• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO RAUL DE GOUVEIA BEZERRA N USP:

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO RAUL DE GOUVEIA BEZERRA N USP:"

Copied!
157
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO

RAUL DE GOUVEIA BEZERRA N° USP: 9001776

O USO DE EMPRESAS-VEÍCULO PARA A DEDUÇÃO FISCAL DE ÁGIO: UMA ANÁLISE À LUZ DO CARF

ORIENTADOR: PROFESSOR TITULAR LUÍS EDUARDO SCHOUERI

SÃO PAULO 2019

(2)
(3)

RAUL DE GOUVEIA BEZERRA N° USP: 9001776

O USO DE EMPRESAS-VEÍCULO PARA A DEDUÇÃO FISCAL DE ÁGIO: UMA ANÁLISE À LUZ DO CARF

Tese de Láurea em Direito apresentada à Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo como requisito parcial para a obtenção de título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Titular Luís Eduardo Schoueri

São Paulo 2019

(4)

Título: O Uso de empresas-veículo para a dedução fiscal de ágio

Banca examinadora exigida como requisito parcial para conclusão do curso de bacharelado em Direito.

BANCA EXAMINADORA Prof. Instituição: Prof.(a) Dr.(a):_________________________________________________________ Instituição: ____________________________________________________________ Local da Aprovação: _____________________________________________________ Data da Aprovação: ___/___/____

(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus tios Virgínia Rêgo Bezerra e Hallison Rêgo Bezerra por terem me inspirado e me motivado na minha escolha pelo curso de Direito.

Agradeço ao meu Professor Luís Eduardo Schoueri por ter me apresentado da melhor maneira possível o Direito Tributário e por toda a dedicação com que conduz a docência.

Por fim, agradeço ao Marcelo Marques Roncaglia e à Fernanda Ramos Pazello por terem me introduzido à advocacia e por todo o apoio que me deram nos últimos dois anos.

(7)

RESUMO

O presente estudo busca analisar o tratamento que o ágio por expectativa de rentabilidade futura, quando gerado ou transferido em operações que envolvam as chamadas empresas-veículo, vem recebendo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Para tanto, foi analisado o regime legal tributário de ágio no Brasil, assim como foram analisadas todas as decisões do CARF, proferidas entre junho de 2015 e dezembro de 2018, que envolveram empresas-veículo em processos de privatização de empresas públicas, com o objetivo de mapear os critérios que nortearam a jurisprudência administrativa tributária do período. Ao final, foram feitas considerações sobre as decisões analisadas, assim como foi realizada uma reflexão acerca do papel do CARF no sistema jurídico-tributário brasileiro.

Palavras-chave: ÁGIO. EMPRESA-VEÍCULO. CARF. GOODWILL. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO.

(8)

ABSTRACT

This paper seeks to analyze the treatment given to the goodwill (ágio por expectativa de

rentabilidade futura), when generated or transferred in transactions involving the so-called conduit

companies by the Administrative Tax Appeals Council (CARF). For this purpose, the Brazilian tax rules on goodwill were analyzed, as well as all CARF decisions issued from June 2015 to December 2018, involving conduit companies in privatization processes of public companies, with a view to mapping the criteria that guided the tax administrative precedents of the period. Finally, considerations were made on the decisions analyzed and on the role of CARF in the Brazilian legal tax system.

(9)

Sumário

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 A DISCIPLINA LEGAL DA AMORTIZAÇAO FISCAL DE ÁGIO... 12

2.1. Primeira fase do regime fiscal de ágio no Brasil: Decreto-lei nº 1.598/1977 e Lei nº 9.532/1997 ... 12

2.2. Segundo fase do regime fiscal de ágio no Brasil: Lei nº 12.973/2014 ... 20

3 A UTILIZAÇÃO DE EMPRESA VEÍCULO NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO, TRANSFERÊNCIA E DEDUÇÃO DE ÁGIO ... 24

3.1. O sujeito da norma contida nos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997 ... 24

3.2. Empresa veículo ... 27

3.2.1. Empresa veículo: em busca de uma definição ... 27

3.2.2. Maneiras de utilização de uma empresa veículo ... 31

3.3. Empresa veículo e o propósito negocial ... 35

4 METODOLOGIA UTILIZADA NO ESTUDO JURISPRUDENCIAL... 39

4.1. Delimitação do Escopo ... 39

4.1.1. Escopo material ... 39

4.1.2. A escolha quanto ao tribunal analisado: o CARF ... 39

4.1.3. Escopo temporal ... 45

4.2. Método utilizado para a seleção de decisões ... 47

4.3. Método utilizado para a análise das decisões: os Normative Systems ... 51

4.4. Considerações adicionais para análise de acórdãos ... 53

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS ... 54

6. CONCLUSÃO ... 61

(10)

1 INTRODUÇÃO

Em nossa sociedade globalizada, é perceptível o crescimento do número de fusões e aquisições de empresas, culminando com a formação de grupos empresariais cada vez maiores e mais consolidados. Neste contexto se insere o Brasil que, tanto atrai investimentos externos, quanto vê crescer seus grupos empresariais nacionais.

Diante dessa realidade, é de grande importância que o regime tributário brasileiro aplicável às aquisições de participação societária seja claro, de modo a permitir uma melhor tomada de decisões de gestores e empreendedores mundo a fora. Infelizmente, essa é uma realidade ainda distante e o grande número de litígios envolvendo a dedução fiscal de ágio no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) despontam como grande exemplo disso.

O presente estudo tem a pretensão de mapear os critérios que norteiam a jurisprudência administrativa federal sobre um dos pontos mais controversos do regime fiscal de ágio brasileiro: a possibilidade de deduzir o ágio formado em transações nas quais haja a interposição das chamadas “empresas-veículo” quando da aquisição de participação societária relevante ou, ainda, quando da transferência de investimento com ágio entre empresas.

O objetivo do estudo é responder às seguintes perguntas: (i) o CARF considera que a utilização de uma empresa-veículo impossibilita, por si só, a dedução fiscal do ágio?; e (ii) se não impossibilita, quais são os critérios aplicáveis para se entender pela validade dessa dedução?

Para tanto, o escopo será delimitado de modo que a análise esteja centralizada no ágio por expectativa de rentabilidade futura (“goodwill”) decorrente de aquisições de participação societária ocorrida entre partes independentes. Ainda, o exame sobre a dedução de ágio terá como plano de fundo principal as operações de privatização, bem como será visto com maior profundidade o regime estabelecido pela Lei nº 9.532 de 1997, sem prejuízo de uma análise mais contida sobre o regime fixado pela Lei nº 12.973 de 2014 e sobre operações ocorridas entre particulares, quando necessário à contextualização do tema.

(11)

Inicialmente, o estudo se prestará a analisar a previsão que o ágio recebe na legislação tributária nacional, de modo a contextualizar o cenário histórico-legal da possibilidade de dedução fiscal do ágio.

Em um segundo momento, o estudo buscará entender o que são as empresas-veículo, qual é a previsão que elas recebem no Direito brasileiro e de que maneira elas são utilizadas pelos contribuintes dentro de um contexto de planejamento tributário. Será necessário, também, entender um dos debates mais intimamente ligados à desconsideração de atos e negócios jurídicos no Brasil, que é a aplicação do chamado “propósito negocial” como critério para aferir se uma determinada estrutura societária engendrada pelo contribuinte é oponível ao Fisco.

Superadas essas premissas, em um terceiro momento, será apresentada ao leitor a metodologia que será utilizada para a realização do estudo jurisprudencial a respeito da utilização de empresas-veículo no CARF, assim como serão justificados os critérios escolhidos para esse estudo.

Por último, serão exibidos os resultados obtidos com base na metodologia adotada, acompanhada da devida reflexão sobre o entendimento do CARF.

A incerteza acerca dos critérios aplicáveis à desconsideração de atos e negócios jurídicos e a consequente insegurança jurídica que isso traz ao Brasil onera o setor produtivo brasileiro e prejudica a atração de investimentos externos. Em um mercado global competitivo, a eventual necessidade que um contribuinte tem de empregar grande soma de recursos em disputas administrativas e judiciais para respaldar as suas atividades e, em certos casos, arcar com multas de altíssimo valor em razão da suposta ilegitimidade de suas práticas, não parece ser razoável.

Assim, espera-se que o presente estudo possa, em algum grau, trazer previsibilidade aos contribuintes que se deparam com esse emaranhado de critérios e entendimentos a respeito das empresas-veículo e da amortização de ágio na jurisprudência brasileira.

(12)

2 A DISCIPLINA LEGAL DA AMORTIZAÇAO FISCAL DE ÁGIO

2.1. Primeira fase do regime fiscal de ágio no Brasil: Decreto-lei nº 1.598/1977 e Lei nº 9.532/1997

Pode dizer-se que o ágio é um instituto multidimensional. O ágio na legislação brasileira, assim como diversos outros conceitos e institutos previstos no ordenamento brasileiro, existe não só em sua dimensão fiscal como também em sua dimensão contábil. Nesta última, o ágio se insere no Direito Contábil Societário1 e é regulado pela legislação comercial e societária brasileira, que

muito tem se aproximado das normas internacionais de contabilidade (“International Financial

Reporting Standards” - IFRS) e que inclui, dentre várias fontes, a Lei nº 6.404 de 1976, também

conhecida como “Lei das Sociedades Anônimas” ou simplesmente “Lei das S/A”. No Direito Contábil Societário, o ágio possui disciplina própria e está compreendido em um contexto de normas que buscam informar os usuários das demonstrações contábeis, a exemplo de credores e investidores, sobre o desempenho e as mudanças na posição financeira de uma determinada entidade com o objetivo de auxiliá-los em suas avaliações e tomadas de decisões econômicas.2

O Direito Contábil Societário, contudo, é distinto do Direito Tributário e a legislação tributária, por sua vez, traz consigo uma normatização própria, que serve para a apuração de tributos e tem seu próprio objetivo, que é o de servir ao interesse arrecadatório do Fisco.3 Dessa maneira, é natural que o ágio previsto pela legislação tributária possua disciplina autônoma e distinta daquela recebida conforme as normas contábeis. Além disso, embora ambas tenham se aproximado recentemente, conforme se verá mais adiante, é a disciplina fiscal do ágio que interessa ao presente estudo.

O tratamento fiscal do ágio surgiu na legislação brasileira, a princípio, com o Decreto-lei nº 1.598 de 1977, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro diversas disposições para a apuração do imposto sobre o lucro das pessoas jurídicas (“IRPJ”), sobretudo no que diz respeito às

1MOSQUERA, Roberto Quiroga; FREITAS, Rodrigo. Aspectos polêmicos do ágio na aquisição do investimento: (i)

rentabilidade futura e (ii) ágio interno. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (Coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 250.

2 LOPES, Alexsandro Broedel; MOSQUERA, Roberto Quiroga. O Direito Contábil. Fundamentos Conceituais,

Aspectos da Experiência Brasileira e Implicações. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (Coords.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010 p. 73

(13)

regras para a avaliação de investimentos relevantes, compreendidas pelo método da equivalência patrimonial (“MEP”). O objetivo era regulamentar os efeitos fiscais da Lei nº 6.404/76 (“Lei das S/A”). O presente estudo não tem a pretensão de explorar as nuances relativas ao MEP, mas para fins de contextualização o MEP pode ser brevemente entendido como uma maneira de avaliar investimentos em participações societárias, na qual a sociedade investidora busca refletir as mutações do patrimônio líquido da sociedade investida em uma de suas subcontas de investimentos.4

Entre as disposições trazidas pelo referido Decreto-lei, estava aquela prevista pelo artigo 20, assim disposto em sua redação original:

Art. 20 – O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:

I – valor do patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e

II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de aquisição de investimento e o valor de que trata o número I.

§ 1º - O valor de patrimônio líquido e o ágio ou deságio serão registrados em subcontas distintas do custo de aquisição do investimento.

§ 2º - o lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:

a) Valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;

b) Valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

c) Fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.

§ 3º - O lançamento com os fundamentos de que tratam as letras a e b do § 2º deverá ser baseado em demonstração que o contribuinte arquivará como comprovante da escrituração.

O art. 20 do referido Decreto-lei nº 1.598/1977 previa a obrigatoriedade do contribuinte, quando da aquisição de participação societária, desdobrar o custo de aquisição do investimento em dois itens, sendo (i) o valor do patrimônio líquido na época da aquisição e (ii) o ágio ou deságio na aquisição. Dessa maneira, o legislador brasileiro trouxe a primeira definição do que seria o ágio (fiscal) no Brasil, sendo este a diferença positiva entre o custo de aquisição de investimento e o valor do patrimônio líquido na época da aquisição ou, posto de forma simplificada, a diferença

4 GALHARDO, Luciana Rosanova; ASSEIS, Pedro Augusto do Amaral Abujamra. A Lei nº 12.973/14 e os Reflexos

em Processos Administrativos Discutindo a Dedutibilidade de Despesas de Amortização de Ágio In: ROCHA, Sérgio André (Org.). Direito Tributário, Societário e a Reforma da Lei das S/A. São Paulo: Quartier Latin, 2015. v 4, p. 334.

(14)

positiva entre o preço pago pela aquisição de uma participação societária e o valor do patrimônio líquido contábil da entidade objeto do investimento5. A diferença negativa seria a hipótese de deságio, que não será abordada no presente estudo.

Com base no § 2º do art. 20, ainda, o ágio pago deveria ter o seu fundamento econômico justificado. Tal fundamentação poderia se dar por (a) valor de mercado de bens do ativo isoladamente considerados da sociedade investida; (b) expectativa de rentabilidade daquele investimento, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros, o que consistiria em uma remuneração ao vendedor por lucros devidamente estimados que o empreendimento deveria gerar; ou (c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas, o que envolve bens não adequadamente refletidos na contabilidade da investida a exemplo de nome comercial, marcas de indústria e comércio, lista de clientes, dentre outros6.

Deve observar-se que, embora o legislador tenha se inspirado em institutos contábeis para as possíveis fundamentações do ágio pago, o Decreto-lei nº 1.598/77 se distanciou da contabilidade ao prever três fundamentos diversos para essa fundamentação, sem impor qualquer preferência entre eles, ou ainda, sem impor qualquer ordem para alocação do ágio entre esses três fundamentos, deixando tal escolha para o contribuinte7.

Além disso, a possibilidade de fundamentar o ágio pago no fundo de comércio, intangíveis ou outras razões da sociedade investida, conforme a previsão da alínea c do § 2º do art. 20, é outro exemplo de distanciamento entre legislação tributária e normas contábeis, uma vez que tal fundamentação não é cabível contabilmente8. Também, por mero silogismo, entende-se que o legislador tributário buscou contemplar na alínea a apenas os bens tangíveis da sociedade investida, embora contabilmente não se faça essa distinção. Conforme se verá mais adiante, as normas contábeis só permitem que a fundamentação para o pagamento de ágio se dê pelo valor de mercado

5 BIFANO, Elidie Palma; FAJERSZTAJN, Bruno. O pagamento de ágio na compra de participações societárias e a

segurança jurídica. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (Coords.). MORAES, Leonardo Freitas de; DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira (Orgs.). Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 503.

6 SCHOUERI, Luís Eduardo. Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo: Dialética, 2012.

p. 22-26.

7 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. (nota 6), p. 17. 8 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. (nota 6), p. 17.

(15)

dos bens da sociedade investida (sejam eles tangíveis ou intangíveis) ou ainda, o goodwill (rentabilidade futura da investida).

Dessa maneira, conforme o regime tributariamente aplicável ao ágio, não seria possível que o aplicador da lei vedasse a fundamentação do ágio em uma das três fundamentações previstas. Embora contabilmente pudesse ser defensável que o ágio devesse ser fundamentado em uma ou em outra razão preponderante, ou ainda, que o ágio fosse alocado de modo a respeitar uma determinada ordem entre os fundamentos, a legislação tributária optou por trazer ao contribuinte um regime diverso daquele previsto pelas normas contábeis. Trata-se, portanto, de mais uma matéria na qual Contabilidade e Direito Tributário partem das mesmas premissas para chegarem a regimes distintos. A observação, pelo contribuinte, das normas tributárias dispostas por esse Decreto-lei não se fazia mediante conveniência ou opção, mas por decorrência de imposição legal. Deve ser ressaltado que o § 3º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77 trazia a contrapartida para a liberdade do contribuinte escolher entre os três fundamentos possíveis para a justificativa do ágio pago. Conforme a redação ali prevista, o contribuinte deveria demonstrar documentalmente a fundamentação escolhida, o que normalmente era feito por meio de laudo de avaliação da sociedade investida.

A falta de previsão legal a respeito do tempo, método ou critérios para a demonstração dos fundamentos econômicos da alocação do preço de aquisição levou a um número considerável de autuações fiscais, gerando um contencioso enorme para os tribunais administrativos federais. Em muitos casos, essas autuações eram baseadas no fato de que o laudo de avaliação não havia sido realizado antes do fechamento da aquisição do investimento, ou que o laudo de avaliação não havia sido preparado por uma parte independente, mas pela própria parte que realizaria a aquisição do investimento, dentre vários outros motivos formais.9 Questiona-se, inclusive, se o laudo seria o único documento apto à demonstração prevista pelo § 3º do art. 20, uma vez que, na ausência de disposição legal para tanto, o contribuinte poderia ter feito uso de instrumentos que considerasse mais práticos, tais como uma apresentação de slides, ou um Relatório Executivo contendo outros elementos como meros bullet points para a avaliação da sociedade investida10.

9 BIFANO, Elidie Palma; FAJERSZTAJN, Bruno. Op. Cit. (nota 5), p. 504. 10 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. (nota 6), p. 35.

(16)

A obrigatoriedade de registro de ágio quando da aquisição de participação societária, imposta pelo Decreto-lei nº 1.598/77, foi de grande relevância para a normatização dos investimentos avaliados pelo Método da Equivalência Patrimonial. Entretanto, o referido Decreto-lei ainda não trazia todas implicações fiscais que hoje são conhecidas, a exemplo da possibilidade de sua dedução quando da apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”) e da Contribuição Social sobre o Lucro (“CSL”) pouco após a aquisição do investimento. Conforme o regime legal da época, o ágio era indedutível e só influenciaria a apuração do lucro real na segunda alienação do investimento adquirido com ágio em um primeiro momento, uma vez que seria na segunda alienação que o ágio passaria a integrar o custo de aquisição do investimento, reduzindo, portanto, a diferença entre o valor pago e o valor do investimento na segunda aquisição e, assim, reduzindo o ganho de capital tributável do alienante do investimento11.

Foi apenas com a promulgação da Lei nº 9.532 de 1997 que se permitiu o aproveitamento antecipado, mediante dedução, do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura. Os artigos 7º e 8º dispunham sobre essa disciplina da seguinte forma:

Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:

I – deverá registrar o valor do ágio ou deságio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “a” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida à conta que registre o bem ou direito que lhe deu casa;

II – deverá registrar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea “c” do § 2º do art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, em contrapartida a conta de ativo permanente, não sujeita a amortização;

III – poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea ‘b” do § 2º do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo para cada mês do período de apuração; (Redação do inciso dada pela Lei nº 9.718, de 1998).

(...)

§ 1º O valor registrado na forma do inciso I integrará o custo do bem ou direito para efeito de apuração de ganho ou perda de capital e de depreciação, amortização ou exaustão.

(...)

§ 3º O valor registrado na forma do inciso II do caput:

a) Será considerado custo de aquisição, para efeito de apuração de ganho ou perda de capital na alienação do direito que lhe deu causa ou na sua transferência para sócio ou acionista, na hipótese de devolução de capital;

(17)

b) Poderá ser deduzido como perda, no encerramento das atividades da empresa, se comprovada, nessa data, a inexistência do fundo de comércio ou do intangível que lhe deu causa.

(...)

Art. 8º O disposto no artigo anterior aplica-se, inclusive, quando:

a) O investimento não for, obrigatoriamente, avaliado pelo valor de patrimônio líquido;

b) A empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a propriedade da participação societária.

O inciso III do artigo 7º permitiu que os valores de ágio pagos em decorrência da expectativa de rentabilidade futura da sociedade investida fossem excluídos do lucro real da sociedade investidora, impondo que o limite para tal dedução fosse de um sessenta avos por mês no máximo, o que faria com que o ágio só pudesse ser deduzido completamente em cinco anos ou mais. No entanto, o caput do artigo 7º condicionou esse aproveitamento antecipado do ágio à absorção patrimonial da sociedade investida pela sociedade investidora. Seria somente com tal absorção, passível de ser feita mediante eventos societários como incorporação, fusão ou cisão de sociedades, que a dedução seria permitida.

O mesmo artigo 7º ainda dispôs em seus outros incisos sobre o tratamento a ser conferido ao ágio fundado nas outras hipóteses listadas no art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77 em caso de reunião patrimonial da sociedade investidora e da sociedade investida. Na hipótese prevista pela alínea a, do § 2º, art. 20 do referido Decreto-lei, que trata sobre o ágio pago em razão do valor de mercado de um bem tangível da investida que seja superior ao valor previsto contabilmente, a Lei nº 9.532/97 determina que esse ágio seja registrado e vinculado àquele ativo que lhe deu causa, integrando o seu valor. A consequência prática disso consiste na possibilidade de amortização ou depreciação desse ágio junto à amortização ou depreciação do próprio bem conforme as regras contábeis aplicáveis a ele. Dessa maneira, a Lei nº 9.532/97 também prevê a possibilidade de que o ágio fundado em mais-valia dos ativos da sociedade, individualmente considerados, seja aproveitado, desde que as normas contábeis aplicáveis permitam que aquele bem possa gerar despesas dedutíveis decorrentes de sua própria perda de valor.

Quanto à hipótese prevista pela alínea c do § 2º, art. 20 do referido Decreto-lei, no qual o ágio pago pela sociedade investidora teria como fundamentação fundo de comércio da sociedade investida, intangíveis e outras razões residuais, a Lei nº 9.532/97 prevê expressamente, no inciso II de seu art. 7º, a indedutibilidade dos valores registrados.

(18)

O artigo 8º ainda estendeu o tratamento previsto no artigo 7º para a absorção patrimonial que fosse realizada pela sociedade investida da sociedade investidora, contemplando a hipótese conhecida como incorporação reversa de sociedade (“downstream merger”).

As disposições trazidas pelos art. 7º e 8º, acima mencionadas, independem de qualquer evento relacionado ao alienante do investimento e, dessa forma, é irrelevante o fato do alienante ser ou não tributado em decorrência de eventual ganho de capital decorrente da alienação do investimento. É igualmente irrelevante o fato do alienante ser pessoa física ou jurídica, ser residente ou domiciliado no Brasil ou no exterior12, ou o negócio jurídico pelo qual a aquisição de

participação societária se deu, podendo o ágio ter sido formado tanto por compra e venda, como também por uma série de outras hipóteses, tais como dação em pagamento ou permuta13.

Com base nessa permissão ao aproveitamento antecipado do ágio, passou a ser comum que os contribuintes alocassem a totalidade dos valores pagos a título de ágio na expectativa de rentabilidade futura, uma vez que isso autorizaria a amortização do ágio ao longo de cinco anos logo após a incorporação, fusão ou cisão que ensejasse a confusão patrimonial entre sociedade investidora e sociedade investida, gerado despesas dedutíveis e economia tributária14. Tal preferência pela fundamentação na expectativa de rentabilidade futura se dava em razão de uma eventual menor praticidade da dedução do ágio fundado no valor de mercado dos bens do ativo da sociedade investida ou, ainda, da impossibilidade do aproveitamento do ágio baseado no fundo de comércio, intangível ou outras razões econômicas. Ainda, a Lei nº 9.532/97 nada impôs a respeito da ordem para a alocação do preço de aquisição de ativos, de modo que a alocação desse valor, para fins fiscais, continuou sendo realizada de acordo com a conveniência do contribuinte, desde que comprovado o seu fundamento.

A permissão à amortização do ágio logo após a absorção do patrimônio da sociedade investida não é algo autorizado em todos os países, sendo a regra geral a de que o contribuinte só poderá considerar fiscalmente aquele valor quando ocorrer a alienação do investimento adquirido com ágio, momento no qual o ágio passará a compor o patrimônio líquido da investida.

12 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 764. 13 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. (nota 12), p. 765.

(19)

Muito tem sido escrito no Brasil acerca de quais seriam as intenções do legislador brasileiro para permitir o aproveitamento do ágio fundando em expectativa de rentabilidade futura disciplinado pelos art. 7 e 8º da Lei nº 9.532/97. Parte da Doutrina acredita que a autorização à amortização de ágio permitida consistiria em benefício fiscal, concedida em um contexto no qual o Governo Federal buscava incentivar a privatização de empresas públicas brasileiras dentro do contexto do Programa Nacional de Desestatização (“PND”). Tal posição foi defendida por Roberto Quiroga Mosquera e Rodrigo de Freitas15, além de Ricardo Mariz de Oliveira na sua obra clássica

“Fundamentos do Imposto de Renda”16, embora alguns anos depois este último pareça ter revisto

a sua opinião17. Com a permissão à amortização de ágio quando da aquisição de empresas públicas em processos de privatização, seria natural que esse tipo de investimento se tornasse mais atraente aos olhos de investidores de todo o mundo, que poderiam, inclusive, dar lances mais altos nos leilões públicos ocorridos na época.

Por outro lado, há quem acredite que a permissão à dedução do ágio não se trate de benefício, mas mero reconhecimento do legislador brasileiro do matching principle (princípio do confronto das despesas com as receitas) oriundo dos princípios de contabilidade geralmente aceitos. Com base nessa visão, o ágio pago com fundamentação em expectativa de rentabilidade futura deveria ser reconhecido como despesa no momento em que realizados os lucros correspondentes àquele investimento, sendo esse ágio realizado quando ágio (despesa) e lucro se encontram na mesma pessoa jurídica. Se tal lógica não fosse respeitada, quando a sociedade investidora apurasse receitas decorrentes dos valores previamente investidos em razão da rentabilidade que a sociedade investida geraria, haveria a tributação sobre valores meramente recuperados, havendo a tributação, portanto, de valores que não ensejam qualquer acréscimo patrimonial, levando à violação do art. 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”)18. Essa visão

15 MOSQUERA, Roberto Quiroga; FREITAS, Rodrigo. Op. Cit. (nota 1), p. 248. 16 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. (nota 12), p. 763 e 769.

17 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. O tratamento do ágio e do deságio para fins tributários e as modificações da Lei nº

12.973 (comparação entre os dois regimes). In: Revista de Direito Tributário – RFDT. Belo Horizonte, ano 14, n. 84. p. 37.

18 “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador

a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

(20)

de que a permissão à dedução do ágio não se trata de benefício, mas reconhecimento do matching

principle é embasada por autores como Luís Eduardo Schoueri19.

Fato é que, independentemente da visão a ser adotada para justificar a promulgação dos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, a permissão à amortização de ágio trazida se tornou aplicável a qualquer sociedade que preenchesse os requisitos arrolados pela referida lei, portanto sendo aplicável para muito além dos casos de privatização.

Conforme será visto adiante, a permissão à dedução do ágio trazida pela Lei nº 9.532/97 foi objeto de nova regulamentação pela Lei nº 12.973 de 2014, a qual alterou significativamente diversas disposições daquela primeira lei. Contudo, é importante ressaltar que o exame do regime jurídico trazido pela Lei nº 9.532/97 é fundamental, uma vez que aplicável aos investimentos realizados até o final de 2014 e também às incorporações, fusões e cisões ocorridas até o final de 201720. Dessa maneira, as autuações fiscais objeto de processos administrativos atualmente em curso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) versam todos sobre operações realizadas sob a vigência da Lei nº 9.532/97 e, consequentemente, é com este último regime legal que o presente estudo se preocupará de forma mais detida, pois é sobre ele que a jurisprudência do CARF está sedimentada.

2.2. Segundo fase do regime fiscal de ágio no Brasil: Lei nº 12.973/2014

Conforme já apontado, era comum a postura dos contribuintes de alocarem todo o valor que ultrapassava o patrimônio líquido da sociedade investida como ágio por expectativa de rentabilidade futura, na intenção de deduzir o ágio ao longo de cinco anos logo após o evento que gerasse a união dos patrimônios da investidora e da investida.

Tal prática passou a ser questionada mais intensamente em 200821, quando o Brasil começou a adequar os seus padrões contábeis aos padrões contábeis internacionais (IFRS) por meio da Lei nº 11.368 de 2007. A despeito dessa mudança, o Regime Tributário de Transição (“RTT”),

19 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. (nota 6), p. 71. 20 Conforme os arts. 65 e 119 da Lei nº 12.973/2014.

(21)

introduzido pela Medida Provisória nº 449 de 2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.941/2009, manteve neutros os efeitos tributários dos novos padrões da contabilidade.

Nesse contexto, foi emitido o Pronunciamento Técnico nº 15 pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (“CPC 15”) a respeito das Combinações de Negócios, que acabaram por estabelecer no Brasil os critérios contábeis para o desdobramento do preço pago no momento da aquisição de investimentos em sociedades. Com base nas disposições previstas pelo CPC 15, a sociedade investidora precisaria, primeiramente, alocar o valor da parcela do preço de aquisição que excedesse o valor do patrimônio líquido da investida para o valor justo dos ativos adquiridos e, só então, alocar o restante do preço para o chamado goodwill.

Dessa forma, embora a Lei nº 11.368 de 2007 não tivesse alterado o regime tributário do ágio no Brasil, as autoridades fiscais passaram a alegar que os fundamentos econômicos do ágio, que eram até então, do ponto de vista tributário, inteiramente baseadas no Decreto-lei nº 1598/77, deveriam seguir os mesmos critérios de alocação estabelecidos pelo procedimento contábil aplicável às combinações de negócios previsto pelo Pronunciamento Técnico CPC nº 15. As autoridades fiscais insistiam que os contribuintes deveriam seguir as regras contábeis no momento da apuração do IRPJ e da CSL, mesmo que essas ainda não tivessem sido internalizadas pela legislação tributária.

Tal cenário mudou em 13 de maio de 2014, quando foi promulgada a Lei nº 12.973, fruto da conversão em lei da Medida Provisória nº 627 de 2013, que trouxe significativas alterações para a apuração de IPRJ e CSL. As principais modificações incluíram a alteração do Decreto-lei nº 1.598/77 para uma aproximação do regime fiscal do Brasil aos padrões internacionais IFRS, havendo também a revogação do RTT instituído pela Lei nº 11.941/09. Essa nova lei também aproximou o regime fiscal de ágio do regime contábil por meio de seus artigos 2º, 20 a 26, 38 e 39, seguindo as previsões do CPC 15, agora substituído pela nova versão CPC 15 R(1)22.

As novas regras previstas pela Lei nº 12.973/14, assim como as regras contábeis, impunham ao contribuinte que observasse uma ordem pré-determinada para a alocação do preço pago, em contraposição ao regime anterior da Lei nº 9.532/97 na qual o contribuinte podia escolher a alocação a ser realizada, desde que a justificasse. Para tanto, a nova lei acrescentou o § 5º ao art.

(22)

20 do Decreto-lei nº 1.598/77, fazendo com que a legislação tributária passasse expressamente a prever, pela primeira vez, a obrigação de alocar o sobrepreço pago aos ativos que tivessem o seu valor de mercado superior àquele registrado na contabilidade da sociedade investida e, só então, alocar o restante como “ágio por rentabilidade futura”, também chamado pela nova lei de goodwill.

A consequência prática foi a redução do ágio passível de amortização nos cinco anos que seguissem a absorção do patrimônio da sociedade investida pela sociedade investidora (ou da investidora pela investida), enquanto o valor alocado aos ativos identificáveis seria amortizável ou depreciável juntamente àquele ativo, conforme previsão específica.

Uma segunda alteração relevante promovida pela Lei nº 12.973/14 foi a criação de procedimentos para a comprovação de que a alocação dos valores relativos ao ágio e ao valor justo dos ativos da investida foi efetuada adequadamente, conforme a previsão contida no § 1º do art. 22. Desse modo, o adquirente deveria protocolar o laudo de avaliação da sociedade investida na Receita Federal do Brasil, ou registrar seu sumário em um cartório de registro de títulos e documentos até o décimo terceiro mês da conclusão da aquisição.

A terceira alteração promovida pela Lei nº 12.973/14 quanto ao ágio, veiculada no seu art. 22, foi a proibição expressa à amortização do chamado “ágio interno”, assim entendido o ágio formado em operações ocorridas entre partes dependentes. Para a definição do que seriam partes dependentes, a referida lei chegou, inclusive, a arrolar uma série de hipóteses em seu art. 25. O presente estudo não pretende analisar o ágio interno de forma pormenorizada, mas cabe mencionar que este foi, e ainda é, um ponto de bastante controvérsia na jurisprudência administrativa do CARF, sobretudo porque o regime legal anterior à Lei nº 12.973/14 não trazia qualquer disposição contrária ao ágio interno, embora as autoridades fiscais vissem a dedução desse tipo de ágio com maus olhos por considerá-lo artificial.

Em que pese o mérito da Lei nº 12.973/14 de ter trazido maior segurança jurídica a várias das controvérsias que permeavam o CARF até então (e que o permeiam até hoje no que diz respeito a operações ocorridas antes da vigência dessa lei), muitas outras continuaram sem previsão expressa no direito positivado brasileiro.

Mesmo após mais de duas década da promulgação da Lei nº 9.532/97, quase não há atos infralegais esclarecendo os contribuintes sobre os limites e condições ao aproveitamento fiscal do

(23)

ágio e os poucos que existem não o fazem de forma satisfatória, fazendo com que os contribuintes sejam surpreendidos por autos de infração ou novas teses que surgem e são aplicadas no CARF, muitas vezes em seu desfavor23. Um grande exemplo disso é a indefinição sobre a utilização das empresas-veículo para fins de aquisição de investimento com ágio ou para a transferência do ágio entre sociedades, o que não foi mencionado nem uma vez sequer por todo o arcabouço normativo tributário mencionado acima.

(24)

3 A UTILIZAÇÃO DE EMPRESA-VEÍCULO NO CONTEXTO DA

FORMAÇÃO, TRANSFERÊNCIA E DEDUÇÃO DE ÁGIO

3.1. O sujeito da norma contida nos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997

Conforme já foi visto, a Lei nº 9.532/97 trouxe em seus art. 7º e 8º a permissão à dedução do ágio condicionada ao cumprimento de alguns requisitos. Embora todos esses requisitos sejam motivo de grandes controvérsias, o aspecto subjetivo da norma parece ser um dos maiores deles. Quais seriam as hipóteses de absorção patrimonial que fariam com que um contribuinte fizesse jus à referida dedução prevista ou, mais importante que isso, quem seria o contribuinte que poderia realizar essa absorção patrimonial de modo a autorizar essa dedução?

Inicialmente, é importante mencionar que não se trata de buscar o critério pessoal da regra matriz de incidência tributária. Tendo-se aqui a pretensão de pôr de forma simplificada um modelo teórico rico e passível de análises com diferentes perspectivas, o modelo de regra matriz de incidência tributária de Paulo de Barros Carvalho, em suma, estabelece que as normas tributárias que impõem o cumprimento de uma obrigação tributária principal tendem a possuir um antecedente, formado pelos critérios material, espacial e temporal, bem como um consequente, formado pelos critérios pessoal e quantitativo. Segundo esse modelo, se um determinado acontecimento previsto pela lei (critério material) ocorre no momento definido (critério temporal) e em determinado território (critério espacial) também definidos em lei, acarretando a ocorrência do fato jurídico tributário, nasce a obrigação tributária. Essa obrigação tributária, por sua vez, será atribuída a um contribuinte (sujeito passivo do critério pessoal), que deverá pagar uma determinada quantia em pecúnia (critério quantitativo) a uma pessoa jurídica de direito público (sujeito passivo do critério pessoal)24.

O modelo teórico da regra matriz de incidência tributária serve para tentar guiar o entendimento a respeito das hipóteses, previstas em lei, que são capazes de dar ensejo à obrigação tributária que deve ser imputada a um determinado contribuinte. Tendo em vista que os art. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97 não tratam sobre qualquer obrigação tributária principal, não trazendo a previsão de qualquer hipótese de incidência que, se verificada faticamente, fará nascer a relação jurídico

(25)

tributária na qual o contribuinte deve pagar um tributo, não parece adequado fazer uso da terminologia “critério pessoal” para uma norma que, no entendimento de muitos, busca trazer um verdadeiro benefício ao contribuinte.

Acrescente-se a isso que, embora seja defensável que o antecedente da regra matriz também deva prever um determinado sujeito, uma vez que nem todos os sujeitos fazem com que surjam igualmente as mesmas obrigações tributárias previstas em lei (cite-se as entidade imunes, que mesmo que incorram em certas hipóteses tributárias prevista em lei, nem sempre farão nascer a obrigação tributária por razões constitucionais25), o modelo originalmente pensado por Paulo de

Barros Carvalho contemplava o critério pessoal no consequente da regra matriz, de modo que esse critério não norteava a busca por aquele que incorria na hipótese prevista em lei, mas aquele que devia realizar o pagamento do tributo quando a hipótese de incidência já se mostrasse verificada.

Feita essa reflexão preliminar, cabe olhar para a literalidade da norma. O caput do art. 7º é preciso ao mencionar que poderá amortizar o ágio “a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio”, enquanto a alínea b art. 8º estabelece que o mesmo tratamento aplica-se quando “a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha propriedade da participação societária”.

Dessa maneira, o artigo 7º da lei impõe apenas dois requisitos subjetivos a uma determinada pessoa jurídica que deseje deduzir ágio: (i) que a pessoa jurídica em questão seja aquela que realiza a aquisição de participação societária e que (ii) seja essa mesma pessoa jurídica aquela que absorve o patrimônio da sociedade investida.

O art. 8º, por sua vez, inverte os sujeitos fixados no segundo requisito imposto pelo artigo 7º, de modo a estender a permissão à dedução do ágio à sociedade investida, desde que esta absorva o patrimônio da sociedade investidora.

Assim, se aplicada a interpretação literal à norma contida nos artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, importa buscar aquela empresa que efetivamente realizou a aquisição com ágio e aquela empresa que foi adquirida com ágio e observar se houve absorção patrimonial de uma pela outra. Não é relevante questionar se as empresas são operacionais ou holdings, se as empresas se inserem

(26)

em um grupo econômico multinacional ou não, ou ainda, por quanto tempo as sociedades existiram antes da aquisição que formou o ágio. Com base nessa interpretação, uma empresa holding, constituída exclusivamente para adquirir um investimento com ágio, estaria apta a amortizar e deduzir esses valores depois que incorporasse a sociedade investida ou se por ela fosse incorporada. Entretanto, o mesmo não poderia ser dito de uma empresa que não realiza a aquisição, mas apenas recebe o investimento com ágio da empresa adquirente e posteriormente incorpora a empresa adquirida.

Embora a literalidade do texto legal possa ser uma alternativa válida para a construção do sentido da norma, não parece ser apropriado que o intérprete e aplicador da lei se paute exclusivamente por ela. Cabe considerar também a interpretação teleológica da norma, em uma tentativa de buscar os efeitos tributários que o legislador buscava alcançar quando da promulgação da lei26. Alguns chegam a entender isso como o verdadeiro “espírito da norma”27. Com base nessa interpretação, a exigência de absorção patrimonial da sociedade investida pela investidora, ou vice-versa, teria como objetivo que o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura de uma sociedade fosse lançado contra os lucros desse mesmo negócio28, de modo que não fosse tributado algo que não é lucro, mas mera recuperação de um investimento anteriormente feito, em respeito ao matching principle29. Seria essa a razão pela qual a norma impõe a absorção do patrimônio de uma sociedade pelo patrimônio da outra.

Deve ser objeto de atenção, entretanto, o fato de que essa visão teleológica não impõe que uma das pessoas jurídicas seja extinta ou mesmo que ambas as pessoas jurídicas sejam extintas, embora tratem de alternativas válidas através da incorporação e fusão. É igualmente desnecessário que ocorra a absorção de todo o patrimônio da sociedade investida pela investidora, podendo essa absorção ser realizada de maneira parcial. O que a norma busca é que haja o encontro de patrimônios para que ágio e lucro se encontrem30, e não o encontro de sociedades com a consequente extinção de uma delas. Nesse caso, a personalidade jurídica e a rigorosa identificação

26 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. (nota 25), p. 766.

27 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 766. 28 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. (nota 27), p. 767.

29 SCHOUERI, Luís Eduardo. Ágio em Reorganizações Societárias (Aspectos Tributários). São Paulo: Dialética, 2012.

p. 71.

30 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Op. Cit. (nota 27), p.768; FARJESZTAJN, Bruno; COVIELLO FILHO, Paulo.

“Transferência” de ágio por meio da chamada empresa-veículo. Reflexões sobre o tema à luz da lógica e da finalidade dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997. In: Revista Dialética de Direito Tributário. n. 231. São Paulo: Dialética, 2014.

(27)

das sociedades envolvidas na aquisição que deu origem ao ágio por expectativa de rentabilidade futura pouco importaria, sendo possível tanto a constituição de holding para a aquisição de investimento que formaria o ágio, quanto a transferência do investimento com ágio pago por uma empresa operacional para outra sociedade holding não envolvida na aquisição, havendo posteriormente a incorporação da sociedade holding que recebeu o ágio pela sociedade investida e, consequentemente, a absorção do patrimônio determinada pelo art. 8º da lei.

Em complemento à visão teleológica apresentada acima, há quem defenda, inclusive, que a permissão à dedução do ágio quando houver incorporação reversa da sociedade investidora pela investida, contida na alínea b do art. 8º, é uma clara autorização à utilização de sociedades holding criadas exclusivamente para a aquisição ou transferência de investimentos envolvendo ágio31.

Por fim, a multiplicidade de possibilidades para que seja feita a absorção patrimonial determinada pela Lei nº 9.532/97, que menciona a incorporação, fusão ou cisão, pode fazer com que os eventos societários arrolados pelos art. 7º e 8º sejam lidos como hipóteses exemplificativas para a realização da absorção patrimonial desejada e não como hipóteses taxativas. Com base nessa interpretação extensiva, não apenas fusão, incorporação e cisão entre sociedade investidora e sociedade investida estariam aptas a causar o encontro entre ágio e lucro com a consequente possibilidade de dedução do ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura, como qualquer evento válido perante o Direito Privado também estaria, incluindo a criação de uma sociedade para a mera transferência de recursos entre diferentes pessoas jurídicas.

3.2. Empresa-veículo

3.2.1. Empresa-veículo: em busca de uma definição

Diante do requisito de absorção patrimonial fixado pelos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97, um tipo de estrutura societária vem sendo recorrentemente utilizada pelos contribuintes para preencher a hipótese ali prevista. Tratam-se das chamadas “empresas-veículo”, assim entendidas,

31 NEDER, Marcos Vinicius Neder; JUNQUEIRA, Lavínia Moraes de Almeida Nogueira. A Análise do Tratamento

Contábil e Fiscal do Ágio em Estrutura de Aquisição ou Titularidade de Sociedades quando há a Interposição de Holding. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; LOPES, Alexsandro Broedel (Coords.). Controvérsias Jurídico-Contábeis. São Paulo: Dialética, 2013. v. 4, p. 162.

(28)

de maneira simplificada e para os casos envolvendo ágio, aquelas sociedades de curta duração, criadas unicamente com o objetivo de reunir em um mesmo patrimônio o ágio e o empreendimento que o deu causa32.

Normalmente, a expressão “empresa-veículo” é utilizada de forma pejorativa pelas autoridades fiscais para descrever uma sociedade que consideram artificial, mesmo que regularmente constituída conforme as normas de Direito Privado, e que teria sido criada por um grupo empresarial em um contexto de planejamento tributário unicamente para fazer cumprir o requisito pessoal imposto pela Lei nº 9.532/97, sem qualquer outra razão negocial para existir. Portanto, em via de regra são consideradas como empresas-veículo pelo Fisco apenas sociedades holdings, uma vez que sociedades operacionais normalmente possuem outras atividades para além da gestão de recursos de terceiros.

Nas autuações fiscais nas quais se discute a possibilidade de dedução de ágio, a alegação de que uma determinada empresa é uma empresa-veículo vem frequentemente associada à alegação de que uma outra empresa do grupo econômico é a “real adquirente” do investimento no qual houve pagamento de ágio. Diz-se que todo o planejamento, estudo e ônus financeiro para a aquisição de investimento seria decorrente da empresa considerada como “real adquirente”, que por sua vez teria feito uso da uma empresa-veículo apenas para deslocar os recursos de modo a cumprir o requisito da absorção patrimonial fixado pela lei e permitir a dedução do ágio.

A contabilidade também possuía a sua própria interpretação daquilo que entendia como “entidade veículo”. O item nº 44 da Interpretação Técnica ICPC nº 9, proferida pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, explica a empresa-veículo da seguinte maneira:

Entidade veículo é uma entidade cuja finalidade é servir de veículo para transferir da controladora original para uma controladora intermediária a participação que possui em outra entidade. Muitas vezes a controladora direta de determinada entidade é constituída somente com esse propósito, mas todos os recursos e decisões necessários para viabilizar a aquisição são providos pela controladora original. Entidades veículo geralmente são temporárias, desprovidas de autonomia e planos de negócios, não

32 BIFANO, Elidie Palma; FAJERSZTAJN, Bruno. O pagamento de ágio na compra de participações societárias e a

segurança jurídica. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; BIANCO, João Francisco (Coord.). MORAES, Leonardo Freitas de.; DUARTE FILHO, Paulo César Teixeira. Estudos de Direito Tributário em Homenagem ao Prof. Gerd Willi Rothmann. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 503.

(29)

mudam o negócio da empresa que a incorpora e não captam autonomamente recursos do mercado.

Trata-se de uma definição muito próxima àquela trazida pelo Fisco quando da autuação e julgamento de empresas-veículo no âmbito do CARF, sendo que essa mesma interpretação técnica fixava nos itens 45 a 47 outros efeitos contábeis ligados à utilização de empresas-veículo que parecem não ter sido levados para as discussões no Conselho. Conforme esse mesmo trecho, a expressão “controladora original” faz referência àquilo que, nas discussões tributárias administrativas, é entendida como a “real adquirente” do investimento.

Cabe ressaltar, mais uma vez, que embora Direito Tributário e contabilidade possam partir das mesmas premissas, o Direito Tributário fixa o seu próprio regime que pode, ou não, vir a coincidir com o regime contábil. Conforme já mencionado, a empresa-veículo e os efeitos que uma empresa-veículo poderiam vir a ter em transações comerciais jamais foram mencionadas na legislação tributária, de modo que não é possível dizer que a legislação tributária internalizou a previsão contábil desse instituto.

No entanto, ainda que a interpretação contábil a respeito de uma entidade veículo fosse válida para determinar os seus efeitos tributários, a Interpretação Técnica ICPC nº 9 foi revogada quando da aprovação da Intepretação Técnica ICPC nº 09 (R1) em 2012, a qual eliminou os itens 44 a 47 que continham toda a disposição a respeito das empresas-veículo. Em 2014, uma nova versão da mesma interpretação técnica foi aprovada (ICPC 09 R2). Esta, no entanto, também se absteve de fazer qualquer menção a respeito das empresas-veículo.

Concluída essa digressão contábil, o emprego da expressão “empresa-veículo” não é exclusivo das operações envolvendo a aquisição de participação societária entre partes independentes. As empresas-veículo também foram muito utilizadas nas operações conhecidas como “casa e separa”, na qual se constituía uma empresa unicamente para a transmissão de bens (normalmente participação societária) em troca de recursos entre duas partes sem que se incorresse em alienação e, consequentemente, sem que se incorresse na tributação sobre ganhos de capital33.

33 FARJESZTAJN, Bruno; COVIELLO FILHO, Paulo. “Transferência” de ágio por meio da chamada

empresa-veículo. Reflexões sobre o tema à luz da lógica e da finalidade dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997. In: Revista Dialética de Direito Tributário. n. 231. São Paulo: Dialética, 2014. p 33.

(30)

A estruturação adotada normalmente era considerada abusiva por considerar-se que houve a dissimulação de um negócio jurídico (alienação).

Mais recentemente, as empresas-veículo também foram muito utilizadas nos casos de ágio interno em que, como se viu, havia a formação de ágio em operações ocorridas entre partes dependentes, isto é, pertencentes a um mesmo grupo econômico. A jurisprudência do CARF tendia quase sempre a considerar esse tipo de operação abusiva, porque entendia que a operação não ocorreu conforme condições de mercado, havendo portanto desrespeito ao princípio do arm’s

lenght, pelo fato de não ter havido efetivo dispêndio de recursos na aquisição, ou ainda, pelo fato

do ágio interno não ser admissível conforme as regras contábeis, uma vez que contabilmente não é possível admitir a geração de riqueza em transações ocorridas dentro de um mesmo grupo34.

Tanto as operações “casa e separa” quanto as de “ágio interno” são amplamente consideradas pela jurisprudência administrativa tributária como abusivas e, em razão disso, a utilização de empresas-veículo acabou ficando associada a operações discutíveis do ponto de vista tributário35. No entanto, essas operações eram consideradas abusivas não em razão do mero uso de empresas supostamente artificiais, mas pelo fato de que, no primeiro caso, entendia-se haver a dissimulação de um negócio jurídico (alienação) e, no segundo caso, não havia uma transação apta a gerar ágio do ponto de vista econômico e contábil. Diferentemente desses casos mencionados, nas situações em que há a efetiva aquisição de participação societária entre partes independentes e em que ocorre o efetivo registro de ágio reconhecido conforme as regras contábeis, não parece haver espaço para os mesmos questionamentos.

Os elementos fáticos que fazem com que uma sociedade seja entendida como uma sociedade veículo aos olhos do Fisco normalmente são a sua existência efêmera, a ausência de funcionários, a ausência de sede, ausência de lançamentos contábeis para além dos recursos relacionados ao investimento com ágio, dentre outros indicadores de ausência de capacidade operacional36.

34 SCHOUERI, Luís Eduardo. Op. Cit. (nota 29). p. 104-105.

35 FARJESZTAJN, Bruno; COVIELLO FILHO, Paulo. Op. Cit. (nota 33), p 34. 36 BIFANO, Elidie Palma; FAJERSZTAJN, Bruno. Op. Cit. (nota 32), p. 507

(31)

3.2.2. Maneiras de utilização de uma empresa-veículo

A conveniência ou mesmo a necessidade de utilização de uma empresa-veículo por um determinado contribuinte, em um regular contexto de aquisição de participação societária entre partes independentes, pode se dar por razões das mais diversas possíveis. Uma primeira situação recorrente é a hipótese na qual um grupo econômico multinacional resolve realizar investimentos no Brasil e, para isso, decide adquirir empresas que já estejam bem estabelecidas em um determinado setor econômico do mercado brasileiro37.

Caso o grupo estrangeiro decida realizar a aquisição da sociedade localizada no Brasil, por meio de uma sociedade localizada no exterior e, nessa aquisição, pague valores que seriam considerados ágio por expectativa de rentabilidade futura pela lei brasileira, no momento em que a sociedade estrangeira incorporar a sociedade investida situada no Brasil, a sociedade estrangeira não poderia deduzir os valores de ágio pagos, uma vez que não está submetida à tributação no Brasil.

Para contornar esse impasse e possibilitar a dedução do ágio, uma possível alterativa encontrada pelo grupo econômico estrangeiro seria a constituição de uma nova sociedade holding, no Brasil, que seria a responsável pela a aquisição da sociedade alvo do investimento. A sociedade estrangeira poderia transmitir os recursos necessários à aquisição para a sociedade holding de diversas maneiras, tais como integralização de social ou mútuo.

Desse modo, havendo uma sociedade holding do grupo investidor no Brasil e ocorrendo a aquisição de participação societária, a sociedade investida poderia incorporar a holding, trazendo para dentro de si o ágio por expectativa de rentabilidade futura pago, cumprindo a previsão contida nos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Como consequência, a sociedade incorporadora poderia deduzir os valores de ágio no Brasil para reduzir a tributação incidente sobre os lucros operacionais que provavelmente teria que pagar nos anos seguintes. A situação descrita se trata da constituição de uma sociedade holding, entendida como sociedade veículo, para realizar a aquisição do investimento.

37 Caso Columbian Chemicals (Acórdão nº 9101-002.213 do CARF, de 03.02.2016); Caso Arcelormittal (Acórdão nº

(32)

Imagem retirada da apostila elaborada como material de apoio à matéria Tributação Direta das Pessoas Jurídicas, ministrada pelos Profs. Luís Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga Mosquera na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2019. Pendente de publicação. Página 75

Partindo do mesmo exemplo no qual um grupo econômico estrangeiro tem a intenção de adquirir participação societária em uma sociedade brasileira, uma outra opção também pode ser considerada pelo grupo investidor para que fosse cumprida a absorção patrimonial determinada pela lei brasileira. O grupo econômico multinacional poderia, ao invés de constituir uma sociedade no Brasil para realizar a aquisição, realizar a aquisição por meio de uma de suas sociedades situadas no exterior com o mesmo pagamento de ágio, a ser registrado na escrita contábil dessa sociedade estrangeira. No entanto, para fazer com que esse ágio se tornasse dedutível no Brasil, o grupo econômico estrangeiro constituiria uma nova sociedade holding no Brasil, que teria o seu capital social integralizado com o investimento com ágio realizado pela sociedade domiciliada no exterior, havendo, dessa forma, a transferência do ágio registrado em uma sociedade estrangeira para a sociedade brasileira38. Note-se que a sociedade holding recentemente constituída no Brasil, nesse novo exemplo, não realizou a aquisição de investimento algum, mas apenas recebeu o investimento com o respectivo ágio da sociedade estrangeira.

Realizada essa transferência do investimento com ágio para a sociedade holding brasileira, a sociedade investida poderia incorporar a sociedade holding na qual passou a estar registrado o ágio fundado em expectativa de rentabilidade futura. Dessa maneira, a sociedade operacional brasileira, objeto do investimento traria para dentro de si o ágio e cumpriria, dessa maneira, a

38 Caso Johnson Controls (Acórdão nº 9101-002.183 do CARF, de 20.01.2016); Casos Santander I e II (Acórdãos nº

(33)

previsão dos arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/97. Esse segundo exemplo é o que normalmente se considera como constituição de uma sociedade holding, entendida como empresa-veículo, para a transferência de ágio.

Imagem retirada da apostila elaborada como material de apoio à matéria Tributação Direta das Pessoas Jurídicas, ministrada pelos Profs. Luís Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga Mosquera na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2019. Pendente de publicação. Página 75.

Tanto no exemplo de empresa-veículo utilizada para a aquisição de investimento com ágio quanto no exemplo de empresa-veículo utilizada para a transferência de investimento com ágio, foram descritos cenários em que uma nova holding é constituída para que uma empresa ou um grupo econômico estrangeiro possa adquirir participação societária no Brasil e possa deduzir os valores de ágio decorrentes dessa aquisição, igualando-se ao tratamento que empresas brasileiras têm ao realizar o mesmo tipo de investimento. A respeito disso, é possível defender que esse tipo de estruturação é necessária para que um grupo econômico internacional possa competir de maneira igualitária com um grupo econômico nacional39, competição essa que se acentua em um cenário de leilão de privatização, na qual são comparados diferentes lances dados por diferentes investidores para adquirir a mesma empresa. Nesse caso, as implicações concorrenciais ficam claras quando se considera que, se o investidor estrangeiro puder deduzir o ágio por expectativa de rentabilidade futura quando adquirir uma empresa estatal, ele considerará a possibilidade de dar lances mais altos nos leilões públicos, uma vez que terá a expectativa de deduzir parte do valor pago na aquisição em um momento posterior. Para além das preocupações concorrenciais, também deve ser levado

(34)

em consideração que a permissão à dedução de valores de ágio por investidores estrangeiros é relevante para a atração de investimentos externos que possam aquecer a economia nacional.

Embora a constituição de uma sociedade holding no Brasil por um investidor estrangeiro possa ter implicações tributárias, também podem existir razões negociais para que a estruturação do investimento seja realizada dessa maneira. Talvez a maior delas seja a possibilidade de reduzir o risco cambial envolvido nessa aquisição transnacional, uma vez que, ao realizar os aportes na holding brasileira para que esta última realize o pagamento aos alienantes, ao invés de realizar os pagamentos diretamente do exterior a um número de alienantes que pode vir a ser grande, há um maior controle do fluxo internacional de recursos e, consequentemente, um maior controle das operações cambiais envolvidas na aquisição. Ainda, como outro exemplo de razão negocial, cita-se a maior facilidade de cumprir as inúmeras imposições burocráticas impostas para empreendimentos no Brasil, que tendem a ser menos onerosas para sociedades constituídas no Brasil em comparação às imposições para sociedades constituídos no exterior.

A utilização de empresas-veículo também pode vir a ser vantajosa para aquisições realizadas por grupos empresariais brasileiros, hipótese na qual também é possível uma estruturação de operações para que a empresa-veículo realize aquisição ou transferência do investimento com ágio.

No caso de investidores brasileiros, as razões para a utilização de empresas-veículo podem ser de ordem regulatória, a exemplo de empresas que atuam em setores altamente regulados e que não podem realizar a aquisição e posterior incorporação de sociedades de maneira direta, em razão da vedação exercida por órgãos reguladores tais como a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (“ANEEL”). Como breve exemplo, um banco que adquirisse uma concessionária de energia elétrica não poderia incorporá-la em razão da vedação regulatória que sofre e, portanto, só poderia incorrer na hipótese prevista pelos arts. 7º e 8º se interpusesse uma empresa-veículo40.

40 SCHOUERI, Luís Eduardo; GALENDI JUNIOR, Ricardo André. As Vicissitudes do Tratamento do Ágio na

Jurisprudência Administrativa. In: DANTAS, José André Wanderley; ROSENBLATT, Paulo (orgs.). Direito Tributário: os 30 anos do Sistema Tributário Nacional na Constituição – Estudos em Homenagem a Ricardo Lobo Torres. Recife. Ed. dos Organizadores. 2018. p. 351.

(35)

Outra razão pela qual a utilização de uma empresas-veículo pode vir a ser necessária para um investidor deduzir o ágio, seja ele nacional ou estrangeiro, é a hipótese de uma empresa adquirir uma outra e não ser economicamente vantajoso uni-las por meio de incorporação ou fusão41, seja porque é vantajoso financeiramente manter a estrutura, o corpo administrativo e todo o risco que os negócios envolvem de maneira segregada, seja porque é mais interessante manter o posicionamento de diferentes marcas, vinculadas a diferentes empresas pertencentes a um mesmo grupo, de maneira separada no mercado perante o consumidor.

Com relação a essa última motivação, cite-se o exemplo de uma empresa que atua no ramo de vestuário de luxo. Na hipótese dessa empresa buscar expandir os seus negócios e realizar a aquisição de uma empresa do ramo vestuário voltada ao público de menor aquisitivo, caso a primeira empresa realize a incorporação da outra de modo a unir as duas, sofrerá impacto não apenas em toda a linha de produção dos dois empreendimentos, como também afetará seriamente a percepção que o consumidor comum tem sobre o produto que antes era pretensamente vendido como um produto de luxo, cuja estratégia de marketing provavelmente estava sedimentada em uma percepção de exclusividade que a primeira empresa transmitia. Nesse caso, unir os dois negócios de modo a permitir a dedução do ágio, embora possível, seria uma péssima ideia do ponto de vista estratégico do negócio. Assim, interpor uma empresa-veículo de modo a realizar a aquisição seria conveniente para permitir a dedução do ágio, gerando a mesma economia tributária que seria alcançada caso fosse realizada a aquisição e incorporação direta da sociedade investida, sem a utilização de qualquer sociedade intermediária.

3.3. Empresa-veículo e o propósito negocial

As autoridades fiscais, diante da utilização de uma sociedade que entendem como empresa-veículo, lançam diferentes fundamentações para glosar os valores de ágio deduzidos pelos contribuintes. A mesma diversidade de critérios está presente no CARF, no qual as sociedades veículo podem ser consideradas ilegítimas por diferentes razões.

Referências

Documentos relacionados

psicológicos, sociais e ambientais. Assim podemos observar que é de extrema importância a QV e a PS andarem juntas, pois não adianta ter uma meta de promoção de saúde se

Nosso ponto de partida metodológico é observar e descrever a interação do individuo desde sua infância mais imatura com seu contexto social, cultural, econômico, político com

Triagem da infecção pelo HCV por meio de testes rápidos em indivíduos maiores de 18 meses.. Fonte: Manual Técnico para o Diagnóstico das

De maneira geral, o apoio, a valorização e os investimentos são os fatores que mais contribuem para o crescimento e desenvolvimento do paradesporto nacional,

Capitalismo Sindical” e consiste basicamente em dizer que processos políticos podem ter o seu princípio alterado em detrimento de uma outra classe social. No caso das Primaveras

Tabela 3 - Duração do ciclo após a germinação, produtividade, eficiência no uso da água em cenários climáticos futuros RCP4.5 para o milho semeado em 10 de outubro.. Já para

Segundo Brown (2004), apoiado principalmente no trabalho de Warren e Nisbet (1999), é possível conceber que os indivíduos, quer sejam professores ou estudantes, geralmente

Como prenuncia o próprio título do texto, O pensamento cria, embora fique evidente que aí se trata da relação entre música e artes visuais, não deixamos de notar que o foco