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NARRATIVAS DE TRABALHADORAS RURAIS NA CAFEICULTURA DA REGIÃO DO CERRADO MINEIRO: EXPLORANDO AS FISSURAS DO COLONIALISMO

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

FERNANDA JUNIA DORNELA

NARRATIVAS DE TRABALHADORAS RURAIS NA CAFEICULTURA DA REGIÃO DO CERRADO MINEIRO: EXPLORANDO AS FISSURAS DO COLONIALISMO

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FERNANDA JUNIA DORNELA

NARRATIVAS DE TRABALHADORAS RURAIS NA CAFEICULTURA DA REGIÃO DO CERRADO MINEIRO: EXPLORANDO AS FISSURAS DO COLONIALISMO

Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia, apresentada como requisito final para obtenção do título de Mestre em Administração.

Área de concentração: Organização e Mudança

Orientadora: Profa. Dra. Cintia R. O. Medeiros

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

D713n 2018

Dornela, Fernanda Junia, 1992-

Narrativas de trabalhadoras rurais na cafeicultura da região do cerrado mineiro [recurso eletrônico] : explorando as fissuras do colonialismo / Fernanda Junia Dornela. - 2018.

Orientadora: Cíntia Rodrigues de Oliveira Medeiros.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Administração.

Modo de acesso: Internet.

Disponível em: http://dx.doi.org/10.14393/ufu.di.2018.1350 Inclui bibliografia.

Inclui ilustrações.

1. Administração. 2. Trabalhadoras rurais. 3. Café - Cultivo. 4. Pós-colonialismo. I. Medeiros, Cíntia Rodrigues de Oliveira. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Administração. III. Título.

CDU: 658

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FERNANDA JUNIA DORNELA

NARRATIVAS DE TRABALHADORAS RURAIS NA CAFEICULTURA DA REGIÃO DO CERRADO MINEIRO: EXPLORANDO AS FISSURAS DO COLONIALISMO

Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Gestão e Negócios da Universidade Federal de Uberlândia, apresentada como requisito final para obtenção do título de Mestre em Administração.

Uberlândia, 26 de fevereiro de 2018

Banca Examinadora:

______________________________________________________________ Profa. Dra. Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros – Orientadora

Universidade Federal de Uberlândia

______________________________________________________________ Prof. Dr. Valdir Machado Valadão Júnior

Universidade Federal de Uberlândia

_______________________________________________________________ Profa. Dra. Raquel Santos Soares Menezes

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AGRADECIMENTOS

Mais uma etapa está prestes a ser encerrada e sinto um misto de alegria, esperanças quanto ao futuro e gratidão àquelas pessoas que estiveram ao meu lado durante estes dois anos. Meus queridos pais, Dalva e Deico, meu sonho não estaria prestes a se realizar se não fosse o apoio e amor incondicional de vocês. Não foi fácil viver em uma cidade longe de todos aqueles e aquelas que amo, mas, como minha mãe sempre me dizia: “Calma, minha filha! Vai passar rápido e valerá a pena”... A senhora estava certa, valeu muito a pena cada sacrifício, valeu a pena “Viver a tese!”. Ao meu noivo, Diogo, obrigada pela compreensão, apoio e amor.

Querido Prof. Valdir, se não fosse sua humanidade e por ter acreditado que eu conseguiria, a possibilidade de me tornar mestre não estaria tão próxima. Mais uma vez, obrigada pela oportunidade e confiança! Serei sempre grata a você! Minha querida orientadora, Profa. Cintia, faltam palavras para descrever todo carinho e admiração que sinto por você. Como já lhe disse algumas vezes, se algum dia eu conseguir ser para meus futuros alunos 1% do que você é para nós, estarei muito realizada. Obrigada por ter me guiado pelos caminhos percorridos nesta pesquisa, por todo carinho, atenção, amizade, apoio e liberdade. Obrigada por ter contribuído para meu crescimento pessoal e profissional ao longo destes dois anos!

À Juliana, secretária do PPGA/FAGEN, obrigada por todo auxílio e prontidão para nos ajudar. Aos demais professores e professoras do programa que tive a honra de ser aluna: Prof. André, Profa.Verônica e Profa. Jacquelaine, obrigada pelos ensinamentos e por compartilhar com tanto carinho o conhecimento de vocês.

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Membros da banca: Prof. Dr. Valdir Valadão; Profa. Dra. Raquel Menezes, e Profa. Juliana Teixeira, agradeço terem aceito o convite e as valiosas contribuições dadas durante a qualificação e, agora, na defesa.

Por fim, agradeço às mulheres trabalhadoras rurais que ganharam ainda mais meu respeito e admiração. Obrigada por terem aceito o convite para participarem desta pesquisa, conhecer a trajetória e o dia a dia de vocês fizeram de mim uma mulher diferente!

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RESUMO

O objetivo principal desta dissertação é analisar como se manifestam as relações de gêneros nas narrativas das mulheres trabalhadoras rurais, na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro. A noção de gêneros que adotamos é defendida na perspectiva pós-colonial, nos possibilitando identificar, compreender e tentar descontruir as relações sociais desiguais vivenciadas por essas trabalhadoras rurais, que são resultantes de construções sociais, tendo como base as diferenças sexuais, culturais, raciais e de classes sociais. A perspectiva pós-colonial teoriza sobre posições e as relações de sujeitos heterogêneos, como mulheres e mulheres negras, que se mostram divergentes das imagens raciais e de gêneros produzidas pelo conhecimento ocidental (CALÁS; SMIRCICH, 1999). Por meio dessa abordagem, é possível criar um espaço para que os grupos considerados subalternos, que vivem em condições de silêncio, sendo legitimados por outras pessoas que assumem seus lugares nos espaços públicos, falem por si (SPIVAK, 2010). Dessa forma, buscamos criar, por meio dessa dissertação, um espaço para que as mulheres trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro pudessem falar por si, contando suas trajetórias, experiências e expectativas. Esta pesquisa é de natureza empírica, classificada, respectivamente, quanto aos objetivos e abordagem, como descritiva e qualitativa, estando situada na matriz proposta por Alvesson e Deetz (1999) no quadrante dos Estudos Dialógicos. O material empírico analisado por meio da Análise Crítica do Discurso (ACD), utilizando o modelo tridimensional de Fairclough (2001), consiste em entrevistas narrativas realizadas com 14 trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, aqui representada pelos municípios de Patrocínio, Carmo do Paranaíba e Monte Carmelo. As análises realizadas estão em torno de três configurações presentes nas relações de gêneros, definidas com base nas principais questões discutidas na teoria pós-colonial: Identidades; Desigualdades e Colonialidade Em conjunto, as análises das narrativas das trabalhadoras rurais entrevistadas nos permitiu explorar as fissuras do colonialismo presentes nas relações e contextos em que elas estão inseridas. Essas análises sugerem que as relações de gêneros são manifestadas por meio de heranças do colonialismo que estigmatizam as entrevistadas; desigualdades; diferenças de gêneros, raças e classes sociais, estando presentes nos contextos do trabalho; ambientes domésticos e sociedade. Esses resultados encontrados estão naturalizados e incorporados nas práticas discursivas e sociais das trabalhadoras rurais entrevistadas. Entendemos, portanto, que as relações de gêneros abordadas neste trabalho permanecem sobre a influência do poder que a sociedade, homens e mulheres exercem sobre outras mulheres, representando uma herança do colonialismo.

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ABSTRACT

The main objective of this dissertation is to analyze how gender relations are manifested in the narratives of rural women workers in coffee production in the Cerrado Mineiro Region. The notion of genders we adopt is defended in a postcolonial perspective, enabling us to identify, understand and try to disrupt the unequal social relations experienced by these rural workers, which are the result of social constructions, based on sexual, cultural, racial and ethnic differences. of social classes. The postcolonial perspective theorizes about positions and relationships of heterogeneous subjects, such as black women and women, who are divergent from racial images and genres produced by Western knowledge (CALÁS, SMIRCICH, 1999). Through this approach, it is possible to create a space so that groups considered subaltern, living in conditions of silence, being legitimized by other people who take their places in public spaces, speak for themselves (SPIVAK, 2010). In this way, we seek to create, through this dissertation, a space for rural women working in coffee production in the Cerrado Mineiro region to speak for themselves, telling their trajectories, experiences and expectations. This research is empirical, classified, respectively, as regards the objectives and approach, as descriptive and qualitative, being located in the matrix proposed by Alvesson and Deetz (1999) in the Dialogical Studies quadrant. The empirical material analyzed through the Critical Discourse Analysis (ACD), using the three-dimensional model of Fairclough (2001), consists of narrative interviews conducted with 14 rural workers in coffee growing in the Cerrado Mineiro region, represented here by the municipalities of Patrocínio, Carmo of Paranaíba and Monte Carmelo. The analyzes carried out are based on three configurations present in the relations of genera, defined based on the main issues discussed in the postcolonial theory: Identities; Inequalities and Coloniality Together, the analyzes of the narratives of rural women interviewed allowed us to explore the fissures of colonialism present in the relationships and contexts in which they are inserted. These analyzes suggest that gender relations are manifested through inheritances of colonialism that stigmatize those interviewed; inequalities; differences of genders, races and social classes, being present in the work contexts; domestic environments and society. These results are naturalized and incorporated into the discursive and social practices of rural women interviewed. We understand, therefore, that the gender relations discussed in this paper remain on the influence of the power that society, men and women exert on other women, representing an inheritance of colonialism.

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LISTA DE ILUSTAÇÕES

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Ondas dos Feminismos no Brasil ... 32

Quadro 2 - Abordagens feministas ... 46

Quadro 3 - Trabalhos empíricos sobre as trabalhadoras rurais no Brasil ... 66

Quadro 4 - Distribuição das entrevistadas por município ... 82

Quadro 5 - Fases da Entrevista Narrativa ... 84

Quadro 6 - Dimensões discursivas para Fairclough ... 88

Quadro 7 – Elementos orientadores do percurso analítico na Análise Crítica do Discurso ... 91

Quadro 8 - Categorias analíticas temáticas... 92

Quadro 9 - Amostras Discursivas: Trajetórias ... 102

Quadro 10 - Amostras Discursivas: Identidades ... 105

Quadro 11 - Amostras Discursivas: Identidades ... 109

Quadro 12 - Amostras Discursivas: Desigualdades ... 115

Quadro 13 - Amostras Discursivas: Desigualdades ... 120

Quadro 14 - Amostras Discursivas: Desigualdades ... 124

Quadro 15 - Amostras Discursivas: Desigualdades ... 128

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LISTA DE SIGLAS

ACARPA – Associação dos Cafeicultores da Região de Patrocínio ACD – Análise Crítica do Discurso

AD – Amostra Discursiva AD’s – Amostras Discursivas

AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras

AMOCA – Associação dos Cafeicultores da Região de Monte Carmelo APPCER – Associação dos Pequenos Produtores do Cerrado

ARPEP – Associação Regional das Produtoras Extrativistas do Pantanal ASSOCAFÉ – Associação de Cafeicultores da Região de Carmo do Paranaíba Caged – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior CNMTR – Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

CARMOCCER – Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado Núcleo Carmo do Paranaíba CARPEC – Cooperativa Agropecuária de Carmo do Paranaíba

CEP – Comissão de Ética em Pesquisa

COOPA – Cooperativa Agropecuária de Patrocínio

COPROFAM – Confederação de Organizações de Produtores Familiares, Campesinos e Indígenas no Mercosul Ampliado

CMS – Critical Management Studies EJA – Educação de Jovens e Adolescentes

EMATER – Empresa de Assitência Técnica e Extensão Rural EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EO – Estudos Organizacionais

EXPOCACCER – Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado FETRAECE – Federação de Trabalhadores da Agricultura do Ceará IAPAR – Instituto Agronômico do Paraná

IWCA Brasil – Aliança Internacional das Mulheres do Café Capítulo Brasil MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MEC – Ministério da Educação

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MMM – Marcha Mundial das Mulheres

MMTR – Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais

MONTECCER – Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado de Monte Carmelo MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

NUPECS/FAGEN – Núcleo de Pesquisa e Estudos Organizacionais, Culturas e Sociedade da Faculdade de Gestão e Negócios

ONU – Organização das Nações Unidas ONGs – Organizações Não Governamentais

REDELAC – Rede de Trabalhadoras Rurais Latino-Americanas e do Caribe RMERA – Rede de Mulheres empreendedoras Rurais da Amazônia

SciELO – Scientific Electronic Library Online

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SPELL – Scientific Periodicals Electronic Library

SRQ-20 – Self-Reporting Questionnaire UBM – União Brasileira de Mulheres

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

1.1 Contextualização ... 9

1.2 Problema de Pesquisa ... 18

1.3 Objetivos da Pesquisa ... 19

1.4 Justificativas ... 19

1.5 Estrutura do Trabalho ... 23

2 DOS FEMINISMOS ÀS ABORDAGENS DE GÊNEROS ... 24

2.1 Os mares chamados feminismos: seus surgimentos e os movimentos de suas ondas .... 24

2.2 Gêneros como uma categoria analítica e as abordagens feministas ... 42

3 ... 54

4 O PÓS-COLONIALISMO: QUANDO OS “OUTROS” FALAM POR SI ... 54

5 ESTUDOS EMPÍRICOS SOBRE AS TRABALHADORAS RURAIS NO BRASIL ... 64

6 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 77

6.1 Nossa pesquisa como um Estudo dialógico ... 78

6.1.1 Participantes da Pesquisa ... 80

6.1.1.1 A Pesquisa ... 83

A construção da subalternidade: lutas e sofrimentos nas trajetórias das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro ... 92

7 O QUE REVELAM AS NARRATIVAS DAS TRABALHADORAS RURAIS NA CAFEICULTURA DA REGIÃO DO CERRADO MINEIRO ... 93

7.1 A construção da subalternidade: lutas e sofrimentos nas trajetórias das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro ... 93

7.2 Casa, trabalho e sociedade: espaços hierarquizados ... 112

7.3 Diferenças de gêneros, raças e classes sociais: a dominação assegurada pela colonialidade ... 134

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA GOTA EM UM MAR IMENSO ... 145

APÊNDICE A – TÓPICO GUIA PARA ENTREVISTA NARRATIVA ... 153

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ... 155

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8 1 INTRODUÇÃO

Minha trajetória e a emergência do tema desta pesquisa

Começo este texto anunciando o lugar de onde falo. Sou mestranda em Administração e, para o futuro, almejo realizar o sonho de me tornar professora universitária. Sou natural de Rio Paranaíba, cidade localizada no interior de Minas Gerais. Passei minha infância e parte da adolescência morando na fazenda com meus pais, onde eles residem atualmente. Não sou trabalhadora rural, respeito e admiro muito quem o é. Minha mãe mora no campo, mas, assim como meu pai, em termos legais, também, não é considerada como tal. Minha tia já foi trabalhadora rural na cafeicultura e sei, com base em relatos dela, que é uma tarefa muito difícil.

Durante minha graduação na Universidade Federal de Viçosa Campus Rio Paranaíba, me aproximei, por meio de pesquisas, de mulheres que trabalhavam com a cafeicultura (muito significativa para minha cidade e região). Participei de diversos eventos da área que contavam com a presença dessas mulheres, cujo objetivo era dar-lhes visibilidade e empoderá-las. Essas eram as donas das fazendas de café, as mulheres que trabalhavam nas cooperativas e associações, ou seja, mulheres da cafeicultura que também enfrentam as desigualdades de gêneros1, ainda que já tenham conquistado determinado espaço.

Sempre considerei a participação dessas mulheres bastante relevante, mas sentia muita falta de ver nesses eventos as mulheres que ficavam lá nas fazendas, debaixo dos pés de café colhendo os grãos, das mulheres que vão para as lavouras plantar as mudas de café, que capinam os lotes... Sentia falta das trabalhadoras rurais... de vê-las segurando o mesmo microfone nas palestras proferidas pelas proprietárias das fazendas, de ouvir, assim como ouvia das proprietárias, como foram suas trajetórias, histórias de vida, suas experiências, como era lá na fazenda ... Eu queria ouví-las falando por si. E é por meio desta pesquisa que busquei realizar esse meu desejo, criando um espaço para que isso aconteça.

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9 1.1Contextualização

Por mais longe que se volte na história, as mulheres sempre estiveram subordinadas aos homens, nunca partilhando o mundo em condições de igualdade. Em quase todos os países o estatuto legal destinado a elas, por exemplo, não é igual àquele direcionado a eles, e, até quando seus direitos são reconhecidos, há um longo hábito que impede sua concretização (BEAUVOIR, 1970; TEDESCHI; COLLING, 2014).

Nos três principais documentos sobre os Direitos Humanos: Declaração dos Direitos da Virgínia (Estados Unidos da América) - 1776; Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - 1789 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) - 1948, não há referência às mulheres. Nas duas primeiras declarações, somente são mencionados os direitos dos homens, já a terceira avança um pouco mais e faz referência ao ser humano (TEDESCHI; COLLING, 2014).

As condições de desigualdades em que as mulheres vivem não são resultantes de um destino biológico, mas, sim, de construções sociais oriundas das relações sociais entre homens e mulheres, cuja base material, o trabalho, manifesta-se por meio da divisão sexual do trabalho. Essa divisão é caracterizada por uma distinção que destina aos homens as esferas produtivas e às mulheres as esferas reprodutivas (KERGOAT, 2009).

Diante desses contextos de desigualdades, questionamentos sobre a restrição das mulheres aos espaços privados e às ocupações de mães, esposas e cuidadoras começaram a surgir fomentados por mudanças socioeconômicas e demográficas. Alterações contextuais como o aumento do acesso à escolaridade e a maior participação das mulheres no mercado de trabalho possibilitaram a construção de identidades femininas reconfiguradas (COUTO; SCHARBIER, 2013).

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(4) delegação: as mulheres trabalham fora e delegam a outras mulheres os cuidados com o ambiente doméstico e familiar.

Os quatro modelos manifestam-se no Brasil em diferentes intensidades. O modelo tradicional cede espaço ao modelo de conciliação, tornando-se corriqueiro na sociedade brasileira à medida que as mulheres participam mais das esferas produtivas. O modelo de delegação não tem proeminência no país, pois os serviços domésticos pagos estão acessíveis apenas para a classe média e rica, e, claramente, a maior parcela da população brasileira não faz parte desses estratos sociais. O modelo que menos ecoa é o da parceria, uma vez que poucas mulheres possuem um compartilhamento equânime dos cuidados no ambiente doméstico (SOUSA; GUEDES, 2016).

Embora as mulheres não estejam mais limitadas às atividades dos ambientes domésticos, é possível afirmar que os contextos em que elas estão inseridas nos âmbitos privados apresentam progressos incompletos, uma vez que elas ainda assumem, praticamente sozinhas, as atividades das esferas reprodutivas, perpetuando as desigualdades oriundas da divisão sexual do trabalho (SOUSA; GUEDES, 2016).

Nos ambientes públicos, as desigualdades também estão fortemente presentes, fomentadas, muitas vezes, pelas próprias organizações. Mills (1988) já havia ressaltado esse fenômeno, o que nos permite interpretar que essa situação já vinha sendo discutida há muito tempo. Ainda que existam essas contastações, mídia e sociedade insistem em adotar discursos inadequados para representarem as realidades, afirmando que a equidade de gêneros está sendo cada vez mais conquistada nos ambientes organizacionais (ANDRADE; MACEDO; OLIVEIRA, 2014).

As desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho podem ser percebidas de diferentes formas (CAMARGOS; RIANI; MARINHO, 2014), como por meio das formas ingresso (SILVA FILHO; QUEIROZ; CLEMENTINO, 2016); inserções (HIGA, 2016); rendimentos (MADOLOZZO; ARTES, 2017); bem como dos períodos de tempo dedicados às esferas produtivas e reprodutivas (HIRATA, 2015; SOUSA; GUEDES, 2016); e das ocupações.

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estiveram limitadas, por exemplo, às suas classes sociais: às ex-escravas2 cabia a prestação de

serviços pessoais e domésticos; as mulheres da classe média poderiam ser professoras primárias, enfermeiras ou parteiras; e às mulheres com menos recursos financeiros restavam como opção as indústrias (DANIEL, 2011).

Essas relações entre mulheres e trabalho tem sido pauta nos estudos feministas e de gêneros, cujas produções bibliográficas remetem às necessidades de triangulações das intersecções, ou interseccionalidades, que caracterizam essas relações: classes sociais, sexos/gêneros e raças/etnias. Por meio das dinâmicas dessas intersecções, é possível buscar explicações para as desigualdades existentes entre homens e mulheres, como o limitado acesso delas à vida sem violências, aos empregos menos precários, às rendas salarais mais altas, e aos cargos mais elevados nas hierarquias das organizações (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015).

Ao analisar essas desigualdades dentro dos ambientes organizacionais, Acker (2006), também defende que elas devem ser explicadas com base nas relações, interseccionalidades, entre classes sociais, gêneros e raças/etnias. “‘Raça’, mesmo quando emparelhada com etnia engloba múltiplas realidades sociais influenciadas pelos gêneros e as diferenças de classe”, assim como “‘Classe’ também engloba múltiplas diferenças raciais e de gêneros” (ACKER, 2006, p. 442, tradução nossa). Logo, a linhas de pensamentos-teorias e pesquisas sobre as desigualdades, os domínios e opressões devem estar atentas às intesecções de raças/etnias, gêneros e classes sociais.

As interseccionalidades podem ser definidas como uma conceitualização para as problemáticas que procuram capturar as consequências estruturais e também dinâmicas das interações que ocorrem entre um ou mais eixos que implicam nas subordinações. Abordam também as maneiras como determinadas ações e políticas geram opressão que fluem ao longo desses eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos dos desempoderamentos (CRENSHAW, 2002). Hirata (2014) complementa ao afirmar que as interseccionalidades podem ser entendidas como uma das formas que buscam combater a opressão múltipla e imbricada, representando, então, um instrumento de luta política.

No Brasil, as interseccionalidades são resultantes da permanência de traços estruturais do passado ex-escravista na construção da sociedade capitalista, em que a mão de obra

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feminina ex-escrava, caracterizada como desqualificada, braçal e abjeto, reaparece resignificada em categorias profissionais como as garis, sujeitos de estudo no trabalho de Bandeira e Almeida (2015). De acordo com as autoras, as mulheres trabalhadoras garis são situadas na sociedade por suas diversas marcas simbólicas e corporais (mulheres negras, com baixa escolaridade, solteiras, que constituem famílias monoparentais etc.). Sofrem desigualdades de maneira única, persistentes e qualitativamente diferentes, de difíceis análises a partir de cruzamentos que não consideram seus engajamentos nas estruturas do trabalho, articuladas às dinâmicas inter-relacionais de gêneros, raças/etnias e classes sociais.

Não somente as mulheres trabalhadoras garis se encontram inseridas em contextos de desigualdades, mas, também, parcela significativa de trabalhadoras, de maneira geral, presta serviços em condições precárias (BRUSCHINI, 2007; NASCIMENTO, 2014); ocupa cargos de menores níveis hirárquicos; com baixos status e prestígios sociais; recebendo remunerações inferiores a dos homens (ANDRADE; MACEDO; OLIVEIRA, 2014). No estado de Minas Gerais, por exemplo, a categoria de empregados(as) domésticos(as) apresenta maior participação feminina (96,8%), já na categoria de empregadores(as), os homens estão mais presentes (72,1%) (CAMARGOS; RIANI; MARINHO, 2014).

Ao analisar as áreas de ocupação com progresso feminino ao longo do tempo, entre 1992 e 2005, percebe-se que as mulheres permaneceram, em maior quantidade, nos setores da educação (professoras da pré-escola e ensino fundamental); saúde (técnicas e enfermeiras); e serviço social (BRUSCHINI, 2007). No ano de 2009, essas áreas continuaram sendo características da ocupação feminina. Do total de mulheres participantes da pesquisa com alguma ocupação, 17% tinham como principal fonte de renda o trabalho doméstico, seguido por cerca de 16,8% de mulheres trabalhando em áreas da educação, saúde e serviços sociais (ÁVILA, 2013).

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e Barone (2016) sobre a literatura que trata do mercado de trabalho, no Brasil, não voltar sua atenção para os trabalhadores e trabalhadoras rurais.

Legalmente, trabalhadores e trabalhadoras rurais são reconhecidas como pessoas físicas que prestam serviços a empregadores(as), mediante remuneração, em propriedades rurais. Estamos cientes desta definição, mas, para a construção deste trabalho, consideramos como trabalhadoras rurais na cafeicultura as mulheres que prestam serviços diretamente nas lavouras de café, na área operacional, na Região do Cerrado Mineiro, não necessariamente atendendo à classificação legal. Portanto nosso critério de inclusão implica em ser mulher e trabalhar na parte operacional da cafeicultura nas fazendas produtoras de café localizadas na Região do Cerrado.

Não somente os trabalhadores e trabalhadoras rurais recebem pouca atenção, os ambientes rurais também são desvalorizados. As relações entre rural e o urbano, nos contextos da modernidade, são sistematicamente tensionadas por concepções que valorizam de maneira positiva o urbano, como um locus privilegiado de realizações daquilo que é moderno e do que representa o progresso, e o rural sendo visto negativamente como locus do que é tradicional e atrasado (KARAM, 2004). Entretanto, ao compreender os espaços rurais como construções sociais, é possível desassociá-los das imagens de lugares distantes, rústicos, que remetem ao atraso, estabelecendo, então, rompimentos com as concepções de rural homogêneo e as refutações, em suas definições, de negações do urbano. Logo, propõe-se a utilização do termo ruralidades3, o qual é vinculado aos movimentos e processos de instaurações de vidas nos

contextos rurais, que constituem agenciadores de modos de vida (GOMES; NOGUEIRA; TONELI, 2016).

Ao nos atentarmos para a lacuna nos estudos sobre as trabalhadoras rurais apontada por Matos (2009) e Guimarães, Riani e Barone (2016), e movidas pelo intuito de preenchê-la, desenvolvemos esta dissertação, buscando conhecer mais sobre essas mulheres e suas realidades, utilizando de uma perspectiva pós-colonial. Consideramos os ambientes de trabalho delas, os espaços rurais, como construções sociais, logo, nossa atenção esteve voltada, especificamente, para as mulheres trabalhadoras rurais que participam da cafeicultura nos contextos rurais da Região do Cerrado Mineiro.

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Escolhemos a atividade cafeeira devido a sua importância para o Brasil. No ano de 2015, por exemplo, o país foi considerado o maior produtor e exportador mundial de café, gerando mais de oito milhões de empregos, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA – (2016). Em 2016, foi responsável por produzir cerca de 51,37 milhões de sacas de 60 quilos, conforme a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA – (2017).

O estado que mais contribuiu em termos de quantidade de produção foi o de Minas Gerais, produzindo, aproximadamente, 30,73 milhões de sacas de café. Nesse estado, no ano de 2016, a maior região produtora foi a do Sul de Minas, com mais de 16 milhões de sacas, seguida pela Região do Cerrado Mineiro, responsável por cerca de 7,4 milhões de sacas, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB – (2016).

Além de ser a segunda maior região produtora de café no território mineiro, a Região do Cerrado Mineiro foi a primeira a apresentar uma denominação de origem no Brasil, segundo a Cooperativa de Cafeicultores do Cerrado – EXPOCACCER – (2016). Essa expressão reconhece um produto como sendo produzido sob determinada maneira, utilizando matéria-prima específica, em uma única localidade geográfica (MENDES; QUINZANI; MARQUES, 2014). Portanto, a Denominação de Origem do Cerrado Mineiro compreende cinquenta e cinco municípios distribuídos pelo Alto Paranaíba, Triângulo Mineiro e Noroeste de Minas, que produzem cafés de alta qualidade, resultantes da combinação do solo, clima, altitude e saber fazer daqueles que lidam com os grãos (FEDERAÇÃO DOS CAFEICULTORES DO CERRADO, 2016).

Aspecto que também confere destaque à Região do Cerrado Mineiro é o fato de abrigar a cidade de Patrocínio, que está entre as maiores produtoras de café do mundo. A cafeicultura é tão representativa no município que garantiu a ele, em 2016, a liderança no ranking do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em Minas Gerais, apresentando o melhor saldo em geração de empregos para moradores do município, e para pessoas de outras cidades, por meio de oportunidades ofertadas nos períodos das safras (ALMEIDA, 2016).

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A cafeicultura na Região do Cerrado Mineiro tem sido consolidada com a adoção de um conjunto de inovações tecnológicas, que leva especialistas do setor a classificarem sua produção como uma das mais modernas do Brasil, apresentando elevada produtividade e qualidade dos grãos de café. Esse processo produtivo adotado apresenta implicações nas relações de trabalho, provocando importantes transformações, bem como impacta na estrutura produtiva e geração de empregos (ORTEGA; JESUS, 2011).

Sobre a política de trabalho na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, ela apresentou momentos distintos. Entre os anos de 1970 e início dos anos de 1990, a cultura cafeeira na região apresentava crescimento extensivo, implicando em uma forte geração de novos postos de trabalho. Ainda nos anos de 1990, a cafeicultura passou pelo processo de modernização de diversas máquinas e equipamentos, especificamente voltados para a colheita, o que resultou na queda expressiva do número de empregos. Entretanto, apesar do avanço da mecanização, que limitou de maneira drástica o conjunto de atividades de manutenção na cafeicultura, reduzindo a demanda por trabalho permanente, passou a haver a exigência de mais trabalhadores e trabalhadoras rurais em períodos específicos, como no da colheita (ORTEGA; JESUS, 2011).

Essas trabalhadoras e trabalhadores rurais temporários são predominantes, na atualidade, nas fazendas cafeeiras, conforme destacado por Souza e Freitas (2015). De acordo com os autores, homens e mulheres que são trabalhadores e trabalhadoras rurais e buscam empregos como safristas por um período de três a cinco meses na colheita de café na região Sul de Minas Gerais, migram todos os anos de comunidades como do Norte de Minas Gerias e Vale do Jequitinhonha. Após a época da colheita retornam para suas cidades de origem, com a esperança de sobreviverem em melhores condições.

O fato de as trabalhadoras rurais na cafeicultura migrarem das regiões Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha para trabalhos de natureza sazonal nas lavouras de café do Sul de Minas Gerais poderia supor maior liberdade e autonomia na vida dessas mulheres, propriciadas por suas escolhas e inserção econômica no mercado de trabalho. Entretanto, o que se nota é apenas um deslocamento das fronteiras das desigualdades entre homens e mulheres, à medida que elas migram. (SOUZA; FREITAS, 2015).

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os(as) filhos(as) para o trabalho, deixando as crianças embaixo dos pés de café enquanto capinam uma rua do talhão4. Apesar dessas dificuldades enfrentadas por elas e do árduo

trabalho que desenvolvem na cafeicultura, uma atividade de relevância para o Brasil, pouco destaque é dado à sua atuação, bem como suas vozes não foram ouvidas e suas opiniões ignoradas (GRÃO GOURMET, 2016).

Os ambientes rurais, locais onde essas trabalhadoras rurais desempenham suas atividades na cafeicultura, são predominantemente androcêntricos (SOUZA; FREITAS, 2015), prevalecendo enormes desigualdades, marcadas pelas imbricações de gêneros, classes e raças/etnias, resultando na invisibilidade dos trabalhos dessas mulheres (CARVALHO; PINTO, 2008; DI SABBATO et al., 2009; GOMES; NOGUEIRA; TONELI, 2016). Conforme relata Josiane Cotrim Macieira5, ex-presidente da Aliança Internacional das

Mulheres do Café Capítulo Brasil (IWCA Brasil)6, é como se as mulheres não existissem na

cafeicultura (GRÃO GOURMET, 2016).

Diante dessa invisibilidade e ausência de reconhecimento de seus trabalhos, as trabalhadoras rurais lutam por sua valorização, e pela conquista de seus direitos, bem como para terem suas vozes e opiniões ouvidas e reconhecidas. Acontecimentos como as Conferências Mundiais, aprovação da Década da Mulher (1976-1985), assim como o decreto do Ano Internacional da Mulher (1975) foram responsáveis por impulsionar as lutas por seus direitos (SALES, 2007).

Em 1980, por exemplo, a luta das trabalhadoras rurais abriu novos espaços políticos, e suas falas começaram a ser franqueadas. As principais reivindicações eram pela sindicalização, documentação, direitos previdenciários e a participação política. Como resultado, elas exerceram o direito de falar, discordar, propor, bem como reivindicar seus direitos. À medida que se tornaram participantes dessas manifestações, elas passaram a criar condições de exercer um saber-poder que lhes permitiram repensar sua realidade, levando-as

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a perceberem que a descontrução de certos valores estabelecidos é necessária para conquistar a autonomia (SALES, 2007).

Destacamos entre essas manifestações as marchas, como a Marcha das Margaridas7,

em homenagem à Margarida Maria Alves, trabalhadora rural, ex-líder sindical que ocupou por doze anos a presidência dos Sindicatos dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Alagoa Grande, no estado da Paraíba. Margarida foi assassinada brutalmente na porta de sua casa, no ano de 1983, em Alagoa Grande, por usineiros que não pretendiam possibilitar a ela e nem aqueles e aquelas cujos interesses defendia, a conquista de seus direitos e sonhos. Margarida lutava pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais, almejando, de maneira geral, o alcance das equidades de gêneros (SILVA, 2014).

Para melhor compreender os movimentos das mulheres, como a Marcha das Margaridas e, de maneira geral, como elas estão posicionadas na sociedade e as formas pelas quais as desigualdades de gêneros são materializadas, temos o trabalho de Calás e Smircich (1999), apresentando as abordagens feministas classificadas pelas autoras em sete grupos: liberal, radical, psicanalítica, marxista, socialista, pós-estruturalista/pós-moderna e terceiro-mundista/pós-colonial. Cada uma dessas abordagens foi desenvolvida em resposta às limitações da abordagem anterior, oferecendo formas alternativas para o enfoque das desigualdades de gêneros, enquadrando-as de maneiras diferenciadas e propondo caminhos de ações como possíveis soluções.

Entre essas abordagens, destacamos a teoria pós-colonial, que critica as teorias anteriores por somente considerarem gêneros e relações de gêneros baseadas em imagens e experiências sociais das pessoas mais privilegiados do primeiro mundo. Nessa perspectiva, a condição subalterna de grupos como mulheres, negras e negros, que não podiam

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se nos contextos ocidentais e eram limitados a obedecer aos colonizadores, passa a ser questionada (CALÁS; SMIRCICH, 1999).

Nessa direção, adotamos a perspectiva pós-colonial ao buscarmos conhecer mais sobre as mulheres trabalhadoras rurais na cafeicultura, questionando justamente a condição subalterna desse grupo que, conforme destacado por Matos (2009) e Guimarães, Brito e Barone (2016), é pouco considerado em pesquisas.

1.2Problema de Pesquisa

Nossa pesquisa tem como ponto de partida os contextos de atuação de mulheres trabalhadoras rurais, especificamente na cafeicultura (atividade composta, majoritariamente, por trabalhadores e empreendedores homens) e a perspectiva pós-colonial que, dentre outros motivos, surgiu como uma preocupação de tornar reconhecidos e relevantes os discursos dos indíviduos considerados subalternos, bem como os contextos em que são produzidos (COSTA, 2006).

Essas considerações, tomadas em conjunto, podem ser resumidas em duas questões centrais: (a) de que modo as mulheres trabalhadoras rurais experienciam seus cotidianos em campos predominantementes ocupados por homens? E (b) quais são as singularidades e práticas reprodutoras das subordinações das mulheres presentes no universo de trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro? Por sua vez, elas nos conduzem à questão orientadora desta pesquisa: Como se manifestam as relações de gêneros nas narrativas das mulheres trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro?

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19 1.3Objetivos da Pesquisa

O objetivo geral da pesquisa é analisar como se manifestam as relações de gêneros nas narrativas das mulheres trabalhadoras rurais, na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro.

São considerados como objetivos específicos:

a) Conhecer quem são as mulheres trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro;

b) Explorar, por meio das narrativas das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, suas trajetórias e os contextos em que estão inseridas e nos quais se manifestam as relações de gêneros;

c) Reconhecer e discutir as tensões entre vida social, pessoal e de trabalho das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, e como elas lidam com tais tensões.

1.4Justificativas

A realização desta pesquisa foi estimulada por inquietações resultantes das condições de subalternidade em que as mulheres e, especialmente, as trabalhadoras rurais, estão inseridas. Embora avanços tenham ocorrido ao longo do tempo (ALVES, 2016; CARVALHAES; MANSANO, 2016; RICOLDI; ARTES, 2016), como o fato da atuação das mulheres não se limitar ao ambiente doméstico, estando, também, presentes no mercado de trabalho, ocupando cargos que já foram destinados somente aos homens, essas, em diversas situações, ainda são vistas como subalternas (SILVA, 2011; ROSA; MEDEIROS; VALADÃO JR., 2012; PIOSIADLO; FONSECA; GESSNER, 2014), para quem ainda não foi dado o direito de falarem por si. E dentre essas mulheres, estão as trabalhadoras rurais.

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Patrocínio e Monte Carmelo, integrantes da meso-região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Em buscas realizadas no Portal de Periódicos da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação (MEC), nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Scientific Periodicals Electronic Library (SPELL), com a expressão “trabalhadoras rurais”, considerando o território brasileiro, não sendo delimitado período de tempo para busca, foram encontrados 28 trabalhos, teóricos e empíricos, desde artigos até capítulos de livros, sobre as trabalhadoras rurais no país. Entre as grandes áreas de concentração dos trabalhos encontrados predominam as Ciências Sociais, com as produções de Brumer (2002); Lisboa e Lusa (2010); Salvaro, Lago e Wolff (2014) e outras.

Em nenhum desses 28 trabalhos, as participantes das pesquisas foram as trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro. Logo, buscamos, por meio desta pesquisa, ao adotar uma perspectiva pós-colonial, criar um espaço que elas se manifestem, abordando, a partir de suas narrativas, os contextos em que estão inseridas, suas trajetórias, bem como as relações de gêneros e as tensões entre vida social, pessoal e de trabalho.

É importante ressaltar que, do total de 28 trabalhos econtrados sobre as trabalhadoras rurais no Brasil, foram considerados para construção da seção “Estudos Empíricos sobre as Trabalhadoras Rurais no Brasil”, os trabalhos resultantes de pesquisas empíricas mais condizentes com os objetivos desta dissertação, totalizando 10 artigos selecionados.

Maciazeki-Gomes, Nogueira e Toneli (2016) buscaram, também, fazer um mapeamento sobre a produção do conhecimento, mas, com foco nas áreas das ciências da saúde, humanas e sociais sobre gêneros e ruralidades, a partir de uma análise crítica. As autoras realizaram buscas no Portal CAPES/MEC, com as palavras-chaves: gênero e rural, gênero e ruralidade, mulher e rural, mulher e ruralidade, no período de 2000-2014, encontrando um total de 108 artigos publicados.

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concentrados na Sociologia e Antropologia, abordando questões sobre os modos de vida das mulheres nos contextos rurais.

Embasadas nos artigos analisados, Maciazeki-Gomes, Nogueira e Toneli (2016) reconhecem os avanços na temática de gêneros em espaços rurais, no entanto, ressaltam a necessidade de uma maior presença das teorias feministas na constituição de abordagens teóricas e metodológicas junto aos contextos rurais.

Com base nas buscas que realizamos em periódicos, explicadas anteriormente, e na lacuna nos estudos de gêneros nos contextos rurais apontada por Maciazeki-Gomes, Nogueira e Toneli (2016), nossa pesquisa apresenta como justificativa teórica a possibilidade de contribuir com o aprofundamento dos conhecimentos sobre os estudos de gêneros, no Brasil no campo da Administração, área em que há ausência de atenção voltada para as trabalhadoras rurais, bem como mostrar alternativas para pesquisas orientadas por uma visão crítica e uma perspectiva pós-colonial. Esperamos, também, contribuir com os estudos sobre mulheres em contextos rurais, utilizando a teoria feminista pós-colonial.

Uma vez que esta pesquisa faz parte da linha de pesquisa Organização e Mudança do Mestrado Acadêmico em Administração da Universidade Federal de Uberlândia, poderá contribuir para os estudos no Núcleo de Pesquisa e Estudos Organizacionais, Culturas e Sociedade da Faculdade de Gestão e Negócios (NUPECS/FAGEN) da referida instituição, vinculado à Profa. Dra. Cintia Rodrigues de Oliveira Medeiros, orientadora desta pesquisa.

Do ponto de vista social, ao conhecer como as relações de gêneros se manifestam, considerando as narrativas das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro, esta dissertação poderá contribuir em três aspectos:

1) Reconhecimento do trabalho das mulheres na cafeicultura: Josiane Cotrim Macieira, segundo Nazareth (2016), em entrevista concedida ao canal Peabirus, enfatiza a existência de documentos que afirmam não haver mulheres na cafeicultura brasileira. Logo, nosso trabalho poderá contribuir para tornar as trajetórias de algumas dessas mulheres visíveis e reconhecidas, bem como seus trabalhos e contribuições na cafeicultura.

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sobrevivência e pela dignidade de si mesmas e dos seus”. Logo, poderemos contribuir para responder à pergunta semelhante à dos autores mencionados: Quem são as mulheres trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro?

3) Abid e Miranda (2013) enfatizam, também, que, apesar dos avanços no século passado, ainda há um grande percurso a ser percorrido até que exista equidade entre homens e mulheres, e que suas reivindicações sejam plenamente satisfeitas. Essa tarefa exigirá abordar questões relacionadas às histórias, bem como às construções das identidades femininas no século XXI, que estão divididas entre os estereótipos das mulheres modernas e o enfrentamento de situações que envolvem as exclusões sociais e culturais, privação da liberdade e o não acesso à educação e à saúde. É a partir das análises críticas dos discursos convenientes a uma sociedade patriarcal que ações e comportamentos começam a ser questionados, buscando a desnaturalização das desigualdades de gêneros, principalmente no que tange às mulheres (SANTOS, 2016). Assim, esta pesquisa poderá contribuir para

promover reflexões das mulheres trabalhadoras rurais participantes desta pesquisa, e da sociedade na qual estão inseridas, no que tange à busca pela equidade de gêneros na atividade cafeeira.

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23 1.5Estrutura do Trabalho

Com base nas considerações apresentadas nesta introdução, delimitamos a estrutura do nosso trabalho visando esclarecer como as relações de gêneros se manifestam nas narrativas das trabalhadoras rurais na cafeicultura da Região do Cerrado Mineiro.

A primeira seção corresponde a esta introdução, apresentando uma contextualização acerca do tema, a definição do problema de pesquisa, bem como os objetivos a que nosso estudo se propõe, e as justificativas para o seu desenvolvimento. Na segunda seção, é feita a apresentação da revisão da literatura, constituída por três quadros teóricos necessários para a promoção de reflexão e discussão, que correspondem à base para responder ao problema de pesquisa definido.

O primeiro quadro teórico compreende desde a trajetória dos movimentos feministas no mundo e, especificamente, no Brasil, até as abordagens de gêneros, buscando compreender suas trajetórias, bem como as contribuições das abordagens de gêneros que visam preencher lacunas deixadas por outras teorias. Em seguida, é apresentado o segundo quadro teórico: a abordagem pós-colonial, que consiste no aporte teórico-metodológico orientador da nossa pesquisa. Por fim, o terceiro quadro teórico e a quarta seção implica na abordagem dos estudos empíricos sobre as trabalhadoras rurais no Brasil, com o intuito de apresentar um panorama das pesquisas sobre essas mulheres, possibilitando conhecer mais sobre os aspectos a elas relacionados.

A quinta seção apresenta os percursos metodológicos da pesquisa, iniciando pela classificação deste trabalho, seguido pelo nosso posicionamento segundo a matriz proposta por Alvesson e Deetz (1999), e finalizando com os procedimentos utilizados para reunião do material empírico, que é a entrevista narrativa, e a Análise Crítica do Discurso (ACD), proposta por Fairclough (2001).

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2 DOS FEMINISMOS ÀS ABORDAGENS DE GÊNEROS

O primeiro quadro teórico que apresentamos nos permite percorrer um caminho desde os movimentos feministas até chegarmos às abordagens de gêneros. Nosso intuito é buscar a compreensão das trajetórias dos feminismos no mundo e, principalmente, no Brasil; bem como as abordagens de gêneros e suas respectivas contribuições.

2.1 Os mares chamados feminismos: seus surgimentos e os movimentos de suas ondas

Os discursos sobre vivermos em uma sociedade igualitária, democrática e justa, sem discriminações e preconceitos de gêneros, raças/etnias, credos, sexos, dentre outros, são questionáveis, pois o que se constata são realidades diferentes (GUIRALDELLI, 2012). Respeito e valorização são as palavras mais utilizadas pelas mulheres quando são questionadas sobre o que ainda falta em suas vidas, sendo válidas tanto para os aspectos pessoais e sociais, quanto do trabalho, mostrando que ainda prevalecem as desigualdades de gêneros (LOPES, 2013).

As formas de discriminações e preconceitos sob as quais as mulheres são submetidas, tanto nos âmbitos públicos, quanto privados, contribuem para a manutenção das segregações, a persistência das desigualdades de gêneros e a divisão sexual do trabalho, favorecendo a construção de cenários em que mulheres e homens compartilham o espaço em condições desiguais, estando elas submissas a eles (GUIRALDELLI, 2012).

Essa submissão, uma das primeiras formas de opressão da história da humanidade (COSTA; SARDENBERG, 2008), vem sendo discutida há algum tempo em obras que representam os principais marcos teóricos dos feminismos, como o livro “O segundo Sexo” de Simone de Beauvoir (1970) (CYFER, 2015). Nele, Beauvoir (1970) afirma que a submissão destina aos homens a posição de sujeitos e limita as mulheres à condição de outros.

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Enquanto as mulheres recebiam bem menos e trabalhavam em condições precárias e insalubres, os homens gozavam de condições mais vantajosas, salários mais altos e maiores oportunidades, além de ocuparem o maior número de lugares em postos de elevado prestígio (BEAUVOIR, 1970). No Brasil, essas mesmas situações de desigualdades ainda são encontradas. Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo no ano de 2010, as mulheres participantes pedem igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, equiparações salariais e menores jornadas de trabalho, uma vez que ainda é lento na sociedade brasileira o ritmo que movimenta as posições que elas ocupam, principalmente nos aspectos econômicos (LOPES, 2013).

As desigualdades percebidas nos âmbitos organizacionais no que tange a ocupação dos cargos gerencias são destacadas por Menezes, Silva e Katagiri (2016), ao analisarem as articulações entre as construções de feminilidades e as participações das mulheres na gestão de organizações relacionadas ao agronegócio na região do Alto Paranaíba/Minas Gerais. De acordo com as autoras, as participações de mulheres em cargos de gestão nas cooperativas e sindicatos das 14 cidades analisadas, com maior PIB agropecuário da referida região, ainda são baixas.

Com o raiar da modernidade, a partir do século XVII, começaram a surgir consciências críticas feministas sobre os contextos de desiguladades e opressão femininas. As mulheres passaram, então, a assumir posturas incômodas, resultando em inquietações e fazendo aflorar os feminismos no final do século XVIII, que somente tomaram corpo no século XIX em países da Europa e nos Estados Unidos (TELES, 1999; COSTA; SARDENBERG, 2008).

Estabelecer uma definição precisa para feminismos, conforme Alves e Pitanguy (1985), não é tarefa fácil, uma vez que este termo traduz um processo que tem raízes no passado, e é construído cotidianamente, não apresentando um ponto predeterminado de chegada, e, como todo processo de transformação e mudança, apresenta contradições, avanços, retrocessos, inseguranças e contentamento. Hawkesworth (2006) também afirma ser difícil essa conceitualização e apresenta algumas possibilidades de compreensão do termo, podendo esse ser concebido como ideias, conjuntos de convicções, ideologias, movimentos sociais e práxis.

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associações politizadas com uma vasta história no pensamento político. Compreendidos como práxis, opõem-se à noção de mobilizações feministas, sugerindo que os feminismos surgem de maneira autônoma, no interior de cada pessoa, à medida que cada uma delas luta contra as contradições presentes em suas vidas (HAWKESWORTH, 2006). Como movimentos sociais, podem ser definidos como conjuntos de ações organizadas de mulheres que buscam combater as condições de subalternidades e discriminações que vivenciam, objetivando também encontrar maneiras para tornarem-se protagonistas da sua vida e história (TELES, 1999).

Saffioti (1986) defende que não se pode falar em feminismo, no singular, mas, sim, em feminismos, no plural, uma vez que existem multiplicidades de organizações e posicionamentos teóricos dos movimentos feministas, que é também nosso entendimento nesta dissertação. Logo, é inadequado afirmar que há um histórico do movimento feminista, o que existe é uma síntese hegemônica de um período específico, responsável por caracterizar o enfoque dos diversos movimentos feministas (BITTENCOURT, 2015).

Neste trabalho, adotamos os feminismos concebidos como movimentos sociais, visto sua relevância em décadas passadas e, mais recentemente, para as trabalhadoras rurais no Brasil. A década de 1980, por exemplo, foi marcada pela efervescência e desenvolvimento de inúmeros movimentos sociais que contribuíram com a mobilização das trabalhadoras rurais na luta por seus direitos (MACIAZEKI-GOMES et al., 2016). Essas trabalhadoras ainda seguem com a participação em movimentos buscando alcançar seus direitos, como o Movimento das Trabalhadoras Rurais Sem Terra (DEERE, 2004; SALES, 2007) e a Marcha das Margaridas (SILVA, 2014).

Os movimentos sociais feministas aconteceram em diferentes graus de intensidade, fragmentados no que autores e autoras denominam de ondas do feminismos (LOURO, 1997; PINTO, 2010; COSTA, 2013), por apresentarem movimentações naturais em seus interiores, de fluxos e refluxos, semelhante às ondas que iniciam difusas e imperceptíveis e, aos poucos ou de repente, se avolumam em direção ao clímax (instante de maior envergadura), para então refluirem numa fase de aparente calmaria, e então recomeçarem (DUARTE, 2003).

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Três ondas expressivas são destacadas por Bittencourt (2015), sendo a terceira delas o momento atual dos movimentos feministas, com sua representação e atuação como continuidade da segunda onda, após a década de 1990. A primeira onda aconteceu a partir das últimas décadas do século XIX, quando as mulheres lutavam por garantias de igualdade de direitos entre elas e os homens (BARBOSA; LAGE, 2015). Na Inglaterra, por exemplo, elas se organizaram para lutar por seus direitos, como ao voto, ficando conhecidas como as suffragettes (PINTO, 2010).

Foi também durante o século XIX, como um dos resultados da Revolução Industrial, que algumas mulheres passaram a participar do trabalho considerado produtor, fazendo com que as reivindicações feministas saíssem do campo teórico e encontrassem fundamentos econômicos (BEAUVOIR, 1970). Porém, com o término das guerras mundiais houve a retomada masculina ao mercado industrial, resultando no retorno das mulheres para os ambientes privados. Estado e mídia tiveram influência fundamental no retorno das mulheres aos espaços domésticos. As propagandas nesse período, por exemplo, exaltavam as figuras das donas de casa servis aos maridos, os papéis de esposas e mães, bem como o fomento à indústria de estética e beleza (ALVES; PITANGUY,1985).

Os feminismos iniciais, encontrados durante a primeira onda, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, acabaram por perder forças na década de 1930, tomando impulso novamente na década de 1960 e dando incío à segunda onda dos feminismos (PINTO, 2010), que permaneceu até a década de 1980. Essa segunda onda representou um avanço de percepção e análise dos movimentos como um todo, incorporando várias frentes de lutas e denunciando o patriarcado. Esse é visto como uma maneira de expressão do poder político exercido por meio das dominações masculinas e a inferiorização das mulheres que ultrapassam os âmbitos privados, espalhando-se por todos os espaços da sociedade e representando estruturas de poder baseadas em violências e ideologias (SAFFIOTI, 1986).

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relações de poder e transversalidades de opressão estrutural para além dos gêneros. Dessa forma, as vozes de mulheres negras e pobres subjulgadas dentro dos movimentos foram elevadas. Nesse período, as problematizações acerca das diferenças entre gêneros, sexos e orientações sexuais foram também formuladas, desmistificando a naturalização dos papéis sociais considerados inerentes aos homens e mulheres (BITTENCOURT, 2015).

O marco dos estudos sobre as mulheres na academia, desafiando o conhecimento masculino e centralizado nos homens, ocorreu durante a segunda onda dos feminismos. Por volta da década de 1970, as feministas graduandas e pós-graduandas se reuniram para discutir a possibilidade de iniciarem estudos sobre as mulheres como uma nova forma de saber centrada nelas, questionando a visão androcêntrica predominante na sociedade e cultura, bem como nas ciências humanas e sociais (JACKSON, 2016). Destacaram-se nesse período diversas autoras, como Gloria Jean Watkins, Heleieth Iara Saffioti, Joan Scott, Betty Friedan e Nancy Fraser (BITTENCOURT, 2015).

Durante essa segunda onda, houve ainda a universalização das leituras referentes às experiências de opressão sobre as mulheres, resultando na desconsideração de suas pluralidades e diversidades. Assim, mulheres do Terceiro Mundo, negras, lésbicas e trabalhadoras denunciaram esses feminismos fortalecidos, pois, apesar de seus discursos enfatizarem se tratar de movimentos unificados de mulheres, algumas foram expurgadas, evidenciando que a opressão está, também, presente entre os próprios oprimidos (MAYORGA et al., 2013; TONELI; ADRIÃO; PERUCCHI, 2013).

Nas décadas de 1980 e 1990, houve uma brusca queda neoliberal que alavancou o poder do mercado transnacional, de flexibilizações trabalhistas e descenso dos movimentos sociais, incluindo os movimentos feministas. A partir de então, há divergências teóricas sobre a real existência e fundamentação de uma terceira onda do movimento. Essa onda teria sido norteada por autoras e ativistas da onda anterior e movida por suas produções acadêmicas e reorganização dos movimentos combativos ou reivindicatórios para a institucionalidade ou universidades (BITTENCOURT, 2015).

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micropolítica. Além de tentar descontruir/desestabilizar os gêneros vistos como uma categoria fixa e imutável, propõe também uma agenda individual, desligando as organizações coletivas como pressuposto da transformação política e estrutural da sociedade patriarcal (MACEDO, 2006).

As críticas feministas, em geral, limitam-se à Europa e Estados Unidos e trazem em suas análises uma concepção de mulher branca, ocidental e burguesa, desconsiderando, desta forma, as especificidades das margens capitalistas, como América Latina, Ásia e África. Nesses locais há uma colonização imposta de tal modelo ocidental de poder, de maneira a possibilitar a exploração mais intensa das trabalhadoras, e a ampliação do controle sobre seus corpos, sexualidades e organização política (BITTENCOURT, 2015).

Especificamente sobre os feminismos latino-americanos, esses não podem ser equiparados aos feminismos eurocêntricos ou norte-americanos que derivam de condições externas às realidades das colônias e países de capitalismo dependente. Uma pecularidade a ser tratada na América Latina são os frutos de uma sociedade colonizada, escravocrata e dominada por potências européias com o intuito de impulsionar o capitalismo mercantil. Durante esse processo, mulheres indígenas, negras e mestiças protagonizaram os sofrimentos das violências, dominações e explorações, representando a força motriz imposta da formação das nações que se edificaram (BITTENCOURT, 2015).

Na América Latina, considerada por Alvarez (1990) como uma região em que o machismo foi sancionado pelo Estado e santificado pela Igreja Católica; e por Cypriano (2013) como um dos lugares onde as desigualdades manifestam-se de maneira acirrada e específica, os feminismos eclodiram em um contexto marcado por uma profunda subordinação patriarcal. Isso ocorreu por meio de movimentos de reivindicações e conscientização feminina, que assumiram a forma de partidos, organizações políticas, periódicos, centros de estudo e Organizações Não Governamentais (ONGs), buscando a superação e questionamento das condições políticas, culturais, religiosas e econômicas então vigentes (CYPRIANO, 2013).

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forças contra outras correntes de oposição, denunciando as explorações e opressões políticas, econômicas e sociais (STERNBACH et al, 1994).

Os movimentos feministas latino-americanos representaram, portanto, um complexo processo de interseções, percebido a partir de um conjunto diferenciado de opressão, que combinou o colonialismo francês, espanhol e português, com governos ditatoriais e populistas, apresentando dinâmicas específicas da globalização econômica, política e cultural. Ao analisar as ondas desses feminismos latino-americanos, percebe-se que o movimento se pluralizou e abriu espaço para a atuação em variados âmbitos: militantes partidárias, mulheres negras, mães, líderes de movimentos populares, teólogas e outros (CYPRIANO, 2013).

Essas pluridades de grupos na América Latina também são ressaltadas por Figueiredo (2008). De acordo com a autora cada um desses grupos apresentava diferentes prioridades: alguns denominavam-se feministas, outros identificavam-se como setores de movimentos de comunidades de base, departamentos feministas ou setores de partido de esquerda.

Dentro dos contextos latino-americanos, está o Brasil em que, historicamente, assim como em outras sociedades, as mulheres foram subalternizadas, começando pela educação diferenciada, como seres inferiores, predestinados e obrigados à maternidade, aos cuidados com os ambiente domésticos, filhos(as), idosos e doentes (LOPES, 2013). Enquanto na Europa e, mais tarde nos Estados Unidos, dava-se continuidade a uma revolução em todas as esferas da vida social, resultante do capitalismo ali estabelecido, no Brasil, assim como nos demais países da América Latina, vivia-se sob o regime colonial, escravocata e patriarcal (COSTA; SARDENBERG, 2008).

As mulheres das classes dominantes eram confinadas nos interiores das casas, sob as ordens dos maridos ou pais, distantes e autoritários, tendo como principal papel o de reprodutoras, casando-se jovens e gerando muitos(as) filhos(as). Como opção, restava recolher-se a um convento. Já as mulheres das classes populares enfrentavam geralmente um trabalho estafante, exigindo muito esforço físico, e vendo-se, muitas vezes, abandonadas pelos companheiros, tornando-se, então, as únicas responsáveis pelo seu sustento e dos(as) filhos(as). Em condições ainda piores viviam as mulheres negras, ex-escravas, vítimas da opressão, explorações e violências em suas formas mais latentes, não somente dos homens (brancos e negros), mas, também, das mulheres (COSTA; SARDENBERG, 2008).

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administrando engenhos, fazendas e negócios, excercendo, de maneira geral, um poder para além da esfera doméstica, essas exceções não invalidaram a regra, não restando dúvidas de que o poder patriarcal permaneceu supremo em toda era colonial, sendo raramente questionado (COSTA; SARDENBERG, 2008).

Com a chegada do século XIX iniciou-se uma série de mudanças consideráveis nos âmbitos econômicos, políticos, sociais e ideológicos, inerentes à transição do passado colonial, baseado no trabalho escravo, para a República, fundamentada, teoricamente, no trabalho livre. Nesses contextos, as condições que tornariam mais evidentes as situações de desigualdades entre homens e mulheres, e a especificidade das subordinações das mulheres, iriam amadurecer (COSTA. SANDERBERG, 2008). Logo, surge um campo constituído fundamentalmente por mulheres, anunciando suas reivindicações por seus direitos e denunciando as desigualdades de classes, raças/etnias e, principalmente, de gêneros. E é nesse campo que surgem os movimentos feministas no país (MENDES; VAZ; CARVALHO, 2015)

Esses movimentos feministas iniciaram-se nas camadas médias, cujas feministas estavam vinculadas, em sua maioria, às organizações e partidos de esquerda, atuando politicamente, de maneira organizada, ao conjunto de mobilizações femininas. Com a expansão dos feminismos, essas manifestantes influenciaram e foram influenciadas pelas camadas populares em aspectos sobre mudanças nos comportamentos sexuais, fecundidade e padrões de reprodução (SARTI, 1988).

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Quadro 1 – Ondas dos Feminismos no Brasil

Ondas Período Objetivos Destaques Obras

Primeira Onda

Ìnico do século XIX

Direito de ler e

escrever Nísia Floresta Brasileira

Direitos das mulheres e injustiça dos homens

(1832)

Conselhos à Minha Filha (1842) Opúsculo Humanitário (1853) A mulher (1856) Segunda

Onda Por volta de 1870 Ampliação da educação e o direito a voto

Francisca Senhorinha da

Mota Diniz (1873-1875); (1887-1889) O sexo feminino e (1890-1896) Amélia Carolina da Silva

Couto

Echo das Damas (1875-1885) Josefina Álvares de Azevedo

Persciliana Duarte de

Almeida (1888-1897) A Família A mensageira (1897-1900) Terceira Onda Início do século XX

A caminho da cidadania

Bertha Lutz

Virgindade inútil – novela de uma revoltada

(1922) Maria Lacerda de Moura

Leolinda Daltro

Ercília Nogueira Cobra Em torno da educação (1918)

Quarta

Onda A partir de 1970 Revolução Sexual e a literatura

Rose Marie Muraro

A mulher na construção do mundo futuro

(1967)

Nélida Piñon Sala de armas (1981) Fonte: Elaborado com base em Duarte (2003).

As manifestações iniciais dos feminismos no Brasil, assim como no Chile, Argentina, México, Peru e Costa Rica, surgiram na primeira metade do século XIX, especialmente por meio da imprensa feminina, como será mostrado adiante, sendo, até então, o principal veículo de divulgação das ideias feministas naquele momento (COSTA, 2013).

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por uma primeira causa: o direito de aprender a ler e escrever, reservado até então somente para os homens (DUARTE, 2003).

Entre as pessoas que enfrentaram a opinião dominante sobre as mulheres não necessitarem ler e escrever, está Nísia Floresta Brasileira Augusta, cuja publicação da obra “Direitos das mulheres e injustiças dos homens” (1832) foi a primeira no Brasil a abordar o direito das mulheres à educação e ao trabalho, consistindo em uma releitura de textos internacionais, como “Vindications of the Rights of Woman”, de autoria de Mary Wollstonecraft, porém, considerando o contexto das mulheres brasileiras (DUARTE, 2003). Outras obras da autora também ganharam destaque por representarem o marco do despertar da consciência crítica acerca da condição feminina na sociedade brasileira, como: “Conselhos à Minha Filha” (1842), “Opúsculo Humanitário” (1853) e “A mulher” (1856) (COSTA; SARDENBERG, 2008).

Por volta de 1870 iniciou-se no Brasil a segunda onda dos feminismos, caracterizada pelo crescente número de jornais e revistas de cunho feminista que abordavam assuntos sobre as desigualdades entre homens e mulheres e o acesso limitado delas aos seus direitos, destacando ainda o acesso à educação e introduzindo o direito ao voto. Destacaram-se nessa época os jornais que abordavam assuntos feministas, como: “O Sexo Feminino”, dirigido por Francisca Senhorinha da Mota Diniz, nos períodos de 1873-1875, 1887-1889 e 1890-1896; “Echo das damas”, editado por Amélia Caroline da Silva Couto, circulando pelo Rio de Janeiro entre 1875 e 1885, e “A família”, dirigido por Josefina Álvares de Azevedo, de 1888 a 1897. Também podem ser destacadas revistas como “A mensageira”, que circulou por São Paulo de 1897 a 1900, dirigida por Persciliana Duarte de Almeida (DUARTE, 2003).

Referências

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