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O JÚRI E O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: uma instituição necessária à democracia | Anais do Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas - ISSN 2526-8678

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Anais do I Congresso Rondoniense de Carreiras Jurídicas Porto Velho/RO 29 e 30 de novembro de 2016 P. 305 a 325 O JÚRI E O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: uma instituição necessária à democracia

Josiane da Silva Vasconcelos1 Pedro Abib Hecktheuer2

RESUMO

O princípio da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri torna-se uma instituição necessária à democracia, ante as poucas oportunidades em que a sociedade pode, efetivamente, agir e opinar no meio social, político e jurídico. Para além de ser uma manifestação do cidadão na área criminal, julgando fatos relevantes na sociedade, por vezes homicídio, configura-se como exercício de cidadania, visto que, acompanhado do juiz togado, e agindo de maneira direta, decidirá sobre o futuro de uma pessoa que não respeitou os ditames das leis. Assim, podemos conceituar o Tribunal do Júri como supremo, soberano e necessário ao sistema democrático de direito em relação ao cidadão, pois experimentará o peso de decidir pela sociedade na Tribuna. A verdadeira importância do princípio no Tribunal do Júri se dá efetivamente após a Constituição Federal de 1988, onde se percebe a aplicabilidade em sentido estrito, ou seja, em obediência a exata redação que traz a Carta Magna.

Palavras-chave: Júri. Veredicto. Soberania.

ABSTRACT

The principle of sovereignty of the verdicts the jury, it is a necessary institution for democracy, against the few opportunities where the company can effectively act and comment on social, political and legal. Despite being a manifestation of the citizen in the criminal area, judging relevant facts in society, sometimes murder, does not cease to be an exercise of citizenship, as with the robin judge, and acting directly, decide on the future of a who did not comply with the dictates of the laws. So we can conceptualize the jury as supreme, sovereign and necessary to the democratic system of law in relation to the citizen, as experience the weight deciding to society in Tribuna. The real connection from beginning to jury is given effectively after the

1Acadêmica do Curso de Pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal. E-mail: vasconcelos.josiane@gmail.com.

2 Docente da disciplina de Direito Constitucional na Faculdade Católica de Rondônia. Orientador do trabalho. E-mail: pedro_abib@hotmail.com.

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Federal Constitution of 1988, where realizes applicability in the strict sense, that is, in obedience to the exact wording that brings the Magna Carta.

Keywords: Jury. Verdict. Sovereignty.

INTRODUÇÃO

O estudo do exercício da cidadania, através do Tribunal do Júri, surgiu após a análise do princípio da Soberania dos Veredictos, o qual dá a sociedade o poder de decidir no lugar do Judiciário, e mais, a decisão não pode ser intermediada pelo juiz togado, este apenas delibera sobre a pena que será imposta, e não sobre a conduta delituosa.

Assim, a problemática deste artigo é mensurar a importância do princípio em questão, após a implantação da democracia em 1988, e se a Soberania dos Veredictos classifica-se como instituição necessária para o exercício da cidadania no Brasil.

Para tanto, tem-se como objetivo descrever a evolução deste princípio após a Constituição Federal de 1988 e seus aspectos positivos no exercício da cidadania, destacando-o como instituição necessária à democracia.

Desta forma, inicialmente e especificadamente, discorre sobre a trajetória do princípio da soberania dos veredictos no tribunal do júri no Brasil, suas inovações após a Carta Magna de 1988, ressaltando ainda a grande importância da Soberania dos Veredictos no sistema democrático de direito no Brasil, evidenciando o cidadão que é parte integrante da sociedade, como principal chave na participação da tribuna popular, sendo esta necessária para a eficácia do princípio. Sugere-se que a soberania do veredicto, ou seja, a não intervenção de juiz togado na decisão popular, seja um instituto de destaque na democracia brasileira, pois o mérito está nas mãos da sociedade, representada por cidadãos comuns.

Após a Constituição Federal de 1988, o Princípio da Soberania dos Veredictos foi implantado de tal modo que se pôde levantar a tese sobre os benefícios inseridos no sistema democrático de direito, como é o caso da participação do cidadão – representando a sociedade em si –, nos julgamentos dos delitos contra a vida.

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Pode-se dizer que é uma instituição necessária à democracia tendo em vista o poder de voz na participação de um julgamento sobre uma conduta antijurídica, onde vota-se pela condenação ou absolvição do acusado, exercendo assim a democracia no ato de decidir sobre o que é reprovável pela sociedade de modo geral.

O princípio em questão pode ser considerado um destaque no sistema democrático de direito após 1988, pois a forma de governo implantada naquele ano condiz com a relevância em dar à sociedade a chance de se posicionar de forma certa e justa sobre condutas que causam repulsa e desaprovação, ou seja, sobre crimes praticados contra a vida.

Por vezes os atos antijurídicos que estão à espera de julgamentos, mostram-se diferentes aos olhos de cada jurado na Tribuna do Júri, o que implica em contribuições ao exercício democrático, pois pelo livre convencimento de cada um (cada jurado representa um percentual da população), podem decidir em condenar ou absolver o réu, e sua decisão será soberana.

1 A INCLUSÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Tribunal do Júri, uma instituição de natureza jurídico-política, é um órgão constitucional autônomo, que se configura como instrumento de participação direta do povo no poder judiciário, logo podemos conceituá-lo como órgão da cidadania inerente as democracias semidiretas.

Sobre ser o Tribunal do Júri uma instituição jurídico-política, as notícias de sua origem nos informam seguramente que sim, e nesse sentido ensina Viveiros que (TUBENCHLAK, 1994, p.5):

A instituição do júri, que existia na Inglaterra desde a Carta Magna de 1215 e definitivamente modelada a partir do século XV, casava-se perfeitamente com os ideais democráticos dos liberais franceses, pois através dele se poderia combater a falta de independência dos juízes do antigo regime, que se curvavam diante do poder da monarquia e das dinastias, cujos métodos de investigação caracterizavam-se pelo segredo e pela tortura. A França importou o Júri da Inglaterra e, assim, ele espalhou-se por toda a Europa, exceto a Holanda. Dada a influência política que a Inglaterra exerceu sobre Portugal no Século XIX, época em que a Corte Portuguesa transferiu-se para o Brasil (29.11.1807), o Júri acabou

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alcançando terras brasileiras em função da orientação que os ingleses impunham ao Príncipe Regente D. Pedro (VIVEIROS, 2003, p. 12).

Mirabete em posicionamento semelhante ao de Viveiros, e afirma que a instituição moderna do júri passou da Inglaterra para ter lugar no continente, mais precisamente na França durante a revolução datada de 1789 (MIRABETE, 2006, p.522).

Já no Brasil, o Tribunal do Júri pode ser considerado uma instituição relativamente nova, tendo em vista que sua origem remonta ao século XIII, mas somente no século XIX chegou por aqui, ou seja, mais de 500 anos depois foi que a independência dos julgados começou a passar pelo crivo do povo brasileiro.

Ressalta-se que antes da instituição Júri surgir na Inglaterra, já existia uma tribuna que se assemelhava com aquele na Palestina, o “Tribunal dos Vinte e Três” que julgavam crimes puníveis com a pena de morte, onde retirava a autonomia de juiz e passava o julgamento por membros de alto renome na época. Leciona Nucci:

O Tribunal do Júri na sua feição atual origina-se na Magna carta da Inglaterra de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e Três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com pena de morte. Os membros eram escolhidos entre padres, levitas e principais chefes de família de Israel (NUCCI, 2008, p. 41).

Ora, há estudos que relatam a origem do Tribunal antes do ano 1215, onde as pessoas eram escolhidas entre padres, levitas e principais chefes de famílias e, participavam do julgamento em processos relacionados a crimes puníveis com pena de morte.

Ademais, dentre outras posições sobre a formação do Tribunal Popular, Moraes (2006) entende que, de fato, é de procedência anglo-saxônica, constituído por doze membros, em referência aos doze apóstolos, conforme podemos observar:

A instituição do júri, de origem anglo-saxônica, é vista como uma prerrogativa democrática do cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu caráter místico e religioso, pois tradicionalmente constituído de doze membros em lembrança dos doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo (MORAES, 2006, p. 309).

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Conforme o exposto, apesar das várias linhas históricas sobre o surgimento do Júri, pode-se concluir que o mesmo aprimorou-se com o tempo, conforme a política adotada em cada país, conquanto, percebe-se que está restrito às nações que aderiram a democracia representativa como forma de regime, ou forma de governo e sistema político equivalente.

Prosseguindo, em nosso país, a iniciativa da criação do Tribunal do Júri coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em 4-2-1822, após sugerir a criação de um “juízo de Jurados”. A Sugestão foi atendida apenas em 18 de junho de 1822 (TUBENCHLAK, 1994, p.5).

Desta feita, no direito positivo brasileiro, o júri surgiu por meio do Decreto Imperial de 18 de junho de 1822, inicialmente com competência exclusiva para julgar os crimes de imprensa, assinado pelo Príncipe Regente Dom Pedro II, era formado por 24 jurados, onde destes 16 poderiam ser recusados, formando assim um conselho de sentença composto por 08 jurados (VIVEIROS, 2003, p. 12). Ou seja, “o Júri no Brasil foi introduzido no ordenamento jurídico para limitar a competência do julgamento aos crimes de imprensa” (CAPEZ, 1999, p. 543).

Do exposto, o Júri foi implantado no país apenas para julgar exclusivamente os crimes de abuso de liberdade de impressa, contudo não se falava em soberania dos veredictos ainda, visto que as decisões poderiam ser revistas pelo Príncipe Regente.

O contexto histórico do surgimento do Tribunal do Júri no Brasil, alinhou-se com os preceitos seguidos na Revolução Francesa, pois os ideais democráticos estavam aflorando e constituindo um estado de direito jamais visto no Brasil, combatendo o antigo regime imperial onde todos se curvavam ao rei, sendo que naquela época o Brasil era ainda colônia de Portugal.

Promulgada a Constituição Política do Império em 1824, o Júri ganhou competência para todas as infrações penais e ainda fatos civis. Posteriormente, a Lei de 20-9-1830, organizou o Júri de forma mais específica, prevendo o Júri de Acusação (TUBENCHLAK, 1994, p.6).

Por conseguinte, através da Constituição Imperial, a Tribuna Popular passou a integrar a função judiciária como um de seus órgãos. O art. 151 descrevia: “O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes e jurados, os quais terão

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logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Codigos determinarem” (BRASIL, 1824).

Nesse contexto histórico foi que o princípio da soberania dos veredictos surgiu, pois o poder judicial de decisão tornou-se independente, mas infelizmente por pouco tempo.

Após a Constituição Política de 1824, o júri sofreu um duro golpe em 1838, com o Decreto-Lei n. 167, onde o princípio foi praticamente abolido:

O art. 92, b, do citado decreto-lei, não fez menos do que abolir a soberania dos seus veredictos, ao ensejar recurso de apelação quanto ao mérito, nos casos de “injustiça de decisão, por sua completa divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário”. E, consoante o art. 96 do mesmo diploma, o Tribunal de Apelação poderia, ao prover o recurso, aplicar a pena justa ou absolver o réu, conforme o caso, se a decisão do Júri não encontrasse nenhum respaldo nos autos (TUBENCHLAK, 1994, p.7).

Sem a soberania dos veredictos, essencial ao júri, o tribunal poderia ter sido extinto, na verdade, para alguns processualistas, naquela época o júri foi totalmente abolido na prática, pois sua reforma vislumbrou um apoio ao sistema antidemocrático.

Findo o império em 1889, e mantido o Júri, a primeira Carta Magna da República, de 24-2-1891, adotou igual procedimento, elevando a instituição a nível de garantia individual (BRASIL, 1891, art. 72, § 31), não sem antes muita discussão e debates em plenário (TUBENCHLAK, 1994, p.6).

Porém a mantença de tal instituto no ordenamento gerou muita polêmica entre os juristas daquela época, que acreditavam que juízes leigos não teriam plena capacidade para tomar decisões (MARQUES, 1997, p.21).

Diante de tantas discussões sobre a capacidade ou não de juízes leigos decidirem sobre delitos em juízo, o assunto sobre a participação ou não do povo nos julgamentos ficou inerte, sendo que tal posicionamento perdurou até a primeira metade do século XX.

Finda a ditadura de Getúlio Vargas, a Constituição de 18-9-1946 restaurou, no § 28 do art. 141, a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, além de recolocar a instituição no capítulo das garantias individuais (TUBENCHLAK, 1994, p.7). A redação trazia em seu bojo:

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É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contando que seja ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a Soberania dos Veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1946).

A volta do instituto em 1946 revelou o júri como representação da democracia, uma vez inserido como umas das garantias individuais, onde existe uma tribuna livre com as causas sendo debatidas diretamente pelo povo, ficando restrito e obrigatório nos crimes dolosos contra a vida.

De igual modo manteve-se a Tribuna Popular na Constituição de 1967, como garantia individual, reconhecendo sua soberania na competência dos julgados dos crimes dolosos contra a vida, como podemos acompanhar:

A Constituição de 1967 manteve a instituição do júri também no capítulo que tratava dos “Direitos e Garantias Individuais”, reconhecendo-se expressamente sua soberania, atribuindo-se competência limitada aos crimes dolosos contra a vida. Todavia, a Emenda Constitucional n. 1 de 17 de outubro de 1969, deu-lhe duro golpe, embora o tivesse mantido entre os Direitos e Garantias Individuais, suprimiu-lhe a soberania (VIVEIROS, 2003, p.15).

Conforme já se notou, o tribunal do Júri é historicamente uma instituição caracterizada como uma garantia fundamental, inserida dentre os direitos e garantias individuais do cidadão (VIVEIROS, 2003, p. 17).

Quando inserido como garantia fundamental do cidadão brasileiro, em um Estado Democrático de Direito, há de se falar no exercício da democracia. Logo, o instituto não é norma que possa ser abolida, assim, o princípio da soberania dos veredictos além de democrático é garantia fundamental plena no exercício da cidadania.

Assim é que o legislador constituinte na Carta de 1988, visando conferir-lhe maior estabilidade e efetividade, além de simplesmente inseri-la no núcleo de normas constitucionais imodificáveis – como garantia individual não está sujeito a proposta de emenda constitucional tendente à sua abolição (art. 60, § 4º, IV, da CF) – atribuiu-lhe preceitos específicos destinados a estruturá-lo e conferir-lhe um perfil constitucional apropriado à sua natureza de órgão popular. São quatro inderrogáveis princípios: plenitude de defesa; sigilo das votações; soberania dos veredictos e competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (art. 5º, XXXVIII, letras a, b, c, d, da CF) (VIVEIROS, 2003, p. 17).

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A Constituição Federal de 1988 instituiu o Júri restaurando seus aspectos ditados na Constituição de 1946, mantendo a essência quanto a soberania dos veredictos no julgamento dos crimes dolosos contra a vida e destacando-o como garantia individual, ou seja, não propenso a emenda constitucional, sendo cláusula pétrea.

Desse modo é que se pode destacar tal instituto como garantia no exercício livre da cidadania, pois é através dele que a sociedade se posiciona quanto ao julgamento nos casos de crimes dolosos contra a vida, onde o povo discute e dá o veredicto a conduta penalmente relevante, e a soberania de sua decisão é mantida, visto que mesmo diante de recursos, os termos finais da decisão em relação a conduta não são alterados.

Assim, o princípio da soberania dos veredictos, como já mencionado, passou por uma restauração em 1988 elevando, como antes na Carta Magna de 1946, a princípio constitucionalmente protegido.

2 O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS COMO QUESITO FUNDAMENTAL NO SISTEMA DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Antes de discorremos sobre tal princípio, necessário se faz expor o significado primário de soberania: poder ou autoridade suprema (FERREIRA, 2001, p.640).

O princípio da soberania dos veredictos é, além de uma característica marcante do Tribunal do Júri, uma garantia fundamental da democracia, sendo elencado na constituição federal como o terceiro princípio constitucional do Júri e apesar de inserido no Reinado Imperial de 1824, a soberania dos veredictos só foi reconhecida em 1946 (BRASIL, 1946).

Conforme já se fez referência, embora o Júri tenha sido constitucionalizado pela primeira vez por meio da Carta Magna Imperial de 1824, o reconhecimento expresso de sua soberania só veio ocorrer na Carta política de 1946, que a reinseriu dentre os direitos e garantias individuais (VIVEIROS, 2003, p.24).

A autoridade suprema – reconhecida em 1946 – das decisões só podem ser efetivas após a votação e mantidas no seu mérito, mesmo que a parte ré recorra, apele, da decisão dos jurados.

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Desse modo, temos sem questionamentos, o exercício livre da soberania dos veredictos, como elucida Porto (apud CASTRO, 1999, p. 66) ao dizer que:

O entendimento do conceito de soberania reaparece com seus efeitos após o julgamento pelo Tribunal do Júri, quando do exame de apelação buscando a rescisão, pelo mérito, do decidido pelos julgados; ao Tribunal do Júri cabe proferir decisão, então não manifestamente contrária à prova, que encontre amparo em contingente menor de provas em conflito, e decisões com tal amparo, que não prevaleceriam, em regra, quando proferidas por juiz singular, são mantidas, porque excepcional e marginalização das decisões dos jurados, circunstância a demonstrar que, no julgamento de apelação para avaliação do que foi decidido pelos jurados, o entendimento do conceito de soberania dá atenção aos seus limites, agora, então, sem caráter ampliativo e indevido.

Os veredictos são soberanos porque só os veredictos é que dizem se é procedente ou não a pretensão punitiva (VIVEIROS, 2003, p. 26).

O poder de decidir nos crimes dolosos contra a vida tem um julgamento imparcial e justo, onde a sociedade, representada pelos jurados, mensura se a conduta foi penalmente relevante na sociedade, daí advém o veredicto soberano, onde um juiz togado não pode interferir na sensibilidade de crítica da população.

É o mandamento constitucional que garante soberanamente ao indivíduo e ao povo o direito-garantia de julgar crime de competência do Júri num tribunal popular, e que dará a última palavra sobre a causa (VIVEIROS, 2003, p.27).

O Júri e o juiz possuem atribuições funcionais distintas, mas não é na separação do direito e do fato que se dividirão as competências de um e de outro (MARQUES, 1997, p. 72).

Fica a cargo dos jurados avaliar a conduta ilícita, e o juiz após a votação, avaliar o fato para impor pena, sendo que em nenhum momento, direito e fato são analisados reservadamente, distintamente.

Sobre a existência de crime e responsabilidade do réu, só o Júri pode pronunciar-se, o que faz através de veredictos soberanos. Sobre a aplicação da pena, decide, não soberanamente, o juiz que preside ao Júri. Aos tribunais superiores, o objeto do juízo, na sua competência funcional, se restringe à apreciação sobre a regularidade do veredicto, sem o substituir, mas pronunciando ou não pronunciando o sententia rescindenda sit (MARQUES, 1997, p. 80).

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Mesmo que ocorra qualquer tipo de decisão que não condiga com o feito, caberá a um novo Júri a decisão, ou seja, caberá ao Conselho de Sentença, se a decisão for manifestamente contrária, a realização de um novo veredicto.

A soberania dos veredictos do Júri é vista, portanto, como uma característica inerente à própria natureza do tribunal popular (VIVEIROS, 2003, p. 24).

Em suma, a soberania dos veredictos foi a materialização de um desejo claro do legislador constituinte originário de conferir às decisões do júri popular o caráter de inalterabilidade por parte do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão do Estado. Júri sem o selo da soberania plena em seus veredictos não é Júri (TUBENCKLAK, 1994, p.9).

Ressalta-se que o juiz togado, através de leis ordinárias, não pode ampliar seu poder, tendo em vista que o julgamento compete ao tribunal popular. Nesse sentido:

No caso do Júri, a Constituição somente disse qual a sua competência mínima, demarcando limites, nesse sentido, que a lei ordinária não pode ultrapassar a fim de ampliar as atribuições da justiça togada em detrimento do tribunal popular. No mais, a competência do Júri será a que lei ordinária disser. Consentir que os Estados membros enchessem esse branco deixado pelo texto constitucional, seria admitir, por partes destes, a faculdade de delegar o poder jurisdicional, o que é impossível, por isso que a jurisdição se apresenta como eminentemente nacional (MARQUES, 1997, p. 94).

Nada mais é do que a proteção ao princípio constitucional, em questão, estabelecido na carta magna, pois se alterado na forma de julgar, sua essencialidade deixaria de existir, até porque o Júri assumiu um importante instrumento de materialização da justiça ao longo do tempo. Vejamos:

Ao longo do tempo o tribunal do júri foi assumindo, especialmente no sistema norte-americano, a característica ideológica de ser um importante instrumento de materialização da justiça, preservando o ideal de tornar o processo, na sociedade, o hábil instrumento para se chegar à solução justa no âmbito do controle jurídico-penal, no qual se projetam o exercício da cidadania e a segurança dos cidadãos com zelo às liberdades civis e aos direitos humanos (VIVEIROS, 2003, p. 45).

Foi diagnosticado que a melhor forma, e justa, de se chegar ao controle jurídico-penal, protegendo-se, inclusive, o direito ao exercício livre da cidadania –

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direito de cada indivíduo – seria a materialização da decisão popular em um crime penalmente relevante na sociedade.

No ensinamento de Viveiros, podemos ter a base de como funciona o julgamento no tribunal popular, apoderando-se de forma direta, os julgados, do princípio da soberania dos veredictos:

Na jurisdição do Júri, ao contrário do que sucede ao juiz togado na jurisdição singular, o jurado não tem a lei como único parâmetro de atuação; ao julgar um caso concreto sob sua apreciação, não se utiliza dos textos de lei como insumos ou matéria-prima fundamental, não busca exclusivamente na norma posta pelo Estado as razões que ditam a formação do seu convencimento sobre a culpabilidade ou inocência do acusado; no seu veredicto silencioso de cidadão leigo, não tendo obrigação alguma de conhecer textos de lei, é bastante frequente e natural que tenha a decidir sob critérios distintos dos da legalidade dos códigos, com base em valorações sociais subjetivas, pensamento tópico, conhecimentos empíricos, de acordo com valores e sentimentos de justiça próprios e reinantes na comunidade a que pertence determinado momento histórico e contexto social (VIVEIROS, 2003, p. 76).

A lei deixa de ser parâmetro, não é necessário textos de leis ou matéria-prima fundamental, e sim o discernimento a fim de compreender se tal conduta infringiu os valores sociais subjetivos que condicionam um bom convívio no mundo em que vivemos. No mesmo raciocínio Marques complementa:

Enquanto os jurados apreciam a culpabilidade do acusado, não só em relação ao fato principal, mas ainda no que concerne às circunstâncias acessórias que o podem agravar ou atenuar, os magistrados decidem sobre os incidentes contenciosos da ação penal e sobre a aplicação da pena em face do veredicto (MARQUES, 1997, p.72).

A culpabilidade é julgada de modo geral, ela sim é apreciada pelos jurados. Já o papel do magistrado, prende-se apenas a aplicação da pena, respeitando em todos os termos o princípio da soberania dos veredictos.

Logo, pode-se dizer que além do direito fundamental protegido, a soberania dos veredictos interage com a sociedade que tem voz ativa nos conflitos em que ações infringem o bem juridicamente protegido: a vida.

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Sob um dúplice aspecto o Júri é prerrogativa da cidadania: por uma face da “moeda”, um direito do indivíduo; por outra, um direito de integração da comunidade no administrar da justiça (VIVEIROS, 2003, p.77).

Os cidadãos foram investidos no poder de julgar, através do Estado, em decorrência do sistema democrático de direito que definiu a própria cidadania, sendo um direito fundamental garantido constitucionalmente. O Estado só não institucionalizou o Júri, como também garantiu ao povo à soberania popular de seus veredictos.

Naturalmente e por questão de democracia, a qual é pautada na participação popular nas tomadas das decisões políticas acerca dos destinos do Estado, o Tribunal do Júri representa essa legitimação do corpo social por intermédio dos jurados – juízes leigos – na esfera de decisão de aspecto jurídicos. Assim, cabe ao tribunal popular decidir em caráter soberano sobre aquele determinado fato que foi submetido a sua apreciação (CROZARA, 2010, p. 236).

Nesse prisma, percebemos o quanto o sistema instituído com a constituição federal de 1998, contribuiu para o crescimento ideológico do que é ser cidadão, conferindo às mãos da sociedade o poder de julgar. E não se trata apenas de um mero julgamento, não estamos falando de qualquer crime, estamos nos referindo do poder de julgar os crimes atentados contra a vida.

A participação popular nos negócios de governo, nas democracias representativas, de um modo geral, encontra forte resistência por parte de setores mais conservadores, que veem uma incapacidade política inerente ao cidadão comum (VIVEIROS, 2003, p. 78).

No entanto, estes que ainda encontram forte resistência e são contra o julgamento no tribunal especial pelos cidadãos, não merecem atenção, até porque se o povo é considerado incapaz de votar no júri, também o seria para escolher seus representantes políticos.

Marques, com propriedade, fala a respeito das votações no tribunal especial:

O jurado não fundamenta o seu veredicto, pois que o exprime através da votação de quesitos que lhe são formulados, e aos quais responde de maneira afirmativa ou negativa, mediante a colocação, em uma urna apropriada, de cédulas contendo um “sim” ou um “não”. Desse modo, os motivos íntimos de sua decisão, tal como lhe impõem a convicção formada e a sua consciência moral, não vêm à tona, através de fundamentação escrita ou falada de seus votos (MARQUES, 1997, p.189).

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Estamos falando de uma democracia pura que foi estabelecida no Tribunal do Júri, pois através do princípio da soberania dos veredictos a democracia é exercida de forma plena. Por conseguinte, pode ser considerada o ápice no sistema democrático de direito.

Nessa linha de pensamento, Viveiros conceitua o Tribunal do Júri como uma função jurisdicional do Estado em que o cidadão exerce o direto a democracia:

O Tribunal do Júri, forma legítima por meio da qual se assegura ao povo poder decisório acerca de questões de intensa repercussão social, especialmente no campo dos direitos fundamentais da pessoa humana, insere-se nessa linha participativa na função jurisdicional do Estado. Trata-se, portanto, do exercício direto da democracia pelo cidadão no campo judiciário não na perspectiva do autor, para o qual a Constituição Federal reserva a ação popular (art. 5º, LXXIII), mas na proeminente posição de órgão julgador (VIVEIROS, 2003, p.82).

Mesmo que se tratando apenas em matéria de fato, respeitando os princípios estabelecidos no Direito Constitucional e Direito Processual, o princípio da soberania dos veredictos é ainda um auge da democracia, elencado na Constituição Federal em seu art. 5º, XXXVIII, c:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

(...)

c) a soberania dos veredictos (BRASIL, 1988).

O Júri, consagrado como garantia constitucional, é um órgão judicial fundamental para o direito à liberdade do cidadão, e foi para garantir o direito de liberdade que o Júri acabou mantido pela Constituição vigente (MARQUES, 1997, p.100).

A fim de destacar o cidadão no atual Estado, o instituto discutido permaneceu por uma questão de democracia, uma legitimação social.

Diante do exposto, o Júri e o princípio da soberania dos veredictos após a Constituição Federal de 1988, são considerados instituições de extrema importância na manutenção do sistema democrático de direito, uma vez que além de constituir

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garantia fundamental, se faz necessário à democracia, onde a sociedade externa seu posicionamento em relação a ato juridicamente reprovável contra a vida humana.

3 O RECURSO DA DECISÃO NO TRIBUNAL DO JÚRI NÃO INTERVÉM NA EFICACIA DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS

Recurso é um retorno ao estágio inicial do processo, anterior à prolação da decisão, propiciando à parte uma nova oportunidade no julgamento de sua pretensão (CAPEZ, 2010, p.723).

O recurso da decisão no Tribunal do Júri denomina-se apelação, usado contra decisões definitivas, que julgam extinto o processo, apreciando ou não o mérito, devolvendo ao tribunal amplo conhecimento da matéria.

O art. 593, III, do Código de Processo Penal, dispõe sobre as hipóteses em que cabe o recurso de apelação no Tribunal do Júri:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...)

III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;

b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;

c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos

(BRASIL, 1941).

Na primeira hipótese, quando a nulidade é absoluta, esta deve ser reconhecida pelo juiz antes mesmo da instalação da sessão plenária, garantindo-se a formação do devido processo legal e evitando-se a realização do julgamento, que, no futuro, não subsistirá em virtude de vício existente. Não o fazendo, permite que a parte alegue, na apelação, esse motivo (NUCCI, 2008, p. 888). E, no que tange a soberania dos veredictos, no presente caso, não há o que se falar, sendo que não ocorrera julgamento no Tribunal do Júri.

No segundo caso, temos a hipótese quando a sentença for contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, trata-se de um erro do juiz togado, que pode – deve – ser corrigido diretamente pelo tribunal. Assim, se o juiz não se manifestar

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livremente, a parte prejudicada poderá interpor recurso de apelação. Ressalta-se que, equívocos na aplicação da pena são passíveis de reforma, sem necessidade de se proceder a novo julgamento, sendo intangível o princípio da soberania dos veredictos.

Já na terceira hipótese, trata-se, exclusivamente, sobre a atuação do juiz presidente, não implicando em ofensa à soberania do veredicto popular.

A exclusão ou a inclusão de qualificadoras, privilégios, causas de aumento ou de diminuição da pena não podem ser alterada pelo tribunal, uma vez que fazem parte da tipicidade derivada, integrante do crime doloso contra a vida, cuja competência para julgar pertence, com exclusividade, ao Tribunal do Júri (NUCCI, 2008, p. 888).

Quanto ao quarto caso, é o que busca questionar diretamente o mérito do veredicto dos jurados, desde que visivelmente contrário à prova dos autos. Neste caso, por vezes, o tribunal termina invadindo o âmbito exclusivo da apreciação do Tribunal Popular, reformando decisão que está em consonância com a prova, mas não com a orientação da corte togada, tratando-se de grave erro, que atenta contra o preceito constitucional da soberania dos veredictos.

Na realidade, ao que parece, o aludido dispositivo deve ser interpretado como regra excepcionalíssima, cabível somente quando não houver, ao senso comum, material probatório suficiente para sustentar a decisão dos jurados (OLIVEIRA, 2011, p. 872). Pois, pelo fato da inexistência do dever da motivação dos jurados, não nos parece descabida a possibilidade de anulação do júri nessas circunstâncias.

Destaca-se que só cabe apelação com base nesse fundamento uma única vez, não importando qual das partes tenha apelado, é uma vez para qualquer das duas partes, nesse sentido, Oliveira diz que:

Se o motivo da anulação foi exatamente a contrariedade manifesta entre o conjunto probatório e a decisão dos jurados, o novo julgamento não poderia ser novamente impugnado pelo mesmo motivo ou fundamento. E é claro que a aludida proibição é extensiva a ambas as partes, independentemente de quem tenha sido o autor no primeiro recurso (OLIVEIRA, 2011, p. 873).

Entende-se que no recurso de apelação, ainda que proferido decisão de realização de um novo julgamento, não afrontaria o princípio constitucional da soberania dos veredictos, conforme preceitua Nucci:

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Por outro lado, a simples existência do recurso de apelação voltando ao questionamento da decisão dos jurados não constitui, por si só, ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos; ao contrário, harmonizam-se os princípios, consagrando-se na hipóteconsagrando-se o duplo grau de jurisdição. Além do mais, a Constituição menciona haver soberania dos veredictos, não querendo dizer que existia um só. A isso, devemos acrescentar que os jurados, como seres humanos que são, podem errar e nada impede que o tribunal reveja a decisão, impondo a necessidade de se fazer um novo julgamento. Esta, sim torna-se soberana, porque essa hipótese de apelação só pode ser utilizada pela defesa uma única vez, conforme art. 593, § 3º do Código de Processo Penal (NUCCI, 2008, p. 889).

Observou-se então que, nos casos de apelação no Tribunal do Júri, o único que está ligado diretamente ao princípio da soberania dos veredictos é o quarto caso, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, pois o tribunal de segunda instância não está autorizado a reformar a sentença do juiz-presidente. Ou seja, não pode modificar o seu conteúdo, sob pena de violar a competência natural do júri e a garantia de que seus julgamentos sejam soberanos.

4 PROTESTO POR NOVO JÚRI – REVOGADO

Ao elaborar o presente trabalho, não podemos deixar de analisar ainda, o revogado recurso – protesto por novo júri – que foi retirado do sistema processual penal brasileiro pela Lei n.º 11.689/2008.

Tratava-se de um recurso especial contra decisões tomadas pelo Tribunal do Júri, que terminam por acarretar ao réu sanção elevada, consistente em vinte anos ou mais de reclusão, permitindo, uma nova oportunidade de julgamento, anulando-se o anterior (NUCCI, 2008, p. 905).

Sua origem histórica estava ligada às penas de morte e de prisão perpétua no antigo império, era uma forma de clemência, para que o acusado tivesse a possibilidade de ser julgado novamente, no entanto, no Brasil sua aplicabilidade perdeu a legitimidade de sua tradição.

Tratava-se de recurso que podia ser utilizado apenas uma vez. Assim, condenando o réu a 20 anos ou mais e protestado por novo júri, condenado à pena igual ou superior a 20 anos, não lhe era permitido utilizar-se novamente do protesto (AVENA, 2009, p. 1064).

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O protesto por novo júri era exclusivo da defesa, consistindo no simples pedido de novo julgamento pelo tribunal do júri, em casos em que a pena aplicada por um crime isolado era igual ou superior a vinte anos. Assim, a manutenção deste protesto era criticada pela doutrina, uma vez que, não era necessário uma maior fundamentação para ser acatado e que não impedia que a defesa preferisse interpor a apelação.

O protesto por novo júri era uma exceção ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais. Na verdade, ao réu condenado a vinte anos de reclusão – pena esta alusiva a um único crime julgado pelo tribunal popular – era assegurado escolher entre a apelação e o protesto por novo júri, sendo mais vantajoso, contudo, este último, porquanto ele era provido de imediato pelo próprio juiz-presidente do tribunal do júri, enquanto, a apelação se sujeita ao processamento e ao julgamento pelo órgão jurisdicional ad quem (TÁVORA, 2010, p. 878).

Diante disto, é notável que, para a existência do protesto, não se levava em consideração uma possibilidade de erro do órgão colegiado que proferiu o veredicto, mas única e tão somente a quantum da pena, que devia ser igual ou superior a vinte anos.

5 CRÍTICAS A SOBERANIA DOS VEREDICTOS NO TRIBUNAL DO JÚRI POR AURY LOPES JR.

O respeitado professor Aury Lopes Jr. posiciona-se de maneira diversa da proposta apresentada neste artigo. No entanto há relevância quanto às críticas apresentadas, uma delas é que o princípio discutido não teria sido recepcionado pela Constituição Federal, o que de pronto não se pode concordar, pois a recepção foi totalmente expressa no art. 5, inciso XXXVIII, alínea c, intitulando o princípio como garantia fundamental, ou seja, como direito não tendente a reforma, inclusive, por emenda constitucional, tornando-se cláusula pétrea.

O eminente ainda se posiciona contrário quanto a garantia proposta no Júri:

Se não se pode desconsiderar a soberania constitucional do Júri, de um lado, não se pode, por outro, fechar os olhos para essa realidade. Mais grave ainda é não se dar conta de que o júri não é bem uma “garantia” do cidadão, senão uma imposição, pois o réu não pode escolher se quer ou não ser julgado por ele. (LOPES Jr. Direito Processual Penal. Saraiva: 2012, p. 1013).

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Assim como o juiz, os jurados também possuem discernimento para identificar um ato criminoso. O juiz é apenas diferente por conhecer a lei, mas qualquer cidadão é capaz de compreender se a conduta é lícita ou ilícita, sendo que há figura do juiz apenas para valorar a pena a ser aplicada pelo ato reprovável.

Critica ainda a desvalorização dos jurados, os quais são escolhidos a dedo entre servidores públicos, aposentados, donas de casa, estudantes, ou seja, aqueles cuja ocupação lhe permite perder um dia inteiro em um julgamento. Tal ponto é coerente, esta alegação merece atenção.

Sobre a existência do Tribunal do Júri, Aury Lopes menciona ainda a escassez de doutrinadores que se posicionam sobre a necessidade de existência daquele, e que os defensores da Tribuna a defendem apenas por ser uma instituição necessária à democracia, o que de fato é evidente:

O Tribunal do Júri é um dos temas em que a doutrina nacional desfruta de um longo repouso dogmático, pois há anos ninguém (ousa) questiona(r) mais sua necessidade e legitimidade. Um dos primeiros argumentos invocados pelos defensores do júri é o de que se trata de uma instituição “democrática”, mas com certeza o fato de sete jurados, aleatoriamente escolhidos, participarem de um julgamento é uma leitura bastante reducionista do que seja democracia. (LOPES Jr., 2012, p. 1048/1049).

Não se pode falar apenas em democracia em termos de conceito, pois a “sociedade” através dos jurados é atuante no julgamento, analisando o conjunto probatório da causa, votando contra ato que feriu “o bem comum social”.

Outrossim, o professor sente-se ousado em questionar a existência do instituto, alegando que na própria pronúncia do réu ao Júri Popular há decisão pelo juiz togado, ou seja, há julgamento, sendo desnecessário um julgamento pelo povo.

O estudioso ainda relata que o princípio da soberania dos veredictos não consegue alcançar o objeto, visto que são “homens comuns” que analisam os fatos, entretanto, logo retrata-se não desprezando o discernimento daqueles:

Como já afirmamos anteriormente, por maior que seja o esforço discursivo em torno da “soberania do júri”, tal princípio não consegue dar conta dessa missão. Quando refutamos a necessidade desse tipo de participação do “homem simples”, não o fazemos por arrogância científica ou desprezo do saber decorrente da experiência (como certamente argumentarão os defensores do júri), senão que deixamos o populismo de lado para definir as diferentes dimensões da participação do homem na distribuição da justiça (LOPES Jr., 2012, p. 1054/1055).

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Como já relatado, a participação popular é coerente no exercer do cidadão, nada mais justo que o posicionamento da “sociedade” quanto aos crimes dolosos contra a vida, que ofendem o bem jurídico penalmente e constitucionalmente relevante, e somente com um julgamento que conta com a participação de “homens comuns” pode-se ter noção do quanto a voz da população tem força na repreensão de ato criminoso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo traçou a evolução do Princípio da Soberania dos Veredictos após a Constituição Federal de 1988 e seus aspectos positivos no exercício da cidadania, destacando-o como instituição necessária à democracia, dada a devida importância da sociedade no Tribunal do Júri que decide de forma direita, representando os cidadãos que compõe o sistema democrático de direito.

Há extrema relevância social no presente, que põe em evidencia o cidadão como protagonista no exercício livre nas decisões de crimes contra a vida.

Destaca-se que não são crimes de menor potencial ofensivo, ou até mesmo aqueles que infringem direitos patrimoniais ou morais, estamos nos referindo a delitos praticados contra o bem primordial de qualquer ser humano: a vida, o bem mais protegido. Assim, há, mais do que qualquer direito, relevância no tema, pois o princípio discutido remete-se ao posicionamento que boa parte da sociedade tomaria no julgamento de um crime doloroso, onde a intenção de matar, o animus necandi, aflora a pele.

Salienta-se ainda que, a população brasileira, os cidadãos de modo geral, ainda não pararam para refletir o poder emanado do princípio da Soberania dos Veredictos, onde muitos tem como conceito de democracia, por exemplo, o ato de votar em um candidato para assumir um mandato eletivo, sendo que democracia ultrapassa barreiras, e uma delas, é o efetivo exercício da cidadania quando da votação em uma Tribuna.

O júri é um órgão da cidadania quando no exercício do princípio da soberania dos veredictos à luz da Constituição Federal, retirando a venda dos olhos da sociedade brasileira sobre o conceito limitado do exercer democracia.

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Desta feita, podemos afirmar que o estudo alcançou seus objetivos quando destacou o Princípio da Soberania dos Veredictos, no júri popular, após a Constituição Federal de 1988, ressaltando seus aspectos positivos no exercício da cidadania e sua importância no sistema democrático de direito, valorando o cidadão como representante da sociedade na Tribuna, posicionando-se de forma certa e justa sobre condutas que causam repulsa e desaprovação contra crime praticados contra o bem juridicamente mais protegido.

Ademais, compartilho o pensamento de Immanuel Kant em seu discurso “imperativo categórico”, que nos remete a uma reflexão sobre as consequências de nossas ações/condutas, e concluirá este artigo que trata do repúdio aos atos praticados contra um bem tão precioso, a vida: “Age de maneira tal que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência da autêntica vida humana sobre a Terra”.

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