O Teorema do Ponto Fixo de Schauder e Aplica¸c˜
ao `
as
EDFR
∗
Cristiano dos Santos
†e M´
arcia Richtielle
‡2 de dezembro de 2015
Resumo
Vamos apresentar um importante resultado sobre existˆencia de ponto fixo para aplica¸c˜oes compactas e descreveremos como este resultado ´e utilizado para garantir a existˆencia de solu¸c˜oes de Equa¸c˜oes Diferenciais Funcionais com Retardamento (EDFR).
Palavras Chave: Operadores Compactos, Ponto Fixo, Equa¸c˜oes Diferenciais Fun-cionais com Retardamento.
Introdu¸
c˜
ao
Apresentaremos neste trabalho a constru¸c˜ao do Teorema do Ponto Fixo de Schauder e para isto utilizaremos alguns resultados referentes `as aplica¸c˜oes com-pactas. Este importante teorema ´e utilizado para a obten¸c˜ao de outros resultados dentro da Matem´atica e da Matem´atica Aplicada. Para exemplificar, veremos uma aplica¸c˜ao dentro da Teoria B´asica das Equa¸c˜oes Diferenciais Funcionais com Re-tardamento sobre existˆencia de solu¸c˜ao, al´em disso, ele tamb´em pode ser utilizado para garantir a existˆencia de solu¸c˜oes peri´odicas para alguma classe de EDFR.
1
Resultados Preliminares
Inicialmente vamos apresentar a defini¸c˜ao de Operador Compacto, um exemplo e alguns resultados importantes para o bom desenvolvimento deste trabalho.
Antes de definirmos os Operadores Compactos relembremos do seguinte resul-tado:
Teorema 1 As seguintes afirma¸c˜oes a respeito de um espa¸co m´etrico M s˜ao equi-valentes:
1 - M ´e compacto.
2 - Todo subconjunto infinito de M possui um ponto de acumula¸c˜ao.
∗Trabalho realizado como parte do projeto de Inicia¸c˜ao Cient´ıfica Fapesp, Processo: 2012/15162-3 sob
a orienta¸c˜ao da Profa. Dra. Marta Cilene Gadotti.
†Email: santos.cris92@gmail.com, bolsista FAPESP. Estudante do Curso de Bacharelado em
Ma-tem´atica, Unesp - Rio Claro.
‡Email: marcia.rc.unesp@hotmail.com, bolsista BAAE do IGCE. Estudante do Curso de Bacharelado
em Matem´atica, Unesp - Rio Claro.
3 - Toda sequˆencia em M possui uma subsequˆencia convergente. 4 - M ´e completo e totalmente limitado.
Como aplica¸c˜ao direta deste Teorema temos o seguinte Corol´ario:
Corol´ario 2 Dado um subconjunto X de um espa¸co m´etrico completo M , s˜ao equi-valentes as seguintes propriedades:
1 - X ´e relativamente compacto em M , isto ´e, X ´e compacto.
2 - Toda sequˆencia de pontos de X possui uma subsequˆencia convergente em M . 3 - X ´e totalmente limitado.
As provas dos resultados descritos acima podem ser encontradas em [3].
Defini¸c˜ao 3 Sejam E e F espa¸cos normados, dizemos que a aplica¸c˜ao k : E −→ F cont´ınua ´e compacta ou completamente cont´ınua se para todo X ⊂ E limitado, k(X) ´
e relativamente compacto.
Apresentamos agora um teorema (veja referˆencia [4]) que mostra alternativas equivalentes de verificar que uma aplica¸c˜ao linear ´e compacta.
Teorema 4 Sejam E e F espa¸cos normados e k : E → F uma aplica¸c˜ao linear; s˜ao equivalentes as seguintes propriedades:
1 - k ´e compacta.
2 - Toda sequˆencia limitada de pontos (xn) de E cont´em uma subsequˆencia (xnr)
tal que a sequˆencia (k(xnr)) ´e convergente em F .
3 - k leva a bola unit´aria B de E num conjunto relativamente compacto de F .
Demonstra¸c˜ao:
(1) =⇒ (2) Sendo {xn; n ∈ N} um subconjunto limitado de E e k compacta,
ent˜ao {k(xn); n ∈ N} ´e um subconjunto relativamente compacto de F . Assim, do
Corol´ario 2 segue que a sequˆencia (k(xn)) possui uma subsequˆencia convergente em
F .
(2) =⇒ (3) Da hip´otese segue que toda sequˆencia (xn) ⊂ B cont´em uma
sub-sequˆencia (xnr) tal que (k(xrn)) ´e convergente em F . Isto equivale a dizer que o
conjunto k(B) ´e relativamente compacto, pelo Corol´ario 2.
(3) =⇒ (1) Seja L ⊂ E um conjunto limitado, ent˜ao existe a > 0 tal que L ⊂ a.B = B(a), onde B(a) ´e a bola de raio a, e assim,
k(L) ⊂ ak(B).
Segue que k(L) ´e relativamente compacto pois k(B) o ´e, assim ak(B) ´e relativa-mente compacto.
Exemplo 5 Sejam E e F espa¸cos normados e k : E −→ F cont´ınua. Se E ´e compacto ent˜ao k ´e compacto.
De fato, pois dado uma sequˆencia limitada arbitr´aria (xn) ⊂ E temos, pela
com-pacidade de E, que (xn) possui subsequˆencia (xnr) convergente, e pela continuidade
de k segue que (k(xnr)) ´e convergente e, portanto, k ´e compacto.
Vamos agora construir um operador compacto, para isto considere E = C([a, b], C) e F = C([c, d], C) e seja K : [c, d] × [a, b] −→ C uma fun¸c˜ao cont´ınua. Para todo x ∈ E definimos y = k(x) ∈ F por
y(t) = k(x)(t) = Z b
a
K(t, s)x(s)ds, t ∈ [c, d].
Para determinar que k ´e compacto vamos demonstrar que k(B) ´e um subconjunto relativamente compacto de F , onde B ´e a bola unit´aria em E. Pelo Teorema de Arzel´a-Ascoli, ver referˆencia [5], ´e suficiente demonstrar que:
i) k(B) ´e equicont´ınuo.
ii) Para todo t0 ∈ [c, d] o conjunto {k(B)(t0)} = {k(x)(t0); x ∈ B} ´e limitado em
C.
Demonstra¸c˜ao de i): Da continuidade uniforme de K segue que dado ε > 0 existe δ > 0 tal que para todo s ∈ [a, b] e t1, t2∈ [c, d] com |t1− t2| < δ temos:
|K(t1, s) − K(t2, s)| < ε. De |y(t1) − y(t2)| = Z b a K(t1, s)x(s)ds − Z b a K(t2, s)x(s)ds = = Z b a [K(t1, s) − K(t2, s)]x(s)ds ≤ Z b a |K(t1, s) − K(t2, s)||x(s)|ds,
segue-se ent˜ao que para |t − t0| < δ e x ∈ B
|k(x)(t) − k(x)(t0)| ≤ Z b a |K(t, s) − K(t0, s)||x(s)|ds ≤ ε Z b a |x(s)|ds ≤ ≤ ε sup s∈[a,b] |x(s)|(b − a) < ε(b − a), pois kxk = sup a≤t≤b
|x(t)| < 1, o que prova a equicontinuidade de k(B).
Demonstra¸c˜ao de ii): Para todo x ∈ B e t0 ∈ [c, d] temos:
|k(x)(t0)| ≤
Z b
a
|K(t0, s)||x(s)|ds ≤ M,
onde M ´e uma constante que pode depender de t0, concluindo a prova.
2
Teorema do Ponto Fixo de Schauder
Vamos agora desenvolver o Teorema do Ponto Fixo de Schauder, para isto traremos primeiro algumas defini¸c˜oes e resultados preliminares, cujas demonstra¸c˜oes podem ser encontradas em [1].
Defini¸c˜ao 6 Um espa¸co topol´ogico Y tem a propriedade do ponto fixo (f pp) se toda aplica¸c˜ao cont´ınua f : Y −→ Y tem um ponto fixo, isto ´e, existe y ∈ Y tal que f (y) = y.
Teorema 7 - Ponto Fixo de Brouwer. A bola unit´aria fechada Bn em Rn tem f pp.
Teorema 8 - Ponto Fixo de Brouwer Generalizado. Um subconjunto Q de Rn convexo e compacto tem f pp.
Teorema 9 Um espa¸co vetorial real de dimens˜ao finita n ´e linearmente homeo-morfo ao Rn.
Defini¸c˜ao 10 Sejam X um espa¸co normado real e F = {x1, . . . , xn} um
subcon-junto finito de X. Ent˜ao con(F ), a envolt´oria convexa de F , ´e definida por:
con(F ) = n X j=1 tjxj ; tj ≥ 0, n X j=1 tj = 1.
A envolt´oria convexa con(F ) est´a contida no espa¸co vetorial [F ] o qual ´e chamado gerado de F e ´e definido pelos pontos x ∈ X que podem ser escritos na forma x =Pn
j=1ajxj para aj ∈ R e xj ∈ F . Evidentemente, [F ] ´e um espa¸co vetorial de
dimens˜ao menor ou igual a n. Observe que con(F ) ´e fechado e limitado; de fato, note que dado x ∈ con(F ) temos: kxk =
Pn j=1tjxj
≤ maxjkxjk e note tamb´em que con(F ) ´e imagem inversa do conjunto {1} pela fun¸c˜ao cont´ınua: f : [F ] −→ R onde f (x) =Pn
j=1tj.
Resultado 11 Se F = {x1, . . . , xn} est´a contido em um conjunto convexo C de um
espa¸co normado X, ent˜ao con(F ) est´a contida em C. Assim, con(F ) ´e a interse¸c˜ao de todos os subconjuntos convexos de X contendo F .
Demonstra¸c˜ao: Usando indu¸c˜ao no n´umero de pontos em F , segue que o Re-sultado ´e trivial para F com apenas um ponto. Vamos assumir que o Resultado ´e v´alido para conjuntos F com n − 1 pontos. Agora, seja C um subconjunto convexo de X contendo F e seja x = Pn
j=1tjxj ∈ con(F ). Assim, devemos mostrar que
x ∈ C. Se tn = 1 ent˜ao x = xn pois P tj = 1 e est´a provado. Caso contr´ario, x
pode ser escrito na forma
x = (1 − tn) t1 1 − tn x1+ · · · + tn−1 1 − tn xn−1 + tnxn= (1 − tn)x∗+ tnxn
Seja F0= {x1, . . . , xn−1}, ent˜ao x∗ ∈ con(F0) pois:
t1+ · · · + tn= 1 ⇒ t1+ · · · + tn−1= 1 − tn⇒ t1 1 − tn + · · · + tn−1 1 − tn = 1.
Assim, pela hip´otese de indu¸c˜ao x∗ ∈ C e como C ´e convexo e tn ∈ [0, 1[ segue
que x ∈ C.
Defini¸c˜ao 12 Para todo ε > 0, um ε − net, que denotaremos por S, em um espa¸co m´etrico X ´e um subconjunto de X com a propriedade que todo ponto de X est´a ao alcance ε de algum ponto de S, isto ´e, ∀x ∈ X, ∃s ∈ S tal que d(x, s) < ε. Para dizer a mesma coisa, mais precisamente, dizemos que um subconjunto S de X ´e um ε − net se X ´e a uni˜ao de todas B(s, ε), com s ∈ S.
Defini¸c˜ao 13 Dizemos que um espa¸co m´etrico X ´e totalmente limitado se existe um ε − net finito para X.
Teorema 14 - Proje¸c˜ao de Schauder. Seja K um subconjunto compacto de um espa¸co normado X, com a m´etrica d induzida pela norma. Dado ε > 0, existe um subconjunto finito F de X e uma aplica¸c˜ao P : K −→ con(F ) chamada Proje¸c˜ao de Schauder, tal que d(P (x), x) < ε para todo x ∈ K.
Demonstra¸c˜ao: Como K ´e compacto segue do Teorema 1 que K ´e totalmente limitado, assim existe um ε − net finito, seja tal conjunto F = {x1, . . . , xn}. Para
i = 1, . . . , n defina as fun¸c˜oes φi : K −→ R por φi(x) = ε − d(x, xi) se x ∈ B(xi, ε)
e φi(x) = 0 caso contr´ario. Definindo, φ como φ(x) =Pni=1φi(x) temos que
φ(x) > 0, ∀x ∈ K, pois F ´e um ε − net para K. Definimos ent˜ao a Proje¸c˜ao de Schauder por:
P (x) = n X i=1 φi(x) φ(x)xi,
que ´e cont´ınua pois os φi s˜ao. Observe que P (x) ∈ con(F ) pois, n X i=1 φi(x) φ(x) = 1 φ(x) n X i=1 φi(x) = φ(x) φ(x) = 1. E assim, d(P (x), x) = n X i=1 φi(x) φ(x)xi− x = n X i=1 φi(x) φ(x)xi− n X i=1 φi(x) φ(x)x = n X i=1 φi(x) φ(x)(xi− x) ≤ n X i=1 φi(x) φ(x)kxi− xk < n X i=1 φi(x) φ(x)ε = ε, pois φi(x) = 0 se kxi− xk ≥ ε.
De acordo com o Teorema 8 um subconjunto fechado, limitado (e assim com-pacto) e convexo de um espa¸co euclidiano de dimens˜ao finita tem a propriedade do ponto fixo. De modo geral, em espa¸cos normados subconjuntos fechados e limitados n˜ao necessariamente s˜ao compactos. Vamos ilustrar exibindo um exemplo(ver [4]) de um subconjunto fechado, limitado e convexo de um espa¸co normado que n˜ao possui a propriedade do ponto fixo.
Exemplo de Kakutani: Considere o espa¸co de Hilbert X = `2 que consiste de
todas as sequˆencias reais x = (x1, x2, . . .) tais que a s´erie P∞j=1x2j seja convergente.
E a norma definida neste caso ´e:
kxk = v u u t ∞ X j=1 x2 j.
A bola unit´aria C em X, isto ´e, o conjunto de pontos x ∈ X tais que kxk ≤ 1, ´
e certamente fechada, limitada e convexa. Se definirmos
f (x) = f ((x1, x2, . . .)) = p 1 − kxk2, x 1, x2, . . . e calcularmos kf (x)k = r p 1 − kxk22+ x2 1+ x22+ · · · = p (1 − kxk2) + kxk2 = 1 5
vemos que f aplica o conjunto C em si mesmo, na verdade, na esfera unit´aria S ⊂ C. Esta fun¸c˜ao f : C −→ S ⊂ C ´e cont´ınua, pois podemos escrevˆe-la como composi¸c˜ao de fun¸c˜oes que obviamente s˜ao cont´ınuas. Mas, f n˜ao tem ponto fixo. Pois caso contr´ario, existiria x0 = (x01, x02, . . .) com f (x0) = x0 e ent˜ao kx0k = kf (x0)k = 1. Mas, pela defini¸c˜ao de f ter´ıamos
f (x0) = f (x01, x02, . . .) = (0, x1, x2) = x0 = (x1, x2, . . .)
e isto implica que 0 = x01, x01 = x02 e assim em diante, e portanto ter´ıamos que x0 seria a sequˆencia nula, o que ´e uma contradi¸c˜ao.
Teorema 15 - Ponto Fixo de Schauder. Seja C um subconjunto fechado, limi-tado e convexo de um espa¸co normado e seja f : C −→ C uma aplica¸c˜ao compacta, ent˜ao f tem um ponto fixo.
Demonstra¸c˜ao: Da hip´otese temos que f (C) ´e compacto, denote f (C) por K. Para cada n´umero natural n, seja Fn um 1n− net finito para o compacto K e seja
Pn: K −→ con(Fn) a Proje¸c˜ao de Schauder. Agora, Fnest´a contido em K que por
sua vez est´a contido em C j´a que f (C) ⊂ C e C ´e fechado. Assim, do Resultado 11 a convexidade de C implica que con(Fn) ⊂ C.
Defina fn: con(Fn) −→ con(Fn) pela restri¸c˜ao de f `a con(Fn) e compondo com
Pn, fn= Pn◦ f . Como [Fn] tem dimens˜ao finita e con(Fn) ´e fechado e limitado em
[Fn] temos que con(Fn) ´e compacto.
Assim, do Teorema 8 temos que fn possui ponto fixo, seja yn ∈ con(Fn) um
deles. Como K ´e compacto a sequˆencia (f (yn)) possui subsequˆencia convergente, a
qual ser´a denotada tamb´em por (f (yn)). Chamemos o limite desta subsequˆencia de
y e note que y ∈ C pois C ´e fechado.
Mostraremos que y ´e um ponto fixo de f . O argumento depende da propriedade de aproxima¸c˜ao da Proje¸c˜ao de Schauder, que neste caso satisfaz:
d(Pn(x), x) <
1 n. Quando tomamos x = f (yn) temos:
d(Pn(f (yn)), f (yn)) = d(fn(yn), f (yn)) <
1 n.
Ent˜ao a sequˆencia (fn(yn)) = (yn) deve convergir para o mesmo ponto que f (yn)
converge, o qual chamamos de y.
Finalmente, observe que, da continuidade de f e do fato de yn → y, f (yn) →
f (y), portanto, da unicidade do limite temos que f (y) = y.
Corol´ario 16 - Ponto Fixo de Brouwer Muito Generalizado Um subcon-junto convexo e compacto de um espa¸co normado tem f pp.
Demonstra¸c˜ao: Segue diretamente do Teorema 15 e do Exemplo 5.
3
Aplica¸
c˜
ao `
as EDFR
Antes de exibirmos a aplica¸c˜ao do Teorema de Schauder, ´e preciso introduzir-mos as nota¸c˜oes e defini¸c˜oes que ser˜ao necess´arias ao bom entendimento de uma EDFR. Primeiramente, apresentamos a defini¸c˜ao de equa¸c˜ao diferencial funcional com retardamento e para isto vamos considerar r > 0 e
C = C([−r, 0], Rn) = {φ = (φ1, · · · , φn) : [−r, 0] → Rn cont´ınua }
o espa¸co de Banach das fun¸c˜oes cont´ınuas definidas em [−r, 0] tomando valores em Rncom a topologia da convergˆencia uniforme. Designamos a norma de um elemento φ ∈ C como |φ| = sup
−r≤θ≤0
|φ(θ)|.
Defini¸c˜ao 17 Se σ ∈ R, A ≥ 0 e x ∈ C([σ − r, σ + A], Rn), ent˜ao para todo t ∈ [σ, σ + A], definimos xt∈ C por xt(θ) = x(t + θ), −r ≤ θ ≤ 0. Veja a figura a
seguir que ilustra a fun¸c˜ao xt.
σ − r t − r σ t σ + A xt x(t)
Defini¸c˜ao 18 Se D ´e um subconjunto de R × C e f : D → Rn´e uma fun¸c˜ao dada, ent˜ao dizemos que a rela¸c˜ao
˙
x(t) = f (t, xt) (3.0.1)
´
e uma equa¸c˜ao diferencial funcional com retardamento. Desejamos enfati-zar esta equa¸c˜ao definida por f escrevendo EDFR(f ).
Defini¸c˜ao 19 Uma fun¸c˜ao x ´e uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao (3.0.1), se existirem σ ∈ R, A > 0 tais que x ∈ C([σ − r, σ + A), Rn), (t, x
t) ∈ D e x(t) satisfaz (3.0.1) para
t ∈ [σ, σ + A).
Para σ ∈ R, φ ∈ C denotaremos x(σ, φ, f ) como sendo a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao (3.0.1) para t ∈ [σ − r, σ + A) com fun¸c˜ao inicial φ em σ, ou seja, xσ(σ, φ, f ) = φ.
Enunciaremos alguns lemas necess´arios para a constru¸c˜ao do teorema sobre existˆencia de solu¸c˜ao. As provas podem ser encontradas em [2].
Lema 20 Se σ ∈ R, φ ∈ C s˜ao dados e f ´e cont´ınua, ent˜ao encontrar uma solu¸c˜ao para a equa¸c˜ao (3.0.1) em (σ, φ) ´e equivalente a resolver a equa¸c˜ao integral:
xσ = φ e x(t) = φ(0) +
Z t
σ
f (s, xs)ds, t ≥ σ.
Para provar a existˆencia de solu¸c˜ao ´e conveniente introduzirmos uma fun¸c˜ao
∼
φ e uma equa¸c˜ao integral associada a ela.
Para qualquer (σ, φ) ∈ R × C, considere a fun¸c˜ao
∼ φ ∈ C([σ − r, ∞), Rn) definida por: ∼ φσ= φ ∼ φ (t + σ) = φ(0), t ≥ 0.
Suponha que x ´e uma solu¸c˜ao da equa¸c˜ao (3.0.1) passando por (σ, φ) e que
x(t + σ) =
∼
φ (t + σ) + y(t), (3.0.2)
para t ≥ −r. Assim, do Lema 20 temos que y satisfaz y(t) = Z t 0 f (σ + s, ∼ φσ+s+ys)ds, t ≥ 0. (3.0.3)
Reciprocamente, se y ´e uma solu¸c˜ao de (3.0.3), ent˜ao ´e poss´ıvel obter uma solu¸c˜ao x da equa¸c˜ao (3.0.1) por (3.0.2). Portanto, encontrar uma solu¸c˜ao para a equa¸c˜ao (3.0.1) ´e equivalente a encontrar α > 0 e uma fun¸c˜ao y ∈ C([−r, α], Rn) tal que a equa¸c˜ao (3.0.3) esteja satisfeita para 0 ≤ t ≤ α.
Se V ´e um subconjunto de R × C, denotaremos C(V, Rn) como sendo a classe de todas as fun¸c˜oes f : V → Rn que s˜ao cont´ınuas e C0(V, Rn) ⊆ C(V, Rn) o subconjunto de fun¸c˜oes limitadas cont´ınuas de V para Rn. O espa¸co C0(V, Rn) ´e Banach com a norma
|f |V = sup (t,φ)∈V
|f (t, φ)|.
Defini¸c˜ao 21 Para quaisquer α, β ∈ R, definimos:
Iα= [0, α], Bβ = {ψ ∈ C; kψk ≤ β} e
A(α, β) = {y ∈ C([−r, α], Rn); y0 = 0, yt∈ Bβ, t ∈ Iα}.
Lema 22 Suponha Ω ⊆ R × C aberto, W ⊆ Ω compacto e f0 ∈ C(Ω, Rn). Ent˜ao
existe uma vizinhan¸ca V ⊆ Ω de W tal que f0 ∈ C0(V, Rn), existem U ⊆ C0(V, Rn)
uma vizinhan¸ca de f0 e constantes positivas M, α e β tais que |f (σ, φ)| < M para (σ, φ) ∈ V e f ∈ U .
Tamb´em, para todo (σ0, φ0) ∈ W , temos (σ0+ t,∼φ
σ0+t +yt) ∈ V , para t ∈ Iα e
y ∈ A(α, β).
Lema 23 Suponha que Ω ⊆ R × C ´e um conjunto aberto, W ⊆ Ω ´e compacto e f0 ∈ C(Ω, Rn) ´e dada. Considere tamb´em as vizinhan¸cas U e V e as constantes
M, α, β que foram obtidas no Lema 22.
Se T : W × U × A(α, β) → C([−r, α], Rn) definida por T (σ, φ, f, y)(t) = 0, t ∈ [−r, 0] Z t 0 f (σ + s, ∼ φσ+s +ys)ds, t ∈ Iα.
Ent˜ao T ´e cont´ınua e existe um conjunto compacto K ⊂ C([−r, α], Rn) tal que T : W × U × A(α, β) → K.
Tamb´em, se M α ≤ β, ent˜ao T : W × U × A(α, β) → A(α, β).
O Teorema de Existˆencia de Solu¸c˜ao que demonstraremos adiante ´e uma aplica¸c˜ao do Teorema do Ponto Fixo de Schauder.
Teorema 24 (Existˆencia de Solu¸c˜ao) Suponha Ω ⊆ R × C um conjunto aberto e f0 ∈ C(Ω, Rn). Se (σ, φ) ∈ Ω, ent˜ao existe uma solu¸c˜ao da EDFR(f0) passando
por (σ, φ). Mais ainda, se W ⊆ Ω ´e compacto e f0 ∈ C(Ω, Rn), ent˜ao existe
uma vizinhan¸ca V ⊆ Ω de W tal que f0 ∈ C0(V, Rn), existe uma vizinhan¸ca U ⊆
C0(V, Rn) de f0 e existe α > 0 tais que para qualquer (σ, φ) ∈ W , f ∈ U , existe uma solu¸c˜ao x(σ, φ, f ) da EDFR(f ) passando por (σ, φ) em [σ − r, σ + α].
Demonstra¸c˜ao: Para mostrar que existe solu¸c˜ao da EDFR passando por (σ, φ), consideremos W = {(σ, φ)}. Logo, W ´e compacto. Assim, pelo Lema 23, podemos definir a aplica¸c˜ao T : W × U × A(α, β) → C([−r, α], Rn) cont´ınua.
Consideremos a aplica¸c˜ao T ((σ, φ), f0, ·) : A(α, β) → C([−r, α], Rn) definida por: T (σ, φ, f, y)(t) = 0, t ∈ [−r, 0] Z t 0 f (σ + s, ∼ φσ+s +ys)ds, t ∈ Iα.
Mostremos que temos satisfeitas todas as condi¸c˜oes do Teorema 15. Ou seja, mostre-mos que A(α, β) ´e fechado, limitado e convexo em C([−r, α], Rn) e que a aplica¸c˜ao T : A(α, β) → A(α, β) ´e completamente cont´ınua, lembrando pelo Lema 23 que podemos escolher as constantes M , α e β de forma que M α ≤ β.
Afirma¸c˜ao 1: A(α, β) = {y ∈ C([−r, α], Rn); y0 = 0, yt ∈ Bβ, t ∈ Iα} ´e um
conjunto limitado.
De fato, seja y ∈ A(α, β) arbitr´ario. Ent˜ao tem-se yt∈ Bβ, ∀t ∈ Iα ⇒ kytk ≤ β, ∀t ∈ Iα
e assim ∀θ ∈ [−r, 0] ⇒ |y(t + θ)| ≤ β ⇒ kyk ≤ β. Portanto, A(α, β) ´e limitado. Afirma¸c˜ao 2: A(α, β) ´e fechado em C([−r, α], Rn). Considere (yi) uma sequˆencia convergente em A(α, β), isto ´e, yi → y em C([−r, α], Rn). Mostremos que y ∈
A(α, β). Com efeito, como yi → y, ent˜ao dado > 0, ∃n0 ∈ N tal que n ≥ n0 ⇒
kyi− yk < ⇒ |yi(t) − y(t)| < , ∀t ∈ I α.
Em particular para n = n0, temos:
kyn0 − yk < ⇒ |yn0(t) − y(t)| < , ∀t ∈ I α⇒ |ytn0(0) − yt(0)| < , ∀t ∈ Iα. Assim, ky0k = ky0− yn00 + y n0 0 k ≤ ky0− yn00k + ky n0 0 k = ky0− yn00k < . Note que yn0 0 = 0, pois yn0 ∈ A(α, β).
Portanto, ky0k < . Como ´e arbitr´ario segue que y0= 0.
Agora, kytk = kyt− ynt0 + ytn0k ≤ kyt− ytn0k + kytn0k < + β, t ∈ Iα, ∀ > 0.
Como ´e arbitr´ario segue que kytk ≤ β, ∀t ∈ Iα. Logo, yt ∈ Bβ, o que implica
y ∈ A(α, β).
Portanto, A(α, β) ´e fechado em C([−r, α], Rn). Afirma¸c˜ao 3: A(α, β) ´e convexo.
Devemos mostrar que se y1, y2∈ A(α, β), ent˜ao o segmento (1 − a)y1+ ay2, est´a contido em A(α, β), ∀a ∈ [0, 1].
De fato, fixando a ∈ [0, 1] qualquer, temos
((1 − a)y1+ ay2)0(θ) = ((1 − a)y1)(θ) + (ay2)(θ) = (1 − a)y1(θ) + y2(θ) = 0 + 0 = 0,
pois y1, y2 ∈ A(α, β) para −r ≤ θ ≤ 0, t = 0. Portanto, ((1 − a)y1+ ay2)0 = 0. E,
((1 − a)y1+ ay2)t
= k(1 − a)yt1+ ay2tk ≤ k(1 − a)yt1k + kay2tk =
= (1 − a)kyt1k + akyt2k ≤ (1 − a)β + aβ = (1 − a + a)β = β. Portanto, ((1 − a)y1+ ay2)t∈ Bβ, ∀t ∈ Iα.
Assim, ((1 − a)y1+ ay2) ∈ A(α, β), ∀a ∈ [0, 1]. Portanto, A(α, β) ´e convexo. Afirma¸c˜ao 4: A aplica¸c˜ao G = T (σ, φ, f0, ·) : A(α, β) → A(α, β) ´e completa-mente cont´ınua.
Com efeito, T j´a ´e cont´ınua pelo Lema 23 e portanto, T (σ, φ, f0, ·) ´e cont´ınua. Seja A ⊂ A(α, β) limitado. Mostremos que G(A) = T (σ, φ, f0, A) tem fecho compacto, ou seja, basta mostrar que G(A) ´e relativamente compacto. Para isto, provemos que:
(i) G(A) ´e uniformemente limitado: Sabemos que G(y) : [−r, α] → Rn ´e dada por: G(y)(t) = 0, t ∈ [−r, 0] Z t 0 f0(σ + s, ∼ φσ+s+ys)ds, t ∈ Iα.
Seja y ∈ A. Como A ⊂ A(α, β) ´e limitado, ent˜ao existe M > 0 tal que kyk < M e |yt| < β, t ∈ Iα e y0 = 0.
Note que pelo Lema 22, (σ + s,
∼
φσ+s +ys) ∈ V e y ∈ A(α, β) para s ∈ [0, α].
Logo, o conjunto U = {(σ + s,
∼
φσ+s +ys); y ∈ A(α, β), s ∈ [0, α]} ⊂ V e f0 ´e
limitada em V . Portanto, f0 ´e limitada no conjunto U . Assim, existe k0 > 0 tal que |f0(σ + s, ∼ φσ+s +ys)| < k0. Portanto, |G(y)(t)| = Z t 0 f0(σ + s, ∼ φσ+s +ys)ds ≤ Z t 0 |f0(σ + s, ∼ φσ+s +ys)|ds ≤ ≤ Z α 0 |f0(σ + s, ∼ φσ+s +ys)|ds ≤ Z α 0 k0 = αk0.
Note que αk0 n˜ao depende de y. Portanto, G(y) ´e uniformemente limitado. Observe tamb´em que {G(A)(t), t ∈ Iα} = {G(y)(t), ∀t ∈ Iα, ∀y ∈ A} ⊂ Rn ´e
limitado, o que implica que{G(A)} ´e fechado e limitado em Rn. Logo, {G(A)}
´e compacto.
(ii) G(A) ´e equicont´ınuo. De fato, dado > 0 e y ∈ A, existe δ < k0 tal que, se
|t − a| < δ, ent˜ao |G(y)(t) − G(y)(a)| ≤ Z |t−a| 0 |f0(σ + s, ∼ φσ+s+ys)|ds (i) ≤ Z |t−a| 0 k0ds = |t − a|k0 < k0k 0 = , ∀y ∈ A.
Portanto, G(A) ´e equicont´ınuo.
Assim, por (i) e (ii) e usando o Teorema de Ascoli-Arzel´a, segue que G(A) ´e compacto. Portanto, G ´e completamente cont´ınua.
Assim, pelo Teorema do Ponto Fixo de Schauder, existe y ∈ A(α, β) tal que T (σ, φ, f0, y)(t) = y(t), ∀t ∈ [−r, α]. Isto ´e,
y(t) = Z t 0 f0(σ + s, ∼ φσ+s +ys)ds, t ∈ Iα y0 = 0
Como, encontrar y ´e equivalente a resolver
˙
x(t) = f0(t, xt)
xσ = φ,
segue que existe solu¸c˜ao para a EDFR(f0).
De modo mais geral, dado W ⊂ Ω compacto e f0 ∈ C(Ω, Rn), temos pelo
Lema 22 que existe uma vizinhan¸ca V ⊂ Ω tal que f0 ∈ C0(V, Rn) e existe uma
vizinhan¸ca U de f0, U ⊂ C0 e constantes α, β tais que, se (σ, φ) ∈ W ent˜ao (σ + t,
∼
φσ+t +yt) ∈ V para t ∈ Iα e y ∈ A(α, β). Portanto, para cada f ∈ U ,
podemos definir T (σ, φ, f0, ·) : A(α, β) → A(α, β) com ponto fixo, ou seja, com solu¸c˜ao. Como quer´ıamos demonstrar.
4
Conclus˜
ao
A Teoria dos Operadores Compactos tem sua importˆancia na constru¸c˜ao de resultados da An´alise Funcional e tamb´em de resultados em outras sub´areas da Matem´atica, como por exemplo, o Teorema do Ponto Fixo de Schauder que por sua vez tem sua aplica¸c˜ao na Teoria das Equa¸c˜oes Diferenciais Funcionais com Retardamento.
Referˆ
encias
[1] ROBERT, F.B. - A Topological Introduction to Nonlinear Analysis, Birkh¨auser Boston, 1993.
[2] HALE, J.K. - Introduction to Functional Differential Equations, Springer-Verlag New York, 1993.
[3] H ¨ONIG, C.S. - An´alise Funcional e Aplica¸c˜oes vol.1 e vol.2, IME-USP, 1970. [4] KREYSZIG, E. - Introductory Functional Analysis with Applications, Wiley
Classics Library, 1989.
[5] LIMA, L.E. - Espa¸cos M´etricos, IMPA, 1977.