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PARTE I O CONCEITO DE PERCEPÇÃO INCONSCIENTE

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Academic year: 2021

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PARTE I

O CONCEITO

DE PERCEPÇÃO INCONSCIENTE

Nesta Primeira Parte de nossa Dissertação procuraremos realizar uma análise preliminar acerca do conceito de percepção inconsciente, buscando compreender in abstrato, i.e., da maneira mais geral possível: a que ele se refere, qual a natureza dessa referência, e como pode ser definido.

Com isso, nossa finalidade é a de ganharmos uma compreensão ampla do conceito de percepção inconsciente para que possamos, a seguir, analisar como Leibniz prova a existência real dessas percepções, e como elas efetivamente se inserem nos diferentes âmbitos temáticos em que o filósofo desenvolve seus argumentos no decorrer dos Novos Ensaios.

Antes de tudo, porém, uma questão fundamental precisa ser esclarecida: Não existe o termo ‘percepção inconsciente’ nos escritos de Leibniz. Se não existe o termo ‘percepção inconsciente’ nos escritos de Leibniz, não existe o conceito de percepção inconsciente na filosofia de Leibniz?

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INTRÓITO

Tradicionalmente empregado por muitos estudiosos do pensamento leibniziano, tais como Russell, Adans, Jolley, Resher, McRae, Robinet, Deleuze, Ross, Ishiguro, entre outros, o termo ‘percepção inconsciente’ não foi utilizado por Leibniz em nenhum de seus escritos. Em seu lugar o filósofo lançou mão de termos como ‘percepção insensível’, ‘pequenas percepções’, etc, afirmando que por meio dessas o ser humano não era capaz nem de apercepção, nem de reflexão: “(...) existe uma série de indícios que nos autorizam a crer que existe a todo momento uma infinidade de percepções em nós, porém sem apercepção e sem reflexão” (NE, Pref., p.41).

Em vista disso, poder-se-ia interrogar acerca da validade de nossa pesquisa, dado que ela se propõe a examinar um conceito que aparentemente não existe. E pela mesma razão, poder-se-ia também questionar a validade do uso do termo ‘percepção inconsciente’ por parte daqueles estudiosos citados.

Contudo, apesar de ser terminologicamente correta, a crítica não pode ser estendida semanticamente ao pensamento de Leibniz, pois, de acordo com o filósofo, no que diz respeito aos seres humanos, apercepção é o mesmo que consciência: “apercepções ou consciências” (NE, II.xxvii.§23, p.190). De onde forçosamente se conclui que, se existem percepções sem apercepção, então existe o conceito de percepção sem consciência, e, portanto, existe o conceito de percepção inconsciente: “O estado passageiro que envolve e representa uma multiplicidade na unidade ou na substância simples não é mais que a chamada percepção, que devemos distinguir com cuidado da apercepção ou consciência” (Monad., §14, p.97).

Quanto à manutenção do termo ‘percepção inconsciente’, poder-se-ia ainda alegar que Leibniz se utiliza de um outro bastante aproximado, ‘inaperceptível’ (inaperceptible)5, pelo qual poderíamos formar ‘percepção inaperceptível’, livrando o

leitor de um excessivo e dispensável vocabulário técnico.

Todavia, ainda que levando em conta sua razoabilidade, a crítica terminológica mais uma vez deve ser refutada, pois, de acordo com Leibniz, os animais também têm apercepção, apesar de não serem capazes de consciência. De onde se tira que ‘apercepção’ não é sempre sinônimo de ‘consciência’, mas apenas enquanto referente aos seres humanos, e que o termo sugerido, ‘percepção inaperceptível’, não pode ser empregado sem equivocidade, sendo mais correto o emprego daquele que sugerimos ‘percepção inconsciente’.

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Eis por que os animais não possuem entendimento, (...) se bem que tenham a

faculdade de aperceber-se das impressões mais notáveis e mais distinguidas, assim

como o javali apercebe uma pessoa que grita para ele e vai direto em direção à pessoa (NE, II.xxi.§5, p.136).

Por fim, poder-se-ia ainda supor com justeza a possibilidade de Leibniz não ter se utilizado do termo ‘inconsciente’ por força de deliberação, dado que nele poderia ter visto algum inconveniente. Todavia, Leibniz parece nunca ter se pronunciado sobre o assunto. De modo que podemos considerar, por exemplo, que ele não se utilizou do termo apenas porque o mesmo ainda não havia sido empregado conceitualmente por ninguém:

Conceitualmente empregado em língua inglesa pela primeira vez em 1751(com a significação de inconsciência), pelo jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), o termo inconsciente foi depois vulgarizado na Alemanha, no período romântico, e definido como um reservatório de imagens mentais e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa à consciencia. // Introduzido na língua francesa por volta de 1860 (com a significação de vida inconsciente) pelo escritor suiço Henri Amiel (1821-1881) foi incluído no Dictionnaire de I`Académie Française em 18786.

Assim, por conta desses argumentos, acredito termos limpado o terreno base de nossas investigações comprovando a existência do conceito de percepção inconsciente nos escritos de Leibniz. O que também nos autoriza ao emprego do termo relativo e nos coloca em acordo com a longa tradição de estudiosos que citamos acima.

5 Leibniz se utiliza do termo ‘inaperceptível’ por três vezes no Novos Ensaios, para se referir àquilo que

chama pequenas dores não notadas pela alma. Cf. NE: II.xx.§6, p.130; II.xxi.§36, p.148.

6 Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.geocities.com/marcofk2/roudi.htm. Arquivo

consultado em 23 de dezembro de 2002. Referente ao verbete ‘inconsciente’ do Dicionário de Psicanálise, de Elisabeth Roudinesco e Michel Plon: ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dictionnaire de la psychanalyse. Editora Fayard: Paris, 1997. Traduzido para o português: Dicionário de Psicanálise. Trad. Vera Ribeiro e Lucy Magalhães. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 1998.

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A PERCEPÇÃO E OS OBJETOS DA PERCEPÇÃO

Muito antigo e pouco alterado no longo transcurso que teve dentro da história da filosofia, o sentido do termo latino ‘facultas’ (em português: faculdade) remonta às primeiras propostas de se distinguir algumas das atividades ou poderes específicos da alma e se refere a esses poderes. Platão, por exemplo, distinguia três tipos desses poderes: racional, concupiscente e irascível7.

Seguindo essa tradição, Leibniz também compreenderá as faculdades como os poderes que a alma8 traz consigo mesma e pelos quais exerce suas ações específicas,

ressaltando o fato de que não se pode aferir que as faculdades sejam entidades independentes da alma, como se pudessem atuar por si mesmas. De acordo com o filósofo, diz-se que “as faculdades atuam” apenas abusivamente, pois não são as faculdades que atuam, é a alma (ou substância) que atua através de suas faculdades:

É um problema que desafiou as escolas filosóficas desde muito tempo: existe uma distinção real entre a alma e as suas faculdades? Uma faculdade é realmente distinta da outra? Os realistas responderam que sim, os nominalistas que não; a mesma questão foi ventilada acerca da realidade de vários seres abstratos, que devem seguir o mesmo destino. Não acredito, porém, que seja necessário aqui resolver este problema e afundar-se nestes espinhos, embora me recorde que Episcópios a considerou de uma importância tal que acreditou não poder salvar a liberdade do homem se as faculdades do homem não fossem seres reais. Entretanto, mesmo que fossem seres reais e distintos, não poderiam passar por agentes reais, a não ser falando abusivamente. Não são as faculdades ou qualidades que agem, mas as substâncias através das faculdades (NE, II.xxi.§6, p.136-7).

Contudo, apesar de todas as faculdades terem em comum o fato de dependerem ontologicamente da alma a que pertencem, nem todas se ligam exclusivamente a ela, constando também de suas características uma certa relação de dependência para com o corpo orgânico ao qual a alma está ligada (por conta do que sofrem as conseqüências dessa relação, como veremos). São elas as faculdades de: reter (memória), aperceber (apercepção), refletir, entender (entendimento) e querer

7 PLATÃO. La république. In: Ouvres Complètes. Trad. Émile Chambry. Paris: Société d’Edition

Les Belles Lettres, 1949, IV, 440e.

8 Como veremos ao longo de toda essa Dissertação, Leibniz também designará as almas pelos termos

‘substância’, ‘substância simples’ e ‘mônada’. Especificamente em relação às almas humanas, o filósofo ainda se utilizará do termo ‘espírito’. E ele também designará as almas pelo termo ‘enteléquia’: “As enteléquias, isto é, as tendências primitivas ou substanciais, quando são acompanhadas de percepção são as almas” (NE, II.xxi.§1, p.134).

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(vontade). As duas primeiras estão presentes em todas as almas, animais e humanas, e as outras, presentes exclusivamente nas almas humanas.

Diferindo dessas, e também discernidas por Leibniz, as faculdades de perceber e apetecer são caracterizadas pelo filósofo como os constituintes básicos de todas as almas. São as faculdades anímicas por excelência, correspondentes diretos das faculdades de Deus; que Nele são perfeitas e nas almas criadas variam em potência conforme seu grau de perfeição. Dentre as almas criadas, as mais perfeitas são as almas humanas, contando, por isso, com faculdades mais desenvolvidas do que a dos animais (tal como adiantamos acima).

Há em Deus a Potência, origem de tudo; depois o Conhecimento, contendo as particularidades das idéias; por fim a Vontade, que provoca as mudanças ou produções segundo o princípio do melhor. É isso que corresponde ao que constitui, nas mônadas criadas, o sujeito ou a base – isto é, a faculdade perceptiva e a faculdade apetitiva. Em Deus, no entanto, esses atributos são absolutamente infinitos e perfeitos, e, nas mônadas criadas ou nas enteléquias (ou perfectihablies, como Ermolau Bárbaro traduziu esta palavra), não passam de imitações proporcionais à perfeição nelas contida (Monad., §48, p.104).

Nos Novos Ensaios, Leibniz considerará da mesma forma o caráter essencial das faculdades de perceber e apetecer, designando-as como os atributos da alma, i.e., aquilo que é o mais importante e permanente, chamando a atenção para o fato de não se poder confundi-las com suas ações específicas, que são meras modificações. A princípio, Leibniz designará a ação da faculdade de perceber pelo termo ‘pensamento’:

Modificações devem ser distinguidas de atributos. As faculdades para ter percepção e para agir9 (...), são atributos, i.e., os predicados mais importantes e

permanentes; enquanto que pensamento [e] ímpeto (...) são modificações desses atributos (NE, Pref., p.48).

Mais adiante, no mesmo Novos Ensaios, Leibniz retificará esse uso do termo ‘pensamento’, afirmando que ele se refere apenas à modificação específica da faculdade de perceber humana, sendo mais correto nos referirmos à ação da faculdade de perceber presente em todas as almas pelo termo ‘percepção’:

Acredito que poderíamos utilizar um termo mais geral do que pensamento, a saber, percepção, atribuindo o pensamento apenas aos espíritos, ao passo que a percepção compete a todas as enteléquias. Isso, sem querer contestar a quem quer que

9 O termo ‘agir’, nesta passagem, se refere à faculdade de apetecer.

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seja o direito de tomar o termo pensamento no mesmo sentido genérico. Eu mesmo talvez o tenha feito sem maior atenção (NE, II.xxi.§72, p.164).

Relativa a uma das faculdades essenciais da alma, Leibniz assinalará, por fim, que a percepção também é essencial, i.e., uma ação essencial, presente em todas as almas. Ou seja, uma ação que nunca deixa de ocorrer. Logo, nenhuma alma se encontra sem percepção, e o ser humano nunca se encontra sem pensamentos: “Sem dúvida, o pensamento é uma ação e não pode ser a essência: entretanto, é uma ação essencial, sendo que todas as substancias possuem tais ações essenciais (...). Não estamos nunca sem percepções”, (NE, II.xix.§4, p.127)10.

Assim, temos discernidos: a faculdade de perceber, sua ação específica, e o fato de que esta ação nunca deixa de ocorrer, não existindo alma que esteja sem percepção. Todavia, resta avaliarmos o mais importante nisso tudo: O que exatamente é percebido pela alma? Ou seja, quais são os objetos da percepção?

No que concerne aos animais e aos seres humanos, Leibniz nos diz que suas almas estão sempre percebendo o âmbito dos objetos externos e materiais, devido às afetações sensíveis que essas entidades por todo o tempo promovem no corpo orgânico ao qual estão ligadas. Todavia, não existe afetação do corpo sobre a alma, nem da alma sobre o corpo, pois não se pode explicar por meio da razão como uma entidade material pode afetar uma entidade imaterial e vice-versa: “o espírito não pode operar imediatamente sobre o corpo” (NE, II.xxiii.§13, p.171). Por exemplo: não se pode explicar como uma afetação sensível pode produzir as imagens dos corpos, que as almas animais trazem consigo, ou as idéias, pensadas pelas almas humanas:

Não concordo com as noções vulgares, como se as imagens das coisas fossem transportadas até à alma. Com efeito, não se pode imaginar por que abertura ou por que veículo se pode fazer o transporte das imagens desde os órgãos até a alma. Essa noção da filosofia vulgar não é inteligível, como os novos cartesianos bem o mostraram. Não se saberia explicar como a substância imaterial é afetada pela matéria: e recorrer à quimérica noção escolástica de não sei quê espécies intencionais inexplicáveis, que passam dos órgãos para a alma, é sustentar uma coisa ininteligível. Esses cartesianos viram a dificuldade, mas não a resolveram (...) Eu, porém, acredito ter dado a verdadeira solução desse enigma (GP, VII, Correspondência com Clarke, §30, 83-4, p.410).

10 “Para mim, que tenho razões para crer que a alma jamais está separada de todo corpo, acredito que

se pode dizer absolutamente que o homem pensa e pensará sempre” (NE, II.i.§19, p.93).

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Para dar conta desta problemática da relação entre alma e corpo, Leibniz lançará mão de uma das teses mais importantes de seu pensamento, a saber, o princípio da harmonia preestabelecida entre alma e corpo. Por meio dela, o filósofo afirma que toda alma está sempre ligada a um corpo orgânico, e que essa ligação não implica em nenhuma influência direta de um sobre o outro, mas, sim, na existência de um paralelismo (correspondência) entre aquilo que acontece com o corpo e aquilo que acontece na alma e vice-versa: “existe sempre uma correspondência exata entre corpo e alma” (NE, II.i.§15, p.92), pois “o corpo responde a todos os pensamentos da alma, racionais ou não” (NE, II.i.§15, p.92), e “as percepções da alma respondem sempre naturalmente à constituição do corpo” (NE, II.i.§15, p.93):

Existem ordem e conexão nos pensamentos, como existem nos movimentos, pois um corresponde perfeitamente ao outro, embora a determinação nos movimentos seja bruta e livre ou com escolha no ser que pensa (NE, II.xxi.§12, p.139).

Desta forma, quando o corpo orgânico sofre alguma afetação sensível provinda de um objeto material qualquer, a imagem ou idéia que se forma na alma não é exatamente causada por esta afetação, mas, emerge do fundo da alma em paralelo com ela. O que não significa que a alma produza essas noções por si mesma, na medida em que seu corpo orgânico é afetado pelos entes materiais circundantes, mas que ela já traz consigo essas noções:

Deus criou a alma, ou qualquer outra unidade real, de tal forma que tudo tem de surgir nela de sua própria natureza interior, com uma espontaneidade perfeita no que diz respeito a si mesma, e contudo em perfeita conformidade com as coisas fora dela (GP, IV, New system of nature, §14, p.484).

Acertais [Locke] ao pensar que afirmarei que a matéria não pode produzir em nós prazer, dor ou sentimento. É a alma que produz em si mesma tais efeitos, conforme o que acontece na matéria (NE, IV.iii.§6, p.301).

Porventura esquecestes como demonstrei que as idéias estão originariamente no nosso espírito, e que mesmo nossos pensamentos provêm do fundo de nós mesmos, sem que outras criaturas possam ter uma influência imediata sobre a alma? (NE, IV.iv.§5, p.309).

Por isso, apesar de estarem sendo percebidos por todo o tempo, Leibniz afirmará que os objetos externos e sensíveis são apenas mediatos, não podendo agir imediatamente sobre as almas, animais e humanas: “Os objetos externos sensíveis são apenas mediatos, pois não podem agir imediatamente sobre a alma” (NE, II.i.§1, p.87). De onde se segue, também, que os seres humanos estão por todo o tempo pensando sobre esses elementos externos, dado que a percepção humana é pensamento.

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As idéias retidas na memória também são sempre percebidas por todas as almas, animais e humanas: “Um ser imaterial ou espírito não pode ser despojado de toda percepção de sua existência passada. Ficam-lhe impressões de tudo o que lhe aconteceu, e terá pressentimentos de tudo aquilo que lhe acontecerá” (NE, II.xxvii.§14, p.186). De maneira que as idéias retidas na memória nunca serão completamente apagadas, mas sempre estarão na alma, sendo percebidas por ela: “permanece alguma coisa de todos os nossos pensamentos passados, sendo que nenhum deles jamais será completamente apagado” (NE, II.i.§11, p.90).

Diferentemente dos animais, que apenas percebem esses objetos externos e mediatos do âmbito material e suas reminiscências, Leibniz afirma que as almas humanas também percebem por todo tempo algumas idéias que já trazem consigo mesmas, e que não têm exatamente essa relação de correspondência direta com as afetações sensíveis sofridas pelos corpos aos quais estão ligadas. São as chamadas idéias, ou objetos inatos do entendimento puro, presentes na alma como inclinações, hábitos, instintos e virtualidades naturais, sempre imediatas ao entendimento. Quer dizer, sempre percebidas pela alma por meio do entendimento: “não há nada na alma que não seja expresso no entendimento” (NE, I.ii.§3, p.71).

poder-se-á negar que existem muitas coisas inatas no nosso espírito, visto que somos, por assim dizer, inatos a nós mesmos? Poder-se-á negar que existe dentro de nós tudo isto: Ser, Unidade, Substância, Duração, Mudança, Ação, Percepção, Prazer e mil outros objetos das nossas idéias intelectuais? E se tais objetos são imediatos ao nosso entendimento e sempre presentes (...), por que admirar-se ante a afirmação de que tais idéias nos são inatas, juntamente com tudo o que delas depende? (NE, Pref., p.40). Sobre esses objetos inatos, Leibniz ainda afirma que eles são os correspondentes anímicos das idéias presentes no intelecto de Deus. Idéias relativas às verdades eternas de ordem moral e cognitiva (matemáticas, metafísicas e lógicas) que os espíritos trazem como que inscritas em si mesmos, e são percebidas por todo o tempo, devido à imediação que elas têm para com o entendimento:

Todavia, perguntar-se-á ainda em que está fundada esta conexão [presente nas verdades eternas, ou verdades de razão, derivadas das idéias inatas da matemática, da moral etc], visto existir nela uma verdade que não engana. A resposta será que ela está na ligação das idéias. Entretanto, perguntar-se-á, replicando, onde estariam tais idéias, se não existisse nenhum espírito, e qual seria neste caso o fundamento real desta certeza das verdades eternas. Isto nos conduz finalmente ao último fundamento das verdades, isto é, a este Princípio supremo e universal que não pode deixar de existir, cujo entendimento é a região das verdades eternas, como Santo Agostinho o reconheceu e

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o exprime de maneira muito viva. E, a fim de que não se pense ser desnecessário recorrer a Ele, cumpre considerar que essas verdades necessárias contêm a razão determinante e o princípio regulador das próprias existências, e, numa palavra, as leis do universo. Assim, uma vez que essas verdades necessárias são anteriores às existências dos seres contingentes, é necessário que elas estejam fundadas na existência de uma substância necessária. É ali que encontro o original das idéias e das verdades que estão gravadas nas nossas almas, não em forma de proposições, mas como fontes das quais a aplicação e as ocasiões darão origem a enunciados atuais (NE, IV.xi.§14, p.353).

Em suma, três são os objetos percebidos pela alma: os entes materiais, percebidos pelas almas animais e humanas mediatamente a partir dos órgãos sensoriais dos corpos orgânicos aos quais estão ligadas; as idéias retidas na memória, percebidas imediatamente por ambas as almas; e os objetos inatos, percebidos exclusivamente pelos espíritos a partir da imediação que eles têm com o entendimento.

Referências

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