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Um Conto de Manuel Lopes: O querer ficar ou o ter de partir em O Jamaica zarpou

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

TRABALHO FINAL DA DISCIPLINA DE LITERATURAS AFRICANAS DE LÍNGUA PORTUGUESA III

Um Conto de Manuel Lopes: O querer ficar ou o ter de partir em

“O Jamaica zarpou”

Igor Montone de Almeida (6467902)

Profa. Doutora Simone Caputo Gomes

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Querer ficar ou ter de partir?

Este é o dilema que permeia a forma de pensar e as ações de Maninho, o principal personagem de “O Jamaica zarpou”. Dilema que faz parte da cultura cabo-verdiana, pois a opção de partir para alguma terra distante do arquipélago se apresenta como uma possível alternativa – às vezes a única - para a sobrevivência do habitante local em função das adversidades oriundas da conjuntura econômica de Cabo Verde, ou em relação direta aos efeitos calamitosos provocados por secas prolongadas.

Maninho está diante do dilema entre ficar ou partir de Cabo Verde não por iniciativa própria, mas sim pela vontade da tia que o criou desde pequeno. Tia Gêgê, ao pressionar Maninho para deixar o arquipélago de qualquer maneira, busca não só o bem-estar do rapaz – na prática criado como um filho após a morte da irmã e o abandono de Cabo Verde pelo pai – mas também a sua própria sobrevivência, procurando precaver-se contra carências futuras e sem precisar sustentar mais uma pessoa. Ela tem a experiência que só os anos de vida dura fornecem ao indivíduo, fato reconhecido por Maninho, e antecipa que a única alternativa disponível para o sobrinho é a de emigrar, seguir o mesmo caminho do pai a quem ela odeia e culpa pela morte da irmã.

Ao rapaz foi imposta uma condição que ele não procurou e que só ocorria em sonhos idealizados, pois nestes sempre se imaginava como o herói vencedor no caminho da emigração de Cabo Verde, retornando algum tempo depois com dinheiro e muitas aventuras para contar aos amigos que permaneceram no arquipélago.

Maninho é um jovem que vive sempre isolado em seu quarto – sua ilha particular - às voltas com a leitura de muitos livros, sem muita força moral para

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definir um caminho próprio a seguir e sem conseguir encontrar um emprego estável dentro da sociedade urbana na ilha de São Vicente.

Manuel Lopes constrói neste conto um retrato do isolamento muito familiar ao nativo de Cabo Verde, ou seja, uma ilha cercada por um mar alto, juntamente com as dificuldades de sobrevivência, restando aos habitantes locais uma possível alternativa de emigrar para um mundo melhor e mais rico. Este mundo é a Terra-longe1 que no ideário do cabo-verdiano representa uma saída para a carência material existente no espaço atual das ilhas. Pode-se observar que os espaços habitados pelos personagens são suas próprias ilhas: o pai de Maninho habita um navio a vagar pelos oceanos, pois apesar de ser emigrado da ilha, continua a viver em outra flutuante; Maninho vive dentro do seu quarto (“Encafuava-se no canto do quarto, todo dia a ler livros...”), tia Gêgê na sua casa (ela admite à vizinha que “Minhas pernas já não querem estar pra cima, pra baixo.”), a prostituta que circula na região portuária e Lina a cozinhar na solidão do quintal da casa de tia Gêgê.

A possibilidade de ruptura com a terra natal, que é o que a emigração representa para o herói, ocorre com a escala de um oil tanker inglês na ilha de São Vicente, navio no qual o pai, que além de ser um emigrado, praticamente também é um estranho para Maninho, trabalha como foguista. Após vários anos de ausência do arquipélago o pai avisa por carta de seu breve regresso para a ilha. Têm-se aqui dois aspectos abordados por Manuel Lopes: a emigração, o ter de partir explicitado nos pensamentos e ações de Maninho e de tia Gêgê, e o regresso.

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Este último é tratado de forma discreta e é entendido como o breve regresso de um emigrado representado pela figura paterna, e que não tem a intenção de permanecer em Cabo Verde. O pai é o exemplo do tipo de ilhéu que saiu do arquipélago e fixou raízes na Terra-longe e não pretende mais viver em Cabo Verde.

O outro tipo de deslocamento pode ser visto pela ótica espiritual. Trata-se do espírito de Maninho que viaja para fora de Cabo Verde (temos aqui a evasão), ou quando ele sonha em sair de São Vicente para cuidar das terras da tia na ilha de Santo Antão, durante os momentos de desespero e de desorientação psicológica que experimenta.

Ambos são provocados tanto pela pressão da tia, quanto por ele ter abandonado o Jamaica, consequentemente abrindo mão de um futuro de vida. A duração deste tipo de viagem é de um átimo, porém ela ocorre diversas vezes: quando imagina respostas para se defender da tia por tê-la desobedecido, ou durante a correria pelo porto tentando reencontrar o navio. Quando acorda dos seus devaneios vê-se diante da dura realidade de que já não é mais dono de sua “ilha”, ou seja, de seu quarto e sente que tia Gêgê praticamente o expulsou de casa.

Este processo em que a alma viaja para fora das ilhas, retornando em seguida, porém com o corpo físico pregado a terra é que distingue a emigração do evasionismo (Ferreira, 1972, p. 68). Maninho não quer ser um emigrante na Terra-longe, porém acaba por ser um evasionista.

Segundo Mariano, o comentário de Manuel Lopes sobre o grupo que estava por trás da Claridade foi que “não se pode chamar programa ao simples acto de fincar os pés na terra” (Mariano, 1991, p. 97). Este é um importante

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tema que o autor trabalha durante todo o conto: o comportamento e o pensamento de Maninho que deseja ardentemente “fincar os pés na terra”, na sua terra de Cabo Verde, mais especificamente nas ilhas de São Vicente e de Santo Antão. O sentimento do herói é querer ficar e não ter de partir do arquipélago. Mas, no fundo, este dilema não existe para Maninho, apesar de ter-lhe sido imposto, pois ele ama a sua terra natal e não quer abandoná-la. Basta observar as afirmações do narrador2:

Na verdade amava Mindelo. Habituou-se àquela vidinha igual. Era um repetir conhecido e familiar. Um pêndulo de relógio fazendo os mesmos movimentos - e o tempo caminhando. A vida girando a passo. Seus olhos estavam presos a estas mesmas coisas. As ruas razas, batidas de sol e de vento, com as suas casinhas rés-do-chão entre os melhores prédios da cidade, como uma dentadura irregular; este viver tranqüiilo de província e seu bate-boca de intriguinhas sem valor nenhum, - a tia Gegê que o trouxe desde menino até fazê-lo gente, a bicharada ruidosa do quintal que tanto o enervava; o povo bom que não faz mal a ninguém, que gosta do seu violão, da sua morna, do seu grog barato; o mar na baía que desperta sonhos, os vapores que entram e saem, e deixam um vazio e uma saudade nos corações; este viver igual de todos os dias, sem perigos, sem cuidados de maior; a resignação desses corações simples sempre à espera de qualquer coisa que nunca chega. Eram imagens da sua vida quotidiana que o acompanharam desde a infância, e continuariam formando o grande cortejo das recordações, pela vida fóra.

A ilha de São Vicente representa o espaço narrativo principal, enquanto que a de Santo Antão, com sua inclinação natural para a agricultura, representa o sonho alternativo de Maninho como forma de autoafirmação pessoal e de um futuro material com fartura, e ao mesmo tempo independente da tutela da tia. A certa altura, ele replica mentalmente para ela “Quero trabalhar as tuas terras de Santo Antão. Terei aqui o meu quarto. Virei de vez em quando. Trarei queijos, manteiga, produtos das tuas terras. Tu hás - de ver! Tu hás - de ver!”3.

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É o desejo dele de voltar a habitar sua ilha e de ser bem sucedido na vida. A alma, por ser livre, recusa a partida e o corpo físico obedece, permanecendo na Terra-mãe. Assim é que contrariamente ao que a tia Gêgê pensa (“Ninguém conseguiria convencê-la de que o sobrinho não tinha fugido do vapor...”)4

, Maninho não foge do pai e, por consequência, do navio, mas sim abandona a ambos e deixa que partam para a Terra-longe sem ele.

Ao constatar que não mais conseguirá embarcar no Jamaica, pois definitivamente este deixou São Vicente, Maninho sente-se derrotado e completamente solitário. A “escuridão profunda, no porto e no seu espírito – uma desilusão total da vida...”5

pode ser vista como um retrato da morte: não tem para onde retornar, é suprimido pelos amigos, não tem emprego. Está tão arrasado que momentaneamente pensa em suicidar-se no mar, o mesmo que o separa da Terra-longe, mas que o mantém ligado à Terra-mãe.

Neste instante, Maninho tem um lampejo ao lembrar-se de Mané Quinn, um conhecido da ilha de Santo Antão. Este ilhéu deu as costas ao mar, recusando-se a abandonar o arquipélago porque tinha os pés fortemente fincados na terra, suas raízes estavam em Santo Antão, mais especificamente na “terra molhada”, no cuidado de sua terra e na obtenção de alimento. A sua riqueza estava na Terra-mãe e não no além-mar.

Maninho reconhece-se derrotado, porém espiritualmente está tranquilo e sem remorso, pois decidiu o dilema: ficou. Ao mesmo tempo questiona se terá uma nova chance na vida. E, neste ponto, Manuel Lopes encerra o conto com uma linda imagem que mostra toda a beleza da situação através de uma única sentença. Lina toca Maninho docemente no ombro trazendo-o a uma nova

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Ibid, p. 7.

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realidade, como a dizer “Bem-vindo de volta ao lar. Eu estou aqui, eu sou a sua Terra-mãe”.

Referências Bibliográficas

BAPTISTA, Maria Luísa. “Vertentes da insularidade na novelística de Manuel Lopes”, Porto: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, 1ª ed., março de 2007.

LOPES, Manuel. “O Jamaica zarpou” in revista Claridade, nº 4, Ilha de São Vicente, janeiro de 1947.

MARIANO, Gabriel. “Inquietação e serenidade: aspectos da insularidade na poesia de Cabo Verde” in Cultura Caboverdeana: Ensaios. Lisboa, Vega, 1991.

FERREIRA, Manuel. “O círculo do Mar e o “terra-longismo”” em “Chiquinho” in Colóquio Letras, Lisboa, 5: 66-70, janeiro de 1972.

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