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CONTRIBUIçõES CLíNICAS DA FONéTICA E DA FONOLOGIA

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CONTRIBUIçõES CLíNICAS DA

FONéTICA E DA FONOLOGIA

1

Eva Bolle Antunes

terapeuta da Fala

escola superior de saúde – uFp evantunes@hotmail.com

Joana Rocha

terapeuta da Fala mestre Assistente

escola superior de saúde – uFp jrocha@ufp.edu.pt

1 reimpressão de artigo publicado no nº 5 da revista da Fcs (2008), pp. 236-247, com formatação corrigida.

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RESUMO

pretendemos com este artigo contribuir para a confluência de informação e para a estru-turação de um quadro de referências fundamentado, nos domínios temáticos da fonética e da fonologia, nomeadamente quanto às consoantes, semivogais e sílabas do português europeu. cremos que estes temas fazem parte de uma base teórica útil para a prática e a investigação clínicas, particularmente no âmbito da terapêutica da fala.

PALAVRAS-CHAVE

fonética, fonologia, terapêutica da fala, consoante, semivogal, sílaba.

ABSTRACT

We aim with this article to contribute to the confluence of information and to the struc-turing of a substantiated frame of reference, on the thematic domains of phonetics and phonology, namely regarding the consonants, semivowels and syllables of the european portuguese. We believe that these subjects are part of a useful theoretical basis for the clini-cal intervention and research, in particular on the speech therapy field.

KEYWORDS

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1.

INTRODUçÃO

no início do século XX, a análise fonológica estrutural estabeleceu a distinção entre foné-tica como o estudo dos sons da fala humana (i.e., dos fones) e fonologia como o estudo dos sistemas sonoros das línguas (i.e., dos fonemas). convencionou-se que os fones (reali-zações concretas e fisicamente mensuráveis) se representam entre parênteses rectos [] e os fonemas (unidades linguísticas abstractas) entre barras oblíquas // (Andrade & Viana, 2005; Ducrot & todorov, 1982; Fromkin & rodman, 1993; mateus, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas, 1998).

A fonética “(…) descreve a realização concreta sonora da fala.” (martins, 1998, p.97) com diversos objectivos, incluindo a análise da fala patológica (ladefoged, 2006) e compreende 3 áreas: i) fonética articulatória, que analisa e descreve o uso dos órgãos articuladores (zo-nas do tracto vocal) responsáveis pela produção dos sons da fala, i.e., dos fones; ii) fonética acústica, que se ocupa das propriedades acústicas das ondas sonoras da fala; e iii) fonética perceptiva, que estuda a audição e a interpretação da fala (Andrade & Viana, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas, 1998).

o aparelho fonador é o conjunto de órgãos anatómicos necessários à produção de fala, cujo mecanismo se divide em 3 fases independentes (Andrade & Viana, 2005; castro & gomes, 2000; cunha & cintra, 1985; ladefoged, 2006; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas; 1998): 1) A respiração inicia-se nas cavidades subglotais, por acção dos pulmões, que são os geradores do fluxo de ar e os responsáveis pela fonte de energia acústica. A maioria dos fones é produzida na expiração; 2) A fonação é a transformação do ar em som, na laringe e depende da acção das cordas vocais, que têm elasticidade que lhes permite originar diferentes tipos de sons; 3) A articulação é o processo de modulação do ar em sons específicos da fala nas cavidades supraglotais, denominadas também tracto vocal, que se divide em tracto oral (boca e faringe) e tracto nasal (nariz).

ladefoged (2006) acrescenta ainda um quarto componente a este mecanismo de produção da fala, designado de processo oro-nasal e que consiste na possibilidade de o fluxo de ar poder sair só pela cavidade bucal, ou conjuntamente pela cavidade nasal.

A fonologia “(…) descreve e explica o funcionamento das unidades significativas da fala (…)”(martins, 1998, p.97), implicando o estudo de uma língua para, num exercício de abs-tracção executado a partir da realidade fonética, identificar quais os fonemas de uma língua por comparação entre palavras que têm diferentes significados quando são distintas num único som. Assim sendo, uma mudança de um segmento sonoro pode originar uma mu-dança de sentido. (cunha & cintra, 1985; Fromkin & rodman, 1993; international phonetic Association, 2007; ladefoged, 2006; mateus, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000). Quando dois sons nunca ocorrem em contexto análogo, i.e., na mesma posição, es-tão em distribuição complementar e os que podem ocorrer no mesmo contexto eses-tão em distribuiçãosobreposta. se a distribuição sobreposta de dois sons resulta em duas palavras com significados divergentes, estes são considerados unidades distintivas, logo fonemas diferentes. estes conjuntos de duas palavras que estabelecem os fonemas da língua, desig-nam-se pares mínimos, porque só se distinguem numa unidade, e.g., /m/ e /b/ de mala e

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“os fones que correspondem a um mesmo fonema denominam-se variantes ou alofones.”

(mateus, Falé & Freitas, 2005, p.161). essas formas fonéticas diferentes serão variações do mesmo fonema e não constituirão um par mínimo. os alofones têm que partilhar proprieda-des fonéticas, tais como: ponto articulatório, modo articulatório, nasalidade, ou vozeamento (Fromkin & rodman, 1993; international phonetic Association, 2007; mateus, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas, 1998). os alofones do mesmo fonema podem estar em distribuição sobreposta e ocorrer no mesmo contexto fonológico sem modificar o significado da palavra, não sendo contrastivos, apesar de serem duas possíveis produções alternativas. Assim, estão em variação fonológica livre, porque dependem do uso social, ge-ográfico, ou individual da língua, sendo designados de variantes livres. por outro lado, se os alofones (ou variantes) nunca surgem no mesmo contexto fonológico, estão em distribuição complementar e denominam-se variantes combinatórias, ou contextuais. (Fromkin & ro-dman, 1993; mateus, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000). Aproveitando os exemplos de moutinho (2000) para o português europeu, o fonema /l/ tem dois alofones ou variantes fonéticas que são combinatórias ou contextuais, porque tem produções diferentes conforme está em posição intervocálica (mala) – [l] – ou em final de sílaba (mal) – [5], i.e., o /l/ velarizado2 – e não correspondem a fonemas distintos. por outro lado, há as variantes

livres, que não dependem do contexto fonológico, tal como sucede com o fonema /S/ que em certas zonas do norte de portugal, é produzido como palato-alveolar [S] e noutras como africada [tS], não causando qualquer alteração de significado (e.g., chave).

segundo mateus, Falé & Freitas (2005, p.161), “(…) diferentes fonemas podem coincidir ao nível fonético por serem condicionados foneticamente pelos sons que os rodeiam.”. nestes casos em que há o desaparecimento de um traço distintivo entre fonemas, mateus (2005) e mateus, Falé & Freitas (2005) afirmam que se considera que existe uma neutralização entre eles, da qual resulta uma entidade abstracta denominada arquifonema. no português euro-peu, esta neutralização ocorre entre /S/, /Z/ e /z/, que perdem o seu valor contrastivo quan-do surgem no final de sílaba (dentro ou no final da palavra) e o arquifonema consequente representa-se por /s/. exemplificando, a consoante <s> é pronunciada [S] se preceder uma pausa ou uma consoante não-vozeada ([muSkulu] para músculo, ou [6S kOb46S] para as

cobras); [Z] se anteceder uma consoante vozeada ([muZgu] para musgo, ou [6ZdOb46S] para

as dobras); ou [z] se preceder uma vogal da palavra seguinte ([6z Ob46S] para as obras).

2.

ANáLISE FONéTICA

uma descrição fonética deverá registar todos os fones enunciados, independentemente do seu valor fonológico, ou seja, distintivo. para se poder estudar como os fones são produzidos e como podem ser classificados, foi necessário desenvolver um meio de os representar, de modo não ambíguo, na forma escrita, visto que na ortografia do sistema alfabético não exis-te uma correspondência biunívoca (de um-para-um) entre grafema e som. (Andrade & Via-na, 2005; international phonetic Association, 2007; mateus, Falé & Freitas, 2005; Yavas, 1998). consequentemente, para “(…) simbolizar na escrita a pronúncia real de um som usa-se um

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alfabeto especial, o ALFABETO FONÉTICO.” (cunha & cintra, 1985, p.30). o international phonetic

alphabet (ipA), i.e., Alfabeto Fonético internacional, é um sistema de referência e o mais divul-gado (Andrade & Viana, 2005; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; Yavas, 1998) e inclui o subconjunto para o português europeu de cruz-Ferreira (2007). As transcrições fonéticas são apresentadas entre parênteses rectos, [], visto que registam graficamente os fones.

2.1.

TRANSCRIçÃO FONéTICA

os alfabetos fonéticos possibilitam a transcrição fonética, i.e., a representação do contínuo sonoro da fala, apesar do grau de subjectividade inerente ao facto destes registos depende-rem da experiência do transcritor (Andrade & Viana, 2005; mateus, Falé & Freitas, 2005). este conjunto de símbolos tem como objectivo, de acordo com a international phonetic Asso-ciation (2007), permitir a representação não só do inventário fonológico de uma língua, mas também da produção fonética, porque, segundo Yavas, Hernandorena & lamprecht (1995), podem ser produzidos fones que não correspondem a fonemas da língua.

em função dos objectivos, deve-se optar por um de dois tipos de transcrição fonética: larga ou estreita. A transcrição fonética larga é a que “(…) se destina a dar só os elementos neces-sários e suficientes para descrever o uso da língua (…)” (martins, 1998, p.80). Desta forma, se-gundo Andrade & Viana (2005), ladefoged (2006), mateus, Falé & Freitas (2005) e moutinho (2000), apresenta apenas o conjunto de dados fonéticos que são relevantes para caracterizar o contraste fonológico, i.e., a distinção entre palavras. A transcrição fonética larga é quase equivalente à transcrição fonológica que ilustra somente os fonemas que constituem uma língua. já a transcrição fonética é mais fiel ao uso da língua e permite apresentar produções particulares de certos fonemas, que podem variar consoante o falante ou o contexto foné-tico (international phonetic Association, 2007; martins, 1998; moutinho, 2000). A transcrição fonética estreita tem mais pormenores fonéticos, é mais fidedigna relativamente ao contí-nuo sonoro e será uma representação mais exacta porque dá conta das alterações ocorridas nas vogais e consoantes das palavras, tais como sobreposições ou omissões, devido, e.g., à velocidade da fala e a fenómenos de co-articulação. (Andrade & Viana, 2005; ladefoged, 2006; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000).

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[tra-129

dução das autoras]3, na intervenção clínica e na pesquisa em terapêutica da fala, realizam-se

com mais frequência as transcrições fonéticas estreitas impressionistas.

2.2.

CLASSIFICAçÃO TRADICIONAL DAS

CONSOANTES DO PORTUGUêS EUROPEU

A classificação tradicional dos sons da fala assenta numa descrição das características arti-culatórias com base orgânica, sem recurso a instrumentação técnica (martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005). os seus parâmetros são uma forma simples e bem divulgada de obter dados sobre a produção de fones. consideramos que, na intervenção em terapêutica da fala em indivíduos portugueses, se deverá considerar o subconjunto dos que fazem parte do português europeu padrão, excluindo-se as variações dialectais, que não serão encaradas como perturbações, e.g., a neutralização da oposição entre [v] e [b], que castro & gomes (2000), cunha & cintra (1985) e Ferreira et al. (2005) admitem como usual no norte do país.

A fonologia clínica concentra-se nos desvios consonânticos, porque estes são consensual-mente considerados como “(…) os responsáveis pela quase totalidade dos desvios de fala e pela ininteligibilidade dos sistemas das crianças com problemas de comunicação.” (Ya-vas, Hernandorena & lamprecht, 1995, p.11). por isso, não descreveremos aqui as vogais. As consoantes são produzidas com constrições à passagem do ar no tracto vocal, por acção dos órgãos articuladores (Andrade & Viana, 2005; cruz-Ferreira, 2007; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000) e as do português europeu podem ser classificadas de acordo com os critérios expostos de seguida.

o critério de vozeamento ou sonoridade é proporcionado pelo estado da glote. na fase da fonação, há 2 configurações essenciais que determinam a caracterização dos fonemas do português europeu em: não-vozeadosousurdos, se as cordas vocais estão em abdução e sem vibração (/p/, /f/, /t/, /s/, /S/, /k/); vozeadosousonoros, quando há aproximação das cordas vocais, o ar força a passagem e origina a sua vibração (/b/, /m/, /v/, /d/, /n/, /l/, /z/, /4/, /Z/, /J/, /L/, /g/, //) (cunha & cintra, 1985; ladefoged, 2006; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas, 1998). Durante a produção de um fonema vozeado, pode sentir-se a vibração das cordas vocais, colocando a mão na laringe, ou ouvir-se o seu zumbido tapando os ouvidos (ladefoged, 2006). isto é particularmente importante, e.g., na intervenção clínica, para a distinção de fonemas em pares de palavras que se diferenciam pelo vozeamento.

o ponto de articulação é a especificação do local no tracto vocal onde há maior constrição, sendo a classificação feita de acordo com o órgão articulador activo e o passivo intervenien-tes (Andrade & Viana, 2005; cunha & cintra, 1985; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000). para o português europeu, existem 8 pontos articulatórios: bilabial (/p/, /b/, /m/), labiodental (/f/, /v/), dental (/t/, /d/, /n/, /l/), alveolar (/s/, /z/, /4/), palato-alveolar ou pós-alveolar (/S/, /Z/), palatal (/J/, /L/), velar (/k/, /g/) e uvular (//) (cruz-Ferreira, 2007; cunha & cintra, 1985; ladefoged, 2006; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000).

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o modo de articulação é a descrição do tipo de constrição provocada durante a passagem do ar no tracto vocal (Andrade & Viana, 2005; cunha & cintra, 1985; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000). Assim, uma consoante do português pode ser classificada como: oclusiva, plosiva ou explosiva (/p/, /b/, /t/, /d/, /k/, /g/), nasal (/m/, /n/, /J/), fricativa (/f/, /v/, /s/, /z/, /S/, /Z/), vibrante múltipla (//), vibrante simples (/4/) e lateral aproximante (/l/, /L/). estas 3 últimas classificações podem ser consideradas como fazendo parte das líquidas. (Ait, 2004; Andrade & Viana, 2005; cruz-Ferreira, 2007; ladefoged, 2006; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000).

o processo oro-nasal do mecanismo de produção de fala está relacionado com a confi-guração velofaríngea, que determina se há, ou não, passagem de ar pela cavidade nasal, permitindo a divisão em: fonemas orais, quando a úvula se movimenta em direcção ascen-dente e à parede posterior da faringe, impedindo a passagem do ar pela cavidade nasal; e fonemas nasais quando a úvula está baixada e o ar passa pelas cavidades nasal e oral (cunha & cintra, 1985; ladefoged, 2006; martins, 1998; mateus, Falé & Freitas, 2005; moutinho, 2000; Yavas, 1998).

2.3.

CLASSIFICAçÃO DAS SEMIVOGAIS DO PORTUGUêS EUROPEU

incluímos uma descrição das semivogais, porque é frequente as crianças as utilizarem em vez de consoantes líquidas (Yavas, Hernandorena & lamprecht, 1995). segundo Andrade & Viana (2005), mateus, Falé & Freitas (2005) e moutinho (2000), no português europeu há a considerar as semivogais, também designadas por glides, semiconsoantes, ou aproximan-tes. todavia, as semivogais são “(…) sons de transição entre segmentos de articulação (…)” (Andrade & Viana, 2005, pp.145-146), emitidas com menor intensidade, nunca são acentua-das e estão sempre acompanhaacentua-das por uma vogal, originando os ditongos.

mateus, Falé & Freitas (2005) apresentam as semivogais orais/j/ e /w/, que têm caracte-rísticas semelhantes às vogais /i/ e /u/, e ainda as semivogais nasais /j~/ e /w~/, que serão próximas articulatoriamente das vogais nasais /i~/ e /u~/, respectivamente. no entanto, na descrição do português europeu para o ipA, cruz-Ferreira (2007) não apresenta uma repre-sentação fonética para as semivogais, apesar de parecer relevante transcrevê-las de forma distinta à das vogais, uma vez que não têm a mesma energia. Assim, esta autora não refere as semivogais, mas indica a existência de 14 ditongos, que serão aqui representados assim: 10 orais – /Ej/, /aj/, /6j/, /Oj/, /oj/, /uj/, /iw/, /ew/, /Ew/ e /aw/; e 4 nasais – /6~j/, /o~j/, /u~j/ e /6~w/. contudo, cruz-Ferreira (2007, p.128) evidencia a necessidade de alguma diferencia-ção entre os componentes dos ditongos ao afirmar que: “os finais dos ditongos, apesar de transcritos como [i] e [u], tendem a ser mais centrais e, no caso do [u], menos fortemen-te arredondados do que esfortemen-tes símbolos sugerem.” [tradução das autoras]4. É interessante a

constatação de que, na ilustração do ipA feita por Fougeron & smith (2007) para o francês, /j/ e /w/ são consideradas como consoantes aproximantes centrais, que correspondem às vogais /i/ e /u/, respectivamente, e ainda, a classificação do ipA por regueira (2007) para o

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galego, uma língua vizinha do português, descreve /j/ como uma consoante aproximante

palatal e /w/ como uma consoante aproximante velar.

mateus, Falé & Freitas (2005) e moutinho (2000) descrevem que uma semivogal, ou glide, acompanhada por uma vogal precedente Vg (i.e., vogal+glide) origina os ditongos decres-centes e a associação contrária gV (i.e., glide+vogal) forma os ditongos crescentes. os 14 di-tongos que são apresentados no ipA são correspondentes aos ditongos decrescentes que, segundo moutinho (2000, p.54), são aqueles que “(…) em português, são considerados verdadeiros ditongos.”. castro & gomes (2000, p.71) parecem partilhar a ideia de que esta é a associação que forma um ditongo, definindo-o como “(…) um conjunto fonológico com-posto pela junção de uma semivogal a uma vogal (…).”. na língua portuguesa, de acordo com cunha & cintra (1985), apenas estes ditongos decrescentes são estáveis.

não se impõe neste artigo debater a questão da natureza fonética ou fonológica das semi-vogais e da classificação dos ditongos, contudo, para esclarecer abreviadamente a citação de moutinho no parágrafo antecedente, convém acrescentar que mateus, Falé & Freitas (2005, p.177) argumentam que “(…) os denominados ‘ditongos crescentes’ são constituídos por duas vogais no nível fonológico as quais, na fala rápida se pronunciam como semi-vogais.”. isto porque os ditongos decrescentes não são separáveis silabicamente, enquanto que, se as palavras com ditongos crescentes forem pronunciadas pausadamente, é possível obter duas vogais. por exemplo, na palavra leite (foneticamente [l6jt@]) não se consegue ob-ter uma separação do tipo le-i-te, mas sim lei-te, enquanto que enunciando pausadamente a palavra criada produz-se cri-a-da, em que <i> é pronunciado como vogal [i] e não como uma semivogal, manifestando-se como semivogal [j] na fala coloquial ([k4jad6]).

concluímos, então, que a classificação das semivogais e dos ditongos é problemática e en-caramos como ditongos apenas aqueles que são referidos no ipA, ou seja, os decrescentes, visto que são os que se mantêm iguais independentemente do ritmo da fala. Assim, estes são os que conservam as semivogais inalteráveis, com uma posição marginal dentro da sílaba, assumindo uma função semelhante à das consoantes. este seria, aliás, um argumento a favor da ponderação dos parâmetros das consoantes definidos pelo ipA e da inclusão das semivogais na categoria, e.g., das consoantes aproximantes. no âmbito da terapêutica da fala, consideramos que será conveniente manter a denominação de semivogais, visto que na descrição dos desvios da fala se utiliza nomeadamente o processo de simplifica-ção designado de semivocalizasimplifica-ção (i.e., a substituisimplifica-ção de um fonema, normalmente uma consoante líquida, por uma semivogal). para além da controvérsia, o ipA demonstra alguma flexibilidade e permite várias formas de transcrição das semivogais.

2.4.

SíLABA NO PORTUGUêS

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panhados por consoantes (…)” (p.241). cunha & cintra (1985, p.33) afirmam que as vogais têm uma função silábica diferente da das consoantes, uma vez que, no português, “(…) as vogais são sempre centro de sílaba, ao passo que as consoantes são fonemas marginais: só aparecem na sílaba junto a uma vogal.”.

Yavas (1998) menciona que, apesar de não haver consensos quanto à classificação fonética das sílabas, estas são importantes para a organização fonológica de uma língua e, segundo mateus (2005, p.179), “(…) a sílaba é largamente responsável por muitos dos aspectos que caracterizam o nível fonológico das línguas (…)”. este aspecto é igualmente assinalado por castro & gomes (2000) e gomes & castro (2005), pois referem que, para a análise da articu-lação das crianças, é essencial considerar a estrutura silábica, visto que o contexto em que está o fonema tem influência na ocorrência de desvios da fala.

A distinção de 4 posições dos fonemas nas palavras foi sugerida por grunwell e suportada por pesquisas de Yavas (cit. in Yavas, 1998; Yavas, Hernandorena & lamprecht, 1995). segun-do os autores, alternativamente à distinção tradicional em posição inicial, medial e final, as características da língua portuguesa indiciam a utilidade da divisão em: início de sílaba no início da palavra (isip), início de sílaba dentro da palavra (isDp), fim de sílaba dentro da palavra (FsDp) e fim de sílaba fim da palavra (FsFp). por exemplo, o fonema /S/ pode surgir em qualquer uma destas posições: [S6pEw] (chapéu), [bulaS6] (bolacha), [k6StElu] (castelo) e [n64iS] (nariz). As isip e FsFp corresponderão à posição inicial e final, enquanto que as isDp e FsDp serão uma divisão da posição medial. Yavas (1998) reporta dados relativos ao portu-guês brasileiro que revelam que um número expressivo de crianças adquiriam o /4/ em isDp, e.g. [ka46] (cara), muito antes de FsDp, e.g. [ga4fu] (garfo). se estes dados fossem analisados apenas em termos de posição medial, não mostrariam esta diferença significativa.

De acordo com Ait (2004), gomes & castro (2005), mateus (2005) e Yavas (1998), as síla-bas são compostas por: ataque, núcleo (ou pico) e coda. o ataque é o início da sílaba e é constituído por uma consoante, ou grupo de consoantes, e antecede a rima que pode ser uma vogal, um ditongo, uma consoante, ou um grupo de consoantes. Dentro da rima distingue-se: o núcleo (ou pico) que é obrigatório, é a vogal ou o ditongo e é precedido pelo ataque e seguido pela coda; e a coda que não é obrigatória e é a sequência seguinte e final dos segmentos consonânticos de uma sílaba. numa sílaba apenas é impreterível o núcleo, constituído sempre por uma vogal.

A sílaba mais frequente no português é a de tipo consoante-Vogal (CV), que será a sílaba universal, na sua forma canónica e existente em mais de metade das sílabas. A segunda estrutura silábica mais frequente é a do tipo consoante-Vogal-consoante (CVC) e, no portu-guês padrão, as consoantes que podem assumir a posição de coda (final da sílaba) são /4/, /l/, /S/ e /Z/, e.g., [le4] (ler), [sOl] (sol), [vOS] (voz) e [siZn@] (cisne). existe ainda uma estrutura silábica mais complexa do tipo consoante-consoante-Vogal (CCV), que em português é geralmente formada por /4/ ou /l/ na posição medial da sílaba (e.g., /b4/ de brinco, /bl/ de blusa, /k4/ de creme, /pl/ de planta, etc.). (castro & gomes, 2000; cunha & cintra, 1985; gomes & castro, 2005; mateus, 2005). Há ainda outras sequências consonânticas menos frequentes, como /gn/ de gnomo, /mn/ de mnemónica, /pn/ de pneu, /ps/ de psicologia, / pt/ de ptialina e /tm/ de ritmo (cunha & cintra, 1985).

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complexa, por castro & gomes (2000), enquanto que gomes, castro & Vicente (2006),

ma-teus (2005) e mama-teus, Falé & Freitas (2005) se referem à consoante em posição de coda (fim da sílaba e parte integrante da rima). se analisarmos o exemplo da palavra balde, observa-mos uma sequência de consoantes que não podem ser consideradas como estrutura ccV, visto que pertencem a sílabas diferentes: bal-de. Aquando da divisão silábica é necessário determinar se há uma consoante pertencente à rima da sílaba anterior que está em posição de coda e se há outra relativa ao ataque da sílaba seguinte (mateus, 2005).

A sucessão CCV vem referida como encontro consonântico, ou consonantal, por castro & gomes (2000) e cunha & cintra (1985). no entanto em publicações mais recentes, gomes, castro & Vicente (2006), mateus (2005) e mateus, Falé & Freitas (2005) referem-se a grupo consonântico para estas sequências de consoantes.

A nossa experiência aponta para que a denominação mais divulgada na área da terapêutica da fala, em portugal, é de grupo consonântico para a estrutura ccV e encontro conso-nântico para as sequências de consoantes pertencentes a sílabas diferentes. consideramos, então, que se deverá e poderá manter esta terminologia, não só para evitar eventuais equí-vocos de entendimento entre os profissionais da área, mas também porque grupo (e não encontro) consonântico é a expressão utilizada nas edições de linguística mais actuais para ccV e parece ser a tradução mais adequada do que Yavas (1998), em inglês, refere como

consonant cluster. cunha & cintra (1985) chamam a atenção para o facto de que consoante,

vogal e letra são conceitos diferentes, e que, nas palavras com dígrafos não há grupo conso-nântico, uma vez que os caracteres duplos apenas representam uma consoante (e.g., carro,

assar, chapéu, ilha e vinho).

no Dicionário de termos linguísticos do Ait (2004), por oposição às sílabas complexas, surge a definição de sílaba canónica, como sendo uma “combinação silábica normal de sons numa língua. (…) cV ou cVc são exemplos de padrões silábicos canónicos.”. contudo, durante a aquisição do sistema fonológico, é comum permanecerem algumas dificuldades na produ-ção das sílabas cVc até aos 4-5 anos, à semelhança do que se passa com as ccV (gomes & castro, 2005). por isso, será legítimo considerar-se as estruturas silábicas cVc e ccV como complexas, em termos desenvolvimentais.

2.5.

SíMBOLOS PARA PERTURBAçõES DA FALA

os diacríticos são símbolos para representar sons adicionais a uma vogal ou consoante, de forma a modificá-las ou refiná-las e são necessários em transcrições mais pormenorizadas, ou em análises fonéticas de âmbito clínico. os símbolos extipA para a Fala com perturba-ções5, são um conjunto de extensões ao ipA6,que consiste em diacríticos criados para a

transcrição da fala desviante ou patológica, ou de outros aspectos não-linguísticos (interna-tional phonetic Association, 2007).

5 tradução das autoras de extipa symbols for Disordered speech.

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“um sistema fonológico pode ser encarado como as convenções que os falantes de uma lín-gua partilham relativamente aos seus sons.” [tradução das autoras]7 (international phonetic Association, 2007, p.32). todavia, há situações em que particularidades da fala poderão ser relevantes e que terão que ser transcritas, tais como: qualidade vocal, prosódia, disfluências e falhas articulatórias acidentais ou devidas a patologia. É manifestamente necessário um sistema de notação fonética que abarque sons e combinações de sons que estejam fora dos paradigmas habituais, em especial no âmbito da prática clínica e da pesquisa quanto a perturbações da fala ou a crianças em fase de aquisição da linguagem, cujos enunciados podem conter sons não registados nas línguas (international phonetic Association, 2007).

3.

ANáLISE FONOLóGICA

segundo Fromkin & rodman (1993), “As regras fonológicas de uma gramática têm como papel fornecer-nos a informação necessária para a articulação da fala.” (p.105) e a gramáti-ca apresenta o conhecimento humano sobre essas regras, contudo não descreve a forma como elas são usadas na produção e na compreensão da fala. estas normas são princípios abstractos, que podem, ou não, ser aplicados ao nível da realização linguística.

Há uma grande dependência entre fonologia e fonética, visto que, segundo Yavas (1998), a fiabilidade da análise fonológica depende da exactidão dos dados fonéticos e a determina-ção precisa sobre a natureza dos desvios é fundamental para o planeamento da eventual intervenção terapêutica. ladefoged (2006) declara também que, para se compreender uma transcrição fonética, é necessário conhecer os princípios básicos da fonologia. Fromkin & ro-dman (1993, p.77) afirmam ainda que “A fonética dá-nos os meios que permitem a descrição dos sons mostrando-nos como diferem; a fonologia descreve o seu funcionamento como fonemas e estuda o contraste significativo das palavras.”.

A análise fonológica é essencial para determinar, de forma congruente, os objectivos da intervenção e a eficácia do tratamento, visto que permite obter informações mais específi-cas sobre a natureza e o perfil dos desvios da fala, uma vez que estes, geralmente, não são aleatórios (Yavas, Hernandorena & lamprecht, 1995). poderá ainda afirmar-se que a fonética é a base para a análise fonológica, porque investiga a produção de todos os sons da fala humana, independentemente da língua.

A análise das tendências dos sistemas sonoros das línguas é feita através do estudo dos padrões fonológicos que ocorrem com mais frequência, do desenvolvimento fonológico e das mudanças fonológicas. o saber do falante quanto ao comportamento dos fonemas da sua língua permite-lhe diferenciar entre uma variação aceitável e uma não-aceitável (Yavas, 1998).

uma descrição fonológica tem muitas aplicações práticas, tais como: fornecer informação sobre as propriedades universais dos sistemas sonoros, permitir perceber o conhecimento fonológico do indivíduo, determinar as regularidades dos erros e, ainda, possibilitar que o

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terapeuta da fala faça apreciações sobre as características de sujeitos com perturbações da

fala, comparativamente aos que tiveram um desenvolvimento considerado típico.

4.

CONCLUSÃO

os terapeutas da fala têm que ter conhecimentos sobre fonética e fonologia, uma vez que o afastamento relativamente à norma pode ser: 1) fonético – se existem dificuldades nos movimentos articulatórios para a produção de sons da fala; 2) fonológico – se o indivíduo é capaz de articular os fones correctamente, todavia os erros cometidos são devidos a fra-ca organização fonológifra-ca, revelando problemas com o valor contrastivo dos fonemas; 3) fonético e fonológico – se as dificuldades ocorrem não só na articulação, mas também no sistema sonoro da língua, falhando o alvo fonologicamente. este artigo está relacionado com a fonética e fonologia clínicas, na medida em que desejaria contribuir, nem que fosse somente numa dimensão circunscrita, ou até individual, para a consagração da aplicação da investigação destas áreas ao trabalho clínico de avaliação, diagnóstico e tratamento em terapêutica da fala, particularmente em portugal.

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Referências

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