IGOT ‐ Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
A
NÁLISE MORFOMÉTRICA DAS REDES DE POLÍGONOS EM
PERMAFROST
‐
A
DVENTDALEN
,
S
VALBARD
José Miguel Martins Alpendre Cardoso
Dissertação
Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Modelação Territorial
Aplicados ao Ordenamento
2014
IGOT ‐ Instituto de Geografia e Ordenamento do Território
A
NÁLISE MORFOMÉTRICA DAS REDES DE POLÍGONOS EM
PERMAFROST
‐
A
DVENTDALEN
,
S
VALBARD
José Miguel Martins Alpendre Cardoso
Dissertação
Mestrado em Sistemas de Informação Geográfica e Modelação Territorial
Aplicados ao Ordenamento
Orientadores:
Professor Doutor Gonçalo Brito Guapo Teles Vieira
Doutor Pedro Miguel Berardo Duarte Pina
2014
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Aos meus orientadores:
Ao Professor Doutor Gonçalo Vieira, pelo incentivo e confiança depositada em mim. E pelo enorme contributo na realização da tese, do princípio ao fim. Ao Doutor Pedro Pina, pelo apoio, disponibilidade, pelos conhecimentos transmitidos e por ter acreditado sempre em mim. Aos meus colegas do AntECC, pela companhia e convivência, e por todo o apoio demonstrado. À Maura, pela contribuição com dados de base ao trabalho e pela companhia na campanha de campo em Svalbard.
À Professora Doutora Hanne Hvidtfeldt Christiansen da UNIS ‐ The University Centre in Svalbard, pelo apoio prestado na campanha de campo em Svalbard. O apoio logístico da UNIS, como instituição acolhedora, foi fundamental para a realização das campanhas de campo. A todos os amigos e família, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho, pela amizade e incentivo. Um obrigado especial à amiga Rita pela ajuda preciosa! Aos meus pais e à minha irmã que sempre me apoiaram e se orgulham de mim. À Sara por ter estado sempre ao meu lado. Por ter‐me dado forças para levantar a cabeça nas horas difíceis quando pensava que já não as tinha. Por tudo o que partilhámos e deixámos de fazer, para que este trabalho fosse realidade. Este trabalho teve o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projecto ANAPOLIS ‐ Análise de terrenos poligonais em Marte com base em análogos terrestres (PTDC/CTE‐SPA/099041/2008). A campanha de campo em Adventdalen foi possível graças à bolsa de estudos Arctic Field Grant, financiada pelo Svalbard Science Forum (SSF).
Resumo
O permafrost dá origem a formas de relevo complexas e únicas, sendo os polígonos de cunha de gelo o acidente geográfico mais amplo, mais visível e mais característico das planícies com permafrost. Os polígonos são formados pela abertura de fracturas verticais por contracção térmica, permitindo a infiltração de água de fusão e a sua posterior recongelação no interior das fendas. Este fenómeno, que se repete em ciclos sazonais de congelamento/descongelamento ao longo dos anos, levando ao incremento de cunhas de gelo no interior das fracturas e ao desenvolvimento de redes de polígonos. A morfologia dos polígonos de cunha de gelo é controlada, por vários factores ambientais, que determinam as suas dimensões, forma e orientação, bem como pelo tempo desde o qual estes factores estão activos.
Este estudo foi realizado nas redes poligonais do vale Adventdalen em Svalbard. Parâmetros morfométricos das redes foram calculados para mais de 10.000 polígonos identificados através de detecção remota em imagens de alta resolução (quatro bandas RGB + NIR com 0,2 m / pixel). Paralelamente, várias destas áreas de polígonos foram estudadas in situ em 2010, 2011 e 2012. Os parâmetros morfométricos e topológicos das redes foram caracterizados e foram utilizadas análises estatísticas multivariadas (análise factorial, classificação hierárquica e análise discriminante) para os classificar e identificar sua relação com factores ambientais locais. Com base na similaridade morfométrica (dimensão, forma e topologia) foram identificados seis grandes grupos de polígonos. A sua distribuição espacial em Adventdalen, no que respeita à morfometria geral, indica uma diferenciação de Oeste para Este. Os grupos localizados na parte ocidental do vale têm uma maior assimetria no tamanho do polígono, enquanto mais a Este foi encontrada uma distribuição mais uniforme da área média do polígono, bem como maiores dimensões globais dos polígonos.
A diferenciação espacial identificada sugere um controlo espacial na morfometria dos polígonos, provavelmente influenciado por variáveis geoecológicas, que podem afectar o crescimento e a forma dos polígonos. Os resultados da análise discriminante mostram que os factores geoecológicos (e.g. geologia, geomorfologia, declividade, índice de umidade, distância ao rio/mar) contribuem para classificar com sucesso mais de 80% dos polígonos dentro dos seis principais grupos morfométricos.
Palavras‐chave: Permafrost; polígonos de cunha de gelo; redes poligonais; parâmetros morfométricos; Adventdalen; Svalbard.
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Abstract
Permafrost gives rise to a number of unique and complex landforms, being ice‐wedge polygons the most widespread, most visible, and most characteristic landform of lowland permafrost terrain. The polygons are formed by the opening of vertical fractures by thermal contraction, allowing the infiltration of melted water and its subsequent refreezing inside the cracks. This phenomenon, which is repeated in seasonal cycles of freeze‐thaw over the years, leads to increasing ice‐wedges within the fractures and the development of polygons networks. The morphology of the ice‐wedge polygons is controlled by various environmental factors which determine dimensions, shape, and orientation of polygons, as well as by the time those factors have been active.This study was conducted on the polygonal networks of Adventdalen in Svalbard. Morphometrical parameters of the polygonal network were calculated for over 10,000 polygons identified using very‐high spatial resolution remote sensing imagery (four‐bands RGB+NIR with 0.2 m/pixel). Several polygon areas were studied in the field in 2010, 2011 and 2012. Multivariate statistics (factor analysis, hierarchical classification and discriminant analysis) were used to describe the polygon's morphometric parameters, and to determine their relationship to local environmental controlling factors. Based on the morphometric similarity (dimension, shape and topology) 6 major groups of polygons were identified. Their spatial distribution in Adventdalen highlights a general morphometric zoning from west to east. The groups located in the western part of the valley show a greater asymmetry in polygon size, while in eastern areas a more uniform distribution of the mean polygon area and larger overall polygon sizes were found.
The spatial zoning that was identified suggests a spatial control on polygon morphometry, probably controlled by geoecological variables, which may affect the growth and shape of polygons. The results from discriminant analysis show that geoecological factors (e.g. geology, geomorphology, slope, wetness index, distance to river/sea) contribute to successfully classifying more than 80% of the polygons within the 6 major morphometric groups.
Key words: Permafrost; ice‐wedge polygons; polygonal networks; morphometric parameters; Adventdalen; Svalbard.
Índice
Agradecimentos ... i Resumo ... ii Abstract ... iii Índice ... iv 1. Contexto e objectivos ... 1 2. Introdução ... 1 2.1. O ambiente periglaciário e as redes poligonais ... 1 2.1.1. Permafrost e camada activa ... 3 2.1.2. Polígonos de cunhas de gelo e formação ... 6 2.1.3. Morfologia dos polígonos... 7 2.1.4. Desenvolvimento de uma rede poligonal ... 9 3. Quadro Físico de Adventdalen ... 11 3.1. Enquadramento geográfico ... 11 3.2. Enquadramento climático ... 13 3.3. Enquadramento geológico ... 13 4. Técnicas e Métodos ... 16 4.1. Introdução ... 16 4.2. Constituição de uma base de dados SIG para Adventdalen (Geodatabase) ... 16 4.2.1. Mapas temáticos de base ... 16 4.2.2. Ortorectificação das fotografias aéreas ... 21 4.2.3. O Modelo Digital de Terreno e modelos derivados ... 23 4.2.4. Definição das redes de polígonos ... 31 4.2.5. Geodatabase ... 35 5. Resultados e discussão ... 40 5.1. Introdução ... 40 5.1.1. Caracterização morfométrica dos polígonos ... 40 5.1.2. Variáveis geoecológicas ... 43 5.2. Caracterização das redes poligonais ... 44 5.2.1. Análise morfométrica das redes ... 44 5.2.2. Análise geoecológica da diferenciação espacial morfométrica ... 50 5.3. Classificação e caracterização dos grupos morfométricos de redes de polígonos ... 53v 5.3.1. Classificação morfométrica das redes de polígonos ... 53 5.3.2. Caracterização dos grupos morfométricos de redes de polígonos ... 58 5.4. Variáveis geoecológicas e a variabilidade morfométrica no fundo de Adventdalen .. 67 5.4.1. Relação dos grupos morfométricos com as variáveis geoecológicas ... 67 6. Conclusões ... 75 7. Referências bibliográficas ... 78
1. Contexto e objectivos
O presente trabalho está inserido no âmbito do projecto ANAPOLIS ‐ Análise de Terrenos Poligonais em Marte com base em análogos terrestres (PTDC/CTE‐SPA/099041/2008) que pretende contribuir para uma melhor caracterização dos terrenos poligonais de Marte através da análise detalhada de análogos terrestres. Esta analogia é utilizada para minorar limitações tecnológicas e científicas tendo em consideração que a informação disponível sobre as redes poligonais de Marte resulta quase exclusivamente de produtos de detecção remota. Os polígonos de cunha de gelo são complexas formas de relevo que têm sido objecto dos mais variados estudos por serem excelentes indicadores da presença actual e passada de gelo no solo através da preservação da informação climática nas cunhas de gelo como formas de relevo relíquia no registo geológico (Levy et al. 2010). A sua interpretação, tanto na Terra como em Marte, baseia‐se na investigação conjunta de áreas como a geomorfologia, física, monitorização ambiental, reconstrução paleoclimática e geoquímica.
Este trabalho pretende analisar se os factores geo‐ecológicos de âmbito local contribuem para as variações na geometria dos terrenos poligonais no vale Adventdalen em Svalbard.
Os principais objectivos do trabalho são:
1) Obter informação relativa à geometria dos polígonos, bem como compilar numa geodatabase toda a informação geográfica relativa às variáveis geo‐ecológicas;
2) Caracterizar a variabilidade morfométrica das redes poligonais;
3) Caracterizar o enquadramento geo‐ecológico da distribuição espacial das redes poligonais;
4) Determinar a influência dos factores ambientais, e quais as variáveis geo‐ecológicas mais relevantes, na predição da variabilidade morfométrica dos polígonos de Adventdalen.
Este estudo é um importante contributo para a compreensão da influência que os factores ambientais poderão ter no desenvolvimento dos polígonos de cunha de gelo a nível local.
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2. Introdução
O permafrost, comummente entendido como um solo permanentemente gelado, constitui um importante elemento da criosfera global (Harris et al. 2009) (Ballantyne & Harris 1994). Uma vez que é cientificamente definido como um solo que termicamente permanece abaixo de 0°C por pelo menos dois anos (Permafrost Subcommission, NRC Canadá 1988 in Harris et al. 2009), e por ter em amplas áreas do Ártico, um elevado teor em carbono orgânico, é particularmente relevante para o estudo das alterações climáticas pela sensibilidade que apresenta às mesmas (Haeberli &Hohmann 2008 in Harris et al. 2009). Os polígonos de cunha de gelo representam a forma de relevo mas característica das planícies com permaforst (French 2007), sendo estes o foco principal desta dissertação.
O presente capítulo apresenta uma introdução ao ambiente periglaciário, nomeadamente no que diz respeito: (1) ao permafrost e camada activa; (2) aos polígonos de cunha de gelo e sua formação; (3) à morfologia dos polígonos e (4) ao desenvolvimento de redes poligonais. Por fim é apresentado o contexto em que se insere esta dissertação e os objectivos correspondentes.
2.1. O ambiente periglaciário e as redes poligonais
Cerca de 77% da água doce da Terra encontra‐se congelada, estando a maior parte desse gelo concentrado na Gronelândia e Antártida (Christopherson 2005). A esta porção da hidrosfera e água subterrânea que se encontra permanente congelada, dá‐se a designação de criosfera, que se encontra actualmente a sofrer significativas alterações (Christopherson 2005). De acordo com o mesmo autor, uma área de permafrost que não se encontre coberta por glaciares é considerada periglaciária. Já segundo French (2007), existem dois critérios fundamentais para diagnosticar ambientes periglaciários: o congelamento e a fusão do solo; e a presença de permafrost. As áreas periglaciárias com permafrost ocupam cerca de 24% da superfície terrestre do hemisfério Norte (French 2007), sendo que as mais extensas encontram‐se no norte da Eurásia e na América do Norte (Figura 2‐1).
Figura 2‐1 Distribuição da criosfera na Terra (H. Ahlenius, UNEP/GRID‐Arendal, 2007).
Considerando a não uniformidade do clima periglaciário, French (2007) propõe cinco grandes categorias de clima periglaciário, tendo por base os critérios de insolação, temperatura e altitude. As referidas categorias são as seguintes: Climas do alto Árctico, Climas continentais, Climas alpinos, Planalto Qinghai‐Xizang (Tibet) e Climas de baixa amplitude térmica anual. French (2007) propõe ainda a adição de uma sexta categoria, que permita contemplar o frio intenso, a falta de vento e aridez das áreas livres de gelo do continente Antárctico.
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A geomorfologia periglaciária tem sido considerada como uma subdisciplina da geomorfologia relacionada com as formas de relevo e os processos das regiões frias não‐ glaciárias do mundo (Thorn & French 2006). Pode‐se considerar como foco da geomorfologia periglaciária o estudo dos processos de congelamento, bem como do gelo no solo e formas relacionadas, apresentando como fim último a criação de modelos de evolução da paisagem de climas frios (Thorn & French 2006). Estes modelos incorporam pressupostos relacionados com os processos envolvidos, velocidade de funcionamento e as taxas de erosão associadas, o transporte e deposição, e a forma como a morfologia se altera ao longo do tempo (Thorn & French 2006).
2.1.1. Permafrost e camada activa
A distribuição do permafrost é controlada por diversos factores específicos localmente que incluem a condutividade térmica e difusão dos materiais da Terra, vegetação, cobertura de neve e topografia, sendo o factor mais importante à escala local e regional o clima (French 2007).
O permaforst é geralmente classificado relativamente à sua extensão, podendo ser: contínuo (90‐100%); descontínuo (50‐90%), esporádico (10‐50%) ou isolado (0‐10%). Por áreas de permafrost contínuo entende‐se a região de frio mais severo e perene que, aproximadamente, afecta todas as superfícies com excepção de algumas zonas descongeladas, normalmente associadas a lagos ou rios. O permafrost descontínuo caracteriza‐se por manchas não conectadas de permafrost. O permafrost esporádico ou isolado consiste geralmente na presença muito restrita de permafrost ou ocorrendo em ilhas isoladas, muitas vezes ocorrendo sob sedimentos orgânicos turfosos (French 2007). A Figura 2‐2 apresenta a distribuição do permafrost no hemisfério Norte.
Figura 2‐2 Distribuição do permafrost no hemisfério Norte (Brown et al. 1998).
As características do permafrost encontram‐se representadas na Figura 1‐3. Uma das principais é a existência de uma camada activa, correspondente ao sector do solo que congela e funde sazonalmente e que se encontra acima do solo permanentemente gelado (French 2007). Temperaturas atmosféricas mais elevadas induzem o aquecimento do permafrost, reduzindo a sua espessura e aumentando a espessura da camada activa. Por outro lado, nas regiões com temperaturas mais baixas, o permafrost é mais espesso. A camada activa é um sistema dinâmico e aberto, influenciado por perdas e ganhos de energia no ambiente
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subsuperficial, e como tal, na generalidade o permafrost encontra‐se em desequilíbrio com as condições ambientais e ajusta‐se activamente em relação às alterações climáticas (Christopherson 2005). No permafrost importa ainda compreender as noções de topo do permafrost, taliks e camada activa. Figura 2‐3 Relação entre permafrost, a camada ativa e taliks (Ferrians et al., 1969, cortesia do United States Geological Survey in French 2007). O limite superior do permafrost é designado por topo do permafrost, sendo o setor do solo localizado acima deste, conhecido por camada activa (French 2007). Em certas áreas onde o permafrost é herdado de condições climáticas passadas, pode existir uma zona descongelada entre a base da camada que congela sazonalmente e o topo do permafrost, designada talik (French 2007). Este é, aliás, o termo usado para designar também zonas descongeladas dentro e abaixo do permafrost.
Os polígonos são estruturas formadas devido à ocorrência de processos de contracção térmica do permafrost abrindo fendas verticais que podem ser preenchidas por sedimentos (sand‐wedges), ou por água líquida resultante da fusão do gelo e que posteriormente congela (ice‐wedges), ou ambos os materiais (Ulrich 2011). Os polígonos formam‐se em ambientes de permafrost contínuo e são o tipo mais comum de polígonos de contracção térmica nas regiões árcticas mais húmidas (French 2007), caso de Svalbard, região foco deste trabalho.
2.1.2. Polígonos de cunhas de gelo e formação
De acordo com Härtel (2011) o terreno periglaciário terrestre é muitas vezes caracterizado por redes mais ou menos regulares de padrões de fracturas com forma poligonal. De acordo com a mesma autora, evidências demonstram que os referidos polígonos são construídos pela interligação de fracturas causadas por tensões térmicas em solo perenemente congelado, fornecendo evidências da ocorrência de permafrost nos casos em que estas fendas são preenchidas com gelo.
O fenómeno associado com a fracturação é expresso no tamanho de polígonos, largura da abertura da fractura e profundidade de penetração, na natureza dos sedimentos que preenchem a fractura e na inter‐relação entre o tempo da formação da fractura com o tempo de acumulação de sedimentos (Ulrich et al. 2011).
As fracturas propagam‐se lateralmente podendo formar outras células poligonais delimitadas por outras fracturas, células estas que podem variar entre alguns decímetros de diâmetro e alguns metros, sendo que raramente ultrapassam os dez metros (French 2007). O tamanho vertical de cada fractura individual encontra‐se fortemente dependente do regime climático e da entrada no seu interior de água, gelo ou areia, bem como de uma série de outros factores que vão determinar a forma de cada polígono individual (Härtel 2011).
A formação de fracturas encontra‐se relacionada com a rápida redução da temperatura do solo que consequentemente pode levar à sua contracção térmica provocando a formação de fissuras e fendas. O fenómeno acontece quando a água dentro das fracturas ao atingir a sua maior densidade a +4ºC começa a expandir‐se assim que o gelo é formado, mas contrai a temperaturas abaixo de 0°C (French 2007). O coeficiente de expansão linear das cunhas de gelo, dependente da temperatura, diminui rapidamente até 4 ºC, valor no qual a água atinge o máximo de densidade. A continuação da redução da temperatura causa um rápido aumento do coeficiente de expansão linear, isto é, o volume do material aumenta. Quando o gelo é formado a 0°C ,o coeficiente diminui novamente e o gelo começa a contrair à medida que a densidade aumenta (Härtel 2011).
É hoje relativamente claro que a fracturação ocorre geralmente durante o final do Inverno e que não está necessariamente relacionada com a redução extrema da temperatura mas sim a condições favoráveis definidas através da redução da temperatura a taxas de graus por dia (Fortier & Allard 2004) e a presença de um revestimento isolante de neve para manter grandes tensões. Contudo, pode e ocorre também sem a presença do revestimento de neve, se as taxas de arrefecimento forem suficientemente elevadas (A.L. Washburn 1979). Ainda de acordo com Härtel (2011), 90% das flutuações de temperatura no permafrost ocorrem nos 10‐20 m mais superficiais, e abaixo disso, as temperaturas são geralmente
7 estáveis (Lachenbruch 1966 in Härtel 2011). Consequentemente, a formação de fendas ocorre no topo do permafrost, ou na base da camada activa, o que explica porque se podem repetir fendas e a sua reativação (Härtel 2011). Após a formação das fissuras e fracturas a subsequente reactivação das fendas pode provocar o crescimento lateral e vertical se material for transportado para o seu interior impossibilitando o seu fecho (Härtel 2011). Comumente, este preenchimento das fendas resulta da água descongelada sazonalmente a partir da parte superior da camada activa, que preenche a fenda e congela, formando um veio de gelo, que pode em seguida ser reaberto nos anos subsequentes e novamente preenchido. Este processo, após repetição ao longo de vários anos de reabertura, preenchimento e congelamento produz as formas denominadas cunhas de gelo (Figura 2‐4). Figura 2‐4 Processo de fracturação e subsequente formação de cunhas de gelo estratificadas através da repetição de ciclos de congelamento e fusão (adaptado de Lachenbruch 1962). 2.1.3. Morfologia dos polígonos
Mackay (2000) propôs um sistema de classificação de polígonos em termos de morfologia e sequência de desenvolvimento (Figura 2‐5). O sistema de classificação morfológica aplica‐se a áreas planas e mostra em perfil as fases progressivas de evolução desde um polígono incipiente, até ao que se denomina de intermédio. Após a fase de crescimento é representada a morfologia de aluimento denominada como Fase de Thermokarst. A sequência de desenvolvimento mostra a subdivisão para um polígono primário, geralmente em áreas planas e homogéneas, até à divisão terciária.
Figura 2‐5 Sistema de classificação para polígonos que ocorrem em áreas planas; as cunhas são ilustradas em perfil, a formação normalmente progride de um polígono incipiente para um intermédio; a fase de thermokarst (zonas com depressões, ou aluimento de solo associado à fusão) está dividida em polígonos High‐centred e walled, (adaptado de Mackay 2000 in Lousada 2012). Também Mackay (2000) apresenta uma representação do desenvolvimento de cunhas de gelo epigenética, singenética e anti‐singenética no permafrost terrestre (Figura 2‐6). As cunhas epigenéticas crescem em zonas estáveis onde a sedimentação e a erosão são baixas, ou seja, as cunhas crescem mais em largura e menos em altura. As cunhas singenéticas crescem para cima em áreas onde há degradação do permafrost por sedimentação ou alterações climáticas evidentes. As cunhas anti‐singenéticas crescem para baixo, em locais de erosão e remoção de material.
Figura 2‐6 Desenvolvimento de cunhas (a) epigenética, (b) singenética (c) anti‐singenética (Mackay 1990 adaptado de Härtel 2011).
9 2.1.4. Desenvolvimento de uma rede poligonal As cunhas de contracção térmica formam redes poligonais, ou tetragonais que cobrem áreas extensivas do Árctico e sub‐Árctico (French 2007). As dimensões médias dos polígonos formados em sedimentos não consolidados podem variar entre os 15 e 40m (French 2007). Em rocha, os polígonos ou redes são menos desenvolvidos, mas onde ocorrem, têm geralmente um diâmetro de 5‐15m (French 2007).
Relativamente ao desenvolvimento de redes poligonais French (2007) apresenta também uma classificação de tipologias de acordo com a orientação dos polígonos e o tipo de intersecção das cunhas, isto é, o valor do seu ângulo interno Figura 2‐7. Segundo o mesmo autor, as pesquisas de Lachenbruch (1962, 1966) revelam que as redes devem exibir tendência para formar ligações ortogonais ao longo do tempo. Isto significa que uma rede inicialmente com mais ligações hexagonais tenderá a transformar‐ se numa rede com mais ligações ortogonais. As redes orientadas com o declive do terreno surgem normalmente perto de corpos de água (French, 2007). Figura 2‐7 Tipologias de redes poligonais em terrenos de permafrost (adaptado de French 2007).
Uma implicação da rede hexagonal, e de intersecções angulares de 120°, é que as fendas se desenvolvem numa série de pontos e que cada fenda se desenvolve mais ou menos simultaneamente (French 2007), inferindo uma sequência evolutiva na qual as fendas primárias são seguidas por fissuras secundárias que progressivamente dividem uma área, demonstrando neste caso uma tendência para um padrão de intersecção ortogonal (French 2007). Lachenbruch (1966) classificou a rede poligonal resultante como “sistema ortogonal‐ aleatório” em contraste com um “sistema ortogonal‐orientado”, este comummente observado na proximidade de grandes corpos de água (French 2007).
Como apontado por French (2007), o tamanho do padrão poligonal está condicionado pela severidade do clima, sugerindo que gradientes de temperatura elevados causam redes
poligonais menores. Em adição, o autor reconhece ainda que a variabilidade espacial na cobertura de neve e vegetação influencia a dinâmica da fracturação.
French (2007) apresenta como hipótese que os padrões hexagonais se desenvolvem provavelmente melhor sobre material homogéneo sujeito a longos períodos de condições climáticas frias ininterruptas e uniformes, enquanto que os padrões ortogonais são imaturos e desenvolvem‐se sobre materiais heterogéneos que experimentaram alterações nas condições climáticas.
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3. Quadro Físico de Adventdalen
3.1. Enquadramento geográfico
Adventdalen é um vale, com cerca de 2250 km2, localizado na parte central da ilha de Spitsbergen, pertencente ao Arquipélago de Svalbard, situado no Ártico (entre 74° e 81° N, e 10° a 35° E) (Figura 3‐1). A região é montanhosa, com uma altitude máxima a rondar os 1700m, é moderadamente glaciada e com uma sequência rochosa exposta com cerca de 3400 m de espessura (Major & Nagy 1972). Na ilha de Spitsbergen a topografia é dominada por montanhas separadas por grandes vales que podem estar interligados. Os maiores vales são Sassendalen, Reindalen, Colesdalen e Adventdalen. Figura 3‐1 Enquadramento geográfico da área de estudo: localização do Arquipélago de Svalbard e localização do vale de Adventdalen (rectângulo vermelho)
Figura 3‐2 Área de estudo ‐ Mapa topográfico do vale de Adventdalen, sendo visível a rede de drenagem do rio Adventelva.
Adventdalen é um grande vale, de fundo plano e largo (Figura 3‐2). Está rodeado de vertentes com declives acentuados onde ocorrem diversos processos que modelam a paisagem. O rio Adventelva apresenta típicos canais entrançados, desenvolvendo‐se ao longo de uma planície fluvioglaciária particularmente activa na primavera e no início do verão. No fim desta última estação, o transporte de sedimentos é muito limitado devido à diminuição do escoamento. No ano seguinte, com o início da fusão, os canais mudam de posição reiniciando‐ se a erosão e transporte (Piepjohn K. et al. 2012). É no vale de Adventdalen que se desenvolve a cidade portuária de Longyearbyen, e onde se localiza a UNIS‐University Centre at Svalbard. Figura 3‐3 Longyearbyen e ao fundo o vale de Adventdalen evidenciando o seu fundo plano e as vertentes côncavas.
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3.2. Enquadramento climático
O clima em Svalbard é considerado ártico, em que a temperatura média anual do ar varia entre cerca de –6 °C ao nível do mar até –15 °C nas altas montanhas (Hauber & Reiss 2011). Este tipo de clima apenas ocorre em latitudes polares e é caracterizado por dias muito curtos, com fortes variações sazonais, grandes variações da temperatura média mensal, mas poucas oscilações ao longo do dia (French 2007). Na região de Adventdalen, os meses mais frio (Fevereiro) e mais quente (Julho) têm temperaturas médias de 6,2 ° C e ‐15,2 ° C, respectivamente, sendo a temperatura média anual do ar para 1975‐2000 de ‐5,8 °C (Christiansen 2005). Adventdalen, e em geral a parte central de Spitsbergen, considera‐se como tendo uma variante de clima polar (semi) árido. É uma das regiões mais secas de Svalbard, com uma precipitação anual de apenas cerca de 180 a 190 mm, predominantemente sob a forma de neve (Christiansen 2005). O clima é, portanto, relativamente seco e associado à baixa altitude, apenas 18% da superfície na região da cidade de Longyerbyen é coberta por glaciares, o que é um valor relativamente baixo quando comparado com o resto de Svalbard, onde os glaciares cobrem cerca de 60% da superfície (Sørbel et al.,2000). Nos Invernos de Adventdalen, são comuns fortes ventos de sudeste, resultando numa redução da camada de neve por deflação (Christiansen 2005).
O arquipélago de Svalbard está situado numa zona de permafrost contínuo (Brown et
al. 1998), em que a sua espessura varia entre 100 m nos vales maiores até 450 m nas
montanhas (Ulrich 2011). Em Svalbard estima‐se que o permafrost se tenha iniciado a formar no Holocénico superior nos vales e nas zonas costeiras (Humlum et al. 2003). A temperatura do permafrost em Svalbard varia entre ‐2,3 e ‐5,6 ° C (Christiansen et al. 2010), e a espessura da camada activa varia de alguns decímetros e 1,5 m, dependendo da vegetação, da cobertura de neve e das condições de superfície (Sørbel et al. 2001).
3.3. Enquadramento geológico
O vale de Adventdalen é um vale largo que foi deglaciado há cerca de 10 Ka. A geologia é caracterizada por arenitos do Jurássico e do Cretácico, siltitos e xistos. A maioria dos relevos limítrofes ao vale pertence às formações de Helvetiafjellet e Carolinefjellet (Dallmann et al. 2001). No fundo do vale existem depósitos de granulometria fina, provavelmente derivados pela deflação e deposição local de sedimentos fluviais, que vieram cobrir os terraços fluviais, tendo sido interpretados como Loess por Bryant (1982) e Oliva et al. (2014). A cobertura vegetal irregular, típica tundra ártica, é dominada por musgos, herbáceas e arbustos rasos enas áreas mais secas e expostas, que são afetados pela acção do vento, a vegetação é muito escassa (Ulrich et al. 2011).
A área tem registos que variam entre o Pérmico e o Eocénico, e as rochas apresentam‐ se com idades gradualmente mais recentes para sul (Dallmann et al. 2001). Os depósitos do Pérmico consistem sobretudo, em rochas marinhas carbonatadas, depositadas em ambientes costeiros. Do Triássico ao Cretácico, os sedimentos são dominados por argilas e siltitos marinhos, reflectindo assim várias sequências do desenvolvimento da bacia sob condições maioritariamente estáveis em termos da plataforma (Dallmann et al. 2001). A região situa‐se na margem norte de uma importante bacia do Terciário (CTB ‐ Central Tertiary Basin), no promontório de uma falha inversa que atravessa Spitsbergen e que terá surgido no Eocénico (Dallmann et al. 2001).
O período Quaternário está representado em Adventdalen por depósitos não consolidados, de origem glaciária, fluvioglaciária e crioclástica (Major & Nagy 1972).
O fundo do vale de Adventdalen é caracterizado pela presença de pingos e de polígonos de cunha de gelo. Os polígonos de cunha de gelo variam de 10 a 80m de diâmetro, com fracturas de 1 a 6m de largura (Sørbel et al. 2001). As cunhas de gelo podem atingir 30 a 500 cm de largura e penetrar 1 a 2 m no interior do permafrost (Sørbel & Tolgensbakk 2002).
As várias redes poligonais com fendas de contracção térmica acompanham mais ou menos a distribuição da rede de drenagem. As redes surgem predominantemente em zonas relativamente planas, mas algumas encontram‐se em vertentes e elevações até 500m (Sørbel & Tolgensbakk 2002). A sua distribuição surge em posições mais elevadas à medida que se penetra no vale para montante. Matsuoka (1999) e Christiansen (2005) encontraram evidências de que a contracção térmica de algumas redes poligonais continua ainda a ocorrer presentemente.
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Figura 3‐4 Polígonos de cunha de gelo numa das redes poligonais da área de estudo, no vale de Adventdalen.
4. Técnicas e Métodos
4.1. Introdução
O presente capítulo tem como objectivo descrever os principais métodos e técnicas realizadas na integração de dados das variáveis numa geodatabase a utilizar no presente trabalho, constituído pelos seguintes itens: (1) mapas temáticos de base (2) ortorrectificação das fotografias aéreas (3) modelo digital de terreno e modelos derivados (4) definição das redes de polígonos (5) geodatabase
4.2. Constituição de uma base de dados SIG para Adventdalen
(Geodatabase)
Para o presente trabalho procedeu‐se à integração dos mapas de base em ambiente SIG, e foram utilizados, em formato raster, a fotografia aérea e os mapas temáticos representativos da geologia e geomorfologia de Adventdalen.
4.2.1. Mapas temáticos de base
O desenvolvimento do estudo científico da Terra na avaliação e compreensão dos recursos naturais (geologia, geomorfologia, pedologia, ecologia, etc.) incitou a necessidade de mapear estes elementos, originando os mapas temáticos. São mapas com um objectivo específico dado que representam um único tema de informação (Burrough 1986).
Os mapas temáticos em formato raster representam uma estrutura de dados de fácil manuseamento em ambiente SIG, de superfície bidimensional sobre a qual os dados geográficos são representados não de forma contínua, mas sim de forma quantitativa, que pode ter uma influência relevante na estimativa de comprimentos e de áreas quando o tamanho das células da grelha é maior em relação aos elementos a ser representados (Burrough 1986).
A integração dos mapas temáticos neste trabalho permitiu a interpretação espacial e integração das unidades qualitativas em ambiente SIG. Através de análises espaciais a informação relativa aos mapas foi integrada numa tabela de dados das variáveis preditivas, permitindo realizar análises estatísticas.
No âmbito deste trabalho foram digitalizados o mapa geológico ‐ folha C9G (Major et
al. 2001) (Figura 4‐1) e o mapa geomorfológico ‐ folha C9Q (Tolgensbakk et al. 2001) (Figura 4‐2) de Svalbard à escala 1:100 000 produzidos pelo Instituto Polar Norueguês (IPN). A digitalização
17 foi efectuada em scanner para grandes formatos e com uma resolução de 600 dpi, usando‐se o formato tiff. Figura 4‐1 Mapa geológico de Svalbard ‐ folha C9G ‐ Adventdalen. Instituto Polar Norueguês (IPN), elaborado à escala 1:100 000.
Figura 4‐2 Mapa geomorfológico de Svalbard ‐ folha C9Q ‐ Adventdalen. Instituto Polar Norueguês (IPN), elaborado à escala 1:100 000.
Para utilizar estes mapas como fonte de informação e juntamente com outros dados espaciais foi necessário proceder a um processo de georreferenciação, que consistiu em ajustar os mapas para o sistema de coordenadas utilizado no projecto WGS 1984 UTM Zone 33N. Para este processo foi usado o sofware ArcGIS 10 através de uma ferramenta que consiste na obtenção de valores x e y para um ponto específico, designado ponto de controlo. Estes são locais que oferecem uma feição física perfeitamente identificável, tanto no mapa a georreferenciar como na informação base, como intersecções de estradas, edifícios, pista de aeroporto, entre outros, cuja identificação permitiu alinhar e ajustar no espaço bidimensional os mapas geológico e geomorfológico. A georreferenciação dos mapas temáticos teve como referência o mosaico construído para obter o maior ajustamento possível entre todos os arquivos raster e criar também uma maior relação nos formatos vectoriais a produzir. Digitalização das unidades geológicas e geomorfológicas A obtenção das variáveis geologia e geomorfologia implicou a vectorização manual das respectivas unidades no software ArcGIS com base nos mapas previamente digitalizados, cobrindo toda a distribuição espacial dos polígonos (Figura 4‐3 e Figura 4‐5).
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Como resultado da vectorização para Adventdalen estão representadas 8 unidades geológicas estão representadas as idades geológicas para cada unidade) e 11 unidades geomorfológicas.
A vectorização desta cartografia temática tem sempre algum erro cartográfico associado, uma vez que a informação raster original está à escala de 1:100 000 e a informação é processada para uma escala muito maior. Isto significa que a imprecisão associada à menor escala de trabalho da informação original provoca erros na informação processada a maior escala.
Figura 4‐3 Unidades geológicas de Adventdalen. Vectorização elaborada a partir do mapa geológico de Svalbard, do Instituto Polar Norueguês (IPN), elaborado à escala 1:100 000.
Figura 4‐4 Tabela litoestratigráfica de Svalbard, cortada para o Período geológico de interesse (adaptado de (Dallmann et al. 2001)
21 Figura 4‐5 Unidades geomorfológicas de Adventdalen. Vectorização elaborada a partir do mapa geomorfológico de Svalbard, do Instituto Polar Norueguês (IPN), elaborado à escala 1:100 000.
Os mapas geológico e geomorfológico foram utilizados como variáveis ambientais neste trabalho com o pressuposto que o substrato e, consequentemente, o tipo de sedimentos exercem influência na dinâmica geomorfológica e na formação dos polígonos de tundra, influenciando também a retenção de água, e apresentando diferentes propriedades termofísicas que originam diferentes comportamentos no processo de congelação (A.L. Washburn 1979).
4.2.2. Ortorectificação das fotografias aéreas
A fotografia aérea constitui o objecto de base na detecção remota, e é utilizada desde sempre para estudos de fotointerpretação geológica e geomorfológica (Vergara 1971) com a finalidade de identificar e classificar objectos, contribuindo para a interpretação da sua génese. O processo de interpretação implica a realização de tarefas como detecção, reconhecimento e identificação, análise, classificação e determinação da exactidão (Vergara 1971, Fonseca & Fernandes 2004).
A utilização de uma fotografia aérea de elevada resolução possibilita a realização da delimitação geométrica dos polígonos com grande pormenor e qualidade. Para o objectivo deste trabalho, a identificação da geometria dos polígonos ao longo de Adventdalen contou
como informação base com um total de 53 imagens aéreas, em formato bruto, adquiridas ao Instituto Polar Norueguês (IPN), referentes a uma campanha fotogramétrica realizada em Julho de 2009. Cobrindo cerca de 20km de extensão do vale, as imagens têm uma resolução de 0,2 metros por pixel e 4 bandas espectrais, três no visível (RGB) e a quarta no infravermelho próximo.
Dado que as imagens estavam em formato bruto, e apresentam uma sobreposição entre 40% e 60%, foi necessário realizar um processamento prévio de ortorrectificação para as posicionar correctamente em termos geográficos, constituindo um mosaico contínuo ao longo do vale (Figura 4‐6). Ortorrectificação Muitos factores contribuem para a qualidade geométrica de uma imagem de detecção remota. A introdução de distorções geométricas durante a captura da imagem é inevitável e contribui para os erros de posicionamento geográfico. A geometria de aquisição de imagem, o relevo da área da imagem, a fidelidade do sensor óptico e a estabilidade posicional do sensor desempenham um papel na quantidade e tipo de erros que são introduzidos (EXELIS 2013). A ortorrectificação é um processo que remove as distorções geométricas e produz uma imagem com uma geometria planimétrica, tal como um mapa. O processo consiste também em atribuir às imagens ortorrectificadas um sistema de coordenadas terrestre e a escala da imagem é constante ao longo de toda a imagem. As imagens ortorrectificadas deverão estar também livres de qualquer tipo de artefactos, tal como, objectos inclinados ou elementos lineares enviesados devido ao deslocamento do relevo. Estas propriedades fazem de uma ortofotografia um mapa preciso e uma ferramenta adequada para aplicações que necessitam de informações sobre a posição exata de uma área específica e uma medição precisa de elementos.
A ortorrectificação foi realizada no âmbito da dissertação de mestrado “Análise Geométrica e Topológica de Redes Poligonais de Contracção Térmica em Adventdalen, Svalbard, Noruega” (Lousada 2012). Foi usado um conjunto de informação auxiliar de referência, nomeadamente os parâmetros internos da câmara relacionados com a calibração: a distância focal, as coordenadas do ponto principal e as características do sistema de lentes da câmara; juntamente com os parâmetros de orientação exterior das imagens, que indicam a posição e orientação da câmara no voo para cada imagem, através das coordenadas centrais de projecção do centro da imagem (x0, y0, z0) e os ângulos de rotação fotogramétricos omega,
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correctas a cada uma das imagens juntamente com o Modelo Digital de Terreno (MDT) ASTER GLOBAL DEM, com 30m de resolução por pixel, da área de estudo como fonte de informação sobre o relevo, utilizado para que as deformações causadas por este sejam corrigidas.
A ortorrectificação realizada das 53 fotografias aéreas e após a criação do mosaico
(Figura 4‐6), por meio do software ENVI, produziu um erro resultante variável de imagem para
imagem e visível especialmente nas áreas de sobreposição, correspondentes aos cantos, onde o erro pode variar entre 1 e 2 metros. Este erro é menorizado na região central das imagens, visto que foram utilizadas as coordenadas centrais de cada imagem nos parâmetros de orientação exterior. Figura 4‐6 Mosaico das fotografias aéreas de Adventdalen ortorrectificadas. 4.2.3. O Modelo Digital de Terreno e modelos derivados Grande parte da informação utilizada para estudos no âmbito das ciências naturais é susceptível a ser georreferenciada e consequentemente objecto de análise em ambiente SIG, facultando um melhor e exaustivo reconhecimento da superfície terrestre. Com esta premissa, foram utilizadas variáveis extraídas através de métodos computacionais a partir do MDT, como também dos mapas temáticos digitais. De referir que o MDT descrito neste ponto é diferente ao utilizado no processo ortorrectificação (ver capítulo 4.2.2), dado que foi adquirido
posteriormente ao IPN um MDT com resolução espacial de 20m por pixel e precisão estimada de 5m. Este novo MDT permitiu derivar variáveis com um melhor detalhe e resolução, importante para obter uma análise estatística mais minuciosa.
Características do Modelo Digital de Terreno
O MDT é a peça chave da análise geomorfométrica e cada vez mais utilizado para análise visual da topografia, paisagem e formas de relevo, para a modelação de processos à superfície, bem como fonte de informação para elaboração de variáveis preditivas (Hjort 2006).
O MDT do IPN foi fornecido em formato raster, ou seja como produto final, e sendo este formato o mais adequado para a representação espacial da elevação do terreno e análise espacial, não foi necessário realizar tarefas de preparação e de tratamento (Figura 4‐7).
De acordo com Wilson & Gallant (2000) o MDT utilizado, com uma resolução espacial de 20m, corresponde a uma topo‐escala de pormenor, de grande importância na solução de problemas ambientais com aplicabilidade nas áreas de modelação espacial hidrológica, das propriedades do solo, correcções topográficas a dados de detecção remota e na extracção de aspectos topográficos da radiação solar. Em ambientes periglaciários a altitude permite inferir factores ambientais como a variação da temperatura, a neve, energia potencial gravítica, intensidade da radiação, intensidade do vento, nebulosidade, vegetação ou distribuição de humidade (Etzelmüller & Sulebak 2000, Hjort 2006).
25 Figura 4‐7 Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m, para Adventdalen. Modelo de Declives
O modelo de declives de Adventdalen foi gerado através das ferramentas do Spatial Analyst do ArcGIS 10 (Figura 4‐8), e utilizada, no presente trabalho como variável ambiental.
O declive é um dos atributos topográficos mais frequentemente usado nos mais diversos estudos, nomeadamente em estudos geomorfológicos e periglaciários (Hjort 2006). Esta informação constitui uma forma de caracterização do terreno que permite relacionar com a dinâmica do escoamento superficial, por influenciar a distribuição da neve e consequentemente a espessura da camada activa (Florinsky 1998).
Figura 4‐8 Modelo de declives para Adventdalen. Elaborado a partir do Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m. Modelo de exposições O relevo e a respectiva orientação das vertentes influenciam a quantidade de radiação solar recebida na superfície e portanto a temperatura, a direcção do escoamento da água superficial, bem como a forma e quantidade da acumulação da neve, o que faz com que numa região de permafrost contínuo a camada activa seja normalmente mais fina (isolamento da neve) nas vertentes viradas a Norte (French 2007, Florinsky 1998).
O modelo de exposições foi, igualmente, gerado através das ferramentas do Spatial Analyst do software ArcGIS 10 (Figura 4‐9).
27 Figura 4‐9 Modelo de exposições das vertentes de Adventdalen. Elaborado a partir do Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m.
A classificação das exposições é determinada em unidades de graus, e para este trabalho, foi atribuído uma reclassificação de acordo com a direcção ordinal da inclinação da superfície, respeitando o esquema de classificação padrão (Tabela 4‐1): Tabela 4‐1 Correspondência da classificação das exposições (em graus) e a direcção ordinal de inclinação da superfície. Intervalo da exposição cardial (°) Direcção da exposição cardial ‐1 Plano [0 ‐ 22,5[ Norte [22,5 ‐ 45[ Nordeste [45 ‐ 135[ Este [135 ‐ 180[ Sudeste [180 ‐ 225[ Sul [225 ‐ 270[ Sudoeste [270 ‐ 315[ Oeste [315 ‐ 337,5[ Noroeste [337,5 ‐ 360[ Norte
Modelo de curvatura do terreno
O modelo de curvatura do terreno é uma ferramenta utilizada para descrever as características físicas da topografia, para compreender os processos de erosão e de acumulação de água. Este modelo foi portanto utilizado para determinar as superfícies convexas, côncavas ou planas, tendo em mente o conceito de que as superfícies côncavas representam áreas de acumulação, tanto de sedimentos, como de água e de neve, influenciado a espessura do solo e a distribuição da humidade e da própria neve (Hjort 2006, Etzelmüller & Sulebak 2000)
O modelo foi calculado através das ferramentas do Spatial Analyst do software ArcGIS 10 a partir do MDT (Figura 4‐10). Seguidamente através da ferramenta Raster Calculator do
mesmo software, o modelo foi reclassificado em três classes de acordo com a classificação descrita por Wilson & Gallant(2000): ‐ Valores positivos: superfície convexa ‐ Valores próximos de 0: superfície rectilínea ‐ Valores negativos: superfície côncava Figura 4‐10 Modelo de curvatura do terreno para Adventdalen. Elaborado a partir do Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m.
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Modelo de teor de humidade no solo ‐ Wetness Index (SWI)
Foi também calculado o mapa do teor de humidade no solo do SAGA (SWI) (Böhner et
al. 2002) através do módulo Terrain Analysis do programa SAGA GIS (Figura 4‐11). Este índice descreve a tendência de acumulação de água através da identificação do padrão de escoamento a partir de cada uma das células e respectiva área de contribuição a montante da célula. É utilizado para quantificar o controlo topográfico nos processos hidrológicos e indicar a distribuição espacial da humidade e saturação do solo (Sørensen et al. 2006). A análise deste índice pode também dar indicações acerca da possível profundidade do nível freático, da distribuição do ar frio durante episódios com inversão térmica e da distribuição espacial da matéria orgânica (Wilson & Gallant 2000). Quanto maiores os valores observados, maior é a presença de água no solo, bem como o teor de humidade. Figura 4‐11 Modelo de teor de humidade no solo para Adventdalen. Elaborado a partir do Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m. Modelo da heterogeneidade do terreno ‐ Terrain Ruggedness Index (TRI) O TRI é um índice que permite a medição objectiva da heterogeneidade do terreno através do cálculo da diferença média da elevação entre o pixel central e os oito pixels circundantes. Este índice reflecte o potencial do relevo para a acumulação da neve, a concentração de matéria orgânica (Florinsky 1998) e ainda a variação da radiação solar recebida, que varia com a rugosidade do terreno (Etzelmüller & Sulebak 2000). Quanto menor
for o valor de TRI, menor é a rugosidade e mais regular é o terreno (Riley et al. 1999) (Figura 4‐12). Por fim referir que o TRI foi calculado através do módulo Terrain Analysis do software SAGA GIS. Figura 4‐12 Modelo do índice de heterogeneidade do terreno para Adventdalen. Elaborado a partir do Modelo Digital de Terreno do Instituto Polar Norueguês, com resolução espacial de 20m. Distância às linhas de água e à linha de costa A maior ou menor proximidade a corpos de água com elevada disponibilidade hídrica, como lagos e rios, condiciona a temperatura e tipo de substrato, tendo influência no desenvolvimento e espessura do permafrost (Migoń 2010). Como tal, torna‐se importante identificar os principais locais com elevada disponibilidade de água no estado líquido em Adventdalen, nomeadamente o rio Adventelva e respectivos afluentes, e proceder à respectiva vectorização.
Já a distância à linha de costa é utilizada como indicador de continentalidade, com reflexos nas temperaturas do ar e precipitação, mesmo numa distância de poucos quilómetros, influenciando as propriedades do permafrost (Campbell & Claridge 2009).
Para a vectorização do rio Adventelva e afluentes foi utilizado um processo automático através das ferramentas do Spatial Analyst do ArcGIS 10 e aprimorado por interpretação visual do mapa topográfico à escala 1:100.000 e respectiva digitalização manual (Figura 4‐13). Para a vectorização por interpretação visual da linha de costa, foi utilizado o mesmo mapa. Com estes
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limites digitalizados, procedeu‐se à medição da distância mais curta, em linha recta, entre estes e centróide de cada polígono, através da ferramenta Join Data do ArcGIS 10. Figura 4‐13 Linhas de água e linha de costa mais próxima do vale de Adventdalen e representação da distância do centróides dos polígonos à linha de costa. Os elementos Linha de água e Linha de costa foram vectorizados através do mapa topográfico à escala 1:100.000. 4.2.4. Definição das redes de polígonos
Usando como referência base os ortofotomapas, foi efectuada manualmente a digitalização vectorial dos polígonos (Lousada 2012) através do programa ArcGIS 10, identificando ao longo de Adventdalen mais de 10.000 polígonos (Figura 4‐14). No mesmo trabalho, Lousada (2012) evidencia que a vectorização de cada polígono só foi realizada quando era evidente a expressão das cunhas de gelo à superfície e não confundido com outro tipo de lineamentos, e só foram considerados os polígonos que estavam nitidamente fechados (todas as suas arestas visíveis na íntegra). As 4 bandas dos ortos permitiram uma utilização tanto em cor verdadeira como em falsa cor, facilitando uma melhor identificação das cunhas dos polígonos.
Figura 4‐14 Modelo digital de terreno de Adventdalen. A) Limites dos vários grupos de polígonos digitalizados e redes poligonais B) Pormenor dos polígonos digitalizados (ortofotomapa como fundo).
O mapeamento dos polígonos demonstrou ser uma tarefa árdua e morosa, devido à distribuição espacial dos campos poligonais ao longo dos cerca de 20km do vale. A primeira dificuldade foi localizar os polígonos durante o varrimento visual dos ortofotomapas, entre as escalas 1:7 500 e 1:10 000. Estas escalas de análise foram definidas pois permitiam um bom equilíbrio entre o tempo despendido e uma boa resolução espacial. Outra dificuldade, apesar da boa qualidade dos ortofotos e das 4 bandas espectrais, foi identificar a expressão das cunhas de gelo à superfície, que nem sempre era evidente, tornando difícil a interpretação da geometria dos polígonos. Dado que os maiores erros posicionais estão localizados nas orlas das imagens ortorrectificadas e que cada uma destas tem uma sobreposição entre 40 a 60%, a digitalização dos polígonos foi direccionada para a zona central de forma a reduzir o erro espacial.
A validação da delimitação dos polígonos através das ferramentas SIG foi efectuada através de reconhecimento de campo. Foi escolhida uma rede para ser utilizada como referência, sobre a qual foi realizado intensivo trabalho de campo em 2010 e 2011 e depois estendido a outras redes em 2012. O trabalho de campo realizado foi importante para perceber que a utilização das imagens IPN para cartografar todas as redes poligonais de
A)
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Adventdalen é válida e que embora apresente desvantagens, estas são compensadas pela facilidade de uso e fidelidade do mapeamento (Lousada 2012).
A Figura 4‐15 ilustra a campanha de campo de 2012 no vale de Adventdalen, na qual tive
oportunidade de participar. Figura 4‐15 Fotografias da campanha de campo de 2012 no vale de Adventdalen A análise em ambiente SIG da distribuição dos polígonos permitiu identificar áreas com redes poligonais bastante extensas e com grande número de polígonos, concentradas especialmente no fundo do vale, bem como redes menores dispersas, principalmente em sectores de vertente (Figura 4‐14). Nestes sectores de vertente, mais erodidos e
consequentemente mais irregulares, a delimitação dos seus contornos é mais dificultada. Com base nesta organização, e tendo por objectivo estudar o conjunto de polígonos que formam as redes poligonais, aqueles foram agrupados originando 36 redes poligonais. As redes poligonais foram delineadas de acordo com a distribuição espacial e concentração dos polígonos, podendo estas incluir vários “clusters” de polígonos. Para o estudo foram apenas consideradas
as redes que possuem um número de polígonos superior a 25, e nas quais todos os polígonos apresentam vizinhos, facultando redes poligonais mais completas e estatisticamente mais significativas.
Parâmetros morfométricos para caracterização das redes poligonais
A forma como a fracturação ocorre é controlada por diversos factores ambientais e vai determinar a dimensão, a forma e topologia dos polígonos (Ulrich 2011).
Para cada um dos polígonos digitalizados de acordo com a sua geometria e relação espacial foram calculados três tipos de parâmetros morfométricos (Tabela 4‐2):
‐ Parâmetros de dimensão: Correspondem às propriedades geométricas num plano planimétrico dos polígonos
‐ Parâmetros de forma: Caracterizam o formato específico dos polígonos
‐ Parâmetros topológicos: Estes parâmetros expressam como os polígonos estão relacionados fisicamente uns com os outros dentro de uma rede poligonal. Para o cálculo dos parâmetros topológicos foi utilizado um algoritmo desenvolvido por Bandeira et al. (2008) que cria um processo automatizado para identificar dentro do campo de polígonos os vizinhos e classificar a valência dos vértices. Foram excluídos da análise morfométrica todos os polígonos com um número de vizinhos igual a zero, correspondendo a polígonos isolados ou das camadas exteriores/limítrofes das redes poligonais.
35 Tabela 4‐2 Parâmetros de dimensão, forma e topológicos integrados no estudo dos polígonos. Parâmetros Unidades ou Escala Fonte / Cálculo Dimensão
Área (A) metro² ArcGIS
Eixo Maior (E>) metro ArcGIS
Eixo Menor (E<) metro ArcGIS
Eixo Médio (Em) metro
2
Perímetro (P) metro ArcGIS
Forma Alongamento (Al) de 0 a 1 Compacidade (C) de 0 a 1 2√ Circularidade (Cc) de 0 a 1 Topologia
Vértices (Vt) numérico Algoritmo
Vizinhos (Vz) numérico Algoritmo
4.2.5. Geodatabase
A geodatabase é uma forma comum de organização de dados e uma estrutura de gestão do ArcGIS. Tem como objectivo criar um repositório central de dados permitindo organizar todo o tipo de informações geográficas em temas de dados estruturados com conteúdos e representações de camadas temáticas específicas. O armazenamento de dados numa geodatabase fomenta uma melhor organização da informação espacial e melhora as capacidades de gestão de dados. A estrutura da geodatabase reflecte esta organização definindo a forma como os elementos geográficos são representados para cada tema, agrupando os dados individuais em conjunto de dados, designados por feature classes, atributos, conjuntos de dados matriciais e relações espaciais entre conjuntos de dados. O
design da geodatabase permite visualizar cada conjunto de dados com os seus elementos
geográficos (pontos, linhas e polígonos) e correspondentes tabelas de atributos.
Para este trabalho todos os elementos descritos nas secções anteriores foram compilados e armazenados numa base de dados com a mesma referência espacial para