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A experiência de cuidar na anorexia nervosa e na bulimia nervosa

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Faculdade de Medicina de Lisboa

A EXPERIÊNCIA DE CUIDAR NA ANOREXIA NERVOSA E

NA BULIMIA NERVOSA

Cristina Lopes Paulo

Orientador: Professor Doutor Daniel Sampaio

Co-Orientador: Professor Doutor M. Gonçalves Pereira

Mestrado: Dissertação no âmbito das Doenças Metabólicas e

do Comportamento Alimentar

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II Todas as afirmações efectuadas no presente documento são da exclusiva responsabilidade do seu autor, não cabendo qualquer responsabilidade à Faculdade de Medicina de Lisboa pelos conteúdos nele apresentados

A impressão desta dissertação foi aprovada pelo Conselho Científico da

Faculdade de Medicina de Lisboa em reunião de 28 de Abril 2015.

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III

Universidade de Lisboa

Faculdade de Medicina de Lisboa

A EXPERIÊNCIA DE CUIDAR NA ANOREXIA NERVOSA E

NA BULIMIA NERVOSA

Cristina Lopes Paulo

Orientador: Professor Doutor Daniel Sampaio

Co-Orientador: Professor Doutor M. Gonçalves Pereira

Mestrado: Dissertação no âmbito das Doenças Metabólicas e

do Comportamento Alimentar

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IV Agarrando-te primeiro ao corrimão E, depois lentamente

Libertando-te das amarras da vida. Mas escuta,

Podes voltar.

Sempre que estiver a chover Ou simplesmente te apetecer Podes voltar.

Podes ficar,

A ver a chuva a cair E podes voltar a dormir No teu quarto pequenino E quando o sol brilhar Podes sair devagar

Para enfrentares o teu destino.

(5)

V No contexto das perturbações do comportamento alimentar (nomeadamente na anorexia nervosa e na bulimia nervosa), este trabalho de investigação tem como objectivo explorar as associações entre a experiência de cuidar, a condição psicológica do cuidador e a acomodação familiar à doença, tendo em conta as características das pessoas doentes e dos seus cuidadores principais, bem como do processo de doença

Neste sentido, recorreu-se a um estudo quantitativo, transversal, descritivo e exploratório de tipo correlacional. Para tal, um total de 84 cuidadores informais no Hospital de Santa Maria em Lisboa (n=51) e no Hospital de São João, no Porto (n=33) preencheram um questionário sócio-demográfico, o ECI (Inventário da Experiência de Cuidar), o GHQ-12 (Questionário de Saúde Geral-12 itens), e a AESED (Escala de Adaptação e Capacitação para as Doenças do Comportamento Alimentar). Na sua maioria, os participantes eram familiares de pessoas com anorexia nervosa (n=69).

No geral, a amostra apresentou índices consideráveis de problemas no âmbito da sáude mental e na experiência de cuidar, principalmente no que concerne aos cuidadores de pessoas com BN e às famílias monoparentais. A pontuação negativa total ECI constituiu, através do modelo de regressão linear múltipla, o melhor preditor da acomodação familiar à doença.

A família (particularmente os cuidadores) constitui parte crucial do processo de tratamento da pessoa com a doença, influenciando o seu curso, pelo que os resultados apresentados são importantes para o desenvolvimento de intervenções junto desta população.

Palavras-chave: Família, cuidadores, perturbações do comportamento alimentar, sobrecarga,

acomodação familiar

(6)

VI Within the context of eating disorders (namely anorexia nervosa and bulimia nervosa), the objective of this investigative work is to explore the association amongst the experience of caregiving, the psychological condition of the caregiver, and the family´s accommodation to the illness, taking into account the characteristics of the patients and their principal caregivers as well as the process of the illness.

In this sense, a study that was quantitative, transversal, descriptive, and exploratory was developed. Used as a base for such study, was the involvement of 84 informal caregivers, 51 of which, at the Hospital of Santa Maria in Lisbon, and 33 of which at the Hospital of São João in Porto. These caregivers proceeded to fill in a socio-demographic questionnaire, an ECI (Experience of Caregiving Invenyory), the GHQ-12 (General Health Questionnaire – 12 items), and the AESED (Accomodation and Enabling Scale for Eating Disorders). The majority of the participants in this study (69 of them) were family members of people with anorexia nervosa.

In general, the sample presented indicates a considerable amount of problems related to the mental health and the experience of the caregiver, especially concerning caregivers of people with bulimia and monoparental families. The total negative score of the ECI constitutes the best predictor of the family’s accommodation in a multiple linear regression model.

The family (particularly the caregivers) constitutes a crucial part of the treatment process of the person who is ill, influencing its course, so as such, the presented results are important for the development of interventions within this population.

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VII ACP – Análise dos Componentes Principais

AESED – Accomodation and Enabling Scale for Eating Disorders (Escala de Adaptação e Capacitação para as Doenças do Comportamento Alimentar)

AFE – Análise Factorial Exploratória AN – Anorexia Nervosa

APA – American Psychiatric Association BN – Bulimia Nervosa

DR – Diário da República

DSM V – Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais

ECI – Experience of Caregiving Inventory (Inventário da Experiência de Cuidar) EE – Emoção Expressa

Eg – exemplo

GHQ-12 – General Health Questionnaire-12 itens (Questionário de Saúde Geral-12 itens) I.e – isto é

KMO – Kasier-Meyer-Olkin of Measure Sampling NICE – National Institute for Clinical Excellence OPSS – Observatório Português dos Sistemas de Saúde PAI – Perturbações da Alimentação e da Ingestão

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VIII Agradeço a todos os que de alguma forma me tentaram ajudar no decurso deste trabalho, tanto pela cedência de bibliografia como pelo testemunho prestado, e a todos os que acederam receber-me: profissionais de saúde, familiares cuidadores e pessoas doentes.

Uma palavra de muito reconhecimento e de gratidão para com os Professores Orientadores, Professor Daniel Sampaio e Professor Gonçalves Pereira, pela disponibilidade, compreensão, paciência e pelas valiosas sugestões na orientação do trabalho.

À Associação dos Familiares e Amigos de Anoréticos e Bulímicos e, mais especificamente, à Dª Adelaide Braga, pelo precioso apoio prestado.

Ao Hospital de Santa Maria em Lisboa e Hospital de São João no Porto, agradeço a criação das condições gerais necessárias à investigação. Neste último, o meu agradecimento especial vai para a Drª Isabel Brandão, pois sem o seu apoio não teria sido possível.

Agradeço aos Hospitais de Toronto, em particular à Profª Gina Dimitropoulos, pela partilha e inspiração oferecidas.

Uma palavra de reconhecimento para a Professora Janet Treasure pela colaboração e facilitação de um dos instrumentos utilizados.

Ao Dr. Diogo Guerreiro pela facultação de alguma material importante na elaboração do trabalho.

À Drª Rosa Gallego, pela partilha e companheirismo ao longo do ano lectivo do curso. À Drª Ana Lopes pelo carinho e respeito pelas minhas ausências.

À Professora Miriam Aço pelo exemplo de vida e apoio ilimitado.

Ao Alvaro Costa, Srª Conceição e em particular à Drª Margarida Mendes, que de forma inesperada, deram contributo singular e precioso.

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IX À Catarina Santos, Bernardina Martins, Inês Blauth, Isabel Marcelino, Vera Brás, Calema, Nicolau e a todos os amigos que nas minhas ausências frequentes estiveram presentes.

Um muito especial agradecimento à Profª Cátia Martins pela contribuição valiosa e inestimável num âmbito multifacetado e prestada de forma incondicional e a qualquer hora.

À EnfªTeresa Cruz pela grande amizade e apoio dado, nomeadamente a nível informático.

Ao Enfº Chefe Jaime Ferreira e equipa de enfermagem, por me terem facilitado o caminho.

À minha família pelo amor incondicional demonstrado e encorajamento para trilhar este percurso, em especial à minha irmã e mãe e ao meu marido.

E, a todos os que contribuíram para a conclusão do trabalho, que de tão moroso foi, também foi, acima de tudo, gratificante, pelo significado assumido no meu processo existencial.

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X ÍNDICE

INTRODUÇÃO ... 14

PARTE 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO ... 19

1.CARACTERIZAÇÃO DAS PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ... 20

1.1 Definição de PCA ... 20

1.2 Classificação e Diagnóstico das PCA ... 20

1.3 Epidemiologia das PCA ... 23

1.4 Etiologia e Vulnerabilidade das PCA ... 25

1.5 Consequências e Comorbilidades das PCA ... 25

1.6.Tratamento das PCA ... 26

1.7.Evolução e Prognóstico das PCA ... 28

2.A FAMÍLIA EM CONTEXTO DE MUDANÇA ... 29

2.1 Enquadramento sóciocultural do conceito de familia ... 29

2.2 A Família e o binómio saúde/doença ... 32

2.3 A Evolução do Papel Família nas PCA ... 35

3. EXPERIÊNCIA DA RELAÇÃO DE CUIDAR... 40

3.1 A adopção do papel de cuidador ... 40

3.2. Impacto negativo da relação de cuidar ... 45

3.3. Impacto Positivo: Uma Possibilidade ... 61

4. ABORDAGENS E RECURSOS TERAPÊUTICOS ... 65

4.1. Os cuidadores não profissionais e profissionais ... 65

4.2 Abordagens com as famílias ... 68

4.3 A Realidade Portuguesa ... 73

PARTE 2: ESTUDO EMPÍRICO ... 78

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XI 1. METODOLOGIA ... 80 1.1 Método ... 81 1.1.1. Participantes ... 81 1.1.2. Procedimento ... 84 1.1.2.1. Recolha de Dados ... 84 1.1.3.Medidas ... 85

1.1.3.1 Adaptação à Língua Portuguesa ... 88

1.1.3.2 Análise Factorial da AESED ... 89

1.1.4.Tratamento Estatístico ... 90

2. RESULTADOS ... 92

2.1. Análise da AESED ... 92

2.3. Relação entre a Idade da Pessoa Doente e as Dimensões em Estudo ... 103

2.4. Relação entre as PCA ... 105

2.5. Comparação relativamente à Monoparentalidade ... 106

2.6. Comparação relativamente ao Tipo de Cuidador ... 108

2.7. Relação entre as diferentes Dimensões em Estudo ... 110

2.8. Análise dos Preditores da Acomodação Familiar à Doença ... 113

3. DISCUSSÃO ... 115

3.1. Hipóteses em Estudo ... 115

3.2 Características dos Cuidadores e Processo de AN/BN ... 122

3.3 Outros Aspectos Importantes ... 127

4. CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DO ESTUDO ... 132

5.REFERÊNCIAS ... 133

ANEXOS ... 161

A. QUESTIONÁRIO DE CONFIRMAÇÃO DO DIAGNÓSTICO PELO MÉDICO ... 162

B. DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO INFORMADO ... 164

C. QUESTIONÁRIO SOCIODEMOGRÁFICO ... 166

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XII

E. ACCOMODATION AND ENABLING SCALE FOR EATING DISORDERS ... 175

F. ESCALA DE ADAPTAÇÃO E CAPACITAÇÃO PARA AS DOENÇAS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ... 178

ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1. Caracterização sociodemográfica da amostra ... 83

Tabela 2. Caracterização do processo de diagnóstico e respectivo esclarecimento ... 84

Tabela 3. Descrição estatística dos itens da AESED ... 92

Tabela 4. Matriz Rodada com os itens da AESED, com a saturação dos itens por factores e comunalidades ... 95

Tabela 5. Médias e Desvios-padrão das subdimensões da escala AESED e comparação da consistência interna entre a escala original e a do presente estudo. ... 97

Tabela 6. Médias, Desvios-Padrões e Correlações entre os Itens das Subescalas ... 98

Tabela 7 Correlação entre as Escalas GHQ-12, ECI e AESED ... 101

Tabela 8.Médias, Desvios-Padrão e Amplitudes das escalas utilizadas ... 103

Tabela 9. Correlação entre a variável Idade da Pessoa Doente e as diferentes Dimensões do Estudo ... 104

Tabela 10. Médias e Desvios-padrão das dimensões e teste de Mann-Whitney em função do Grupo de Diagnóstico ... 106

Tabela 11. Médias e Desvios-Padrão das dimensões e teste de Mann-Whitney em função do Tipo de Agregado Familiar ... 107

Tabela 12. Médias e Desvios-Padrão das dimensões e Teste Kruskal Wallis em função do tipo de Cuidador ... 109

Tabela 13. Teste Mann-Whitney para 3 grupos independentes na dimensão Dependência ... 110

Tabela 14.Correlaçõesdas dimensões em estudo ... 112

Tabela 15. Contributo diferencial e conjunto das dimensões em estudo na explicação da Acomodação Familiar à Doença ... 113

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XIII ÍNDICE DE FIGURAS

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14

INTRODUÇÃO

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15 A família tem vindo a despertar interesse crescente numa pluralidade de áreas do conhecimento, isto é, a nível social, económico, político, jurídico, educacional e da saúde2. Observar a família, de uma forma mais específica, tendo em conta a sua dinâmica única, pautada pela circularidade entre os seus membros e entre estes e o meio envolvente, tornou-se imperativo3.

Neste campo, tem ganho especial atenção a relação de influência mútua existente entre família e o binómio saúde/doença4, particularmente no que concerne ao cuidador principal e pessoa doente.

A doença, nomeadamente a do foro mental, quando afecta uma pessoa, é fonte e resultado de uma conjuntura de factores relacionados com esta, com a família e a sociedade.5 No âmbito das doenças mentais, nesta investigação, são destacadas as Perturbações do Comportamento Alimentar (PCA), mais especificamente a Anorexia Nervosa (AN) e Bulimia Nervosa (BN). Embora não sendo actuais hoje sabe-se que são doenças graves e complexas, pelo seu padrão multifactorial de risco e que, conquanto exista dubiedade relativamente às causas, o conhecimento acerca do seu corolário é claro.6

As PCA são um problema de saúde pública, pois os riscos para a saúde são grandes, e muitos não são visíveis, ou mesmo detectáveis, apresentando níveis elevados de comorbilidade7, assim como uma das taxas de mortalidade mais elevadas no âmbito das doenças mentais 8,9 As PCA estão em terceira posição no ranking das doenças crónicas mais frequentes entre as adolescentes. 10 Para além dos aspectos já focados, estas doenças são também marcadas pela redução da capacidade funcional da pessoa e pela existência de casos não diagnosticados de pessoas que não estão sob tratamento.11 E, embora a sua prevalência seja baixa, comparativamente a outras doenças, a incidência duplicou nos últimos anos12, não existindo restrições étnicas, económicas, sociais ou de género.13

(16)

16 Ainda que abunde a informação, que é crescente, sobre as PCA, ainda são muitos os mitos e preconceitos envolventes. O estigma pode retardar o pedido de ajuda quer da parte da pessoa doente,14 quer de quem a rodeia, ou seja, a família.15 Situação que pode obstar a recuperação das pessoas com PCA, pois, é actualmente aceite, pela comunidade científica, que a família assume parte integrante de grande significância em todo o processo.16

Contudo, o percurso histórico da família e as PCA foi marcado por uma perspectiva na qual esta era considerada como “arguida”, sendo pois fundamental o seu afastamento, no caso de um dos seus elementos estar doente. 16A institucionalização era a conduta vigente. Todavia, na segunda metade do século XX,o movimento de desinstitucionalização e o movimento de saúde mental comunitária trouxeram com eles as pessoas internadas por tempo indeterminado e isoladas em asilos, para a comunidade, para junto das famílias. 5

Paulatinamente, a família tem sido palco da mudança de paradigmas, passando dum papel de cariz mais etiopatogénico para um de sobrecarga familiar (‘family burden’). Deste modo, reconhece-se, internacionalmente, que cuidar de pessoas com doença mental implica “custos quantificáveis” a diferentes níveis, nomeadamente, no que diz respeito às repercussões negativas quer a nível da saúde física e saúde mental, quer anível das relações sociais que se estabelecem.5 Esta percepção e de corporização da expressão de sobrecarga familiar foi adquirindo relevo na comunidade científica, porém, desde meados dos anos 90, tem vindo a ser abandonada, considerando os trabalhos desenvolvidos por Szmukler e colaboradores,17 que propuseram a avaliação da relação da prestação de cuidados, por conter vantagens relativamente à anterior (sobrecarga familiar), como por exemplo ao incluir os sentimentos de gratidão que daí podem resultar.

Em suma, as PCA têm grande impacto na esfera intra e inter familiar, principalmente nos cuidadores principais (i.e.,os pais), pois a maioria das pessoas que adoece com estas patologias está na fase da adolescência e ainda está muito dependente a vários níveis.18 Os pais, em

(17)

17 particular as mães, são pois, os que têm um maior envolvimento, nomeadamente a nível emocional com a pessoa doente, pelo que a doença trar-lhes-á maiores implicações,desafios e mudanças.19,20

Os resultados do processo terapêutico estão impreterivelmente associados às atitudes e comportamentos desenvolvidos no contexto familiar, e tanto podem ter um efeito positivo, como negativo. 6 Esta perspectiva, que se enquadra numa abordagem sistémica da família, explica a importância crucial da sua integração nas intervenções desenvolvidas pelos profissionais de saúde, tendo esta também necessidades e dificuldades particulares que precisam de ser abordadas. 21 As intervenções junto da família deverão ser personalizadas, tendo por base uma avaliação contínua e um processo, que habitualmente, é longo, marcado por avanços e recuos.6

A família perante um contexto de desconhecimento/incapacidade de resolução de problemas ou na presença de dificuldades mal resolvidas e de necessidades não satisfeitas poderá sentir níveis elevados de distressa, não só pela exigência do papel de cuidadores, como pelo sentimento de desamparo. 22 Nesta tentativa de aliviar o mal-estar sentido poderá desenvolver um ambiente de atitudes, comportamentos, expressões e emoções de maior carga negativa, potenciando a acomodação familiar progressiva, o que reforçará a doença.23

Neste sentido, as estratégias de suporte social, formal e informal, desenvolvidas com a família, constituem peças-chave no sucesso do processo terapêutico, passando por uma linha política, formada por estruturas de apoio eficientes e eficazes, que passa pela promoção do empowerment das famílias.24 Contudo, ainda são visíveis a dessincronia existente entre necessidades e recursos existentes, apresentando prejuízos não só para a população que precisa, como também para a comunidade e sistema de saúde.Posto isto, a família ainda é negligenciada como recurso elementar no sucesso do processo terapêutico,25 sendo crucial dar voz a silêncios

a

Distress ou psychological distress são conceitos que ao longo deste trabalho serão referenciados pelos termos mal-estar e mal-estar psicológico respectivamente

(18)

18 ensurdecedores, que repletos pelo medo resultante da ignorância, da ausência de reconhecimento do seu papel e do sentimento de falta de apoio urgem sair dos bastidores da doença e assumirem parte activa, capacitada e de reconstrução. 22

Atendendo ao atrás exposto, pretende-se com o presente trabalho ampliar o conhecimento e a percepção sobre o papel das famílias/cuidadores e a sua relação enquanto prestadores e receptores de cuidados, num plano de interacção mútua com alguém com AN e/ou BN, tendo como pano de fundo o quotidiano dos cuidados prestados nos serviços de ambulatório.

Neste sentido, organizou-se esta dissertação essencialmente em duas partes: a parte I aborda o enquadramento teórico sobre o tema e reflecte a análise de estudos referentes a esta temática que foram pertinentes na sua compreensão e definição, e a parte II faz referência à investigação desenvolvida para o efeito, onde são apresentados os métodos, os instrumentos, os resultados e a sua discussão e posteriormente as conclusões, limitações e sugestões de investigação.

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19

PARTE 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

(20)

20

1.CARACTERIZAÇÃO DAS PERTURBAÇÕES DO COMPORTAMENTO

ALIMENTAR

1.1 Definição de PCA

Fairburn e Walsh26 propuseram uma definição de PCA, como: ‘a persistent disturbance of eating behavior or behavior intended to control weight, which significantly impairs physical health or psychosocial functioning’. Neste sentido, estas doenças podem ser descritas como uma restrição continuada ou interpolada da ingestão, tendo por base ideias erróneas acerca do peso, da imagem corporal e da alimentação. Estas ideias erradas transformam-se numa preocupação mórbida, originando uma baixa auto-estima e comportamentos alimentares do tipo ritual, que ganham força gradualmente, desencadeando graves transtornos somáticos, prejudicando a saúde, e podendo mesmo colocar em risco a própria vida.27 Mas esta é apenas uma das nomenclaturas e respectiva definição, uma vez que a American Psychiatric Association 28 salienta as Perturbações da Alimentação e da Ingestão (PAI), caracterizando-as enquanto perturbação persistente na alimentação ou na ingestão que resulta na modificação do consumo ou absorção dos alimentos e que prejudica notoriamente a saúde física e o funcionamento psicossocial da pessoa.

Independentemente da sua nomeação, torna-se relevante destacar que, segundo Klump et al as PCA podem ser definidas como ‘serious forms of mental illness.’ 29(p.100)

1.2 Classificação e Diagnóstico das PCA

Atendendo à literatura científica consultada, o diagnóstico deste tipo de doenças é um desafio, considerando o facto dos sintomas e comportamentos associados ao diagnóstico coincidirem entre as PCA.30 Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações

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21 Mentais (DSM-5) 28 as PAI podem ser, segundo critérios de diagnóstico: pica, mericismo, perturbação de ingestão alimentar evitante/restritiva, AN, BN e perturbação de ingestão alimentar compulsiva. Neste sentido, para o diagnóstico da AN são necessários considerar critérios, tais como:

- Critério A – Restrição do consumo de energia relativamente às necessidades, conduzindo a um peso significativamente baixo para a idade, sexo, trajectória de desenvolvimento e saúde física.O peso significativamente baixo é definido como um peso corporal abaixo do nível normal mínimo ou, para crianças e adolescentes, abaixo do peso mínimo esperado;

- Critério B - Medo intenso de ganhar peso ou de engordar ou comportamentos persistentes que interferem com o ganho de peso, mesmo quando tem um peso significativamente baixo;

- Critério C - Perturbação na própria apreciação do peso ou forma corporal, influência indevida do peso ou da forma corporal na auto-avaliação, ou ausência de reconhecimento persistente da gravidade do baixo peso actual.

Para além dos enunciados, é importante salientar que a AN pode ser de dois subtipos: AN do tipo Restritivo, caracterizada pela ausência de episódios de ingestão alimentar compulsiva ou de comportamentos purgativos recorrentes (i.e. provocar o vómito ou o mau uso de laxantes, diuréticos ou enemas) nos últimos 3 meses. Este subtipo descreve as formas clinicas nas quais a perda de peso se consegue principalmente com dieta, jejum e/ou exercício físico excessivo. AN do tipo ingestão compulsiva/purgativa verifica-se quando o individuo recorreu, durante os últimos 3 meses, a episódios de ingestão compulsiva ou a comportamentos purgativos recorrentes (i.e. provocar o vómito, ou mau uso de laxantes, diuréticos ou enemas). Ainda no que confere aos critérios de diagnóstico é importante

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22 especificar o nível de remissão. Se se encontra em remissão parcial, ou seja, após terem estado preenchidos os critérios de diagnóstico, o Critério A já não se encontra presente durante um longo período de tempo, mas ainda está presente o Critério B ou o critério C, ou se em remissão completa. Nesta última, após terem estado preenchidos os critérios de diagnóstico para a AN, nenhum dos critérios se encontra presente durante um longo período de tempo. A gravidade actual também é importante definir, pelo que o seu nível é baseado nos adultos, através do índice de massa corporal, e para crianças e adolescentes é por meio dos percentis de índice de massa corporal, ambos variam entre gravidade ligeira a extrema, consoante as respectivas categorias definidas pela Organização Mundial de Saúde. O nível de gravidade pode ser aumentado para reflectir os sintomas clínicos, o grau de incapacidade funcional e a necessidade de supervisão.

No que concerne à BN, consideram-se como critérios para o respectivo diagnóstico os seguintes:

- Critério A - Episódios recorrentes de ingestão alimentar compulsiva, sendo cada episódio caracterizado por:

- ingestão de alimentos num período de tempo, aproximadamente até 2 horas, onde a sua quantidade é muito superior àquela que a maioria dos indivíduos comeria num período de tempo semelhante e nas mesmas condições;

- sensação de perda de controlo relativa ao acto de comer durante o episódio.

-Critério B – Comportamento compensatório desadequado recorrente para impedir o aumento de peso, tal como o vómito auto-induzido, abuso de laxantes, diuréticos, ou outra medicação, jejum, ou exercício físico intenso;

-Critério C – A ingestão compulsiva de alimentos e os comportamentos compensatórios desadequados ocorrem ambos, em média, pelo menos uma vez por semana,

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23 durante três meses consecutivos;

-Critério D - A auto-avaliação é impropriamente baseada no peso e forma corporal; -Critério E – A ocorrência da perturbação não é exclusiva aos episódios de AN.

Os critérios de diagnóstico também incluem o nível de remissão. Se se encontra em remissão parcial, ou seja, após terem estado preenchidos os critérios de diagnóstico para BN, alguns critérios, mas não a totalidade destes, encontram-se presentes durante um longo período de tempo. Por outro lado, se em remissão completa, i.e., após terem estado preenchidos os critérios de diagnóstico para BN, nenhum dos critérios se encontra presente durante um longo período de tempo.

Na BN a gravidade actual também deve ser avaliada. O nível mínimo de gravidade é baseado através da frequência dos comportamentos compensatórios inapropriados, ou seja: Ligeira, quando ocorrem uma média de 1-3 episódios por semana; Moderada, quando ocorrem uma média de 4-7 episódios por semana; Grave, quando ocorrem uma média de 8-13 episódios por semana; e Extrema, quando ocorrem uma média de 14 episódios por semana. O nível de gravidade pode ser aumentado de modo a reflectir outros sintomas e o grau de incapacidade funcional.

Acresce-se ainda o facto do medo patológico de engordar, o desejo de perder peso e o grau de insatisfação relativamente ao corpo são características comuns nas pessoas com AN e BN.28

1.3 Epidemiologia das PCA

A prevalência das PCA é baixa comparativamente a outras doenças, mas a incidência duplicou nos últimos anos,12 talvez muito em parte devido a um maior reconhecimento das doenças da população em geral e a uma maior especialização dos profissionais de saúde.31

(24)

24 Neste sentido a prevalência de AN a 12 meses na população feminina jovem é de cerca de 0,4%, o que não se verifica na população masculina (i.e. fenómeno menos conhecido), na qual se calcula um rácio aproximado de 10:1, respectivamente feminino-masculino.28

A BN, num período de 12 meses, tem uma prevalência de 1%-1.5% na população feminina jovem, sendo a percentagem na população masculina, também ela desconhecida, calculado num rácio aproximado de 10:1, respectivamente feminino:masculino. 28

A AN pode surgir em crianças a partir dos 7 anos, enquanto a BN pode surgir a partir dos 12 anos (raramente antes da puberdade), porém a maioria dos casos na AN ocorrem entre 15-18 anos, constituindo grupos de risco pessoas com determinadas actividades, como modelos, bailarinas e atletas. Os casos de BN ocorrem mais tarde e muitos deles não recebem tratamento especializado.31

A adolescência é, pois, a faixa etária privilegiada, embora a BN tenha maior incidência no fim da adolescência ou no início da idade adulta.28

No caso da população masculina a incidência da doença ocorre, geralmente, numa fase mais tardia do que na população feminina, possivelmente devido à puberdade que também se desenvolve mais tarde. 31

Em Portugal a maioria dos estudos efectuados são com estudantes do ensino secundário e universitário. O primeiro estudo epidemiológico em território nacional apresenta valores de 0,39% para a AN e 0,3% para a BN. 32b

Todavia, a maioria dos estudos epidemiológicos apresentam valores subestimados,pois estes, recorrem a populações não representativas da comunidade, como por exemplo casos registados no âmbito hospitalar.33 Condição que se assemelha à amostra da presente investigação, tendo em conta que a amostra foi colhida nas Consultas Externas de dois

b

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25 Hospitais.

1.4 Etiologia e Vulnerabilidade das PCA

O conhecimento sobre a origem das PCA ainda é precário nos dias de hoje. Se antes se afirmavam como certas algumas linhas de pensamento (causas físicas ou psíquicas), hoje o corpo científico, tendo em conta a complexidade destas doenças, defende mais uma orientação multifacetada, onde diferentes teorias explicativas e múltiplos factores contribuem para explicar o surgimento destas.34 Actualmente a comunidade científica inclina-se sobretudo para uma abordagem holística e sistémica.

Neste sentido, na etiologia e na vulnerabilidade destas doenças encontram-se factores que se podem organizar, de acordo com os autores Bryant-Waugh e Lask,35 em: predisponentes, podendo-se citar factores genéticos e hereditários 36,37 e factores sócio-culturais 27,30,38; precipitantes, onde se incluem condicionantes como a puberdade, a adolescência39 e as relações com os pares 35; e de perpetuação, como por exemplo as características e as modificações próprias da doença e as relações familiares. 35

A abordagem da etiologia e vulnerabilidade das pessoas, para virem a sofrer de uma PCA, envolve a convergência de vertentes bio-psico-sócio-culturais, que interagem de modo estruturante e transversal, não sendo, pois, resultado de uma causa única. As PCA encontram-se em plano crescente no conhecimento científico, embora o próprio encerrado em alguma fragilidade.40

1.5 Consequências e Comorbilidades das PCA

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26 incidência das PCA entre os 10 e os 19 anos, podem ocorrer comprometimentosdo desenvolvimento óptimal da pessoa. Muitas das complicações são reversíveis, mas outras podem ameaçar a vida, como as alterações hidroelectrolíticas (e.g., hipocaliémia), e outras são irreversíveis ou ter repercussões tardias na saúde, como a nível ósseo, do sistema reprodutor e a nível cerebral.30

Para além das possíveis consequências destas doenças, também podem estar presentes, simultaneamente, outras doenças. As comorbilidades podem ampliar a gravidade, o risco de cronicidade e atrasar a procura de tratamento e a renitência ao mesmo, comprometendo o sucesso do processo terapêutico.41 As comorbilidades assumem-se mais pela sua regularidade, do que como excepção nas pessoas com PCA,11 existindo resultados que revelam taxas elevadas de Perturbações do Eixo I e do Eixo II em comorbilidade com aquelas.42

.

1.6.Tratamento das PCA

Relativamente ao tratamento das PCA, baseia-se num trabalho de equipa multidisciplinar coordenado, uma vez que diferentes variáveis contribuem para o seu aparecimento e contribuem para a sua manutenção.43,44 É crucial uma avaliação global, tendo em conta os contextos individual, familiar e sócio-cultural.45 Independentemente do tipo de PCA um importante passo no tratamento é o reconhecimento pela pessoa doente de que tem um problema.30 Contudo, enquanto as pessoas com AN ignoram os riscos que a doença tem para a saúde, sendo o medo de engordar maior que o de morrer;12 no caso da BN, como é frequentemente uma ‘secretive illness’, pode-se levar anos até esta ser diagnosticada. 43 O processo terapêutico envolve a avaliação e monitorização dos sintomas e comportamentos da pessoa com PCA, da sua condição clínica, psicológica e avaliação e envolvimento familiar. 46 Este último, na generalidade dos casos, é benéfico para o sucesso do processo terapêutico,45

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27 adquirindo desde logo um papel crucial na motivação para a mudança da pessoa doente.47 Acrescenta-se ainda o facto da maioria das pessoas doentes serem menores de idade e, frequentemente, serem os pais que detectam a existência do problema e os levam aos serviços de saúde.18 O nível de envolvimento familiar ou de pessoas significativas está relacionado com a idade da pessoa doente e etapa de desenvolvimento, 48com a severidade da doença e as situações de risco.45 As famílias de crianças e adolescentes que estão doentes estão, na sua maioria, envolvidos, enquanto nos adultos com PCA, o seu envolvimento irá depender dos seus desejos e da avaliação do risco ou severidade da doença.45 Salienta-se que, embora seja importante o envolvimento da família no processo terapêutico, é preciso prudência, pois existem casos particulares, em que pode mesmo estar contra-indicado, como por exemplo na existência de psicopatologia severa dos pais. 49 De acordo com alguns autores, 50 a abordagem terapêuticade pessoas adultas com AN tem como objectivo a melhoria da qualidade de vida destas, tendo em conta que é uma condição crónica, ao contrário da perspectiva aplicada a crianças e jovens, em que se procura a cura.

Após o diagnóstico, a forma de abordagem e recursos terapêuticos são divergentes, consoante a doença em si, os recursos existentes, a dimensão individual da pessoa doente e o meio familiar e sócio-cultural.45

No que concerne ao tratamento, o recomendado é o tratamento no ambulatório,45 contudo o internamento pode constituir uma solução quando, de forma geral, as abordagens terapêuticas menos intensivas prévias não tiveram sucesso, 43 ou existem fracos recursos de apoio psicossocial30 e/ou a pessoa doente apresenta critérios que a coloquem em risco de vida.44 Contudo, otratamento é complexo, difícil, com retrocessos e longo, mas quanto mais cedo for implementado melhor o prognóstico.48

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28 resultados, é ainda escassa e insuficiente. Salienta que o sucesso dos tratamentos é influenciado por diversos factores, e como o seu processo ainda não é totalmente conhecido e inúmeras barreiras se lhes interpõem, não permitem que possam ser universalizados, nem que confiram certezas absolutas. 51,52

1.7.Evolução e Prognóstico das PCA

Relativamente à probabilidade de recuperação, esta é maior nos casos de AN quanto menor for o tempo de duração da doença, o que contrasta com os casos de BN na qual quanto maior a sua duração, maior a probabilidade de recuperação da doença.53 Numa revisão sistemática sobre os resultados das PCA foi possível concluir que os factores associados a pior prognóstico quer à AN, quer à BN são depressão e uso e abuso de substâncias,8 bem como a existência de fracassos terapêuticos anteriores. 27 Na AN estão incluídas perturbações da ansiedade e de humor, o funcionamento social, a longa duração da doença e o início da doença em idade tardia (o início da doença em idades mais jovens é um factor positivo com melhor prognóstico).8 Ainda relativamente à AN, esta pode comprometer o campo da educação e o funcionamento vocacional, que dificulta o desenvolvimento da independência de cada pessoa. 30 Na BN, para além das variáveis supra-citadas, foi também referida a variável de pior controlo dos impulsos, mas muitos factores permanecem ainda desconhecidos.8,54

Os estudos no âmbito do prognóstico destas doenças ainda são parcos e pouco esclarecedores, principalmente ao nível da BN. 30

No tocante à literatura sobre a mortalidade nas PCA, esta tem apresenta percentagens elevadas, principalmente nos casos de AN, onde assume posição de destaque em relação a outras patologias psiquiátricas. A elevada taxa de mortalidade das PCA está frequentemente associada às complicações clínicas ou ao suicídio. 29

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29 2.A FAMÍLIA EM CONTEXTO DE MUDANÇA

2.1 Enquadramento sóciocultural do conceito de familia

Falar de doença, entende-se, não só abordar a pessoa doente, mas também a sua família, pois a doença afecta não só o primeiro implicado, mas também esta última: afinal a família é a “matriz da identidade”.55

A palavra família deriva do latim, do vocábulo famulus, que significa servidor.56 A família constitui-se como núcleo basilar e de valor inestimável na sociedade, quer num contexto nacional, quer internacional. Ainda que a sua importância esteja bem descrita na comunidade em geral, a definição do seu conceito não é unívoca, tendo em conta a diversidade de contextos sócioculturais, que ao longo dos tempos e até numa mesma dimensão temporal interagiram, interagem e interagirão, sendo a estrutura e funcionamento familiares fonte e resultado dessa mesma dinâmica. 3

A realidade portuguesa tem revelado que a constituição de uma família pelo casamento tem diminuído, apesar de ainda ser prevalente, comparativamente às uniões de facto e a idade do primeiro casamento aumentou tanto para homens como para mulheres. Aumentou o número de famílias residentes, uma maior representatividade dos casais com filhos, apesar do aumento das famílias monoparentais e famílias reconstituídas.57

A desvalorização do trabalho doméstico, que, maioritariamente invisível, abrange o acto de cuidar associado à gestão do quotidiano e à componente afectiva.58 Motivado pela solidariedade e pelo afecto, sem compensação monetária, e geralmente realizado por mulheres, não pode ser reduzido a um trabalho técnico, mas um trabalho de criação e renovação das relações humanas.59

A família contemporânea é, de acordo com Durkheim, apud Santiago,58,cada vez mais privada e mais pública. Cada vez mais prolifera a individualização, a intimidade, e a

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30 afectividade; e cada vez mais a dimensão média das famílias é mais reduzida - apesar do número de famílias ter aumentado notavelmente, de forma análoga, existe um crescente apoio do Estado e de outras instituições que visam assistir a família nas suas funções, como por exemplo através das creches, Lares, entre outros.58

A mudança nas famílias trouxe mudança nas representações sobre os papéis de género, a democratização das relações, os objectivos a que se propunham e as expectativas criadas. Para além disso, trouxe também a instabilidade na manutenção das relações, a perspectiva de concepção de casamento e a parentalidade como algo que não estão necessariamente interligados, bem como que o aumento do número de divórcios concorre para que haja um crescente investimento emocional dos pais nos filhos, como procedência de felicidade.60

A acrescentar, a conjuntura actual, com o aumento das dificuldades económicas, o incremento dos custos da habitação, a redução do poder de compra, a diminuição da taxa de natalidade, a maternidade tardia, e o facto dos filhos se encontrarem dependentes financeiramente dos pais até mais tarde, o desenvolvimento da tecnologia e a globalização e o aumento da esperança média de vida, constituíram factores contributivos para alterar o curso de vida pessoal, familiar e colectiva.60

Actualmente valorizam-se os afectos na construção das relações e a realização dos projectos individuais de cada membro da família, inclusive das crianças,61 o que também contribui para as alterações nas concepções familiares.

A educação parental dos filhos, a par de outras transformações, sofreu mudanças, pois se outrora a educação decorria de uma obediência inquestionável, sendo a repressão a conduta de ordem, hoje dá lugar à persuasão. 62 Posto isto, se antes o modelo normativo definia que a vida doméstica e os cuidados familiares, nomeadamente a educação dos filhos, cabiam à mulher, enquanto o homem ficava com a responsabilidade de sustento da família, hoje a realidade é outra. A relação dos pais com os filhos é mais vertical (i.e., o pai tem um papel mais activo) do

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31 que horizontal, caracterizada pelo relevo do papel maternal. A par das alterações de estrutura, organização e valores familiares, aconteceu que a partir dos anos 70 foi aprovada juridicamente a distribuição equitativa de deveres e responsabilidades pelos dois membros do casal,63 que igualmente contribuiu para a horizontalidade da gestão familiar. Desta forma, é crucial a cooperação entre homem e mulher enquanto educadores. Nesta temática os trabalhos desenvolvidos por Diana Baumrind apud Sampaio64 foram marcantes ao identificar estilos parentais, que relaciona com aspectos da interacção familiar e da competência cognitiva.

Acrescem-se ainda as novas formas de família e de (re) composição familiar, que têm vindo a revelar outros actores sociais de importância elementar na educação das crianças e adolescentes, que vão além dos pais, como os avós, os tios, padrastos, madrastas.61 Os avós, particularmente, têm papel crucial no apoio a diferentes níveis, para além do que, certificam-se da continuidade da história da família ao longo das gerações e, nas palavras de Carl Whitaker apud Sampaio, fomentam o “nacionalismo familiar”.64(p.153) Contudo também podem ser fonte de discórdias, ao reactivar conflitos passados.65 Nas palavras de Sampaio “há sempre uma transmissão de significados que estrutura o devir”.66(p.79)

A família, como instituição universal, não encontra desta forma uma definição óbvia.3 As variadas redes familiares vão além dos laços parentais e sanguíneos, pois para o autor a família percebida é mais importante que a família definida, estando relacionada com as pessoas com quem partilhamos experiências de afecto, intimidade e confiança, ou por coabitação, proximidade geográfica, entre outros aspectos.Com uma perspectiva mais abrangente Alarcão67 descreve a família como “um espaço privilegiado para a elaboração e aprendizagem de dimensões significativas da interacção: os contactos corporais, a linguagem, a comunicação, as relações interpessoais.A família é ainda, o espaço de vivência de relações afectivas profundas: a filiação, a fraternidade, o amor, a sexualidade… numa trama de emoções e afectos positivos e negativos que, na sua elaboração, vão dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de

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32 pertencermos àquela e não a outra qualquer família. […] É também, um grupo institucionalizado, relativamente estável, e que constitui uma importante base da vida social”.

Posto isto, afamília é mais do que a soma dos seus elementos, e a perspectiva sistémica deu forte contributo, ao concebê-la como um sistema aberto, auto-regulado e com propósito,3 isto é, como “um conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior e mantendo o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento, percorrido através de estádios de evolução diversificados”68(p.9), e que integra, nessa perspectiva, o conceito de “co-evolução”, mostrando de que modo a família cuidadora vai evoluir, determinada por essa condição, num processo contínuo ao longo do ciclo da vida.1 O modelo sistémico defende o contexto familiar como sendo determinante na compreensão da relação estabelecida com a doença, da adesão ao processo terapêutico e, portanto no desenvolvimento de uma abordagem mais adequada.69

Associada a estas funções cabe à família promover a saúde, prevenir a doença e prestar cuidados permanentes a nível físico/instrumental, a nível psicossocial/afectivo perante a doença, que irá ser abordado no ponto a seguir.

2.2 A Família e o binómio saúde/doença

A família é “a unidade básica da organização social mais acessível às intervenções preventivas, terapêuticas e de promoção”,70

constituindo o primeiro e o mais importante contexto social da pessoa e sua primeira linha de defesa.71

A saúde no conceito formulado pela Organização Mundial de Saúde é “o estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou de enfermidade”.72(p.1)

Porém, a saúde e a doença não são conceitos rígidos, estanques e antagónicos, como outrora se defendia, pois segundo o paradigma salutogénico “cada pessoa, ou grupo de pessoas, move-se contínua e diariamente em diversos estádios de saúde-doença”. 73(p.36)

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33 Assim confere aos cidadãos a passagem de um papel passivo para um de responsabilização construtiva e de realização do potencial próprio, tendo em vista uma maior aproximação com o pólo saúde. 73 A “noção de saúde não se confina nem no normal, nem no bem-estar ou na oposição à doença, mas sim num sentimento de plena capacidade para se adaptar às necessidades fisiológicas, psíquicas, simbólicas e sociais”. 59(p.282) Nesta sequência, é importante referir a crescente importância dada à saúde mental, como parte integrante e indissociável do conceito geral de saúde, pois “não há saúde, sem saúde mental”. 74 A saúde mental e física estão intimamente interligadas, embora a sua associação ainda não seja totalmente conhecida, pelo que todas as acções de saúde, nomeadamente ao nível da saúde pública, devem ter isso em consideração, promovendo-se deste modo a saúde ao nível multidimensional, onde o bem-estar individual e colectivo estão cada vez mais associados à qualidade de vida.75

A doença mental, podendo determinar grande prejuízo quando perspectivada numa escala mais globalizante e integrada, assume preocupação crescente nas instâncias governamentais. 76 A abordagem da saúde, como um conceito alargado e resultado da interacção de múltiplos determinantes, entre eles os individuais, sociais, culturais e económicos, assume um papel fulcral.77

Os determinantes da saúde são os que tanto podem ter uma acção que promova a saúde, como colocá-la em risco, quer ao nível pessoal e familiar, quer ao nível comunitário.73 Os determinantes individuais estão relacionados com o património genético, a personalidade, as crenças, os valores, as atitudes, a capacidade de percepção e de compreensão da realidade, de controlo e atribuição, autoconceito, inteligência emocional, de estratégias de coping, resiliência e motivação. Os determinantes socioculturais e económicos incluem: o contexto familiar; as diferentes fontes de educação, destacando-se a educação parental; a qualidade das relações interpessoais; as condições específicas da realidade social onde as pessoas estão inseridas, como as condições da moradia e de trabalho, as hierarquias sociais e a discrepância nos rendimentos;

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34 os espaços de lazer e os meios de transporte; e as características dos sistemas de saúde, a organização de serviços e as políticas gerais.73

Na continuação do supra mencionado, a família tem grande acção protectora da saúde dos seus membros.78 Neste sentido, Weiss e colaboradores apud Pereira79 acerca da temática pessoa doente/família e saúde/doença, compilaram informação no contexto de factores protectores e de risco familiares. Entendendo-se como factores de protecção a “coesão familiar; competências de coping do cuidador; relações de suporte mútuas; organização familiar; comunicação directa acerca da doença”, e como factores de risco familiar os “conflitos; criticismo; trauma psicológico relacionado com a doença; isolamento familiar; disrupção das tarefas familiares, devido à doença; rigidez ou perfeccionismo”.79(p.68-69)

Costa80 refere uma relação directa entre a percepção da pessoa acerca do modo de funcionamento da sua família e a sua própria condição de saúde. As pessoas que avaliam a sua família como um recurso e fonte de apoio têm maior probabilidade de serem saudáveis, do que as que não a avaliam dessa forma. Mais ainda, pela outra faceta, a forma como os pais encaram o modo de organização estrutural e funcional da própria família e a tentam enquadrar num modelo de “família perfeita”, cujas origens remontam a um passado, ou às suas famílias de origem, ou mais longe ainda, onde as novas formas de família não tinham tanta visibilidade, poderá ser prejudicial. Poderão promover o desajustamento entre expectativas e metas criadas e estipuladas e a realidade familiar da qual fazem parte. 3

Deste modo, a interacção da família com o binómio saúde/doença tem sido compreendida e englobada nos cuidados de saúde mediante diferentes perspectivas, tais como: um recurso, que como fonte primária de apoio social, assume papel profiláctico e protector ao apoiar no combate à doença; um défice, que engloba a visão de padrões disfuncionais na família como causa da doença de um dos seus membros, referindo por exemplo as famílias psicossomáticas; uma influência, em que a família favorece ou não o curso da doença; finalmente a família e o seu

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35 impacto, que foca as consequências da doença na organização familiar.21

Mas é na família que se inicia a socialização, que se partilham e se constroem crenças, hábitos, atitudes, conhecimentos e comportamentos que influenciam estilos de vida, essenciais no continuum saúde-doença que, de forma incessante, se (re) constrói ao longo da vida, diariamente. São os estilos de vida que estão na base da promoção da saúde, da prevenção da doença e mesmo perante esta, na promoção da recuperação no menor tempo possível. 73

Por outro lado, existe uma consciência crescente de que os profissionais de saúde, embora ocupem uma posição primordial no que toca à promoção da saúde e prevenção da doença, não são os únicos a deter este conhecimento, pois todos os indivíduos da sociedade em geral 59 a possuem, caminhando-se assim para uma solidariedade social.24 Nesta linha, emerge também o entendimento da família como “família-providência”, 81(p.44) ao constituir principal recurso de apoio e solidariedade da pessoa doente, e também como instituição com competências próprias mais ou menos maleáveis. É uma mais-valia como forma de promover a qualidade de vida individual, familiar, comunitária, assente numa perspectiva multidimensional e dinâmica. 81 Este aspecto é relevante no que toca ao cuidar e ser cuidado na presença de alguém com AN e/ou BN, ao colocar à prova a relação única: pessoa doente-família-cuidados de saúde num contexto de doença de base ainda oculta e com parcos recursos de apoio social.

2.3 A Evolução do Papel Família nas PCA

De facto, o papel da família no contexto das PCA, nem sempre foi considerado positivo, muito pelo contrário. 82 Embora as famílias não fossem inicialmente mencionadas como culpadas e causadoras das PCA, já nas primeiras descrições de Morton em 1694 apud Hoste, Doyle e Le Grange82 considerava-se importante afastar as pessoas com AN do ambiente familiar. Nesta perspectiva Gull em 1874 apud Hoste, Doyle e Le Grange82 defendia a presença de

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36 alguém, perante as pessoas com AN, que exercesse controlo moral, considerando os familiares e amigos como os piores para o fazerem.

Em 1888, Charcot apud Hoste, Doyle e Le Grange82 segue as perspectivas anteriores que vão caracterizar mais tarde, de uma forma global, a corrente de – ‘parentectomy’-, onde a separação familiar era considerada crucial, pois seria uma influência perniciosa. Esta ideia da quase necessidade de uma “ruptura familiar”,é também defendida por Moura, em 1947, enquanto médico psiquiatra português, ao defender que o doente com “anorexia mental” dever-se-ia isolar, de forma a promover o “afastamento do ambiente físico habitual”, pois acreditava que algumas das pessoas de convivência habitual da pessoa doente poderiam ter “influído prejudicadoramente no seu espírito”.83(p.113)

A partir da década de 60 os trabalhos de Hilde Bruch, de Mara Selvini Palazzoli e Salvador Minuchin e seus colegas foram grandes impulsionadores na mudança do paradigma conceptual relativamente ao papel da família nas PCA. 84 Já Bruch, a partir dos anos setenta, apud Bouça85 desenvolveu a teoria de que se deve compreender a AN no seio do desenvolvimento da personalidade no contexto individual e familiar, no qual o acto de se alimentar se tornou o foco de conflitos psicológicos.

Neste sentido, Minuchin apud Sampaio86 criou o Modelo de “Famílias Psicossomáticas”, que posteriormente inspirou o Modelo “Famílias anorécticas”. O autor recorre a padrões de estrutura, interacção e dinâmica familiares disfuncionais para caracterizar as famílias, considerando que o problema ou sintoma apresentado seria resultado daqueles. Outro autor, Palazzoli apud Sampaio86, descreve a AN, como o resultado de problemas comunicacionais entre os elementos do sistema familiar. A AN é vista então numa perspectiva paradoxal e homeostática, tendo por base conflitos conjugais, triangulações e coligações negadas a nível familiar. Ao longo do tempo, desde os anos 70 até à década de 90 o modelo explicativo da AN apresentado por Palazzoli, foi sofrendo alterações, criando maior proximidade com a perspectiva

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37 multidimensional, onde é importante trabalhar a conexão entre um determinado conjunto de sintomas, a personalidade da pessoa doente e o tipo de família. Esta mudança na teoria marca sobretudo a refuta da existência de uma “personalidade anoréctica” e de uma conjuntura típica que identificariam “uma família anoréctica”.

A mudança de paradigma também foi impulsionada, na década de 70, pelos trabalhos desenvolvidos no Hospital Maudsley em Londres em que o papel da família passou de etiopatogénico para recurso essencial no tratamento, promovendo as suas competências específicas e de literacia, diminuindo a taxa de sobrecarga e mal-estar psicológico.16

Desta forma, gradualmente o movimento de desinstitucionalização foi-se afirmando, ao defender a mudança de paradigma dos cuidados de saúde prestados a pessoas com doença mental fora do ambiente institucional para um ambiente de vida na comunidade, no meio menos restritivo possível.25 Houve pois necessidade da criação de condições de apoio nesta última,5 porém, tem persistido um desfasamento entre “o que está legalmente definido e o que realmente vigora”. 87(p.62) Não houve modificação da supremacia hospitalar nos cuidados de saúde no âmbito da psiquiatria.87

Todavia, o movimento de desinstitucionalização e a descoberta dos psicofármacos determinaram novas representações da doença mental porque, até aí, a pessoa que sofria de doença mental não tinha cura, e era considerada uma ameaça e como incapaz de produzir, onde a perda de direitos e a alienação eram prática corrente.24 A pessoa doente era internada, recebia tratamento e internamento em asilo e era perspectivada, de um ponto de vista social, a partir do Modelo de Exclusão Social, que levava a que a pessoa com doença mental fosse afastada da família e de qualquer convivência social.A exclusão era considerada necessária no que diz respeito ao alcance de melhores resultados terapêuticos, ao melhor controlo da conduta desviante considerada como uma ameaça para a comunidade, e a origem da doença estava associada às relações familiares.88

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38 Muitos dos mitos associados à doença mental persistem no presente de alguma forma, mas é actualmente aceite que a AN é uma doença que pode ocorrer em diferentes contextos familiares, 89 sendo muitas das características descritas na literatura resultantes da presença da doença e não a sua causa,90 para além que esse tipo de avaliação traz uma elevada carga negativa, podendo influenciar perniciosamente profissionais de saúde e as famílias, e fomentar sentimentos de culpa, vergonha e frustração.91

Neste sentido, os estudos sobre a relação da família com a AN identificam variáveis interessantes ao nível da reorganização familiar daqui decorrente, tais como: a centralização familiar na pessoa doente e nos aspectos relacionados com a alimentação; os padrões de interacção familiar com reduzida flexibilidade; as questões familiares não resolvidas, e que vão sofrer um claro agravamento.89

De acordo com Le Grange e Lock 92 é possível, a partir do estudo da relação das famílias com as PCA, a identificação de “estilos familiares” diferentes entre as famílias de pessoas com AN ou de pessoas com BN: as famílias de pessoas com AN apresentam alguma tendência a evitar conflitos e esforçam-se por transmitir uma imagem de boa educação; as famílias de pessoas com BN tendem a apresentar uma dinâmica de maior índice de desorganização e conflituosidade. Contudo, não existe um padrão único e universal de estrutura e funcionamento familiar. Em termos terapêuticos, é mais importante tentar compreender o modo como essas famílias reestruturam e reorganizam as suas vidas quando um dos seus elementos tem uma PCA, do que investigar a origem do problema.93 Deste modo, é impossível pensar em doença e na sua forma de prevenção e tratamento, e não envolver o seio familiar: e as PCA não são excepção. A família, como recurso fundamental no seu tratamento tem ganho importância crescente ao longo do tempo. Se antes a família era excluída do tratamento, hoje é parte essencial do mesmo, sendo palco da mudança de paradigmas, passando de um papel de cariz mais etiopatogénico para um de sobrecarga familiar (‘Family Burden’).5

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39 abordado) tem sido referido, por alguns autores, como sendo redutor, dúbio, de conotação negativa e estigmatizante, podendo promover sentimentos de culpabilidade, pelo que Szmukler e colaboradores17 propuseram a sua substituição pela expressão “experiência da relação de prestação de cuidados”, que apresenta vantagens relativamente ao conceito anterior 5(p.65) (no ponto 3.3 deste trabalho é efectuada uma abordagem mais detalhada sobre o assunto).

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40 3. EXPERIÊNCIA DA RELAÇÃO DE CUIDAR

Cuidar é inerente à condição humana,94 podendo a experiência da relação de cuidar assumir resultados positivos e/ou negativos.95

Quando se aborda a experiência da relação de cuidar na família, a comunidade científica refere-se sobretudo aos cuidadores informais principais,96 que serão seguidamente abordados e, posteriormente, explorados no que concerne ao seu impacto negativo e/ou positivo na relação de cuidar estabelecida.

3.1 A adopção do papel de cuidador

O papel de cuidar está intrinsecamente ligado à vida familiar (cuidador informal), o que frequentemente reflecte a confluência de papéis e expectativas, fruto do contexto social, cultural e da história familiar e, a um nível mais particular, a própria identificação da pessoa com o papel de cuidador.97

O conceito de cuidador, onde diversas expressões tomam lugar, como “cuidador informal” (i.e. –‘informal caregiver’-), “cuidador familiar” (i.e.-‘family caregiver’-) e “prestação de cuidados informais” (i.e.-‘caregiving’-) abundam na literatura, mas não se assume consenso entre as diferentes instâncias (e.g. políticos, profissionais, investigadores, cuidadores e receptores de cuidados), tendo em conta os diferentes contextos familiares, sociais, culturais e políticos onde se aplicam.95 Mas perante a necessidade de se optar por uma definição, há que ter em consideração que a prestação de cuidados tem sempre na sua base o estabelecimento de uma relação entre cuidador (i.e.-‘caregiver’-) e a pessoa que recebe os cuidados (i.e.-‘care recipiente’-)5 e pode adoptar duas diferentes formas, que são complementares: a prestação de cuidados formais e a prestação de cuidados informais. O cuidador formal corresponde à prestação de cuidados desenvolvida por profissionais devidamente qualificados e preparados

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41 para desenvolverem a sua actividade integrada na sua actividade profissional, sendo geralmente remunerada. O cuidador informal, tanto pode ser alguém da família, ou amigo, como alguém com carisma ou com um significado especial para a pessoa doente e cuja actuação, num determinado momento, é a de prestar cuidados. 98 De forma geral, os cuidadores podem ser encarados como aqueles cujo seu bem-estar e harmonia pessoal é intrínseca e inter-dependente da dos seus ente-queridos. 99

A literatura ainda divide o termo cuidador informal em cuidador principal, cuidador secundário e cuidador terciário.98

O cuidador principal refere-se ao que investe maior tempo e esforço em cuidar da pessoa que sofre, sem benefício remuneratório97 e, usualmente, está mais envolvido a nível emocional.100 Este cuidador adquire, frequentemente, responsabilidades de forma inesperada e indesejada, revelando crescente dificuldade quanto menores os recursos.100 O cuidador secundário é o que ajuda na prestação de cuidados esporádica ou usualmente, mas não assume a responsabilidade do cuidar. O cuidador terciário é o que ajuda de forma muito ocasional ou somente quando solicitado, e também não assume a responsabilidade do cuidar.98 A tipologia de cuidador principal identifica-se, normalmente, com os pais. A maioria das pessoas em que surge AN e BN está na adolescência, coabitando com os pais e ainda muito dependentes dos pais a diferentes níveis.35 Desta forma, os pais são “importantes protectores e/ou moderadores da saúde da criança e do adolescente”,101(p.174) constituindo a sua referência mais constante e longa nos padrões de saúde que desenvolvem e que se prolongam no decurso das suas vidas.101

Em Portugal, a adolescência é vista como uma “[…] época difícil, a necessitar de tratamento ou, pelo menos, de debate aprofundado” 64(p.11) e quando aparece associada a uma PCA acresce a preocupação parental.

Na generalidade, os adolescentes têm pais com idades compreendidas entre os 40 ou 50 anos. Vivem numa geração designada por geração sandwich, vêem-se confrontados muitas vezes

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42 não só com a situação dos seus filhos, mas também com a condição dos seus próprios pais (onde num contexto de envelhecimento têm, frequentemente, problemas graves de saúde, o que reduz a possibilidade de apoio dado pelo grupo da terceira geração).64 Tudo isto poderá constituir factor agravante no mal-estar psicológico e sobrecarga sentidos.

Actualmente vive-se uma realidade onde o tempo despendido para reflectir é escasso e a iliteracia emocional é cada vez mais notória.102 Neste campo a actividade profissional desempenha papel fulcral, pois verifica-se tendência crescente da intensificação dos ritmos de trabalho, o que tem repercussões na qualidade de vida das pessoas em sentido lato.103 Esta intensificação verifica-se não só devido ao contexto de globalização, à volatilidade dos conhecimentos e competências, ao aumento da competitividade,103 mas também, integrada num panorama de crise económica mundial e, em particular, a portuguesa, que tem revelado alguns resultados perniciosos a nível geral e no caso particular da saúde.104A inconstância crescente das relações contratuais, a pressão veemente do ritmo de trabalho, a reestruturação do trabalho,103 são condições que se relacionam a fenómenos de diminuição da auto-estima, aumento da ansiedade-depressão, aumento do risco de comportamentos suicidas,104,105 exaustão, conflitos familiares, acidentes de trabalho e doenças profissionais.103 Conciliar, deste modo, a vida profissional e familiar apresenta-se como um desafio.103 Segundo o Relatório de Primavera 2014 do OPSS104, factores como o desemprego e a sua insegurança do emprego, que têm vindo a crescer, assim como o endividamento e o empobrecimento, estão associados ao aumento do risco de doença mental. Mais ainda, dados da Organização Mundial de Saúde106 revelam que a insatisfação ou insegurança no emprego pode ter efeitos tão nefastos para a saúde, como o próprio desemprego.

Outro aspecto relevante é o facto da classe social da família influenciar a esperança média de vida dos seus elementos, o contexto de saúde onde se integram, bem como a sua percepção, para além de limitar (ou não) o acesso a recursos e cuidados quer na presença de

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43 doença, quer na sua prevenção.63 Desta forma a investigação corrobora e acrescenta que um estatuto sócio-económico baixo tem maior associação com sentimentos de sobrecarga.95

Atendendo a este panorama, muitas pessoas vêem-se obrigadas a assumir diferentes actividades profissionais simultaneamente, para tentar fazer face às despesas,107 facto que não ajuda – principalmente no caso particular das famílias mono ou biparentais, perante uma situação de desemprego - dificultando assim o seu desempenho no papel de cuidadores perante um filho(a) com PCA, o qual deverá ser caracterizado por calmo, confiante, compassivo e consistente.6

Tendo em consideração que neste âmbito, as mães ocupam papel preponderante18,35 - na maioria dos estudos, que envolvem os cuidadores, são as mães a constituir a grande percentagem das amostras de estudo19,108-111,estas são muitas vezes as mais sobrecarregadas. Uma das razões que aponta para a mulher como principal cuidadora está relacionada com a construção conceptual histórica do seu papel e funções, como cuidadora do lar, ao serviço da família, com maior capacidade de abnegação em relação ao pai da pessoa doente.18,95,98,112 A mulher é também apontada como aquela que, mais frequentemente, assume o papel de ‘family health expert’.4 A mulher como a cuidadora principal, relativamente ao homem, verifica-se também noutras condições, como quando os receptores de cuidados são os idosos dependentes,95,98 pessoas com esquizofrenia,113 ou outras doenças mentais 114 e cancro.115

No tocante ao papel de pai está ainda envolvido por ideias veiculadas pela socialização e que poderão modelar atitudes e comportamentos, como por exemplo “sustento da família”, “os homens não choram”, ou os homens que participam nas actividades domésticas ou junto da educação dos filhos estão “sob a alçada” das mulheres.18

Deste modo, ainda exista a ideia, aceite por muitos, de um modo explícito ou implícito, de que são as mães que detêm a responsabilidade última relativamente aos filhos se algo corre mal,18 assumindo a maioria dos trabalhos domésticos e cuidados familiares.116,117 Mesmo quando tudo corre bem, os pais sentem maior

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Figura 1.Scree Plot acerca da análise da variância
Tabela  4.  Matriz  Rodada  com  os  itens  da  AESED,  com  a  saturação  dos  itens  por  factores e comunalidades
Tabela 6. Médias, Desvios-Padrões e Correlações entre os Itens das Subescalas
Tabela 7 Correlação entre as Escalas GHQ-12, ECI e AESED
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