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A INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS IMPOSTO AOS MAIORES DE 70 ANOS

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Jun. 2020 – Dez. 2020 v. 15, n. 1, 16-30 ISSN: 2237-8588

http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare A INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO

OBRIGATÓRIA DE BENS IMPOSTO AOS MAIORES DE 70 ANOS

THE UNCONSTITUTIONALITY OF THE REGIME OF SEPARATION OBLIGATORY GOODS IMPOSED TO THOSE OVER 70 YEARS OF AGE

FRANKE, Angélica Cristina1 ; SILVA, Nilce Delha Oliveira da2 Recebido em: 14 de set. de 2020; Aceito em 23 de nov. de 2020; Disponível on-line em 02 de dez. de 2020

RESUMO: A presente pesquisa tem como escopo a análise dos preceitos constitucionais, no que concerne ao direito de liberdade, autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana, com fito à observância da inconstitucionalidade da norma prevista no Código Civil, em que se trata da obrigação do regime da separação de bens aos maiores de 70 (setenta) anos. Pontua-se que tal obrigatoriedade causa críticas no campo jurídico. Em vista disso, os Tribunais de Justiça têm se manifestado de forma positiva quanto à inconstitucionalidade da norma. Devido a isso, há que se realizar análise acurada, tendo em vista que cada caso apresenta uma faceta particular. Cumpre mencionar que o método utilizado no presente artigo consiste em pesquisa bibliográfica, com o objetivo de demonstrar a inconstitucionalidade da obrigação do regime da separação de bens aos maiores de setenta anos. Palavras-chave: Idoso. Inconstitucionalidade. Código Civil.

ABSTRACT: The scope of this research is the analysis of the constitutional precepts regarding the right to freedom, autonomy of will and dignity of the human person, with the purpose of observing the unconstitutionality of the rule set forth in the Civil Code, which deals with the obligation of the regime of separation of property for those over 70 (seventy) years. It is pointed out that such obligation causes criticism in the legal field. In view of this, the Courts of Justice have expressed themselves in a positive manner regarding the unconstitutionality of the rule. Due to this, an accurate analysis must be carried out, bearing in mind that each case presents a particular facet. It should be mentioned that the method used in this article consists of bibliographic research, with the objective of demonstrating the unconstitutionality of the obligation of the regime of separation of property to those over seventy years old.

Keywords: Elderly. Unconstitutionality. Civil Code.

1 Acadêmica do 8º semestre do curso de Bacharel em Direito da Faculdade de Direito de Alta Floresta (FADAF). 2 Docente no Curso de Direito da Faculdade de Direito de Alta Floresta (FADAF).

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1 INTRODUÇÃO

A Lei Maior de 1988 é a base legal para as demais normas existentes, ou seja, norteia todo o ordenamento jurídico pátrio. Desse modo, caso uma norma seja elaborada sem a observância das regras e princípios constitucionais, deve ser declarada inconstitucional.

Dentro desse contexto, o presente artigo aborda o disposto no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, o qual trata acerca da obrigatoriedade do regime de separação de bens no casamento da pessoa maior 70 (setenta) anos.

Insta arguir que o Estado não deve intervir na organização familiar, de maneira a mitigar a liberdade das pessoas, sem haver uma verdadeira necessidade. Dessa forma, verifica-se que, foram apontados os variados regimes de bens adotados pela legislação pátria, bem como seus institutos e características

Vale destacar que o presente tema é de suma importância, pois envolve vários princípios fundamentais, afeta a capacidade para os atos da vida civil e, especialmente, denota discriminação contra os idosos, pela diminuição de autonomia da vontade e da capacidade civil.

Portanto, a presente proibição de liberdade de escolha do regime de bens às pessoas de setenta anos ou mais fere princípios e normas constitucionais, haja vista que, com o aumento da expectativa de vida e consequente crescimento do número de idosos no Brasil, essa imposição legal tende a afetar a cada dia uma parcela maior da população.

Desse modo, a aplicação geral do regime de separação obrigatória de bens fere direitos inerentes ao ser humano, pois não se leva em consideração a vontade da pessoa, nem tampouco existe respeito a seus direitos.

Nesta esteira, utiliza-se o método dedutivo para a elaboração do presente, vez que se parte de análise bibliográfica, por intermédio

da dedução, para da obtenção de uma conclusão a qual norteia a temática, levando-se em consideração determinadas premissas.

2 CONCEITO DE IDOSO E

ENVELHECIMENTO

Cumpre pontuar que, segundo a Lei nº 10.741, de 2003, também denominada de Estatuto do Idoso, especificamente em seu artigo 1º, conceitua como idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.

Do mesmo modo, a Organização Mundial da Saúde - OMS (Brasil, 2015, online) define o idoso a partir da idade cronológica, ou seja, é aquela pessoa com 60 (sessenta) anos ou mais. Segundo Mendes (2005, p. 130), o:

Envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa da vida do homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem de forma particular cada indivíduo com sobrevida prolongada. Ou seja, conforme o aludido acima, o envelhecimento é inerente ao ser humano, pois todos nascem e, com o decorrer dos anos, a velhice vai se aproximando. As mudanças que provocam o envelhecimento podem se dar por diversos fatores, quais sejam, físico, psicológico e, assim, tal processo vai se concretizando.

Já Dias (2015, p. 117) relata que: “Envelhecer é um processo multifatorial e subjetivo, ou seja, cada indivíduo tem sua maneira própria de envelhecer”. Portanto, cada pessoa é única, apresenta, pois, suas peculiaridades, desse modo, cada ser humano envelhece de uma maneira. Desta feita, o que todos possuem em comum é o próprio envelhecimento, porém, a maneira como ele se apresenta é individual.

Acresce Santos (2009, p. 02) que: O processo de envelhecimento provoca no organismo modificações biológicas, psicológicas e sociais; porém, como já referido, é na velhice que este processo aparece de forma mais evidente.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Nessa altura, é pertinente trazer à baila o

posicionamento de Santos (2009, p. 02), sobre usar a idade de 60 anos para se considerar uma pessoa idosa:

Considerando a relação do todo com as partes e vice-versa, o ser idoso não pode ser definido só pelo plano cronológico, pois outras condições, tais como físicas, funcionais, mentais e de saúde, podem influenciar diretamente na determinação de quem seja idoso.

Diante disso, insta arguir que, cada pessoa tem seu envelhecimento único, pois existem inúmeros fatores que podem influenciar nesse aspecto, desse modo, não se pode generalizar, visto que, cada ser humano é único.

No entanto, para poder se chegar a uma data aproximada, foi utilizado a idade de 60 anos, visto que existe a necessidade de unificar uma idade, por necessidade de tipificar direitos, como declarar a idade para aposentadoria, por isso, o imperativo de haver uma idade unificada em todo território brasileiro.

2.1 Idoso na Sociedade

Inicialmente vale pontuar que o envelhecimento da população é um fenômeno mundial, não tendo como pará-lo, visto que todos os seres vivos estão destinados a passar por tal processo. Além disso, observa-se que a população de idosos está crescendo mais rapidamente do que a de crianças.

Cabral (2016, p. 14) destaca que: No âmbito social, as pesquisas recentes apontam que o aumento da expectativa de vida do brasileiro está acompanhado de uma atuação mais incisiva dos idosos na sociedade. Influenciados por fatores de ordem econômica e/ou emocional, o certo é que as pessoas maiores de 60 anos buscam a cada dia participar de alguma atividade e sentir-se um membro atuante. Portanto, consoante ao exposto, é pertinente aduzir que na atualidade, os idosos encontram-se mais ativos, visto que, estão mais presentes no mercado de trabalho, ou seja, estão

buscando maneiras de estarem mais presente no âmbito social, se destacando inclusive na condição de provedores, chefes de família.

Destarte elencar que, segundo Cabral (2016, p. 14): “Ao lado da satisfação pessoal, outro importante fator que contribui para a permanência ou o retorno dos idosos ao mercado de trabalho é a necessidade de ajudar ou até mesmo prover toda uma família”. Ou seja, essa conexão maior na sociedade não é apenas pela necessidade do convívio social, mas por questão de necessidade financeira, para ajudar ou manter o sustento dos membros familiares.

Acerca consumo, Cabral (2016, p. 14) explica que: “Já na área do consumo, um estudo realizado pelo Banco Mundial intitulado Envelhecendo em um Brasil mais velho e publicado no ano de 2011 aponta que os idosos brasileiros são responsáveis por 20% do consumo do país”.

Desse modo, verifica-se que os idosos se encontram consideravelmente ativos no cotidiano da sociedade. Cabral (2016, p. 15), destaca que: “O aumento da expectativa de vida despertou nos idosos sonhos e o desejo de os realizarem, não sendo o limite de idade um empecilho para uma vida amorosa e sexual, sendo este um dos fundamentos deste estudo”.

Nesse seguimento, insta arguir que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Brasil, 2014, online), “o número de matrimônios nesta faixa etária aumentou consideravelmente entre os anos de 2003 a 2013”. Por fim, cabe ressaltar que as pessoas conceituadas como idosas demonstram disposição de viverem e aproveitarem a vida, na busca da realização de seus objetivos, não se deixando limitar pela questão da idade.

Por conseguinte, a sociedade necessita de melhor preparo para aceitar as pessoas idosas, com respeito, em todos os aspectos. Nesse sentido, Gonzaga (2020, p. 08) destaca que:

A sociedade precisa se preparar para o envelhecimento populacional e aprimorar seus meios de proteção e garantias aos direitos dos idosos. Um item essencial

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare nessa preparação é, mais uma vez, sua

conscientização na prevenção da violência contra a pessoa idosa e nas formas de assegurar um envelhecimento digno e saudável, sem temor ou tristeza.

Conforme o aludido acima, evidencia-se que a sociedade, num todo, deve se organizar para a chegada do envelhecimento, pois é um ciclo natural do ser humano e é essencial se destacar o tratamento que o idoso merece receber, portanto, todos que compõem a sociedade devem respeitá-los, em todos os aspectos, para que, assim, eles possam viver dignamente, como seres humanos portadores de direitos.

Nesse ínterim, Gonzaga (2020, p. 08), ainda, ensina que: “O idoso, no Brasil, ainda representa um problema social, e a conscientização da população, neste sentido, é o caminho certo para garantir um envelhecimento populacional com mais respeito, dignidade e, principalmente, com qualidade de vida”.

Observa-se que a pessoa idosa não é tratada com o devido respeito que merece, muitas vezes, é agredida, verbalmente ou até mesmo fisicamente, ou seja, não tem seus direitos resguardados, pelas demais pessoas.

Complementa Gonzaga (2020, p. 08) que: “A sociedade deve assumir sua responsabilidade conscientizando-se e atuando preventiva e corretivamente, pois é preciso que o idoso se sinta protegido, cuidado e amado”. Explicite-se que é dever da sociedade o cuidado para o idoso, inicialmente, com um agir de maneira preventiva, zelando pelo idoso, pois essa é uma fase por que todos os seres humanos, se seguirem o curso natural da vida, irão passar. 2.2 Constituição Federal e o Estatuto do Idoso

Preliminarmente, cumpre pontuar que é recente a legislação que veio para tratar da proteção dos idosos no País, visto que, apenas com a chegada da Constituição Federal de 1988, mais especificamente em seu artigo 229,

aduzindo sobre da obrigação dos pais para com os filhos e dos filhos para com os pais, ou seja, os cuidados na velhice, outro artigo importante e o 230 caput, parágrafo 1º e 2º da CF, qual dispõe acerca dos direitos inerentes aos idosos, sendo o marco inicial dessa proteção, ou seja, ela impulsionou tal proteção, haja vista que, anteriormente, poucos foram os instrumentos criados pelo Estado com tal finalidade.

Nessa esteira, frisa-se que os direitos concedidos aos idosos eram pautados na retribuição do trabalho prestado na sociedade, mas não era levada em consideração a sua própria condição de velhice. Desta feita, cumpre destacar o entendimento de Faleiros (2012, p. 46), o qual ensina que as Constituições anteriores à de 1988 pouco previam acerca dos direitos dos idosos.

Destarte, cumpre ressaltar que, hodiernamente, após a promulgação da Lei Maior, a família, a sociedade e o Estado possuem o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando, para tanto, sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, na garantia do direito à vida.

Coadunando com o exposto Moraes (2013, p. 874) ensina que:

Mais do que reconhecimento formal e obrigação do Estado para com os cidadãos da terceira idade, que contribuíram para seu crescimento e desenvolvimento, o absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual como comunitário, espiritual e social, relaciona-se diretamente com a previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana.

Nessa toada, pode-se considerar que uma das maiores riquezas presentes em um país é a garantia da qualidade de vida de seus cidadãos. Fato notório é que, para se obter esta, necessária a implementação de políticas públicas com tal finalidade para que o reconhecimento dado aos idosos, responsáveis pela criação história do país, possua o efeito de multiplicador da cidadania, ensinando, assim, o respeito para as novas gerações.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Necessário e fundamental não perder de

vista o fato de que aos idosos é devida a atenção, a segurança e o amparo, não apenas por parte do Estado, mas da sociedade em geral. Entrementes, o merecimento de uma atenção especial não faz dos cidadãos idosos pessoas sem dignidade ou sem o seu direito à liberdade de escolha.

Em sua forma mais concreta, os direitos fundamentais designam, de acordo com Silva (2011, p. 178):

Aquelas prerrogativas e instituições que ele (o ordenamento jurídico) concretiza em garantia de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.

Ressalta-se que, visando à consagração dos direitos de todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, foi adotada pelo Congresso Nacional a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, denominada Estatuto do Idoso, garantindo-lhes o pleno gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e confirmando o princípio da solidariedade, obrigando a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, ao esporte, à cidadania, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Impende destacar que a intensidade e a efetividade do respeito aos idosos demonstram elevado grau de desenvolvimento de um povo, assim, a prestação dos serviços beneficia a sociedade como um todo. Nessa toada, proporcionar ao idoso o seu direito à dignidade é uma forma de retribuir a contribuição social realizada por este. Para esse propósito, imprescindível descrever os argumentos perfilados por Ramos (2002, p.49):

É certo que o simples reconhecimento de novos direitos humanos ou sua incorporação aos ordenamentos jurídicos internos de cada estado, tornando-os assim fundamentais, não se revela suficiente para que esses direitos sejam respeitados, contudo, há de se considerar que, no mínimo, desencadeiam um processo de conscientização de que os homens têm direito à liberdade, a todo tipo de liberdade.

Em suma, não resta dúvida de que a pessoa idosa possui prerrogativas constantes no ordenamento jurídico, diferenciando-a de demais elementos sociais existentes, garantindo-lhe, dessa forma, uma melhor qualidade de vida e promovendo a sua dignidade.

Nessa toada, analisa-se que o idoso pertence a uma categoria especial e é nela que se foca o Estatuto do Idoso, a Constituição e outras normativas que possuem o escopo de garantir segurança e proporcionar qualidade de vida e dignidade a ele. Atualmente, é de grande relevância haver responsabilidade de tratamento social adequado para a pessoa idosa. Por fim, insta mencionar que, para uma nação democrática, apenas a existência da legislação e das normas não é suficiente, destaca-se que é de extrema importância que tais direitos sejam materializados, ou seja, tenham eficácia e eficiência. Assim, frisa-se que, no que tange aos direitos dos idosos, estes merecem especial destaque.

3 A CAPACIDADE JURÍDICA DOS IDOSOS

Preliminarmente, vale pontuar que a pessoa idosa deve ser orientada e motivada a decidir sua vida, sua moradia e seus bens. Nesse aspecto, a família deve apenas agir oferecendo o apoio que ela necessita, sem interferir em suas decisões, a não ser que esta seja incapaz de decidir por si só, caso em que se trata de uma exceção, ao contrário, a característica de idoso não interferir em seus direitos como cidadão.

Nesse seguimento, é pertinente pontuar acerca da personalidade, desse modo, Pereira

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare (2010, p. 213) ensina que: “a ideia de

personalidade está intimamente ligada à de pessoa, pois exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres. Esta aptidão é hoje reconhecida a todo ser humano”.

Já Gonçalves (2012, p. 88) assevera que: “Aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, adquirindo personalidade”. Ou seja, é um direito subjetivo, que cada ser humano possui, ao nascer com vida, que a pessoa possui de defender tudo que é seu, desde o direito à vida até aos bens materiais.

Portanto, observa-se que a característica de pessoa expressa a condição para ser parte do ambiente social e jurídico, com a finalidade de resguardar os direitos e deveres legais, já a personalidade se encontra ligada a poder afirmar a sua natureza e exercer a finalidade jurídica.

Insta ressaltar que a família não deve jamais querer tomar as decisões pelo idoso, exceto quando este se encontrar impossibilitado de realiza-lo por si próprio. Nesse sentido, verifica-se que ninguém deve ser impedido de tomar decisões referente a sua própria vida. Em caso de impossibilidade, a norma legal apresenta as hipóteses nas quais a pessoa necessita de interdição judicial.

Cumpre destacar o disposto no artigo 1º, do Código Civil brasileiro, o qual afirma que: “Art. 1 Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Vale aduzir que o Código Civil relaciona o conceito de capacidade ao de personalidade, em que aquele é a medida deste.

Ou seja, verifica-se que a capacidade pode ser plena para uns e, para outros, restrita, desse modo, analisa-se que ela, de certa maneira, limita o exercer da personalidade.

A esse respeito, Santos Silva; Faria (2020, p. 10) aduz que:

Esta competência, de adquirir direitos e deveres de ordem civil, que advém da personalidade, trata-se da capacidade de direito. A ela podemos dar sentido como sendo a aptidão da pessoa em ser titular de direitos, deveres ou obrigações, tendo o

seu início no nascimento e mantendo-se até a morte.

Nesse seguimento, é pertinente trazer à baila os ensinamentos de Venosa (2011, p. 140), o qual ensina que:

Todos nós possuímos a capacidade de direito, visto que, mesmo o recém-nascido ou doente mental possuem esse potencial, derivado da aquisição de personalidade, porém, ser potencial não significa exercer de fato este poder. Para isso existe a concepção da capacidade de fato, chamada também de capacidade de ação ou de exercício, onde efetiva a nossa capacidade plena para a prática de atos da vida civil. É essencial frisar que, consoante o exposto, a totalidade dos seres humanos nascem com esse direito à personalidade, portanto, todos devem ser respeitados. A característica de idoso, levando aqui em consideração que se considera idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, não pode ser tratada com uma regra permissiva a que essas pessoas percam seu direito de tomar suas próprias decisões.

Por fim, insta ressaltar que o Brasil é um país livre, onde os cidadãos são dotados de direitos e obrigações legais. Portanto, devem ser respeitados a cada momento e fase de sua existência, para que, assim, possa se efetivamente concretizar o direito à dignidade da pessoa humana, ou seja, viver dignamente. 3.1 Da Dignidade da Pessoa Humana

Aufere-se que o princípio da dignidade da pessoa humana fora consagrado pela Constituição Federal como fundamento da República, insculpido em seu artigo 1º, inciso III, representando o princípio essencial e basilar de todos os direitos previstos na ordem constitucional, tendo como parâmetros a realização de todos os membros da família.

Nessa esteira, Dias (2015, p. 44) ensina que: “o princípio da dignidade da pessoa humana é carregado de sentimentos e emoções. É impossível também uma compreensão totalmente intelectual e em face dos outros princípios”.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Salienta-se que. com a proclamação desse

princípio fundamental, abriram-se caminhos para as transformações jurídicas das relações familiares, associando-se à atual concepção da família.

De acordo com Bicca (2016, p. 20): Sem este princípio fundamental, nenhuma das transformações ocorreria na família brasileira. Somente o respeito incondicional à pessoa humana é capaz de assegurar valores essenciais e direitos da personalidade. Quando se reconhece em cada membro da família, um sujeito com direito a sua dignidade, podem-se esperar a realização e o desenvolvimento de cada integrante da família.

Observa-se, entretanto, a dificuldade em se atribuir um conceito absoluto a ser aplicado ao dado princípio, considerando-se que este se encontra presente nas mais diversas situações do mundo jurídico, principalmente no concernente ao Direito de Família, que busca elevar o homem a um patamar de excelência.

Em virtude do exposto, tem-se que o princípio da dignidade da pessoa humana traz a ideia de respeito ao ser humano, de proteção, em especial no que tange à proteção da entidade familiar, de modo a assegurar a realização de todos os seus membros, principalmente no que concerne à pessoa idosa.

Discorrendo acerca da importância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, cumpre trazer à exposição os ensinamentos de Monteiro (2012, p. 31), que leciona:

Essa proteção revela-se, desde logo, na parte geral do Código Civil de 2002, ao versar sobre os direitos da personalidade, que são aqueles direitos subjetivos irrenunciáveis e intransmissíveis em regra, salvo disposição em contrário, como dispõe o art. 11 desse código, inatos ou originários, essenciais, oponíveis erga omnes e imprescritíveis, que conceituamos como as faculdades que tem por objeto os modos de ser físico ou moral da pessoa em si e em suas projeções sociais, com vistas à proteção de essência da personalidade. Desta feita, por intermédio deste princípio, as relações jurídicas, de qualquer

ramo do direito, e, principalmente, do direito de família, são reguladas de maneira que os demais princípios sejam por ele sustentados, objetivando assegurar o direito à vida, à identidade, bem como promover a proteção da integridade dos idosos.

3.2 Da Autonomia da Vontade

O presente princípio é essencial a fim de que cada pessoa se sinta livre, para tomar suas próprias decisões, usando a sua autonomia para tomar deliberações inerentes à sua vida privada.

Nesse sentido, convém elencar que, de acordo com Pona (2015, p. 113): “A vontade humana, sabe-se, uma vez externada, tem potencial monogenético, ou seja, é apta a gerar normas que vestem a roupagem da juridicidade e produzem efeitos na esfera jurídica”.

Segundo aduz Gama, Mattos; Nunes (2016, p. 06) sobre o posicionamento da Organização Mundial da Saúde a respeito da autonomia: “A autonomia e independência ao longo do processo de envelhecimento é uma meta fundamental para indivíduos e governantes”. Ou seja, o idoso merece ser livre, tomar suas próprias decisões, ter o direito de realizar as escolhas inerentes à sua vida e ao seu modo de viver, pois, conforme explicado acima, esse princípio é fundamental na existência do ser humano.

Cumpre ressaltar o conceito de autonomia bastante elucidativo oferecido pela Organização Mundial da Saúde – OMS (Brasil, 2005, p. 14) “a habilidade de controlar, lidar e tomar decisões pessoais sobre como se deve viver diariamente, de acordo com suas próprias regras e preferências”.

Para Gamas, Mattos; Nunes (2016, p. 09): “A autonomia significa autogoverno, manifestação da intersubjetividade, elaboração de preceitos que guiarão a trajetória do indivíduo, observadas as leis externas prescritas pelo Estado para que se conviva em sociedade”. Por isso, o seu respeito é essencial, pois, conforme exposto, a pessoa não perde os seus direitos só por estar em idade mais avançada.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Ao contrário, é exatamente nessa fase que a

pessoa merece ainda mais respeito.

Desse modo, o princípio da autonomia pode ser visto como a possibilidade de o ser humano autodeterminar-se livremente, tomar suas decisões conforme seus próprios interesses e sem sofrer coações, mormente também não venha a ferir direitos de terceiros.

Nesse diapasão, insta referenciar a Lei Maior de 1988, que dispõe que o Brasil é um Estado Democrático de Direito. Desse modo, a Constituição Federal determina um rol aberto de direitos fundamentais concentrados, esses se encontram positivados principalmente no artigo 5º, para que, assim. todos possam exercê-los livremente, já que se trata de direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos.

Teixeira (2010, p. 171) ensina que: “Cuida-se de possibilidades atribuídas a cada pessoa para que ela escolha a melhor forma de se realizar: é o viés existencial da autonomia privada”. Desse modo, com base no exposto, evidencia-se que não podem os familiares de um idoso ou o Estado se incumbirem da responsabilidade de tomar decisões em nome da pessoa idosa ou coagi-la a se decidir de acordo com os interesses alheios.

Portanto, a decisão da pessoa idosa deve ser livre, pautada unicamente em sua vontade, pois, desse modo, faz jus ao seu direito como cidadão e exerce o princípio da autonomia.

Para reforçar o aduzido, Lenza (2012, p. 243) destaca que:

[...] a autonomia é a expressão em que, refere-se à capacidade das pessoas em realizar as suas tomadas de decisões frente à prática dos seus atos. Considera-se autônomo o indivíduo que consegue expressar a sua vontade, que age conforme suas crenças e valores morais, que possui a faculdade de analisar e se responsabilizar sobre seus atos e as consequências que deles resultarem.

Por derradeiro, vale reforçar que a autonomia é a concretização do direito de adotar suas próprias decisões, pautadas em sua

escolha e vontades, ou seja, consiste na expressão da própria vontade do ser humano.

Por fim, vele reprisar que, como dever legal, a pessoa idosa necessita ter seus direitos resguardados de contínuo, pois somente desse modo se está preservando o princípio da autonomia inerente a cada ser humano.

4 DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

Insta elencar que a escolha do regime de bens, realizada na ocasião do casamento, rege a situação patrimonial durante o tempo de vigência do matrimônio, todavia, ao final da união seus efeitos são mais impactantes.

Nesse seguimento, vale destacar que o Código Civil, em seu artigo 1.641, no inciso II, aduz acerca do presente regime: “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: II - da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)”.

Todavia, é pertinente elencar o posicionamento de Baroni; Beckert Cabral; Carvalho (2016) os quais expõem que: “O regime da separação obrigatória de bens, como o próprio nome já diz, é imposto por lei em determinadas situações, ou seja, nos casos listados abaixo, os noivos não poderão escolher o regime de bens que quiserem, por não cumprirem algumas condições”.

Nessa modalidade, a pessoa idosa não tem opção ou autonomia para efetuar a escolha do seu regime de casamento, ou seja, o legislador impõe uma determinada modalidade e a pessoa somente tem a opção se escolhê-la.

Observa-se que esse regime fere profundamente o princípio da autonomia, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, haja vista que se vive em um país livre, por conseguinte a liberdade de decisão é inerente a isso, desde que cumprido o requisito de que o indivíduo seja plenamente capaz.

Nesse seguimento, é interessante trazer à baila os ensinamentos de Dias (2011, p. 89):

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare A forma encontrada pelo legislador para

evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem desobedece ao conselho legal e insiste em realizar o sonho de casar é impor sanções patrimoniais. Os cônjuges casados sob o regime de separação obrigatória não podem contratar sociedade entre si ou com terceiros. Parece que a intenção do legislador é evitar qualquer possibilidade de entrelaçamento de patrimônios.

Portanto, trata-se de mera tentativa de limitar o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. Por conseguinte, vale destacar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça – STF, na súmula nº 377, consoante a qual: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Ante o elucidado acima, vale frisar que a jurisprudência, tendo-se em consideração que a convivência leva à presunção do esforço comum do casal, quando se adquire bens na constância da união, se posiciona a fim de realizar a alteração do dispositivo legal que impõe o regime da separação obrigatória.

Insta afirmar que a presente súmula é perfeitamente legal, pois, caso um dos cônjuges venha a comprovar o esforço para a conquista de determinado bem na constância do casamento, cabe-lhe o direito de, ao final da união, receber a sua parte.

É pertinente arguir os ensinamentos de Monteiro (2012, p. 100), para quem: “Essa súmula faz referências aos aquestos e deve ser aplicada com cautela e somente se comprovada o esforço de ambos os cônjuges para a aquisição dos bens”.

Observa-se que, dessa forma, fica determinada a adoção do regime de comunhão parcial de bens, para, desta feita, impedir enriquecimento sem causa de um dos cônjuges às custas do outro, daí a necessidade de comprovar o esforço comum na conquista do bem.

Nesse ínterim, vale destacar que Baroni; Becket Cabral; Carvalho (2016, p. 05) expõem que:

Esta norma é criticada por alguns operadores do Direito de Família, pois impede a pessoa maior de 70 anos de dispor livremente sobre sua vida e sobre seus bens. É importante ressaltar que a idade avançada, por si só, não é causa de incapacidade, não justificando, portanto, a necessidade de imposição do regime legal. Evidencia-se que a idade, por si só, não pode ser critério para impor às pessoas um regime de bens, pois que se deve levar em consideração a plena capacidade, ou seja, se a pessoa se encontra em pleno gozo de suas faculdades metais.

Segundo os ensinamentos de Dias (2011, p. 87):

É imperioso reconhecer que, em qualquer das hipóteses de imposição do regime legal, a separação diz respeito aos bens presentes, e não aos futuros obtidos na vigência do casamento. Esta foi a lógica que inspirou a súmula. O casamento gera plena comunhão de vidas. Em decorrência do dever de mútua assistência os cônjuges adquirem a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. O casamento faz surgir verdadeiro vínculo de solidariedade, não justificando a vedação legal, sob pena de se fomentar o locupletamento indevido de um em detrimento do outro.

Consoante tudo abordado até o momento, vale ressaltar que cada pessoa nasce livre, pois o Brasil é um país democrático de direito. E, conforme analisado acima, o presente regime de bens fere princípios constitucionais, tais como o da liberdade e da dignidade da pessoa humana, já que, nessa modalidade, não há o direito de escolher, tendo em vista que a norma legal simplesmente impõe a modalidade.

Por fim, verifica-se que deve ser levada em consideração a capacidade da pessoa, se está apta a tomar suas próprias decisões, e não se decidir o regime apenas se levando em consideração a idade.

5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO

REGIME DE SEPARAÇÃO

OBRIGATÓRIA DE BENS IMPOSTO AOS MAIORES DE 70 ANOS

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare O casamento é um ato jurídico solene, por

meio do qual homem e mulher visam a constituir uma família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado. Desta forma, de acordo com o artigo 1.639, do Código Civil vigente, os cônjuges possuem a liberdade de escolher o regime de bens que mais se enquadra na situação vivida por eles, mediante a realização do pacto antenupcial, que pode ser o da comunhão universal, comunhão parcial, separação de bens ou participação final nos aquestos.

Entretanto, o art. 1641, inciso II, do Código Civil, traz a obrigação de se adotar o regime de separação de bens, imposta ao nubente maior de 70 (setenta) anos, refletindo, desta forma, na seara do direito consagrado na Constituição Federal de 1988 no tocante à liberdade e à autonomia da vontade.

Coadunando com o cediço, Dias (2011, p. 63) aduz que:

A Constituição, ao instaurar o regime democrático, preocupou-se em banir discriminações de qualquer ordem, conferindo especial atenção à liberdade e à igualdade, e neste particular cita a imposição do regime de separação de bens como um dos mais flagrantes exemplos de afronta ao princípio da liberdade.

Assim, tal restrição não se constitui medida de proteção ao idoso, mas sim de extrema inconstitucionalidade e desrespeito, violando a dignidade da pessoa humana. No tocante à capacidade civil, o Código Civil, em seu art. 1º, traz que: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”, devendo apresentar, para a prática dos atos da vida civil, a maioridade de 18 (dezoito) anos.

Nesta esteira, analisa-se que, uma vez adquirida a plena capacidade civil, esta apenas pode ser afastada nas situações previstas na Lei e somente por intermédio de um processo judicial de interdição. Assim, observa-se que a idade avançada não é sinal de incapacidade para os atos da vida civil, nesta esteira, cumpre mencionar o entendimento de Lôbo (2011, p. 124):

A idade avançada não é por si deficiência ou enfermidade mental. A pessoa pode viver muito tempo como idosa, sem qualquer comprometimento de sua higidez mental. Todos os órgãos da pessoa, inclusive o cérebro, sofrem mutações com o passar dos anos, reduzindo-se as habilidades antes desenvolvidas. Mas essa circunstância natural não é suficiente para suprimir ou reduzir a capacidade de exercício da pessoa, se permanece nela a faculdade de discernir.

Salienta-se que a imposição do regime da separação de bens em decorrência da idade do nubente denota clara ofensa à dignidade da pessoa humana, devendo tal observância ser analisada caso a caso, haja vista que uma pessoa de 70 (setenta) anos pode possuir capacidade de escolha, não podendo tal norma se constituir taxatividade. Nessa toada, a idade não necessita ser observada como circunstância de incapacidade, pois esta leva à redução da autonomia da vontade.

No que tange à revogação do art. 1.641, inciso II, do Código Civil, a Jornada de Direito Civil de 2002 apresenta a seguinte justificativa: A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosa que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses. Nesse diapasão, ao determinar o regime de separação de bens aos maiores de 70 (setenta) anos, o legislador busca impedir a comunhão dos bens, trazendo consequências não desejadas. Ante a prioridade na defesa dos interesses dos idosos, o Estatuto do Idoso, em seu art. 2º, certifica que:

O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare preservação de sua saúde física e mental e

seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Assim sendo, o Código Civil, ao estipular a obrigatoriedade da separação de bens ao maior de 70 (setenta) anos, comete ato de inconstitucionalidade, haja vista que, da dicção de tal norma, o ser humano torna-se absolutamente incapaz, apenas por ter atingido a certa idade em questão.

Nesse ínterim, Pereira (2010, p. 281) leciona:

Se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nestas faixas etárias, certo também que em todas as idades o mesmo pode existir, de modo que a regra da obrigatoriedade do regime de separação de bens em razão da idade não encontra justificativa econômica ou moral, pois a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir.

Ainda, Diniz (2015, p. 176) aborda em sua obra que nem senilidade, por si só, seria suficiente para justificar incapacidade, ou seja, a senilidade não pode ser arguida como causa de restrição da capacidade, visto que, apenas poderá ser alegada em casos onde fique comprovada a incapacidade mental da pessoa.

A jurisprudência pátria tem-se pautado na inconstitucionalidade da regra do regime de separação legal de bens para os maiores de 70 (setenta) anos e, para ilustrar, destaca-se a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

INCIDENTE DE

INCONSTITUCIONALIDADE -

DIREITO CIVIL - CASAMENTO - CÔNJUGE MAIOR DE SESSENTA ANOS - REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS - ART. 258, PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI 3.071/16 - INCONSTITUCIONALIDADE - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE HUMANA. - É inconstitucional a imposição do regime de separação obrigatória de bens no casamento do maior de sessenta anos, por violação aos princípios da igualdade e dignidade

humana.(TJ-MG - ARG:

10702096497335002 MG, Relator: José

Antonino Baía Borges, Data de Julgamento: 12/03/2014, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 21/03/2014.

Nesses termos, aborda-se que a capacidade visa a permitir ao cidadão a autonomia e a liberdade, nisto, constata-se que a pessoa maior de 70 (setenta) anos capaz do pagamento de suas contas e da plena convivência em sociedade é apta a fazer a escolha do regime de bens que lhe couber no caso concreto, conforme seu pleno discernimento.

Nesse viés, analisa-se que, a imposição assume um caráter protetivo, cujo objetivo do legislador é tentar impedir a realização de casamento motivado exclusivamente por questões de interesses econômicos. Diante disso, Dias (2015, p. 327) destaca que:

Das várias previsões que visam negar efeitos de ordem patrimonial ao casamento, nenhuma delas justifica o risco de gerar enriquecimento sem causa. Porém, das hipóteses em que a lei determina o regime de separação obrigatória de bens, a mais desarrazoada é a que impõe tal sanção aos nubentes maiores de 70 anos (CC 1.641 II), em flagrante afronta ao Estatuto do Idoso. A limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma precaução (norma protetiva), se constituiu em verdadeira sanção.

Ou seja, para a ilustre doutrinadora, a presente norma não pode ser enquadrada como sendo uma norma protetiva, ao ser ver é uma sanção, pois, ao se analisar o texto legal, e uma proibição. Portanto, verifica-se que, ocorre um choque direto com o direito à liberdade, no qual o ser humano nasce livre para tomar suas próprias decisões.

Segundo Reis (2018, p. 15): “De mais a mais, mesmo que os nubentes septuagenários comprovem sua capacidade, discernimento, higidez e até mesmo a inexistência de herdeiros, ainda assim permanecerão proibidos de escolher o regime de bens”, ou seja, essa imposição legal, se torna uma verdadeira sanção.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Reis (2018, p. 46) ainda segue pontuando

que:

Não é a idade da pessoa que determina se esta estaria suscetível a um casamento baseado exclusivamente no interesse pelos seus bens, mas diversos outros fatores, e taxar alguém com mais de setenta anos de incapaz é discriminatório e inconstitucional.

Nesse seguimento, segundo o posicionamento de Reis (2018, p. 47), essa norma e tolamente inconstitucional, pois, fere vários princípios e normas constitucionais, e apesar de tentarem se justificar, alegando ser uma norma de proteção ao idoso, observa-se que, não há cabimento para mantê-la em vigor, já que a mesma, é muito preconceituosa e discriminatória, visto que, ao se presumir a incapacidade do ser humano exclusivamente em razão da idade, sendo assim inconstitucional.

Para reforçar ainda mais o aludido, insta relatar que segundo Canuto em artigo publicado pela Revista Brasileira de Direito de Família - IBDFAM (2004, p. 71 - 72), qual afirma que:

A limitação da vontade, em razão da idade, impondo regime da separação obrigatória de bens, longe de se constituir uma precaução (norma protetiva), constitui-se em verdadeira sanção ou restrição de direitos. A lei permite a realização do casamento das pessoas maiores de 60 anos, que diz respeito à questão relativa ao estado da pessoa, constituindo-se em direito indisponível. Sem qualquer imposição justificável, limita a vontade dessas pessoas –apenas em razão da idade –no aspecto patrimonial do casamento, que é direito totalmente indisponível. O que faz o dispositivo é criar uma hipossuficiência objetiva em razão da idade. O que é de todo descabida e inconstitucional. Por tais razões, outra não poderia ser a hipótese interpretativa, senão ler o dispositivo referido a partir da Constituição Federal de 1988, e, consequentemente, considerá-lo como inconstitucional em razão dos Princípios da Isonomia e da Liberdade. Consoante ao supracitado, fica evidente que, se trata de uma restrição abusiva, ou seja, uma verdadeira sanção ilegal. Observa-se que, se trata de uma restrição de direitos

constitucionais fundamentais, quais são inerentes a todos.

Nesse sentido, Coelho (2012, p. 88) assevera que:

Mas é inconstitucional a lei quando impede a livre decisão quanto ao regime de bens aos que se casam com mais de 70 anos. Trata-se de uma velharia, que remanesce dos tempos em que se estranhava o casamento com idade elevada, sendo então legítima a preocupação da lei em evitar a possibilidade de fraudes. Hoje em dia, a permanência da obrigatoriedade do regime de separação afronta o princípio constitucional da dignidade humana. A doutrina já tem assentado o entendimento pela inconstitucionalidade do inciso II do art. 1.641 do CC, embora a jurisprudência ainda titubeie a respeito do tema.

Dessa forma, percebe-se que ao invés de valorizar ainda mais o ser humano, ela busca proteger primeiramente o patrimônio da pessoa, impedindo assim a pessoa idosa, qual lutou para construir seus bens, possa dispor livremente deles, desde que esteja plenamente capaz, no que diz respeito ao casamento.

Portanto, por fim, com base no exposto até o presente momento, verifica-se que, que a idade, por si só, não pode ser utilizada para caracterizar a incapacidade, desse modo, na inconstitucionalidade da vedação à liberdade de escolha do regime de bens para a pessoa maior de setenta anos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo exposto, insta consignar que a regra disposta no Código Civil, atinente à obrigatoriedade do regime de separação de bens aos maiores de setenta anos conflita intrinsecamente com os direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal.

Nessa toada, hodiernamente, as pessoas apresentam expectativa de vida maior, com plena capacidade e melhor qualidade de vida, permitindo-lhes ter sua liberdade e dignidade amplamente respeitadas.

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http://www.ienomat.com.br/revista/index.php/judicare Desta forma, pontua-se que o artigo

1.641, inciso II, do Código Civil, faz uma afronta aos preceitos constitucionais abordados durante a pesquisa, por tal razão, frisa-se que os idosos maiores de setenta anos possuem a autonomia e a liberdade para a escolha do regime de bens, na constância do casamento, uma vez que a vedação de tal liberdade fere de forma concreta o direito fundamental previsto na Constituição vigente.

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