorizou, excepcionalmente, o empregador doméstico a recolher a

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

Após o prazo de 03 (três) dias úteis o candidato convocado que não comparecer ou não assumir a vaga oferecida no momento da convocação, por incompatibilidade de

No entanto, os usuários carecem de informação quanto ao desempenho cinemático de receptores GNSS, sendo disponibilizados apenas dados de desempenho estático, e por essa

A conselheira Renata acrescentou que o SEBRAE Nacional tem trabalhado com o SEBRAE Digital, e esta em busca de chegar mais rapidamente neste modelo, apontando que realmente o Sistema

Assim, segundo Mendonça e Guerra (2007), o paciente, como consumidor dos serviços de saúde, tem uma maior importância na sua avaliação, já que muitas das suas