METODO
INVESTIGA
DE
SOCIO
LÓGICA
Coordenação Manuel Lisboa PROBLEMASESOLUÇÕES. APARTIRDEESTUDOS. EMPÍRICOS.LOGIAS
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 7
Manuel Lisboa
CAPÍTULO I 11
Metodologias de investigação e construção do campo da Sociologia
Manuel Lisboa
CAPÍTULO II 43
As metodologias de investigação no estudo das desigualdades sociais: conhecimento científico, políticas públicas e cidadania
Manuel Lisboa
CAPÍTULO III 63 Inquéritos sociológicos e construção do campo de observação
1. AMOSTRAS 67
Construção de amostras estatisticamente representativas 69
Manuel Lisboa
Amostra por cachos: o caso do inquérito sobre Saúde e
Violência Contra as Mulheres, em 2003 76
Manuel Lisboa e Fátima Miguens
Amostras emparelhadas: o caso do inquérito sobre o Trabalho Infantil em Portugal, a alunos PIEF e do Ensino Regular, em 2007 85
Manuel Lisboa, Fátima Miguens e Joana Malta
Amostras para observar fenómenos sociais de difícil acesso:
o caso do estudo da mutilação genital feminina em Portugal, de 2015. 90
Manuel Lisboa, Rosário Oliveira Martins e Ana Lúcia Teixeira
2. QUESTIONÁRIOS 95
Questionários para inquéritos sociológicos 97
Manuel Lisboa
CAPÍTULO IV 117
Administração indirecta em inquéritos sociológicos: o caso do
inquérito sobre a violência e género aplicado nos Açores, em 2008 121
Manuel Lisboa e Dalila Cerejo
Os dados administrativos e a recolha de informação a partir de processos em papel: o caso da violência contra as mulheres detectada nos Institutos de Medicina Legal de Coimbra e Porto, em 2000 127
Manuel Lisboa, Zélia Barroso e Joana Marteleira
Futuros passados, futuro ausente ou um terraço para outra coisa ainda? Um ensaio sobre usos da memória, teoria e métodos 131
Paula Godinho
CAPÍTULO V 163 Tratamento e análise dos dados
Análise dos dados de inquéritos sociológicos:
estatísticas univariada, bivariada e multivariada 167
Ana Lúcia Teixeira
O tempo e as sazonalidades na investigação sociológica: construção e análise de séries temporais em estudos sociológicos
sobre a criminalidade participada à Polícia Judiciária (1984-1993) 243
Manuel Lisboa, Nelson Lourenço
Análise de Conteúdo: um caso de aplicação ao estudo dos valores
e representações sociais 261
Ana Roque Dantas
Metodologia de detecção de Indicadores de Expressão Emocional
no contexto da violência conjugal 287
Dalila Cerejo
Custos económicos com a saúde resultantes da violência doméstica
contra mulheres, em Portugal 313
Pedro Pita Barros, Manuel Lisboa, Dalila Cerejo e Eliana Barrenho
CAPÍTULO VI 347 Desafios futuros na investigação sociológica: a análise sistémica da
complexidade.
Para uma análise intersistémica da violência de género 349
Manuel Lisboa
ADMINISTRAÇÃO INDIRECTA EM INQUÉRITOS
SOCIOLÓGICOS: O CASO DO INQUÉRITO SOBRE
A VIOLÊNCIA E GÉNERO APLICADO NOS AÇORES,
EM 2008
2Manuel Lisboa e Dalila Cerejo
A administração dos questionários relativos à violência exercida contra as mulheres e homens já referidos no capítulo anterior, para produzir dados válidos e fiáveis para uma análise comparativa, obrigava a cuidados particulares do ponto de vista metodológico – desde logo, no recrutamento e formação dos/as inquiridores/as. Formaram-se duas equipas: uma de inquiridoras, para administrar o questionário às mulheres; outra de inquiridores, para os homens. Eram pessoas com alguma experiência na administração de ques-tionários sociológicos, ou pelo menos com uma formação base na área da Sociologia, que permitia-lhes articular a compreensão do conteúdo e objetivos do questionário com a sua adequada aplica-ção no terreno.
Depois, já no terreno, haveria que compatibilizar a necessi-dade de efectuar uma recolha que permitisse a comparação, atra-vés da selecção de homens e mulheres nos mesmo locais, mas que tivessem um suficiente afastamento espacial para não serem mutuamente pessoas agressoras e vítimas. No caso dos Açores, e face à reduzida dimensão populacional das freguesias das ilhas mais pequenas, àquela dificuldade acrescia ainda a necessidade de efectuar a administração do questionário em um tempo suficiente-mente curto para que o seu conteúdo não pudesse ser transmitido a outras pessoas, que mais tarde poderiam ser inquiridas.
2 Este projecto teve a coordenação científica e metodológica de Manuel Lisboa. Con-tou ainda com a colaboração de Dalila Cerejo, que dirigiu a administração do ques-tionário no terreno, de Fátima Miguens, que teve a seu cargo o cálculo estatístico da amostra, e de Andreia Favita.
122 MANUEL LISBOA | DALILA CEREJO
O exemplo seguinte traduz o trabalho efectuado na adminis-tração dos questionários a mulheres e homens, no âmbito dos inquéritos sobre a violência de género, realizado nos Açores em 2008. Este trabalho de campo beneficiou da experiência, tida em 2007, na administração dos mesmos questionários a homens e mulheres residentes no Continente.
a. Preparação e implementação do trabalho de campo
A administração definitiva dos questionários foi precedida pelo recrutamento das inquiridoras e inquiridores e da sua formação especificamente para este estudo, feitos por investigadores/as do SociNova e da Crazydog3, e pela realização dos pré-testes aos
guiões dos questionários, primeiro em suporte papel e, posterior-mente, em suporte PDA4.
Os pré-testes forneceram elementos fundamentais para o aper-feiçoamento dos instrumentos de recolha de informação. Permiti-ram testar e validar o questionário, corrigir aspectos de linguagem e a forma das perguntas, bem como identificar várias recomen-dações, que foram de grande utilidade para os/as inquiridores/as durante o trabalho de campo.
O primeiro pré-teste, efectuado ainda em suporte de papel, permitiu avaliar o tempo de aplicação do questionário na sua máxima dimensão, bem como testar a coerência entre os vários módulos e questões. Os testes seguintes, realizados já em PDA, permitiram afinar a aplicação do questionário no novo suporte, nomeadamente em termos da sua operacionalização.
Nas acções de formação, realizadas em Lisboa e no Porto, foi dado a cada inquiridor/a um PDA com um cartão da operadora de telecomunicações, uma cópia do questionário em papel, um
con-3 Empresa que programou os PDA com os questionários, que serviram de instru-mento de recolha de dados e de transmissão da informação para a base de dados central, situada na FCSH/UNL.
4 A utilização de PDA (Personal Digital Assistant) na administração de questionários sociológicos, por parte da equipa da FCSH/UNL, foi relativamente pioneira em Por-tugal. As suas características, bem como as vantagens em termos de rapidez e con-tribuição pra diminuir os erros indirectos, serão desenvolvidas em outro momento deste texto.
123
TRABALHO DE CAMPO E RECOLHA DE DADOS
junto de cartões de apoio à administração do questionário, um guia de referência do SociQuest (nome do questionário em suporte digital), um diário de campo, um documento com recomendações e os erros mais comuns a evitar, e cartões com números de telefone de instituições de apoio a vítimas de violência, a fornecer quando solicitados pelos/as inquiridos/as – atendendo à delicadeza das questões abordadas no questionário, e à possibilidade de algumas poderem desencadear reacções psicossociais e jurídicas que pode-riam implicar um apoio técnico especializado, as/os inquiridoras/es eram portadoras/es de vários contactos relativos às estruturas de atendimento local, à polícia, à APAV e a outras ONG, que
dispo-nibilizaram às pessoas inquiridas sempre que solicitado.
Os PDA foram fornecidos com um saldo suficiente para o envio final dos questionários já preenchidos, através de ligações à Internet, e para a realização de contactos com a equipa que cen-tralmente, desde Lisboa, acompanhou o trabalho de campo, em casos de dúvidas ou para a solução de problemas durante a aplica-ção do questionário. Foram ainda dadas instruções para que cada inquiridor/a elaborasse um diário de campo, com as informações que considerasse relevantes e onde deveriam constar, também, os números de contacto dos/a inquiridos/as que se disponibilizassem para uma posterior verificação de realização da entrevista5.
Nas acções de formação, deu-se ainda uma grande relevân-cia à necessidade de proteger os/as inquiridos/as, como já foi refe-rido anteriormente, no Capítulo II: nomeadamente, a aplicação do questionário em local definido como seguro pelo/a inquirido/a, sem a presença de terceiros, e a necessidade de terminar a aplica-ção do questionário caso aparecessem terceiros, de modo a evitar qualquer prejuízo para a pessoa inquirida.
Após as acções de formação, os/as inquiridores/as tiveram um período de teste do questionário, durante o qual procederam à exploração da utilização do PDA, ao estudo dos questionários e dos guiões para a sua aplicação. A equipa de investigação acom-panhou todo o processo, dando a formação necessária para a ade-quada capacitação dos/as inquiridores/as.
5 Operação realizada posteriormente a 10% da amostra, de acordo com um proto-colo de cuidados éticos para que só a pessoa inquirida soubesse do objectivo da verificação.
124 MANUEL LISBOA | DALILA CEREJO
A aplicação dos questionários fez-se, maioritariamente, em casa das pessoas (à entrada ou onde indicassem), ou em jardins e outros locais públicos, como cafés, assegurando-se sempre que a administração não fosse afectada pela presença de terceiros.
Na construção da amostra, estava prevista e realização simul-tânea de inquéritos a homens e mulheres das mesmas faixas etárias e nas mesmas localidades. Nesse sentido, e de modo a não correr o risco de entrevistar simultaneamente agressor e vítima, toma-ram-se todas as precauções no sentido de, dentro da mesma loca-lidade, procurar unidades de habitação suficientemente distantes para inquirir os homens e as mulheres.
A duração média da administração de cada questionário foi de 40 minutos, semelhante ao que se tinha verificado no Conti-nente. O trabalho de campo foi realizado nas nove ilhas, por qua-tro inquiridoras e quaqua-tro inquiridores, entre 17 de Julho e 3 de Setembro de 2008.
b. O problema dos erros indirectos na aplicação de questionários sociológicos e a utilização de PDA
Nos inquéritos sociológicos realizados a amostras estatistica-mente significativas, o problema do erro final não se coloca tanto
ao nível do erro directo, já que este pode ser calculado
matema-ticamente para uma determinada margem de erro e um nível de confiança. O problema coloca-se fundamentalmente em relação ao erro indirecto, que é maior do que o primeiro, como nos refere
Blalock (1979). Este é mais difícil de medir, mas sabemos que, entre outros aspectos, pode decorrer de vários factores, como o conteúdo e extensão do questionário, a preparação das pes-soas que administram os questionários, a forma como decorre a administração, a colaboração das pessoas inquiridas, a codifi-cação dos resultados e a introdução em suporte informático. Em dois inquéritos realizados a nível nacional pela equipa da FCSH/ UNL, no âmbito dos custos sociais e económicos da violência exercida contra as mulheres (2003 e 2005), e cujos questionários foram administrados em papel, foi realizado um exercício com o objectivo de medir alguns erros indirectos. Concluiu-se que, só
125
TRABALHO DE CAMPO E RECOLHA DE DADOS
na operação da codificação e introdução dos dados em suporte informático, o erro indirecto poderia ascender a 15% dos
ques-tionários, o que é manifestamente elevado face à margem de erro da amostra em relação ao universo – o erro directo,
probabilís-tico – que era inferior a 5%.
A partir desse momento, a equipa procurou encontrar uma forma de minimizar este problema e passou a administrar os ques-tionários em PDA, enquanto suporte de substituição das folhas de papel na anotação das respostas. A sua utilização, além de fazer diminuir consideravelmente o risco de cometer os erros indirectos, também facilitava e tornava mais célere a administração do ques-tionário. Ao longo do desenvolvimento do trabalho de campo, os/s inquiridores/as enviavam, via Internet, os questionários realizados através de PDA para a plataforma informática construída para o efeito e localizada no centro de investigação da FCSH/UNL, em Lisboa. Deste modo, a equipa de investigação central acedia diaria-mente aos questionários aplicados e enviados, o que possibilitava um controlo permanente do trabalho realizado, detectando e cor-rigindo os erros de aplicação e validando a informação recebida, enquanto os/as inquiridores/as ainda se encontravam no terreno. O controlo era feito, simultaneamente, pela equipa de investigação presente em Lisboa e pela coordenadora do trabalho de campo que acompanhava os/as inquiridores/as no terreno (Dalila Cerejo, uma investigadora da equipa da FCSH/UNL). À medida que os questionários iam chegando à base de dados central, era possível controlar o cumprimento do plano amostral e assinalar os questio-nários que era necessário anular.
A totalidade dos questionários foi descarregada numa base de dados final e, com recurso ao programa MySQL, procedeu-se à importação dos dados do formato MySQL para tratamento em SPSS. Constituíram-se duas bases de dados autónomas: uma para mulheres e outra para homens. Após a validação da codificação final das respostas, realizaram-se vários testes para assegurar a homogeneidade das variáveis e a sua aplicabilidade estatística e sociológica. Mesmo tendo sido possível o acompanhamento diá-rio do trabalho de campo, no final foi efectuado um controlo de qualidade em relação a 10% das amostras, através de contacto telefónico dos/as inquiridos/as que disponibilizaram esse dado.
Bibliografia
BLALOCK, Hubert (1979). Social Statistics. London: McGRAW-HILL (2.ª edição).
LISBOA, Manuel; Barroso, Zélia; Patrício, Joana & Leandro, Alexandra
Coleção
Debater o Social
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Esta obra aborda questões metodológicas e epistemológicas cruciais para o desenvolvimento da investigação sociológica actual. Ela traduz um momento de síntese do conhecimento sobre as metodologias no campo da Sociologia e faz uma meta-reflexão a partir dos problemas e soluções encontradas em mais de duas dezenas de investigações empíricas. Inclui estudos com diferentes âmbitos geográficos (nacional, regional e local), centrados na actualidade ou recuando no tempo sempre que necessário, com abordagens metodológicas variadas (qualitativas, quantitativas e mistas) e que recorrem a escalas de observação distintas (macro, meso e micro). Este livro de metodologia não pretende substituir os manuais já existentes, não repetindo as questões aí abordadas. Ele deve ser entendido como um instrumento metodológico complementar, com questões e temáticas que resultam da experiência de pesquisa, na área das Ciências Sociais, de uma ampla e pluridisciplinar equipa de investigação, ao longo dos últimos 25 anos. Ele percorre as principais fases e momentos da pesquisa, esperando-se que constitua um instrumento útil para estudantes, investigadores e investigadoras.