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Na Escola de Nazaré: Tornando Sagrada a Minha Família - Frei Bruno Varriano

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Academic year: 2021

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Table of Contents

Apresentação Introdução

Tudo tem início em Nazaré

A cidade de Nazaré na Galileia As ruínas do povoado de Nazaré A Gruta da Anunciação

A casa de São José, casa da Sagrada Família de Nazaré A sinagoga de Nazaré

O monte do precipício

Santuário de Santa Maria do Tremor Nazaré, escola do Evangelho

O silêncio

Anunciação, escola das relações Vida ordinária, escola de cotidianidade Nazaré, escola de humanidade

Escola do trabalho

Nazaré, pedras amadas e vivas Os franciscanos em Nazaré

O Beato Charles de Foucauld em Nazaré Uma família de Nazaré

Viver Nazaré

A Sagrada Família, dom e projeto de Salvação

A participação da Família de Nazaré na história da Redenção O matrimônio de Maria e José de Nazaré

Maria e José, “dom” um para o outro

O dom “esponsal” de Maria e José: a realização do serviço a Cristo e à Sua Igreja Sagrada Família de Nazaré, inspiração da Igreja doméstica

São José, uma paternidade “desafiadora” Maria, uma maternidade eclesial

Jesus, Maria e José, ícone do amor Trinitário Sagrada Família, modelo de todas as vocações

Um discernimento decisivo entre “celibato pelo Reino e Matrimônio” O amor esponsal na vida celibatária pelo Reino dos Céus e na virgindade Vocação ao matrimônio

Verdade e beleza da família

O anúncio do Evangelho da família Matrimônio e família na Bíblia Abertura ao dom da vida

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O desafio da educação dos filhos

O papel dos avós na educação dos netos

Prospectivas para uma Pastoral Familiar no exemplo da Sagrada Família Orientar os nubentes (noivos) ao caminho do matrimônio

Passos do percurso de preparação

Acompanhamento nos primeiros anos de matrimônio Melhorar a comunicação em família

Preparação dos presbíteros para a Pastoral Familiar Misericórdia para com as famílias feridas e frágeis

Atenção àqueles que vivem no matrimônio civil ou em convivência Separados, divorciados não recasados

Divorciados recasados Matrimônios mistos Repartir de Nazaré...

Os mistérios da vida de Jesus em Nazaré Referências bibliográficas

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À “mamma” Lucia in Varriano (In Memoriam). “Mulher de silêncio, de ternura, de escondidos gestos de caridade, me ensinaste a amar Jesus, Maria e José na tua simples vida de fé na cotidianidade...”

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Apresentação

sta apresentação, que tenho a alegria de escrever para o livro de frei Bruno Varriano, contribui para consolidar os laços fraternos que unem o nosso prezado irmão franciscano e a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Paulista de nascimento, mas vivendo há mais de vinte anos na Terra Santa, frei Bruno foi o pregador de um Retiro para vinte sacerdotes de nossa Arquidiocese, que visitaram Israel em outubro de 2014. Foram dias de comunhão fraterna que marcaram aqueles padres e que deixaram em frei Bruno o sentimento de estar “muito ligado à Arquidiocese do Rio”, como ele mesmo afirmou.

A proposta deste livro tem dois aspectos interessantes. Primeiramente, a pertinência do tema, na perspectiva de uma das mais urgentes preocupações da Igreja, que é a família. Tanto que frei Bruno não se esquece de destacar o Sínodo sobre a Família 2014/2015, convocado pelo Papa Francisco.

O livro acrescenta a contribuição do autor à temática, segundo o enfoque por ele escolhido. Este é o segundo aspecto que desejo destacar: a abordagem original de tomar como guia nesta reflexão o exemplo da Sagrada Família de Nazaré. E o autor pôde fazê-lo com a desenvoltura de quem respira os ares palestinos por mais de duas décadas e é, portanto, capaz de conduzir o leitor em uma caminhada espiritual, dentro da realidade concreta daquela terra onde Jesus, Maria e José viveram.

A partir deste contexto, a reflexão irá se ampliar por outros olhares sobre a Família de Nazaré, segundo perspectivas de cunho bíblico, teológico, do Magistério e espiritual. E vai avançar, também, para uma reflexão sobre as vocações na Igreja, que mutuamente se explicam e complementam, como o matrimônio, a vocação sacerdotal e consagrada, o celibato. Ainda contamos com os alicerces que ele propõe para a Pastoral Familiar.

Evidentemente que esta diversidade de abordagens, dentro de uma obra à qual o próprio autor dá a despojada definição de “opúsculo”, não pretende esgotar o tema. Situa-se no âmbito da experiência, sempre iluminada pelo exemplo da Sagrada Família. Daí haure sua força e profundidade. Frei Bruno, com sabedoria, aplica intrinsecamente no seu texto a máxima do Beato Paulo VI na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi 41, que se tornou definitiva para os nossos dias: “O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas.”

Que melhor testemunha da instituição familiar, sob todos os aspectos e para todos os tempos, do que a Sagrada Família? Dela recebemos o exemplo do amor misericordioso que Deus ofereceu à humanidade, em Seu Filho Jesus Cristo, e que frei Bruno descreve

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como lição de acolhimento às famílias feridas e frágeis. E são tantas em nossa sociedade! A Família de Nazaré também nos ensina a viver segundo o Evangelho.

E, “mesmo que não tenhamos soluções para todas as dificuldades que vivem as famílias hoje”, como reconhece o autor, a poderosa intercessão dela nos acompanhará sempre. Esta é a conclusão que frei Bruno irá desenvolver no último capítulo desta obra, no qual lembra a Oração da Sagrada Família, composta pelo Papa Francisco.

Assim como ao ouvi-la pela primeira vez ele foi tocado, concebendo naquele momento o projeto deste livro, assim também dirijamo-nos sempre à Sagrada Família com fé e confiança de que nossos anseios e necessidades serão acolhidos.

Estes são os meus votos a todos os leitores deste livro, a fim de que concluam este itinerário com preciosos frutos, fraternalmente guiados por frei Bruno.

Rio de Janeiro, abril de 2015 Orani João Cardeal Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro

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Introdução

os tempos atuais, especialmente por conta da emotividade e de milhares de pseudossentimentos, torna-se muito difícil falar de família, de matrimônio, de amor esponsal, sem cair em uma retórica ou somente em uma teoria, ou mesmo ainda no pessimismo. Mesmo assim, o desejo em se edificar uma família permanece vivo, em especial entre os jovens, motivando a Igreja, perita em humanidade e fiel à sua missão, a anunciar incessantemente e com profunda convicção o “Evangelho da família”, que lhe foi confiado mediante a revelação do Amor de Deus em Jesus Cristo e ininterruptamente ensinado pelos Padres, pelos Mestres da espiritualidade e pelo Magistério.

Foi com este espírito que Papa Francisco convocou o Sínodo de 2014/2015 com este tema tão atual e urgente sobre a realidade da família. Esse e outros eventos que estão marcando a história da Igreja nos últimos tempos coincidiram com a minha transferência para Nazaré, no ano de 2013, em coincidência com o início do pontificado de Papa Francisco; e deixando Jerusalém, me encontrei a custodiar o Lugar Santo da Encarnação e da Sagrada Família.

Foi na solenidade da Sagrada Família deste mesmo ano que fiz a comovente experiência de presenciar aqui, no Santuário da Sagrada Família, a solene liturgia na qual foi pronunciada pela primeira vez a oração pela família composta por Papa Francisco, e foi naquele momento que nasceu o projeto deste opúsculo, que tem como objetivo colher os pontos nodais sobre o matrimônio e a família, tendo sempre como guia e exemplo a Sagrada Família de Nazaré, na experiência bíblica, no Magistério da Igreja, na convicção, guias e modelos para a realidade da família hoje.

Porém, mesmo sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as possíveis etapas de crescimento das pessoas, que se constroem dia após dia. Esta é a espiritualidade da “Escola do Evangelho de Nazaré”, lugar de compreensão e amor, modelo para todas as vocações, seja religiosa, celibatária ou presbiteral, seja para a vida familiar. A Sagrada Família de Nazaré é espelho de “conciliação e de amor”, no qual se torna possível para todos viver uma autêntica comunhão com Deus, a partir da qual flui a comunhão entre as pessoas.

Partindo da “Escola de Nazaré”, este livro, se assim quisermos chamá-lo, porque ele para mim é um instrumento de mediação e diálogo, tem também a meta de apresentar a visão unitária vocacional, partindo da experiência da Família de Nazaré; e como o primeiro casal criado por Deus (Adão e Eva), feitos à imagem e semelhança Dele, caíram no limite da desobediência, o mistério da Encarnação, no evento do Verbo que se faz Carne e que encontra em Maria e José a própria realidade familiar anunciada pelos

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profetas, é realmente ícone exemplar para a família, para todos os homens e mulheres chamados a reconhecer no “Filho da Virgem de Nazaré” a sua humanidade redimida e salva.

Em concreto, a nossa proposta se articula em quatro partes, no total dez capítulos. Uma das características encontradas em todos os capítulos do livro é uma oração conclusiva, na qual o irmão e a irmã, companheiros neste itinerário e aprendizado de Nazaré, são convidados(as) a rezar, a se deixarem conduzir pelo Espírito Santo, e através do nosso “sim”, como aquele da Virgem Maria e de São José, o mistério da Encarnação pode continuar na nossa vida e o Evangelho pode ser propagado em todos os confins da Terra.

A primeira parte, cujo primeiro capítulo é intitulado Tudo tem início em Nazaré, quer apresentar Nazaré com a sua geografia, a sua história, o seu perfume, o seu clima, convidando o(a) leitor(a) a fazer uma peregrinação espiritual e, a partir desta, a percorrer um caminho interior, guiado(a) pela escola do “Evangelho de Nazaré”, na sua realidade concreta, cotidiana e ordinária da vida.

A segunda parte tem como objetivo apresentar, a nível bíblico, teológico, magisterial e espiritual, a Sagrada Família de Nazaré e mostrar como os seus membros se tornaram exemplo para todas as vocações, seja para o matrimônio, seja para o celibato, na própria relação com Cristo e no serviço a Ele. Neste fundamento se constrói a Igreja como experiência de acolhida e da caridade de Deus em Cristo. Nestes concretos fundamentos se constroem o matrimônio e a família, segundo o modelo da “Sagrada Família” de Nazaré, exemplo de recíproca responsabilidade, na ética do amor, do serviço e da fecundidade da família, presentando a maternidade de Maria como um caminho e modelo para a Igreja. Nesta parte uma atenção especial é dada à figura de São José e à sua participação e cooperação ativa no mistério da Salvação, como modelo para toda paternidade biológica e espiritual.

Na terceira parte, depois da meditação da beleza e da verdade do Evangelho do matrimônio, iremos refletir e colocar os alicerces para a construção de uma “Pastoral Familiar”. Por esta razão, estes capítulos desejam ser um estímulo para a realização de percursos que acompanhem a pessoa e o casal, de tal modo que a comunicação dos conteúdos da fé, fundada em uma experiência de vida, seja oferecida para que toda a comunidade eclesial se torne a base, o terreno (húmus) da própria experiência familiar. Gostaria ainda nesta parte de encorajar a preparação dos presbíteros para a Pastoral Familiar, pois quando fundada na estima recíproca de solicitude entre casais e presbíteros, podemos afirmar que a pastoral está desenvolvendo a sua tarefa de ser referência para a inteira comunidade.

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contemplação da humanidade, mesmo se esta é ou foi ferida na sua história. Por isso, estes capítulos refletem a necessidade de usarmos misericórdia para com as famílias feridas e frágeis. É necessário acolher as pessoas com a sua existência concreta, saber fomentar a sua busca, encorajar o seu desejo de Deus e a sua vontade de se sentir plenamente parte da Igreja, até mesmo quando esses experimentaram a falência ou viveram as situações mais diferentes. Essa meditação, que é a medula (centro) da mensagem cristã, contém sempre em si mesma a realidade e a dinâmica da misericórdia e da verdade, que convergem em Cristo, que se encarnou aqui, em Nazaré, para encontrar o homem na sua história, na sua realidade.

E a reflexão se conclui com o último capítulo, intitulado Repartir de Nazaré, no qual, iluminados pela Sagrada Família, podemos recuperar o gosto da vida ordinária, a simplicidade das pequenas coisas, redescobrindo os valores da cotidianidade. Por isso, retornando e repartindo de Nazaré, mesmo que não tenhamos soluções para todas as dificuldades que vivem as famílias hoje, podemos afirmar que na “oração” da Sagrada Família, no silêncio e na vida escondida, na experiência humana e no operar do “Filho Jesus”, aqui, entre as paredes do lugar onde viveu a Sagrada Família, emana a mensagem da Boa Nova do Evangelho, que é a própria vida doada, e apesar de todas as dificuldades, quero repetir as palavras do anjo, pronunciadas à Virgem Maria, aqui, a poucos metros de onde escrevo: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37). Que a Virgem Maria de Nazaré e São José, seu fiel esposo, guiem as nossas comunidades no acompanhamento das jovens gerações na descoberta e na acolhida da vocação.

Fr. Bruno Varriano, OFM

Nazaré, 25 de março de 2015 Solenidade da Anunciação do Senhor

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Tudo tem início em Nazaré

ora de qualquer previsão, intenção ou projeto, esta criatura que quero chamar de “livro” já passa pelo calor das minhas mãos, aqui, a poucos metros da Gruta da Anunciação, onde o Verbo se fez carne, e da casa de José, onde viveu a Sagrada Família. Este lugar, em que vivo não por mérito, mas por graça, na sua simplicidade e santidade enquadra-se em um mosaico dos tempos que estamos vivendo e da realidade vivida pela Igreja.

Desde o início de seu pontificado, o “bispo de Roma”, como se apresentou Papa Francisco no sagrado da Basílica de São Pedro, demonstrou uma personalidade de homem de Deus, que viveu, vive e deseja continuar vivendo na simplicidade, em um cotidiano estruturado em cordiais contatos humanos, no qual a afetuosidade paterna prevalece sobre a autoridade. Um Papa que se entretém com as crianças, que abraça os pequenos, os simples, os doentes. Que com suas mãos ternas, seus gestos, seu olhar misericordioso, nos faz senti-lo tão perto, tão junto. Que supera as barreiras físicas do mesmo modo que o Deus da Encarnação, o Emanuel, o Deus conosco. Que, com sua humanidade, alegria, misericórdia e consolação, chama a Igreja e todos os cristãos a se conscientizarem da necessidade de uma nova evangelização, sintetizada por ele em um pronunciamento feito no dia 5 de maio de 2013 aos fiéis, na Praça de São Pedro: “Todo cristão e toda comunidade é missionária na medida em que vive o Evangelho, no testemunho do Amor de Deus para com todos, especialmente para com aqueles em dificuldade. Sejam missionários da misericórdia de Deus, que sempre nos perdoa, espera e ama.”

Esta ênfase sobre a misericórdia suscitou um impacto relevante também sobre as questões relacionadas ao matrimônio e à família. Longe de qualquer moralismo, o Papa confirma e alarga horizontes na vida cristã, independentemente dos limites que podemos experimentar e dos pecados que tivermos cometido.

A misericórdia de Deus se abre à conversão contínua e ao renascimento permanente. Por isso, em concordância com o Espírito Santo, que em Nazaré concebeu, por Sua obra e graça, o Filho de Deus no seio da Virgem Maria e que hoje visita, guia e aviva a Igreja, o Papa Francisco convocou o Sínodo de 2014/2015 com temas referentes à família, na qual os valores de uma relação concreta e cotidiana se tornam ícones.

Convocando o Sínodo, ele nos encoraja a sempre olharmos para o próprio futuro com esperança, inserindo nas famílias um estilo de vida que conserva e prospera o amor através de atitudes, como pedir licença, agradecer e pedir perdão, jamais deixando que o sol se ponha sobre uma desavença ou incompreensão, sem que se tenha a humildade de

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pedir desculpas um ao outro.

Junto a todas essas maravilhas de Deus, que sempre nos surpreendem em meio a tantas perguntas inquietantes sobre a nossa existência, e às quais a obediência à minha vida religiosa me conduzia, eis que recebo o chamado do meu superior canônico, comunicando a minha transferência para Nazaré, no próprio ano de 2013, justamente no início do pontificado do Papa Francisco e próximo à convocação do Sínodo com o tema: “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização”.

Assim, já são passados quase vinte anos na Terra Santa, dois deles vividos aqui em Nazaré, nos passos Daquele que é o caminho, a verdade e a vida. Lugar onde Jesus cresceu na Sua humanidade, no ser Filho, e onde conviveu com Sua família, fazendo-se caminho para todos; caminho por Ele percorrido para chegar a Sua plena maturidade (cf. Ef 4,13).

Na primeira parte deste opúsculo, quero transmitir a você, que caminha comigo nesta leitura, a perspectiva que me foi dada por viver na espiritualidade de Nazaré. Apresento-lhes sua geografia, sua história, seu clima, e convido você a percorrer os passos de tantos outros irmãos e irmãs, como o Beato Paulo VI, São João Paulo II, Papa Bento XVI e Papa Francisco, mandando como seu representante Sua Eminência o cardeal Lorenzo Baldisseri, em dezembro de 2013, solenidade da Sagrada Família, que, atraídos pelo perfume vindo do Evangelho, vieram a Nazaré conduzidos pelo Espírito Santo.

Todos eles nos rememoram: tudo tem início a partir de Nazaré.

Oração à Sagrada Família

(Composta por Papa Francisco e pronunciada pela primeira vez em Nazaré, em uma transmissão ao vivo, na Praça de São Pedro, em Roma.)

Jesus, Maria e José, em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, a Vós, com confiança, nos dirigimos.

Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias lugares de comunhão e cenáculos de oração, escolas autênticas do Evangelho e pequenas Igrejas domésticas.

Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais se faça, nas famílias, experiência de violência, egoísmo e divisão: quem ficou ferido ou escandalizado depressa conheça consolação e cura.

Sagrada Família de Nazaré, que o próximo Sínodo dos Bispos possa despertar, em todos, a consciência do caráter sagrado e inviolável da família, a sua beleza no projeto de Deus.

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A cidade de Nazaré na Galileia

Nos papiros gregos de Zenon – séc. II a.C.–, o nome Galileia é uma adaptação do termo hebraico “galil”, que significa distrito. Na Bíblia, ela é citada como “Galileia das nações” (Mt 4,15), “terra da Galileia” (1Rs 9,11), ou simplesmente “Galileia” (Js 20,7).

Flávio José, grande historiador da revolta judaica do século primeiro, foi o pioneiro a fazer a distinção entre a baixa e a alta Galileia, terminologia usada ainda hoje e aceita pelos geógrafos modernos, que sustentam que as diferenças de altura, clima e vegetação justificam os nomes.

A alta Galileia localiza-se a mais de 1000 m acima do nível do mar, o que faz com que, de fato, possua um clima mais frio; enquanto a baixa Galileia está localizada a pouco mais de 600 m.

Para melhor conhecermos o lugar santo da Encarnação e o lugar histórico onde viveu a Sagrada Família de Nazaré, a nossa atenção estará voltada para a baixa Galileia. Nela encontraremos, ao sul, a planície de Esdrelon e o “Lago da Galileia”, onde está situada a cidade de Cafarnaum, para onde Jesus se transferiu, quando deixou Nazaré, vindo habitar por três anos na casa de São Pedro. Das colinas que compõem o belíssimo campo de Esdrelon, contemplamos o Monte Tabor (573 m), o Jabel Jahi (515 m) e o esplêndido Monte Carmelo (546 m).

Na época greco-romana, a Galileia fora disputada por duas cidades: Seforis e Tiberíades. Seforis está situada a poucos quilômetros de Nazaré, possui muitos recursos, e certamente foi a cidade onde Jesus trabalhou com São José. Provavelmente, também foi o lugar onde Ele aprendeu o grego e o latim, o que explicaria sua interlocução com Pilatos sem a mediação de um tradutor (cf. Mt 27,11-15).

Quando Alexandre, o Grande, conquistou a Palestina, em 332 a.C., a língua grega foi imposta como língua do governo e, consequentemente, do comércio e da cultura. É provável que, no tempo de Jesus, os judeus providos de uma boa educação tenham aprendido e usado esta língua, ou, pelo menos, tenham tido um conhecimento básico dela por transitarem entre as cidade helenistas, como Seforis, especialmente aqueles de classes mais altas e que trabalhavam com o comércio ou o governo.

Depois desta breve menção da região da Galileia, podemos finalmente situar a cidade de Nazaré, um pequeno povoado que, quando apareceu pela primeira vez nas páginas do Evangelho, tinha não mais do que 450 habitantes no tempo de Jesus. Um aspecto muito interessante, caro(a) amigo(a), nesta viagem para conhecer a Sagrada Família de Nazaré, é que os estudos das fontes literárias nos levam a situá-la em uma montanha, como podemos verificar no Evangelho de São Lucas 4,29, o que nos induz a acreditar que foi sempre habitada, desde o primeiro século até os dias de hoje, mesmo que não tenha sido

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mencionada no Antigo Testamento.

A raiz da palavra NZR, em que é composto o nome Nazaré, se traduz com a etimologia “Flor”. Realmente, dessa flor da Galileia surgiu Maria, na sua beleza, e José, da família de Davi, na sua justiça. Mesmo que tenha sido totalmente ignorado no Antigo Testamento, o povoado de Nazaré é de grande importância para quem vive no mundo ocidental e cristão. A famosa frase de Natanael, discípulo de Jesus, originário de Caná, é muito significativa: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46).

Os estudos arqueológicos das escavações comprovam que Nazaré era habitada desde 2000 a.C. Estas escavações foram conduzidas pelos arqueólogos franciscanos da Custódia da Terra Santa, frei Benedetto Vlaminck e frei Prospero Viaud, de 1890 a 1910, e continuadas por frei Bellarmino Bagatti, de 1955 a 1970.

Foi emocionante quando, ainda jovem estudante, visitei pela primeira vez, no museu franciscano, fragmentos do povoado de Nazaré. De fato, eles são o grande tesouro das escavações, com suas grutas e ainda com alguns fornos muito bem conservados, compostos de restos de cerâmica e grafites do período judeu-cristão.

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As ruínas do povoado de Nazaré

As escavações conduzidas por frei Bellarmino Bagatti trouxeram os restos de um povoado agrícola da idade do Ferro II (900-600 a.C.), que gradualmente fora se estruturando ao redor de Nazaré.

Nesta época, as casas, escavadas no calcário, eram muito simples, habitadas por pessoas simples, trabalhadores do povo. Por meio destas escavações, podemos confirmar o caráter agrícola deste povoado, demonstrado através da existência de poços e de muitos silos, de até 2 m de profundidade, que eram engenhosamente dispostos um sobre o outro, em várias camadas, e ligados por túneis, facilitando assim o armazenamento de mercadorias e a aeração de grãos. Junto com os silos, também foram encontradas cisternas, que coletavam água da chuva, e prensas para óleo e uvas, principalmente para óleo de oliveiras.

A venerada Gruta da Anunciação, evidentemente, pertencia a um destes complexos, e em algum momento também desenvolvera uma área produtiva. As grutas escavadas na rocha, inclusive a da Anunciação, foram quartos subterrâneos dos sobrados. A estas alturas me pergunto se o leitor já terá se cansado destas notícias, mas insisto que a espiritualidade que surge deste lugar sagrado, e que se torna uma espiritualidade bíblica, é uma realidade encarnada na história, no tempo e no espaço.

Neste lugar, entre as pessoas simples e trabalhadoras, Deus se encarnou na história da humanidade com a cooperação de Maria e José. Não é apenas o texto evangélico, o estudo da arqueologia ou a história que nos indaga neste lugar de santidade, mas também a fé vivida e a memória litúrgica celebrada pelos primeiros cristãos que aqui viveram e visitaram, os quais eram marianos e amavam Maria e São José

São muitos os testemunhos que aqui encontramos, porém, gostaria de presenteá-lo com um, que eu amo chamar de “pérola” das escavações: a descoberta de uma coluna repleta de grafites e, em um deles, a exclamação em grego “Ave-Maria” (Xaire Maria), a mais antiga atestação arqueológica com uma invocação à Virgem Maria de Nazaré, que se tornou a oração mariana mais comum entre os cristãos.

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A Gruta da Anunciação

No lugar onde hoje está situada a Basílica da Anunciação, obra do arquiteto italiano Giovanni Muzio, consagrada na primavera de 1969 e construída até os anos cinquenta, ficava a modesta Igreja dos Franciscanos de 1730, edificada para venerar a Gruta da Anunciação, a casa da Virgem Maria, o lugar santo da Encarnação. Ainda hoje é possível ver o que restou da rocha natural, que formava a casa juntamente com as partes em alvenaria, reconstruída em pedras brancas.

A Gruta da Anunciação tornou-se a memória do HIC, expressão do latim que significa aqui, o local exato onde ocorreram os fatos evangélicos: aqui a Virgem Maria ouviu as palavras da Anunciação; aqui pronunciou o fiat (Faça-se), o seu sim, que mudou a história da humanidade; aqui o Verbo se fez carne; aqui a pureza e a virgindade uniram-se com a maternidade, mantendo-se intactas.

O anjo Gabriel veio a Nazaré, na Galileia, onde “não surgiu nenhum profeta” (cf. Jo 7,52). Deus escolhe o que não tem aparência, o que é humilde e desprezado pelos homens para a realização do Seu projeto. A lei da encarnação é esta, encontrar o homem e a mulher na sua realidade, na sua condição. Escrevendo estas linhas, fiz uma pequena pausa e desci até a gruta, onde elevei ao Deus da Encarnação uma oração por você, para que você sinta Nazaré, visitada, amada, encontrada, e que a sua cotidianidade encontre aqui significado e plenitude.

Não posso concluir o que falamos da Gruta da Anunciação sem apresentar-lhe o tesouro da história e também da arqueologia: a Fonte da Virgem Maria, a não mais do que 800 m da gruta. É o início da anunciação da Boa Nova, feita por São Thiago, um apócrifo do século III que relacionou o episódio da Fonte da Virgem com a Gruta da Anunciação: “Um dia Maria pegou a jarra e saiu para tirar água; e eis que ouviu uma voz dizendo: ‘Ave, Cheia de Graça! O Senhor é convosco, bendita és tu entre as mulheres’. Ela olhou em volta, para a esquerda e para a direita, de onde vinha aquela voz, e começando a tremer, voltou para casa, colocou a jarra no seu lugar, sentou no seu banquinho e lá tecia. Eis que um anjo do Senhor apareceu na frente dela...”.

Quero esclarecer para o leitor que os textos apócrifos, como este de Thiago, podem ser lidos como conteúdo espiritual, mesmo não estando entre os Evangelhos canônicos. Eu, de modo particular, gosto muito deste texto, visito e, com gosto, levo os peregrinos até a Fonte da Virgem, onde hoje está construída uma Igreja Ortodoxa dedicada a São Gabriel. Emociono-me muito ao escutar o barulho da água neste lugar santo. É o mesmo ruído daqueles dias em que Maria vinha buscar a água, já que o barulho não muda com o tempo.

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voltou para casa, leva-nos a refletir sobre sua realidade humana, no ter medo e no querer fugir. Mas o anjo a segue e realiza o início do projeto da salvação. Podemos chamar de cooperação ativa, pessoal, livre e responsável de Maria na obra da salvação, como afirma o Concílio Vaticano II (Lumen Gentium, 56), o qual diz que ela contribuiu, consentiu e cooperou com a misericórdia Divina e na restauração da graça. Os santos Padres veem Maria não apenas passivamente nas mãos de Deus, mas como aquela que cooperou para a salvação dos homens através da sua fé, livre e obediente. Pois, como diz Santo Irineu, “sendo obediente, se tornou a causa de salvação para toda a raça humana” (Adv. haer. 3,22,4).

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A casa de São José, casa da Sagrada

Família de Nazaré

Atravessando o pátio do convento franciscano, adentramos na Igreja de São José, reconstruída no estilo de basílica em 1911, em cima dos fundamentos da igreja medieval. Lá é possível fazer uma visita muito interessante à cripta que testemunha o antigo culto cristão celebrado dentro da casa de São José, onde já no século VI havia sido construída uma igreja em cima das ruínas da habitação do século I.

Esta igreja era composta por uma gruta e uma pia batismal judaico-cristã com símbolos litúrgicos e teológicos. Possuía sete degraus, que é o número emblemático da perfeição e dos dons do Espírito Santo. Segundo Isaías 11,2, o canal que simboliza o rio Jordão e uma pedra enquadrada no mosaico, segundo a alusão de 1Cor 10,3, refere-se à pedra que é o Cristo. Através da atual iluminação elétrica, é possível ainda ver a cisterna, os silos, evocando as originais estruturas do povoado de Nazaré, ligados à veneração da casa de São José já nos primeiros séculos do cristianismo.

Gostaria ainda de ressaltar a igreja do século VI que recebeu o nome de Igreja da Nutrição, título que nos chama muito a atenção porque confirma, de forma Cristológica, a Igreja nascente, onde São José nutriu o filho de Deus não somente com o alimento físico, mas como um pai que vai trabalhar e cuida da sua família e de seus filhos, educando-os, como afirma o evangelista Lucas: “E Jesus ia crescendo em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).

O Papa Francisco, na Audiência Geral no dia de São José, no ano de 2014, nos apresenta José como o pai “putativo” (pai jurídico) de Jesus, como um modelo de educador:

José, juntamente com Maria, cuidou de Jesus, antes de tudo, porque o nutriram, preocupando-se para que não faltasse o necessário para o seu desenvolvimento saudável. Não nos esqueçamos de que cuidar da criança, Jesus, o levou também à fuga para o Egito, onde passaram uma dura experiência de viverem como refugiados. José era um refugiado, com Maria e Jesus, fugindo da ameaça de Herodes. Mas, voltando à casa, estabeleceram-se em Nazaré, onde por um longo período viveram com Jesus. Naqueles anos José ensinou a Jesus suas profissões, e Jesus tornou-se carpinteiro e artesão como seu pai. Vamos passar para a segunda dimensão da educação e da sabedoria. José foi exemplo de sabedoria alimentada pela Palavra de Deus. Podemos pensar em como José ensinou o pequeno Jesus a ouvir as Sagradas Escrituras, especialmente o acompanhando aos sábados na sinagoga de Nazaré. José ia com Ele até, finalmente, a dimensão da graça. São Lucas referindo-se a Jesus diz: “A graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2,40). Aqui, claramente, o espaço reservado para São José é mais limitado do que as áreas da idade e da sabedoria. Mas seria um grave erro pensar que um pai e uma mãe não podem fazer nada para educar seus filhos e fazê-los crescer na graça de Deus, bem como na idade e na sabedoria. São José é o modelo do educador e de todos os pais. Então, confiamos à sua proteção para com todos

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os pais, sacerdotes que também são pais e todos aqueles que têm um papel educativo na Igreja e na sociedade (cf. Papa Francisco, Audiência Geral, 19 mar. 2014).

Assim, caro(a) amigo(a), convido você a entrar na graça deste lugar santo da casa de José, que é a casa da Sagrada Família, onde Jesus viveu por trinta anos com José e Maria. É a graça da cotidianidade, da perseverança matrimonial e da fidelidade, da qual São José é o modelo. Hoje, os frades franciscanos da Custódia da Terra Santa cuidam com muita dedicação da casa de São José, auxiliados pelas irmãs da Imaculada Conceição de Ivrea, uma congregação de irmãs italianas presente no Santuário da Anunciação e da Sagrada Família desde 1965.

Com a chegada da comunidade católica Canção Nova a Nazaré, iniciando a cooperação com a Custódia Franciscana da Terra Santa, a casa da Sagrada Família se tornou o cenário, todas as semanas, do programa “Em casa com a Sagrada Família”, transmitido pela TV Canção Nova, internacional e do Brasil, fazendo chegar, assim, a tantas famílias do mundo a espiritualidade da Sagrada Família de Nazaré.

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A sinagoga de Nazaré

Em árabe, a sinagoga de Nazaré significa “Escola do Messias”. É um edifício cruzado, uma construção do período das cruzadas, no qual se ambienta o discurso de Jesus a Seu povo, conforme está escrito no Evangelho de Lucas 4,16-30. Hoje, ao seu lado, está construída uma igreja greco-católica do ano de 1882. Esta sala ocuparia, segundo a tradição, a antiga sinagoga de Nazaré, a sinagoga frequentada por Jesus, onde um dia Ele tomou a palavra, leu e comentou o versículo do profeta Isaías.

Foi então a Nazaré, onde se tinha criado. Conforme seu costume, no dia de sábado, foi à sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, encontrou o lugar onde está escrito: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor”. Depois, fechou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-se. Os olhos de todos, na sinagoga, estavam fixos nele. Então, começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta passagem da escritura que acabastes de ouvir” (Lc 4,16-21).

Além das poucas certezas arqueológicas, e da pouca certeza histórica do lugar, me chama a atenção esta passagem bíblica. O sermão de Jesus focava em dissipar as ilusões judaicas de que o Reino de Deus era um privilégio exclusivo de Israel, o que fez com que muitos ouvintes ficassem descontentes, se revoltando contra Jesus e até mesmo colocando a Sua vida em perigo.

O que certamente nos provoca perplexidade é que muitos desses eram da família de Jesus, sendo Nazaré um povoado de poucos habitantes. Parentes, amigos, pessoas de íntima convivência esperavam os Seus milagres, já que a fama de Jesus tinha se espalhado por toda a região. E o fato de Ele não aceitar a manipulação, a pressão dos parentes, fez com que se tornasse o maior dos inimigos. Dinâmica bem familiar para quem vive em cidade pequena. Isso fez com que Jesus pronunciasse as tristes e reais palavras: “Nenhum profeta é aceito na sua própria pátria” (cf. Lc 4,24).

São terríveis os sentimentos que emergem deste episódio! Os habitantes de Nazaré, parentes e conhecidos, passaram da euforia e curiosidade para a raiva, até chegarem ao desprezo e ao ódio. Aqui, Jesus, com a Sagrada Família, é ícone da justiça e modelo de desapego em não buscar os próprios interesses, tornando-se o exemplo para a sociedade. Na sinagoga de Nazaré, Jesus foi violentamente rejeitado, destino de todo profeta que anuncia a Palavra de Deus.

A família cristã, discípula de Cristo, deve estar pronta para sofrer todos os impulsos contra a verdade, e quando se rejeita a verdade, nos deparamos com as mais profundas misérias do coração e da mente humana. Mas gostaria de terminar este breve parêntese

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da sinagoga de Nazaré com uma imagem positiva. Neste santo lugar, Jesus cresceu no conhecimento da Palavra acompanhado por José, Seu pai, na silenciosa presença de Maria. Com a Sagrada Família de Nazaré, a Verdade foi acolhida, foi acolhido o Amor de Jesus, naqueles silenciosos e cotidianos sábados na sinagoga de Nazaré, conforme afirma o evangelista Lucas 4,16.

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O monte do precipício

Depois do que aconteceu na sinagoga, os habitantes de Nazaré, indignados pelas palavras pronunciadas por Jesus, O arrastaram para fora da cidade, para o topo do monte onde ela estava construída, para jogá-Lo do precipício (cf. Lc 4,28-29). Esta terrível cena, segundo a tradição, aconteceu no monte Giabal al-Qafze, um monte significativo da planície de Esdrelon, onde foram edificados um oratório e um pequeno monastério, cujos restos são possíveis de serem observados graças às escavações do arqueólogo franciscano padre Bellarmino Bagatti, OFM1.

Neste lugar do precipício, onde Jesus sofreu essa violência e incompreensões, a nossa escola de Nazaré, com nosso mestre Jesus, nos ensina que a grandeza do Amor de Deus, Seu Pai celestial, O leva a abnegar de tudo, confiando-se a Ele, de quem recebe o nome toda paternidade no Céu e na terra (Ef 3,14-15).

Segundo o Evangelho de São Lucas, após este lamentoso episódio, Jesus se transferiu para a casa de Pedro, em Cafarnaum, indo santificar outra família com a Sua santa presença e transformando, assim, a casa do apóstolo Pedro em uma segunda “Sagrada Família”, na qual o discípulo do primado O conheceu e se deixou conhecer.

Que nosso coração e nossa existência continuem a ser a morada do conhecimento de Jesus e da escola do Evangelho.

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Santuário de Santa Maria do Tremor

Entrando em Nazaré, por uma pequena estrada à direita, subimos ao Santuário Franciscano de Santa Maria do Tremor, ao lado do atual mosteiro das irmãs Clarissas, onde recordamos o tremor da Virgem.

A tradição narra que a Virgem, ao escutar o tumulto das pessoas que arrastavam o seu Filho para jogá-Lo do precipício, saiu aterrorizada de sua casa e correu, seguindo-O até a colina, vendo a terrível realidade de violência contra Jesus. Assim, o coração de Maria Santíssima já começava a ser penetrado pela espada profetizada por Simeão, trinta anos antes, no dia da apresentação de Jesus ao templo (cf. Lc 2,35), preparando-a pouco a pouco para os grandes sofrimentos do Calvário.

Este pequeno santuário, pouco visitado pelos peregrinos, tem um grande valor na espiritualidade de Nazaré, pois há uma relação entre Nazaré e o calvário. Em Nazaré, a Virgem Maria se tornou mãe; em Caná da Galileia, Jesus a chamou de “mulher”, e somente aos pés da cruz Ele revelou ser seu Filho, quando, voltando-se para Maria e para São João, a chamou de mãe, tornando, assim, a sua maternidade universal.

Maria, no seu itinerário de fé, fez um caminho por sua maternidade. Neste pequeno santuário, a Virgem Santíssima se tornou modelo acessível a todas as mães biológicas e espirituais, a todas as mulheres chamadas a fazerem um caminho de fé e crescimento na sua feminilidade e maternidade. Mas, falando em sofrimento e em oferta dos sentimentos mais profundos, na cooperação do mistério da Encarnação, não podemos banalizar a figura do nosso amado São José.

No Evangelho de São Lucas, está claramente escrito o período de permanência de Maria na casa de sua prima Isabel: “Maria ficou três meses com Isabel. Depois, voltou para sua casa” (Lc 1,56). Podemos assim afirmar que Maria, ao retornar a Nazaré, já estava no terceiro mês de gestação. E assim, não seria possível esconder a evidente gravidez. Como nossa Mãe, Maria Santíssima, teria explicado a José? Certamente, ela não se importaria com os comentários dos parentes, amigos e conhecidos. Por Jesus, ela suportaria todas as injúrias e maldições deste mundo. Mas e quanto a José? Como ela explicaria que não havia feito nada de mal, nem sido infiel? Mesmo com a evidência do fato, sabemos que Maria e José, somente depois do período de noivado, naturalmente com o matrimônio, viriam a viver juntos. José ainda aceitaria o casamento, mesmo sabendo da condição de Maria? Maria estava com uma imensa dor em seu coração e nos seus pensamentos, e não queria que José sentisse o mesmo.

Maria, mulher de fé e totalmente cheia da graça e de esperança, voltou para Nazaré, confiando também no amor e na justiça de José. O menino Deus, que ela trazia, a estava transformando. Entre ela e o Verbo já se instaurava uma união tão sólida e natural que

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nenhuma força deste mundo poderia dividir. O evangelista Mateus não descreve o encontro entre o futuro esposo e Maria, nem o que José teria dito ao vê-la naquela situação de gravidez. Mas, certamente, José, na sua humildade, não disse nada a ela. Podemos deduzir isso pelas palavras que o evangelista Mateus utiliza ao prosseguir sua narração: “José, seu esposo, sendo justo e não querendo denunciá-la publicamente, pensou em despedi-la secretamente” (Mt 1,19).

Gosto muito deste texto, que mostra uma característica preeminente em José: a sua justiça. Ele tinha respeito por Maria e realmente a amava. Não queria causar-lhe escândalo e dor. Quanto deve ter sofrido o nosso querido São José naqueles dias, pensando perder sua futura esposa. Certamente não o demonstrou na presença de Maria, mas depois, sozinho, teria sofrido na solidão as mais cruéis amarguras da alma. E perguntou a Deus o porquê de tudo isso. E Deus lhe respondeu:

Mas, no que lhe veio esse pensamento, apareceu-lhe em sonho um anjo do Senhor, que lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe porás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,20-21).

O nosso pensamento e a nossa oração vão a todos os pais e mães que sofrem por incompreensões e injustiças. Não posso me esquecer de mencionar uma pobre mãe que encontrei na cidade de Corrientes, na Argentina. O seu filho de dezoito anos foi acusado de um homicídio injustamente. Por dois anos, ela acompanhou seu sofrimento, humilhado e maltratado. Todos os dias, quando as portas da prisão eram abertas, lá estava ela, a primeira da fila. Pude presenciar esta dor. Com um forte estresse, estava perdendo seu marido, que se sentia esquecido por ela. Depois de dois anos de dor, o verdadeiro assassino confessou e se entregou, liberando assim o jovem inocente. Esta mãe me confiou que foi a intercessão de Maria e José, a Sagrada Família de Nazaré, que salvou a sua família, porque eles conhecem a dor humana e intercedem por todas as famílias do mundo, em especial por aquelas que sofrem.

Depois desta peregrinação espiritual pela Nazaré da Sagrada Família, lugar que por trinta anos foi santificado através da presença de Jesus, Maria e José, e onde é possível caminhar junto Àquele que viemos encontrar, convido o(a) amigo(a) a uma pausa para uma oração. É a oração que costumo rezar com todos os peregrinos que chegam aqui na Terra Santa. Continue comigo nesta leitura, nas páginas que seguem; nelas aprenderemos o método para conhecer Jesus, na escola do Evangelho, com a Sagrada Família de Nazaré.

Senhor Jesus, Verbo Encarnado-crucificado-ressuscitado, com a Tua permanência histórica de Nazaré a Jerusalém, santificaste e abençoaste cada

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canto desta Terra e revelaste-nos o amor misericordioso do Pai, anunciando o Evangelho, expulsando os demônios, curando todo tipo de enfermidade, morrendo e ressurgindo para todos e para cada um de nós. Ajuda-nos, ó doce Emanuel, a recuperar ou melhorar a nossa vida cristã e eclesial em todos os aspectos (pessoal, familiar, social). Ajuda-nos a preencher-nos de Ti, luz e potência divina, do Teu Espírito de verdade e de amor, da vontade salvadora e normativa do Pai celeste. Somente assim seremos vitais e fecundos e seremos sinais e história de salvação. Faz, ó Salvador e bom Mestre, que não nos deixemos distrair por nada e por ninguém, e que nos baste somente Tu, valor e fonte vivente de todos os bens, como bastavas a Maria, Tua e nossa Mãe, a São José, aos apóstolos e aos discípulos da Igreja nascente. Faz que realizemos uma plena sintonia espiritual com o Mistério e a graça do Lugar Santo da Encarnação e da Sagrada Família, e que a escola de Nazaré nos abra um novo caminho: o caminho santo do Teu Evangelho e a vida nova que és Tu mesmo, nosso amor e nosso tudo, nosso destino de salvação e de glória.

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Nazaré, escola do Evangelho

ostaria de iniciar este capítulo rendendo graças ao Pai da misericórdia, que, em Jesus Cristo, nos amou com a Sua Encarnação, morte e ressurreição, e continua a nos amar na obra salvadora pela santidade dos Seus filhos. A Terra Santa, ou melhor dizendo, “A Terra do Santo”, inspira santidade mesmo com as tantas hesitações e com os tantos contrastes da complexa realidade do passado e ainda dos dias de hoje.

Muitos são os beatos e santos que passaram por aqui. Neste ano, comemoramos cinquenta anos da histórica peregrinação do Beato Paulo VI, em coincidência com sua beatificação. Em Nazaré, no lugar da Encarnação, e na casa da Sagrada Família, o Papa peregrino proferiu uma significativa homilia, na qual disse que a casa de Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus, a escola da Boa Nova para a vida:

Aqui aprendemos a observar, a escutar, a meditar, a penetrar o significado tão profundo e misterioso da manifestação do Filho de Deus. Aprendemos também, talvez até sem perceber, a imitá-lo. Aqui aprendemos o método que nos fará conhecer quem é Jesus. Aqui descobrimos a necessidade de observar a realidade do seu viver entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a sua língua, os ritos sagrados, enfim, tudo o que o mestre Jesus usou para revelar-se ao mundo. Tudo aqui tem uma voz, tudo tem um significado. Aqui nesta escola aprendemos a ter uma disciplina espiritual, no seguimento de Cristo, no caminho do Evangelho que nos faz seus discípulos. Oh! como seria bom se pudéssemos voltar a ser criança. Quanto ardentemente gostaríamos de começar tudo de novo ao lado de Maria, para aprender a verdadeira ciência da vida e da sabedoria divina. Não podemos deixar este lugar sem ter acolhido, mesmo se rapidamente, algumas breves admoestações da casa de Nazaré. Em primeiro lugar ela nos ensina o silêncio. Como seria belo se renascesse em nós a estima pelo silêncio, que na atmosfera do Espírito, é admirável e essencial. Somos atordoados constantemente por tantos sons e vozes na agitada e tumultuada vida do nosso tempo. Oh! silêncio de Nazaré, ensina-nos a perseverar os bons pensamentos, prontos para entender com mais clareza as mais secretas inspirações divinas. Ensina-nos o quanto é importante e necessário o trabalho da preparação, do estudo, da meditação, da oração que somente Deus vê no segredo. Aqui compreendemos a maneira de viver em família. Nazaré nos lembra o que é a família, o que é a comunhão de amor, a sua beleza austera e simples, que nos faz ver como é doce e insubstituível a educação em família, e que ensina-nos sua função natural na ordem social. Oh casa de Nazaré! Aqui antes de tudo desejamos compreender e celebrar a lei do esforço humano; enobrecer a dignidade do trabalho na maneira que seja entendida por todos. Lembramos, debaixo deste teto, que o trabalho não pode ser fim em si mesmo, mas recebe a sua liberdade por excelência, não somente por aquilo que chamamos valor econômico, mas por aquilo que envolve o seu nobre fim. Aqui enfim queremos saudar todos os operários do mundo e mostrar-lhes o grande modelo, do divino irmão de todos, Cristo nosso Senhor (Alocução de Paulo VI, Papa, em Nazaré, 5 jan. 1964).

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O silêncio

Um dos aspectos de grande importância e necessidade da vida humana é o silêncio, mas também é um dos mais difíceis de ser praticado. Existem muitos modos de se fazer silêncio, porém nem todos são úteis, necessários e construtivos.

Já no início da minha vida religiosa e sacerdotal, muitas vezes fui convidado, de livre e espontânea vontade, a fazer silêncio, mas nem sempre pude alcançar aquela profundidade que, interiormente, ajuda na ordem dos inumeráveis barulhos, dos conflitos e de todos os pensamentos tumultuosos. Porém, para um caminho espiritual e de oração, o silêncio se torna um instrumento indispensável. Muitas são as famílias que pedem um acompanhamento espiritual e solicitam para serem introduzidas nesta dimensão do silêncio. Muitos sacerdotes organizam os retiros para as famílias, e ali o silêncio se torna um companheiro.

Na minha experiência, relembro meu primeiro retiro espiritual. Lá, o silêncio suscitava em mim dois sentimentos: o encanto e o medo. Porque é no silêncio que se percebe o sentido do mistério, o despertar de uma presença sublime que nos coloca em um clima de autêntica escuta, no qual é possível saborear a beleza do escutar em profundidade. Mas que, também, ao mesmo tempo, traz muito medo e uma sensação que nos abre progressivamente, mas não definitivamente, um espaço de tontura, um temor que se experimenta ao se ver sozinho, sem aquelas distrações e barulhos que nos impedem de nos encontrarmos com nós mesmos e com Deus. É como uma tempestade marinha: as águas se tornam turvas, e é necessário muito tempo até que todos os grãos de areia e de todas as outras sujeiras parem no fundo, para que a água volte a ser clara.

Nas próximas páginas, gostaria de compartilhar com você, caro(a) amigo(a), o fruto da minha experiência em meu caminho pessoal, principalmente depois que passei a viver aqui em Nazaré, bem como a graça que tive em guiar alguns jovens e algumas famílias na vida espiritual. Desde já peço perdão se o que eu vier a dizer se tornar algo repetitivo, não adaptado ao seu estado emocional ou ao seu momento de vida. Quero apenas enfatizar que tudo o que irei expor é somente uma partilha de minhas experiências.

O primeiro nível no caminho do silêncio é encontrar coragem para entrar no nosso interior, onde habita a nossa verdade e a nostalgia da presença, aquela presença de Deus. Esta dimensão me preocupa muito, pois, na prática, muitos são os jovens que se preparam para o matrimônio, ou para o caminho do sacerdócio, ou para a vida consagrada religiosa, ou para comunidades de vida, sem antes passar por esta dimensão do silêncio, fazendo muitas das vezes escolhas que levam a tantas insatisfações e rupturas.

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se compreende o silêncio. Mas como é possível falar de solidão em um mundo caótico e assim densamente habitado? Se for necessário calar as múltiplas vozes exteriores e interiores que constantemente nos assolam, como é possível colocar-se em uma atitude de escuta? Ainda falando de solidão, quantas pessoas, hoje, no nosso mundo, sofrem com ela? Em todas as faixas de idade, jovens, homens e mulheres sofrem esta espécie de perda, de distância intransponível uns dos outros, mesmo quando o número de pessoas com as quais se relacionam cresce significativamente. Penso que muitos de nós, de uma forma ou de outra, já experimentamos essa sensação. Mesmo existindo pessoas ao nosso lado, as quais têm uma significante importância em nossa vida, não conseguimos nos liberar da solidão que, realmente, não é construtiva.

O íntimo do homem é algo de que não se pode fugir, que não se pode preencher ou substituir; pelo contrário, ele produz frustração e insatisfação. No centro da pessoa humana, de fato, existe um espaço onde somente Ele é hóspede, e onde somente Ele, o nosso Deus, pode habitar. Quando nos advertimos perante esta sensação de angústia e solidão, é possível que se tenha chegado o momento de experimentar a descoberta da saudade de uma companhia e da presença que encontramos somente Nele, no Senhor Jesus. Como diz o Salmo: “Só em Deus repousa a minha alma; dele vem minha salvação”(Sl 62,1). Neste lugar desabitado ou preenchido por pessoas superficiais, em que a presença do Senhor está ausente, não encontramos uma paz perseverante. A solidão, então, amiga e construtiva, se torna um ponto de apoio que abre novos horizontes, até mesmo inesperados. Eu gosto de chamar esta dimensão de “solidão habitada”.

A estas alturas me pergunto para quem estou escrevendo. Para consagrados, religiosos, sacerdotes, seminaristas, ou para pais de família, mães, ou ainda jovens em discernimento? Esta dimensão é comum para todos. Se não fizermos a experiência da “solidão habitada”, correremos o risco de nos tornar mendigos da presença e de passatempos; eternos insatisfeitos e infelizes. Este é o início, ou melhor, a passagem de uma solidão, de um silêncio imposto e forçado, para um silêncio escolhido e abraçado na liberdade. Esta passagem corresponde à autêntica interrogação do significado da própria vida.

Nos espaços de solidão e silêncio escolhidos, até mesmo aqueles pequenos e breves, podemos colocar uma atitude de escuta, sem medo, porque sabemos que, além daquele primeiro impacto com nós mesmos, teremos a presença silenciosa e eloquente de um Deus de amor, que habita no mais profundo do nosso íntimo, fazendo da nossa profundidade um santuário, no qual podemos decifrar, na paz, nosso caminho para a salvação. Ser capaz de estar em silêncio e se colocar na escuta torna-se, assim, uma questão de vida ou morte, porque cada vez que nos afastamos do significado da vida,

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construímos um muro entre nós e a nossa felicidade, e mesmo que passássemos apenas um pequeno tempo em contato com o barulho e as distrações geradas pelo mundo exterior, ainda assim, na realidade, estaríamos nos afastando, também, dessas mesmas pessoas e, na superficialidade, deixando de construir as verdadeiras bases para uma relação de amizade e de amor autêntico, restando novamente uma insatisfação.

“Em silêncio, abandona-te ao Senhor, põe tua esperança Nele” (cf. Sl 37,7). Estas palavras podem abrir-lhe o caminho da esperança.

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Anunciação, escola das relações

São tão delicadas as citações do Evangelho, que nos deixam imaginar, pensar, ver, tocar, escutar e encontrar além do que elas dizem. E continuando fiéis a ele, convido você, caro(a) irmão(ã), a se deixar levar por todas as imagens que sua mente sugerir em seu coração, de modo a adentrar na beleza e na simplicidade de Nazaré, percorrendo suas colinas na Galileia, por aquele aglomerado de grutas e casas, até chegar à casa de Maria de Nazaré, uma gruta que reaviva nossa memória e nos faz encontrar a vida de uma jovem com projetos, sonhos e expectativas para o futuro.

Uma família estava prestes a se formar e a se abrir aos horizontes da vida; um jovem homem estava para se casar com a sua noiva, ambos pensando que era esse o projeto de Deus nas suas vidas. Mas veio o anúncio do anjo, o Espírito de Deus, adentrando na vida concreta de Maria e José, quase assumindo e mudando os projetos que eles tinham, até perturbando-os interiormente, porém, com a potência criativa. Sim, seriam um casal, seriam cônjuges, pais, mas não da maneira como eles esperavam e imaginavam que viveriam juntos. Uma novidade viria a mudar a vida deste jovem casal de Nazaré.

Maria se apresenta aos nossos olhos, na sua casa, como mulher das relações: com o seu Deus, com José, com as outras pessoas. Deus, por esta razão, tornou ainda mais viva esta relação, preparada e habituada desde sempre, transformando-a, dando vida e “carne”, tornando-a “divina” através do dom da vida humana por excelência, aquela do Filho de Deus. O sim de Maria encontrou apoio, confirmação e conforto no sim de José, passando pela continuidade de um projeto e uma história tipicamente humana, na novidade criadora que a incursão de Deus comporta. Deus se fez carne dentro de Sua relação com Maria e José, de um homem com sua esposa, daquela família com o resto do mundo. A acolhida e o sim de José, de fato, simbolizam a base para as possibilidades de uma acolhida da parte de todos os homens. Se São José a tivesse recusado e denunciado, tudo terminaria de modo diferente para todos. Se o Evangelho tivesse nos transmitido os diálogos entre este jovem casal, a comunicação cotidiana das novidades, as perplexidades, os esforços para traduzir todas as perturbações que tiveram na vida cotidiana, poderíamos ter um grande manual de psicologia das relações e de comunicação.

Nazaré nos ensina que Deus se faz carne dentro das relações ordinárias na medida em que Ele é escutado e levado a sério. À medida que é acolhido, Ele dá à vida um gosto divino, nos tratos e nas características de uma existência autenticamente humana. Esta é a salvação para a humanidade, este é o nome de Jesus invocado na vida: “Emanuel”, Deus conosco. Não podemos fechar os olhos para a realidade que estamos vivendo em nossos tempos. O mundo necessita de Nazaré, da Sagrada Família, de Jesus. São muitas

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as dinâmicas de incompreensão e divisão que nos afastam de Deus, seja nas famílias, seja nos ambientes religiosos e eclesiásticos. Mas o prólogo do Evangelho de São João 1,1 nos afirma, com simplicidade e franqueza, que o “Verbo (palavra) era Deus”. Isso significa que Deus fala incessantemente e é comunicação constante, sem interrupção, na qual se doa totalmente, sem parar, e se revela aos homens.

Deus continua a falar através de todas as coisas e acontecimentos: da Escritura, da Igreja, da Eucaristia, dos pobres, da comunidade, da consciência e do coração de cada homem. Deus usa todas estas linguagens para, continuamente, encontrar o coração do homem em um apelo, constante a todos, de entrar na dinâmica da Palavra e do amor. A Palavra de Deus, o Verbo, é ainda sinônimo de mudança, porque ela não deixa as coisas como são, tem um poder de modificar, edificar, salvar o homem, e não destrui-lo. Estamos vivendo tempos de crise da palavra, uma era de comunicação na qual todas as mensagens são válidas, independentemente de serem verdadeiras ou não, elas são pronunciadas. Tempos nos quais não temos capacidade de escutar, de ficar em silêncio e de pronunciar palavras verdadeiras e límpidas.

A raiz de muitas crises familiares, eu chamarei de crise da palavra e da comunicação, é a tecnologia, que tantas vezes leva os membros de uma mesma família a viveram isolados, mesmo estando a poucos metros uns dos outros. Em tais contextos, é necessário o discernimento para entender qual palavra pronunciar e qual escutar; qual comunicação constrói e qual destrói. Nesta dinâmica, não podemos renunciar a Bíblia, os Evangelhos. Este é o apelo que lhe faço daqui da terra da Bíblia, do lugar do Verbo.

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Vida ordinária, escola de cotidianidade

A vida ordinária é o segredo de uma espiritualidade autêntica, que se realiza e se concretiza no ordinário de cada dia, de cada momento. Mas a espiritualidade de Nazaré na vida cotidiana de Jesus se deparava com julgamentos e preconceitos. Jesus viera de Nazaré e pertencia à categoria daqueles que vinham de uma cidade insignificante. Natanael (que a tradição identifica como Bartolomeu) se exprime candidamente com tal julgamento e preconceito: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,46). Os julgamentos prosseguiam e se reforçavam na opinião dos judeus, que, depois de terem escutado a Sua pregação durante a festa das tendas, se perguntaram: “Este homem não teve estudo, donde lhe vem, pois, este conhecimento das Escrituras?” (cf. Jo 7,15).

As pessoas da relação social de Jesus eram consideradas culturalmente e religiosamente pouco confiáveis, porque possuíam pouca cultura e eram provenientes de um povoado agrícola; e para pesar ainda mais a afirmação de que da Galileia não surgia profeta, Jesus Nazareno foi julgado como um profeta que não deveria ser seguido, e nem mesmo escutado: “Eles responderam: ‘Tu também és da Galileia? Examina as Escrituras, e verás que da Galileia não surge profeta’” (Jo 7,52-53). Estes breves passos nos ajudam a entender a opinião pública que tinham sobre Jesus – a causa das Suas raízes, da Sua proveniência, que era Nazaré.

Pertencer a Nazaré era sinônimo de pertencer a gente normal, ordinária, que não possuía estudos teológicos. Além do mais, eram pessoas de uma cidade desprezada e desconhecida, sem história. Por esse preconceito, Jesus de Nazaré não tinha nenhum direito de falar em nome de Deus: “De onde lhe vêm essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria, e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não estão todas conosco? De onde, então, lhe vem tudo isso?” (Mt 13,54-56). O que, sem dúvida, escandalizava acima de todas as coisas era o fato de que este homem desconhecido, que falava como nenhum outro jamais havia falado e que efetuava sinais claros aos olhos de todos, tinha uma história normal, como aquela da maioria das pessoas que todos conheciam. Como este homem, que vivera a maior parte de Sua existência de modo ordinário, como todos, com uma história de altos e baixos, poderia ser o Messias?

É a tentação do desprezo da vida normal, ordinária. Uma tentação que atravessa os séculos e que ainda tenta os cristãos até os dias de hoje. É a tentação de julgar, pelas aparências, quem vive a sua fé no cotidiano do mundo, no silêncio, na vida leiga do mundo e vivendo como todos. Mas atenção! Para entender e acolher o Evangelho é necessário reagir a esta tentação, redescobrindo a beleza de viver no nosso cotidiano, único lugar no qual podemos ser discípulos, ou talvez não, no qual podemos fazer

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experiência de salvação e de ressurreição. Único lugar no qual podemos ser alcançados pela Boa Nova do Evangelho!

Os Evangelhos, descrevendo a vida de Jesus, nos transmitem numerosos fatos prodigiosos, milagres impensáveis, cura de pessoas desesperadas, multiplicação de pães e peixes capazes de saciar a fome de grandes multidões; aquelas mesmas multidões que, pelo menos inicialmente, eram atraídas pelo jovem galileu com a força da Sua Palavra, que operava através de grandes sinais. Mas entre cada ação, não somente as citadas acima, era manifestada uma dimensão mais profunda e oculta, simples e sublime, que retrata a atenção de Jesus em relação às pequenas coisas da vida cotidiana.

Para nos transmitir a verdade misteriosa e indizível do Reino dos Céus, Jesus usa, como exemplo, uma semente, o grão de mostarda. Quem já a viu pode contemplar a sua infinita pequenez. E a partir desta pequena realidade da vida, ela cresce e segue naturalmente o seu percurso. O mesmo Jesus se revela atento aos pequenos gestos, quase imperceptíveis a um olhar distraído: uma mulher que, no meio de uma multidão que O cercava, O tocou; Ele percebeu e se deixou encontrar, dando-lhe vida e salvação. São realmente muitos os exemplos se escutarmos ainda as palavras que se referem ao que é pequeno, humilde, desprezado. “Quem é o maior no Reino dos Céus?” (Mt 18,1) é a pergunta que cada um leva e que cada um tem, escondido no próprio coração, o desejo de responder: “Sou eu!”. Mas a resposta é: “É aquele que se faz servo de todos” (cf. Mc 9,35).

Não é por acaso que as crianças nos Evangelhos possuem um importante reconhecimento. Os pequenos se tornam o modelo do Reino. O Reino é para quem se torna uma criança. Neste mundo, no qual cada vez mais perdemos a pureza de uma criança, a relação com elas se torna, ao meu ver, um concreto instrumento de questionamento referente a nossa caminhada em direção ao Reino. Um episódio particular do Evangelho me chama muito a atenção em relação à estupenda sensibilidade do Filho de Deus: Jesus estava sentado na frente do tesouro do templo, observando quantas pessoas colocavam as moedas, e Seus olhos se voltavam ao coração das pessoas, porque “o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração” (cf. 1Sm 16,7). Entre os ricos que colocavam, de modo distraído, o que tinham de supérfluo, chegou uma pobre viúva que depositou uma soma insignificante e que certamente não iria agregar muito ao orçamento do templo. Aquela pobre mulher, no entanto, deu mais do que todos os outros. Somente Jesus conseguiu vê-la ao ler o verdadeiro significado daquele pobre e simples gesto. Esta sensibilidade não é fruto de uma escolha virtuosa, mas de uma natural consequência de uma descoberta: eu não sou o tudo, não sou o maior, sou uma pequena criatura nas mãos de Deus, na fraternidade universal que me liga a todas as outras criaturas. E assim como Jesus viveu aqui em Nazaré e não perdeu

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os tratos e traços de uma verdadeira humanidade, mesmo sendo o Verbo Encarnado, também tudo o que é simples passa a nos pertencer, a nos descrever, nos diz e nos fala do Senhor Jesus.

A espiritualidade de Nazaré nos ancora e nos leva às pequenas e simples coisas da vida, como garantia de um caminho autêntico, de um itinerário evangélico profundo e verdadeiro. É sobre esta humanidade do Verbo que trataremos nas páginas seguintes.

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Nazaré, escola de humanidade

Não podemos falar de humanidade sem também falar do homem. Aqui o Verbo se fez carne, se fez homem. Mas quem é esta criatura tão fascinante, própria por ser única? “No entanto o fizeste só um pouco menor que um deus, de glória e de honra o coroaste” (Sl 8,6). Criatura esta da qual até mesmo os anjos tiveram ciúmes.

A humanidade pela qual somos constituídos é realmente um dom grandioso que Deus nos deu. O primeiro dom divino que se exprime no nosso semblante, único e diferente de todos os outros, é a nossa personalidade original, com as nossas características específicas, o nosso corpo e as características do nosso coração, que são somente nossas e jamais pertencerão a outra pessoa. A nossa existência, a nossa humanidade, é a primeira Palavra com que Deus nos fala, é a primeira que diz através de nós mesmos. Mas é triste recordar que nós viemos de uma tradição não tão amiga desta natureza humana, que comumente é vista como uma espécie de obstáculo no caminho espiritual das pessoas.

Tudo que tinha o gosto de natural, instintivo, passava, ou ainda passa, pela suspeita de pecado e deveria se defender da acusação de ser enganador em respeito ao caminho da salvação do homem. Mas qual é o admirável mistério da Encarnação que fez com que Deus assumisse a forma de homem e se aprisionasse em uma humanidade concreta e original como a nossa? Que fez com que Ele mostrasse, nesta natureza, todas as Suas características na forma humana, e que se encontram descritas em nosso corpo e em nosso espírito? A partir deste momento não é mais consentido falar da nossa natureza humana como um limite; ao contrário, somos chamados a ver essa revelação de um semblante ainda mais misterioso e maior, aquele do Deus-Homem, aquele de Jesus Cristo.

Sempre me impressionaram, sobretudo aqui no oriente, as imagens da tradição eclesial ortodoxa e os ritos orientais, ícones que, em muitos casos, tratam da “escritura”, da descrição do rosto de Cristo. Parando para contemplar aquela face, percebemos os traços de uma humanidade específica, a beleza de um homem escrita através de traços que talvez estejam até mesmo longe dos nossos gostos ocidentais, mas que, por detrás, manifestam, ao mesmo tempo, a revelação do mistério de Deus Encarnado e do homem divinizado. Em outras palavras, olhando aquele rosto, é possível ver o semblante de Deus e também o nosso. Tudo isso pode parecer uma reflexão abstrata e distante da vida real e cotidiana, mas na verdade não é assim.

Primariamente, nos revela que a face de Deus é o próprio homem, aquele que encontramos todos os dias ao nosso lado, aquele que faz parte das nossas relações diárias, o homem que somos. Através das relações de amizade, de amor, de família, de

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