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A Formação do Professor Primário no Período da Reforma do Ensino Público de 1911 e sua Relação com a Educação Matemática

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A Formação do Professor Primário no Período da Reforma do Ensino

Público de 1911 e sua Relação com a Educação Matemática

Rosangela Kirst da Silveira1

Resumo

Este artigo trata da formação do professor primário e sua relação com a matemática durante a reforma da Instrução Pública de 1911 no Estado de Santa Catarina. Sendo apenas uma parte da pesquisa que começa a tomar corpo, o objetivo principal deste trabalho é entender como se deu a formação em matemática do professor primário durante esta reforma, que começava uma trajetória de institucionalização de sua formação. Compreendendo a escola como local de cultura própria, onde a matemática se constitui como disciplina, este artigo busca nos traços deixados pela história da Escola Normal as respostas para indagações do momento vivido, estabelecendo um diálogo problematizador com as fontes históricas, de onde surgem novas histórias e outra forma de ver a matemática no contexto escolar.

Palavras-chave: história da educação matemática, formação de professores, disciplina escolar.

A passagem pela escola influencia a vida dos seres humanos. São muitos anos dividindo com outras pessoas conhecimentos, angústias, alegrias e vivências que passam a fazer parte de nossa história, de nossas memórias. Uma destas lembranças é a experiência que vivemos com os conhecimentos da matemática, sistematizados em forma de conteúdos a serem ensinados gradualmente durante nossa trajetória escolar.

Por fazer parte de um cotidiano já estabelecido como “comum”, a matemática escolar, assim como outras disciplinas, passam despercebidas enquanto disciplinas específicas, complexas, que possuem suas próprias tessituras e suas próprias histórias. Na verdade, as disciplinas escolares, que fazem parte da trajetória da escola, se constituíram recentemente como campo de pesquisa e permitem o entendimento de um assunto bastante polêmico: os saberes ditos escolares. A origem e o desenvolvimento dos conteúdos ensinados nas disciplinas, assim como a forma como foram ensinados, podem apontar caminhos para as concepções e ideias que circulam nesta instituição social chamada escola. Julia lembra que as disciplinas escolares “[...] não são nem uma vulgarização nem uma adaptação das ciências de referência, mas um produto específico da escola, que põe em

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Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina. Email: roksilveira@yahoo.com.br. Orientadora: Professora Doutora Claudia Regina Flores.

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evidência o caráter criativo do sistema escolar” (2001, p. 33), podendo ajudar no entendimento das mudanças e do estabelecimento da disciplina como é hoje.

Segundo o mesmo autor, contar a história das disciplinas escolares, e não a história das instituições ou das idéias pedagógicas, possibilitará o acesso às práticas de ensino, permitindo a compreensão dos objetivos que se fizeram presentes na constituição da disciplina (2001, p. 33). Chervel argumenta que a história “se dedica a encontrar na própria escola o princípio de uma investigação e de uma descrição historiográfica específica” e que “porque são criações espontâneas e originais do sistema escolar é que as disciplinas merecem um interesse todo particular” (1990, p. 184). Neste sentido, a participação dos professores, que também fizeram parte da cultura da escola e ajudaram a validar o papel das disciplinas, torna-se inestimável objeto de pesquisa e um caminho precioso, onde os traços deixados pela história contarão novas histórias através dos questionamentos do pesquisador. Neste caso, Valente nos diz que importa entender que

Os fatos históricos são constituídos a partir de traços, de rastros deixados no presente pelo passado. Assim, o trabalho do historiador consiste em efetuar um trabalho sobre esses traços para construir os fatos. Desse modo, um fato não é outra coisa que o resultado de uma elaboração, de um raciocínio, a partir das marcas do passado, segundo as regras de uma crítica. Mas, a história que se elabora não consiste tão simplesmente na explicação de fatos. A produção da história, tão pouco é encadeamento deles no tempo, em busca de explicações a

posteriori [...] VALENTE, 2007, p. 31

Definido o caminho a seguir, surgem então, os questionamentos, a problematização do momento vivido e do momento passado. Mais especificamente em educação matemática, os questionamentos levantados por Valente são pertinentes, pois dão direcionamento para a pesquisa:

Por que hoje colocamos os problemas sobre o ensino de matemática do modo como colocamos? Por que pensamos em reformas sobre esse ensino do modo como são propostas? Por que ensinamos o que ensinamos em matemática? Por que determinados saberes matemáticos são válidos para o ensino em detrimento de outros? Essas são questões do presente, naturalizadas, não-naturalizadas, que a prática da história da educação matemática tem a tarefa de desnaturalizá-las. VALENTE, 2007, p. 38

A formação do professor primário e sua relação com a educação matemática é a questão que levantamos como pesquisa. Objetivamos compreender como se deu a formação em matemática dos professores primários em Santa Catarina a partir da fundação

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da Escola Normal, que se constituiu como a primeira tentativa oficial de profissionalização daqueles que ensinavam. Como recorte temporal fica estabelecido a Primeira República que, tendo como pano de fundo os ideais Republicanos, inicia uma empreitada no estabelecimento da formação dos professores primários. Trata-se de uma investigação historiográfica com análise documental, considerando leis, decretos, artigos em periódicos, relatórios, livros didáticos.

A formação de professores é alvo de muitas pesquisas, mas o número delas se reduz à medida que localizamos no ensino primário e, menos ainda, em Santa Catarina. Mas, é necessário pontuar as pesquisas feitas até agora no âmbito da história da formação de professores primários em Santa Catarina e que muito tem me ajudado na descoberta das fontes de pesquisa. Primeiramente, destaco a tese de Gladys Mary Teives Auras, Uma vez

Normalista, sempre Normalista: A presença do método de Ensino Intuitivo ou Lições de Coisas na Construção de um Habitus Pedagógico (Escola Normal Catarinense 1911-1935)

– UFPR – 2005, que pesquisou a constituição de um habitus pedagógico na formação dos professores da Escola Normal Catarinense através das idéias do método Intuitivo ou Lições de Coisas, implementado pela reforma da Instrução Pública de 1911; A dissertação de Marlete dos Anjos Silva Schaffrath – UFSC – 1999 - A Escola Normal Catarinense de

1892: Profissão e Ornamento, que pesquisou as ações do poder público com relação à

criação e o funcionamento da Escola Normal em Santa Catarina de 1892; Também, a dissertação de Rosiclér Schafaschek – UFSC – 1997 - Educar para Civilizar e Instruir

para Progredir: Análise de Artigos divulgados pelos jornais de desterro na década de 1850, cujo objetivo foi analisar o contexto da criação da Instrução Pública através dos

jornais que circulavam na época; Ensino Público, Nacionalidade e Controle Social:

Política Oligárquica em Santa Catarina na Primeira República, 1900 – 1922, dissertação

de Paulo de Nóbrega – UFSC – 2000, que pesquisou as reformas educacionais e as questões políticas, os interesses do ideário paulista que influenciaram a legislação e a formação dos professores em Santa Catarina; A dissertação de Jairo Cezar, A

Institucionalização do Magistério Público, UDESC – 2005, que pesquisou a trajetória

histórica da institucionalização da profissão do professor catarinense a partir da Proclamação da República. Particularmente, para a educação matemática nada foi encontrado

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Fora da limitação geográfica de Santa Catarina, destaco duas teses sobre o tema que estão colaborando muito com este trabalho: A presença da Matemática na formação do

professor do ensino primário no Estado de São Paulo no período de 1890 a 1930, de

Maria Carmem Lopes da Silva – PUC/SP – 2008, que pesquisou a formação do professor primário em São Paulo no período de reformas educacionais que foram significativas para a escola, assim como o caminho percorrido pela matemática neste processo; A Aritmética

Escolar no Ensino Primário Brasileiro: 1890 – 1946. Tese de David Antônio da Costa –

PUC/SP – 2010, que trata especificamente do conceito de número e suas transformações durante o período citado acima, usando o livro didático como fonte de pesquisa.

Como limite temporal para este artigo utilizaremos como referência a Reforma da Instrução Catarinense de 1911 que deu um impulso forte na organização da Escola Normal. Diante disso, se faz importante uma contextualização histórica que permitirá ao leitor se situar no tempo e entender as questões culturais e políticas da época. A seguir, então, um breve relato sobre a história do Brasil e de Santa e, em um segundo momento, apontamos o que a pesquisa vem mostrando sobre a presença da matemática na formação dos professores da Escola Normal.

Após a Proclamação da República o Brasil começa a se modificar. Os padrões de educação europeus serviam de parâmetro para modernizar o país que, frente à atrasada estrutura da instrução pública brasileira, parecia a receita perfeita que salvaria o país do atraso cultural. O índice elevado de analfabetismo e um grande número de habitantes que não falavam a língua pátria em Santa Catarina também eram entraves para o progresso pretendido pelos ideais da República recém fundada no Estado. Seria necessário incutir novos valores e costumes, tarefa atribuída ao Ensino Primário e, consequentemente, aos professores formados pela Escola Normal, que atuariam diretamente nas escolas.

A reorganização do Ensino Público Catarinense, concretizada a partir de 1911, foi decisiva para o desenvolvimento das ideias republicanas e liberais que caracterizavam o fim do século XIX e início do século XX. Com o objetivo maior de “civilizar”, “modernizar” e “organizar” a população brasileira, a educação serviria como condutora de tais concepções, como instrumento de homogeneização para uma sociedade liberal.

Desde o ano de 1892, com a criação da primeira Escola Normal em Santa Catarina, o governo pretendia utilizar-se da estratégia de usar a educação para enquadrar o povo nos

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pressupostos republicanos. A grande referência era a Escola Normal do Rio de Janeiro, o centro político do país, que já havia sido fundada em 1835. Leis e Decretos regulamentavam as várias tentativas que foram feitas para o estabelecimento de uma escola específica para a profissionalização dos professores, porém, a falta de recursos do Estado não permitia uma organização eficiente, causando aberturas e fechamentos constantes.

A Lei nº 846, de 11 de outubro de 19102, autoriza e dá a base legal para a reforma do ensino catarinense no governo de Vidal Ramos e será decisiva para o futuro da educação no Estado. Esta lei determinava que o Ensino Público deveria ser ministrado através das Escolas Ambulantes, Escolas Isoladas, Grupos Escolares e Escola Normal e autorizava a reorganização do ensino pautado nos “modernos processos pedagógicos” e a contratação de “até três professores de reconhecida competência para dirigirem os primeiros Grupos Escolares que forem creados e auxiliarem o governo na referida reorganização”. A Escola Normal também deveria ser reformulada e a construção de prédios novos para os Grupos Escolares é autorizada, sendo mencionada a disponibilização de recursos pelo Estado para todas as providências.

O gerenciamento do Estado positivista exigia uma normatização pautada em leis, decretos, atos ou regulamentos que tornassem institucional as práticas republicanas que, segundo Nóbrega, traduzia “... a crença na positividade da lei” (2000, p. 16). Com relação à reforma da instrução pública catarinense, a partir da Lei nº 846, muitos aparatos legais foram implantados para normatizar os objetivos do governo, principalmente no ano de 19113, tendo relevância para este artigo citar os seguintes decretos:

Decreto nº 572 de 25 de fevereiro, que reorganiza o Ensino da Escola Normal Catarinense; Decreto nº 585 de 19 de abril, que reorganiza a Instrução Pública do Estado de Santa Catarina;

Decreto nº 586 de 22 de abril, que expede o Programa de Ensino para a Escola Normal; Decreto nº 587 de 22 de abril, que aprova e manda observar o Programa de Ensino dos Grupos Escolares;

Decreto nº 593 de 30 de maio, que expede o Regulamento para a Escola Normal Catarinense;

Decreto nº 596 de 07 de junho, que adota obras didáticas para uso exclusivo nas escolas públicas estaduais.

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Estado de Santa Catarina: Seleção de Leis, 1910, p. 6 e 7. Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. 3

Governo do Estado de Santa Catarina. Ementário da Legislação de Ensino do Estado de Santa Catarina 1835-1979. 1980. P. 37.

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Amparados pela legislação de 1910, os governantes começaram a reforma da Instrução Pública contratando um profissional que pudesse trazer as inovações técnico-pedagógicas da escola moderna. O modelo Paulista de ensino estava em evidência pela utilização de métodos de ensino considerados modernos e aprimorados, pois sua reforma educacional foi liderada por uma linha pedagógica norte-americana, na pessoa de Miss Marcia Browne, que revolucionou as escolas Paulistas com o método Intuitivo e uma maneira diferenciada de encarar o aluno. Sendo assim, o governo do Estado de Santa Catarina foi buscar em São Paulo a pessoa que viria a ser a chave mestra para a reforma Catarinense: Orestes Guimarães.

Nascido em Taubaté, São Paulo, e normalista da Escola Normal da Praça da República na capital paulista, Orestes de Oliveira Guimarães era, segundo Teive, “... um educador profissional na verdadeira acepção do termo...” e “... representava o novo, o moderno, na época representado pelos ideais de progresso e civilização e avalizado pela história dos países mais adiantados, especialmente a França e os Estados Unidos” (2003, p. 223). A partir do trabalho realizado em Joinville, onde organizou e dirigiu o Colégio Municipal, foi contratado como Inspetor Geral da Instrução Pública e tinha como objetivo organizar e dirigir a reforma da Instrução Pública de todo o Estado de Santa Catarina.

Com conhecimento acerca dos novos saberes e das novas práticas pedagógicas, com seu “entusiasmo pela educação” e, principalmente, com domínio do chamado método de ensino intuitivo, ele, sua mulher, a professora normalista Cacilda Guimarães, e mais meia dúzia de professores normalistas paulistas, também contratados pelo governo catarinense para auxiliar na reforma da instrução, eram vistos como “focos de luz” lançados ao “caos” da instrução pública catarinense. Sob o seu comando, o grupo peregrinou por todo o Estado para ‘demonstrar’ o método de ensino intuitivo ou lições de coisas, fazendo circular em terras catarinense a idéia pedagógica da época. TEIVE. 2003. p. 224.

Orestes Guimarães liderou a Instrução Pública em Santa Catarina com muita austeridade, movimentando-se por todo o Estado para divulgar o método intuitivo e fiscalizar o andamento de suas ordens. Segundo Fiori sua personalidade forte deixou marcas por onde passou e “Irritava-se profundamente com o empreguismo e o apadrinhamento político, tradicionais na educação. Suas ordens deveriam ser seguidas à risca e suas decisões eram irrevogáveis” (1975, p. 96). Chegava a passar vários dias na mesma localidade para dar orientações para o corpo profissional da escola, não deixando de lado nem as mais distantes, pois seguia viagem a cavalo quando necessário.

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Cabe salientar que o governo do Estado de Santa Catarina outorgou a Orestes Guimarães todo o poder que exercia, pois fazia parte do projeto republicano a total reforma do ensino público dentro dos moldes burgueses, se desvencilhando totalmente das velhas instituições e de seu modo de ser e pensar. Cabral apud Teive chama a atenção para a verdadeira remodelagem que foi feita em Florianópolis neste período, onde

A capital catarinense passou, então, a ser cenário de uma série de remodelações e reformas urbanas e de novas formas de segregação social, as quais começam a ser iniciadas com a retirada, em massa, de toda a população que vivia nos antigos bairros da região central da cidade: lavadeiras, marinheiros, soldados, mendigos e “mulheres de má vida”, enfim “gente de má fama”, cujos hábitos de higiene e de conduta passaram a ser considerados atrasados e inconvenientes para a sensibilidade burguesa. TEIVE. 2003. p. 225-226.

Este cenário também era visto na Instrução Pública, que precisava a todo custo ser remodelado para sanar o atraso em que se encontrava o Estado. Para isso, o governo estadual e Orestes Guimarães contavam com a Escola Normal para produzir professores que validassem as ideias republicanas, investindo o que fosse necessário para a formação destes. Teive nos conta que o novo método de ensino – Método Intuitivo ou Lições de Coisas – era a estrela principal da reforma e seria o responsável, através das escolas, pela produção do “novo homem, para a nova era, do progresso e da ordem, não qualquer homem, mas uma espécie muito particular: o cidadão republicano” (2003, p. 228).

A admissão para alunos da Escola Normal, segundo o Regulamento da Escola Normal4 já citado anteriormente, era realizado por uma rigorosa seleção. Com relação aos conhecimentos matemáticos exigidos no documento, que deveriam ser comprovados através de prova escrita, oral e prática, é possível verificar que apenas os conteúdos básicos de aritméticas eram cobrados.

Arithmetica – Resolver quatro problemas faceis nos quaes entrem, simultaneamente, as quatro operações sobre inteiros, fracções ordinarias e decimaes. Conhecer praticamente os caracteres da divisibilidade. Achar praticamente o maximo commum divisor e o minimo multiplo commum, confórme os diversos processos. Decompôr os numeros em seus factores primos. Reduzir fracções ao mesmo denominador, simplifical-as e extrahir os inteiros. Tudo praticamente. p. 8

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Estado de Santa Catarina. Regulamento da Escola Normal Catarinense. Aprovado e mandado observar pelo Decreto n. 593 de 30 de maio de 1911. Fonte disponível no APESC.

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No Decreto n. 572, que reorganiza o ensino em Santa Catarina, encontramos pistas de uma intenção em modificar as disciplinas do currículo, pois “[...] a actual organização da Escola Normal se resente de lacunas na distribuição pratica das disciplinas que são indispensaveis aos que se pretendem dedicar ao magisterio do Estado”5

. Este mesmo Decreto institui como a 6ª Cadeira da Escola Normal Catarinense a Aritmética, a Álgebra e a Geometria Plana6. Com relação à Matemática o currículo da Escola Normal Catarinense, com a reforma de 1911, não difere muito do antigo currículo e, como diz Teive “[...] no novo desenho curricular da Escola Normal o novo e o antigo parecem amalgamar-se, a não ser por um único diferencial, fundamental: o novo método” (2003, p.251).

Mesmo assim, a reforma trouxe um currículo com traços modernos para a Escola Normal, privilegiando experiências da vida real, trazendo uma forte participação das ciências da natureza. Segundo Teive, as disciplinas científicas que fizeram parte deste currículo foram: “álgebra, geometria, física, química, psicologia, desenho e aritmética (que para ele [Orestes Guimarães, esta última] era uma arte e também uma ciência)” (2003, p. 241). A autora também conta que a aritmética deveria trazer “noções necessárias à vida prática” e, para isso, Orestes Guimarães traz de São Paulo “a introdução do aprendizado dos famosos ‘Quadros de Parker’, considerado o ‘mais moderno processo de cálculo mental’” (2003, p.243). Também é bastante significativo o fato de que a Aritmética tem lugar de destaque no currículo com três aulas semanais durante os três anos do curso, sendo que Álgebra consta do currículo apenas no segundo ano e Geometria no terceiro ano7.

Nóbrega (2002, p. 129) relata que a Aritmética deveria desenvolver o cálculo mental e, com a prática, se tornaria a “arte de saber contar”. O citado autor lembra que o próprio Orestes Guimarães escreveu em um de seus relatórios:

Para prova disso, basta dizer – que diariamente os alumnos do 3º anno levam seis problemas para resolverem em casa, e, que, no 4º anno, foram dados no decorrer

5 Estado de Santa Catarina. Decreto n. 572 de 25 de fevereiro de 1911. Seleção de Leis do ano de 1911, p.

68. Fonte disponível no APESC. 6

Ibidem, p. 69. 7

Estado de Santa Catarina. Programa e Horário da Escola Normal Catarinense. Aprovado e mandado observar pelo Decreto n. 586 de 22 de abril de 1911. Fonte disponível no APESC. Horário Geral anexo ao documento.

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do anno findo perto de novecentos problemas, sobre: inteiros, divisibilidade, maximo commum divisor, mínimo múltiplo commum, números primos, fracções – suas alterações e oprações, dizimas periódicas simples e compostas, medidas métricas – lineares, de superfície, de volume, de capacidade, de peso e de valor, complexos, regra de três – simples e composta, juros simples. GUIMARÃES apud NÓBREGA. 2002. p. 129

A importância dada à Aritmética, à Álgebra e à Geometria como ciência, conforme salienta Auras, precisa ser lembrada dentro do contexto Republicano e positivista da época, pois nos permite entender o papel que desempenhavam de “formar/reformar as classes populares” (2005, p. 199), vinculando os conteúdos ao cotidiano e à vida prática. Não esquecendo, também, que estas “três ciências” tinham muita importância “para a aplicação nas profissões industriais” (2005, p. 204).

A título de encaminhamentos finais para este artigo, é notável a vinculação da disciplina com as questões políticas republicanas que objetivavam formatar o povo aos seus ideais e de formar trabalhadores para suprir as necessidades industriais da época, assim como a forte influência do método Intuitivo ou Lições de Coisas e suas repetições ao fazer a matemática escolar.

Nota-se que para lidar com o objeto de pesquisa e responder a questão colocada é necessário buscar respostas não apenas na legislação, mas também em relatórios, livros didáticos e outros documentos que possam ainda existir e que guardam a memória da matemática na formação dos normalistas. É preciso confrontar os currículos da Escola Normal por um período maior, pegando as reformas de ensino como referências – 1883 (Curso Normal), 1892 (Escola Normal Catarinense), 1907 (Escola Normal Catarinense), 1911 (Escola Normal e Escola Complementar), 1919 (Escola Complementar), 1928 (Escola Normal Catarinense), 1935 (Instituto de Educação) e 1939 (Curso Normal), delimitando a pesquisa com a chegada da Lei Orgânica do Ensino Normal em 1946.

Colocam-se, então, outros questionamentos, que são pertinentes para a continuidade desta pesquisa: Como foi para o ensino da Matemática a vinculação ao método Intuitivo? Qual a importância da matemática para o ensino escolar da época? Que material didático era usado para a formação dos normalistas com relação à matemática?

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Referências Bibliográficas:

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Documentos Oficiais:

ESTADO DE SANTA CATARINA. Programa e Horário da Escola Normal Catarinense. Aprovado e mandado observar pelo Decreto n. 586 de 22 de abril de 1911.

ESTADO DE SANTA CATARINA. Ementário da Legislação de Ensino do Estado de Santa Catarina 1835-1979. 1980.

ESTADO DE SANTA CATARINA. Regulamento da Escola Normal Catarinense. Aprovado e mandado observar pelo Decreto n. 593 de 30 de maio de 1911.

ESTADO DE SANTA CATARINA. Decreto n. 572 de 25 de fevereiro de 1911. Seleção de Leis do ano de 1911, p. 68.

ESTADO DE SANTA CATARINA. Seleção de Leis, 1910, p. 6 e 7. Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina.

Referências

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