TRÊS LINHAS
CINCO LINHAS
SETE LINHAS
Carlos
Rodrigues
Brandão
Pequenos poemas, por que?
Peço a você que abriu este livro e talvez leia todos ou alguns escritos dele, que me acompanhe por um momento.
Os “pequenos poemas” devem ser entendidos como isto mesmo: escritos de poesia três a cinco linhas. Outros, um pouco maiores, escritos de seis e sete linhas. Outros, os . do final do livro, um pouco ou um tanto mais longos até. Logo você verá que em um lugar bem longe daqui alguns deles têm os seus nomes e até uma longa história.
O “outro lado”, que está também escrito no título deste livro, deve ser entendido aqui como "o lado de lá do nosso mundo”. Se quisermos dar um nome a este "outro lado", ele pode ser... o “Japão”.
Neste país distante, e há muitos e muitos anos atrás, quando o Brasil mal acabara de ser descoberto, alguns japoneses começaram a criar uma poesia com poucas palavras e muito poucas linhas: três linhas, cinco linhas.
O haikai é um brevíssimo poema. Nas suas três linhas ele quer apenas traduzir o ver, o sentir, o viver de um momento.
O grande poeta do haikai, chamado Matsuo Bashô, disse que: "Haikai (ou Jaiku) é simplesmente o que está sucedendo neste lugar, neste momento".
Vou deixar escrito logo abaixo um HAIKAI, primeiro em japonês, mas escrito já com as nossas letras. Depois, a tradução dele para o Português.
tôyama wa yuki furu kumo no
taema kana Montes distantes onde as nuvens nevam
com traços claros.
Este belo HAIKAI é de um poeta antigo, com este nome: Senyun1.
Muitos anos mais tarde, vários escritores daqui do Ocidente (onde fica o Brasil no mundo, não esquecer!) começaram a conhecer, ler e mesmo traduzir o HAIKAI japonês.
1. Este e outros muitos HAIKAS estão em um livro em Espanhol: Jaikus inmortales. Eles foram traduzidos por Antonio Cabezas. O livro foi publkicado em Mdri, na Espanha, pela Editora Hiperión. Eu traduzi para o Português este HAIKAI de uma terceira edição, de 1997.
Hoje em dia vários poetas com livros publicados ou não gostam de "traduzir" o que eles vivem e sentem em HAIKAIS. Cada um em sua língua.
Claro, em cada língua e em cada poeta o HAIKAI "ocidental" é escrito de um modo. É muito difícil em uma língua como o Português, você escrever um HAIKAI como os japoneses do passado faziam seguindo as mesmas regras de poesia e de gramática.
Até porque o alfabeto, as letras e a lógica da construção de palavras e de ideias lá é bem diferente daqui.
Vocês verão que meus HAIKAIS são uns mais longos, outros mais curtos e breves. alguns são rimados. Outros não.
Se de repente você quiser colocar por escrito o que viu, sentiu ou vivem em um momento, faça como eu. Faça como tantas pessoas. Escreva em três linhas o seu HAIKAI!
Aqui neste livro os poemas começam como HAIKAIS, com três linhas. Depois eles vão crescendo. Poemas de quatro linhas. De cinco linhas, uma outra invenção japonesa. De seis, de sete e, entre os últimos, poemas de oito e mais linhas.
Em algumas páginas os pequenos poemas estão acompanhados de algumas imagens em preto-e-branco. Elas se repetem e são parecidas. São pequenas esculturas que acabamos chamando de “bonsais de pedra”. Foram feitos de maneira muito simples e você também pode
tentar fazer os seus bonsais de pedra. Basta encontrar algumas pedras que possam acolher cada uma as outras. Depois é só ir colocando uma em cima da outra, sem cimento ou cola alguma. Elas se equilibram umas em cima das outras, sozinhas. a um ocupa uma página.
E agora pronto! Podemos seguir juntos a aventura de percorrer este livro.
Boa viagem!
Carlos Rodrigues
Poemas
de
três linhas
Névoa. A nuvem nada
na neve.
Clareia devagar. O sol tinge de ouro
Embala o vento a folha que o vento
embala?
Vaga o vento à toa, e quem viaja nele,
Hoje a noite veio.
E nela veio a luz da lua cheia.
Gota d’água de abril o que fez você cair
Sombra, quem te aclara quando o dia acaba?
Vinda do sul canta na Araucária
Livre é a gota d’água quando cai. Agora é noite. Ouço no lago o coaxar do sapo.
No ar de maio a folha ao vento vai
enquanto cai.
Na poeira veio com o vento a folha seca da figueira.
Cena marinha.
Aqui nesta manhã de maio O mar me vinha.
Antes de cair na areia baila no vento a folha da aroeira.
E veio então a hora quando o antes de hoje
já era agora.
Antes de agora um tempo houve. Ele passou e foi embora.
O que havia
no que antes de haver já existia?
Para onde vai além daqui quem nem chegou
Artista do céu a primavera chega com paleta e pincel.
Saiu no céu a lua cheia e clareou de luz um grão de areia.
Choveu aqui. Uma gota na folha, cria um universo ali.
Qual rara joia brilha como esta gota de água
Gotas de chuva na bruma o sol engole todas
uma a uma.
Um raio de sol na folha do capim. Sua luz clareia em mim.
Demora a borboleta
no mel da flor de amora.
Ontem saltou no lago a rã. Quando ela tocar n'água
O passar da aranha ao passar
arranha a teia.
Voltam as garças mansas. A árvore floresce
Do outro lado do rio na nuvem cinza chovia. Ladeira abaixo o menino corre e rola a bola.
Por um instante a luz da lua
aclara a alma errante
Surpresa! Já é novembro lá e canta aqui um sabiá.
Florem de amarelo os pés de ipê. É primavera, vê!
Alguém passou aqui, Quem?
Há horas em que a noite tarda um tanto até. Espero a Lua Cheia em pé.
Saudade é isto?
Ficou em mim até agora quem veio ontem e foi embora.
Veio com a nuvem cinza a chuvarada.
Mil espelhos na estrada.
Da praia olhava o mar. "Quem há", ele pensava,
Do lado de cá ele pergunta: "existe alguém lá,
além do mar?"
O que há
além do que havia? A noite acaso engole o dia?
Tece a noite o pano escuro com o fio de luz e lã que a mão do dia fia.
A maré cheia apaga os passos
Passou o fogo na floresta. Entre chamas um azul
tinge a cor da flor que ainda resta.
Chove a chuva de março. O rio Vermelho
Viaja no vento O seu voar.
A gaivota flutua no ar.
Toca de leve o vento a pena da arara. O vento sente... e para.
Lenta a lesma atravessa o deserto
de uma folha seca.
A velha varreu a casa e agora dorme.
Vela a noite o sono. Viaja enquanto dorme
quem no sono sonha.
É agora o dia. O galo acorda o sol que dormia.
Onde nada não havia guarda no bolso o menino
o que sobrou do dia.
Saltou no lago o sapo. O salto faz a onda. A onda aonde toca?
Não corre o rio. Corro eu... pra onde? Quando corro contra o rio.
Por uma noite esconde o escuro
Sorrio e leva o rio o meu rosto fugidio.
Choveu e a água passou. Deixou a lama
Cai a noite agora. Apaga a luz da flor
um pé de ipê rosa
Sobrou da noite a cortina feita à luz de uma estrela
oemas
de
quatro
Com o vento
voa a folha da figueira. Caída no chão ela sonha ser estrela.
Era a noite
quando a noite veio agora. Será ainda a noite
Vê! Assiste! No fim do inverno
a folha aqui é só o que existe.
É primavera, eu acho. pois a cada traço
de um passo nasce um riacho!
Sobre o branco da paisagem quieta colore de um tom de neve
a cor azul do céu.
No findar da primavera. o voo sem pressa de um pássaro sem cor.
Viaja no vento quem tem asa.
E é voando
que se sente em casa.
Quando for a hora e te fores,
lembra-te que é melhor se entre as flores.
Navegava na noite do seu sono. Quando acordou viajava um rio de sonho.
Quem acorda acaba o sonho? Ou saindo do sonho
Escondido, há um dia adormecido
na noite que no fio do dia havia.
Um pingo d’água em minha mão pousou. Carrego um lago inteiro
Quando eu vivo cada momento, agora,
esqueço o que era e foi-se embora.
Havia antes? Havia já
o que houve um dia e ainda há?
Venta e chove agora. Longe e aqui um trovão troveja
Lá vem o vento de-va-ga-ri-nho
abrindo no ar o seu caminho.
Uma ilha eu procuro no mar sem fim. O que eu busco no mar se a ilha existe em mim?
Venta, vento do sul! Vem e venta bem ligeiro
que eu pinto de azul o teu corpo inteiro.
Quando quem piava pausa o pio, no silêncio se ouve
a voz do rio.
Não vejo a hora de chegar o momento
que não existe... e é o agora.
Da espera de ontem veio a hora
em que o antes de hoje foi agora.
Um rio um dia aqui nascia. Agora ele nasce
Acaso sabe o grão de areia que ele é o mar
e é tudo o mais que há na luz que sol clareia?
Oito
poemas
como se
fossem
Tanka
TANKA também é uma outra palavra japonesa.
E TANKA também é uma invenção da poesia japonesa.
O que não quer dizer que outras gentes, de outros lugares, tenham praticado poemas semelhantes.
A TANKA, também originalmente chamada WAKA é talvez mais antiga do que o HAIKAI. E é um pouco maior, pois tem em geral cinco linhas.
Assim como o grande poeta sempre lembrado do HAIKAI é Bashô, com quem já nos encontramos aqui, o mais lembrado escritor de TANKA foi Saigyô.
Em Português um seu livro foi traduzido com este nome: poemas
da cabana da montanhesa2.
2 Este belo livro foi traduzido para o Português por Nassin Cohen. Ele antecede os poemas de um longo e primoroso estudo sobre a cultura japonesa dos tempos de Saigyô e sobre a sua vida. o livro foi
Vejam abaixo um dos poemas-de-cinco linhas dele. E vejam que antes está escrito algo para lembrar em que situação a TANKA foi escrita e sobre quem... ou o que.
Durante uma jornada; concernente à lua:
Como sempre, a lua Noite após noite Permanecerá ela aqui
Nesta choça de capim que construí - E agora mesmo eu devo partir.
Do mesmo modo como acontece com os HAIKAI, não podemos em uma outra língua escrever TANKAS assim como elas são escritas e com a mesma métrica e tudo o mais, tal como poetas do Japão criavam os seus poemas. Ainda mais se lembrarmos de novo que a poesia japonesa era "caligrafada", com aquelas belas letras, que são símbolos gráficos bem mais do que as nossas, como as que estão escritas aqui, os japoneses ao mesmo tempo escreviam e desenhavam os seus pequenos poemas.
Porque partiu se é cedo ainda? Se de cor cobria a tela
e tinha as mãos sujas de tinta?
quando a noite vai e outro dia vem,
o que se finda, se eu penso que o dia
Como lençol, alva a noite vai E apaga a lua. Voa uma pomba
e acorda a rua.
Não era eu ontem o que hoje eu sou. E quem será aquele
que hoje eu era e já passou?
Verão em agosto. O mais claro clarão da lua no lado escuro
de meu rosto
Aqui neste jardim secaram séculos de folhas mortas. Mas se elas estão aqui...
Um sino toca ao longe, pequenino.
Ao longe um sino toca. Até que estrela chega
o som do sino? De vez em quando o que acontece e vai haver já aconteceu antes de ser.
Sonha a menina um sonhozinho.
Ela sonha e não está mais
sozinha.
Aqui eu paro! Até aqui cheguei. Não fui a parte alguma,
e sem ter ido lá, de lá voltei!
Tudo o que se cria é apenas a frase
de um poema escrito à tarde e esquecido ao dia.
Uma coisa vale pela outra, assim como
a lua no céu erguida ou a sua clara face
Morreu. Morreu e foi-se embora. E quando morto ele viu que a eternidade
sete
poemas
de
seis
6
linhas
Passou a noite e veio do dia. Se de novo a noite veio... passou a noite e veio o dia? Sonho o esquecido, e em mim viaja o voar do vento. Sonho o que não sei
e não sabendo, o sonho inventa.
Acordo e esqueço o que sonhei.
E me pergunto agora, aqui se eu sou quando acordado,
ou quando sonho o sonho que esqueci.
Eu me escondo no que falo. Mas os silêncios de quando eu calo
escrevem de mim o meu outro lado.
Morei numa casa e fui embora.
Hoje, por onde eu ando carrego comigo a casa onde morei
Saberá o sábado que o dia de ontem
passou?
Assim como ele também no domingo...
A vida ainda ou já o fim? Se morre a flor para haver o fruto o que haverá de mim
poemas
de
sete
linhas
e mais
de
sete
Veja o vento! Ele veio de viagem de um lugar longe daqui.
Mas, o que é “longe”
(o vento se pergunta)
quando quem veio já está aqui?
Sempre há!
Ela dizia:
Quando o que houve, e o que houver haverão de ser
de novo o que havia!
Belas no galho as flores cor de rosa
que do alto o sol clareia. Mas quem para
na estrada
e por um momento olha o tapete das folhas caídas da paineira?
Miudinha, aquela estrelinha que quase não brilha com uma luz de nada
dizia pra outras: Tudo é tão um e o mundo é tão nós, que se eu me apagar o mundo se acaba!
Caminhei
pisando folhas secas pelas trilhas do mundo.
Caminhei
esquecido de saber que seca, cada folha
é, ali no chão
um universo que não vejo e um mundo que eu não sei.
Na lagoa o rio demora o seu caminho. A lagoa acolhe o rio
como em um ninho. Depois, do outro lado
o rio deixa a lagoa e embora
lá se vai... sozinho. E a lagoa serena
se pergunta:
onde estará o meu rio agora?
Taciturno, tristonho o infinito se lamenta, chora
e pensa assim: “ah! como é triste
não ter começo... e não ter fim!”
Esqueci o que ontem
eu vivi.
E amanhã, talvez, será que vou esquecer também o que eu vivo agora
de novo uma outra vez?
“Passou o que passou?” Dizia no chão caída a branca flor de ipê. “Mas o que passou?
Quando e o quê? Se o inverno ainda
quando ninguém diz a palavra alguma e nada se escuta do que se cala, é quando acontece este milagre: de dentro do nada o silêncio fala.