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GT02 ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA INTERNACIONAL POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE BOLSONARO: O CASO DA UNASUL José Bruno Fenerick Júnior 1

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GT02 – ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA INTERNACIONAL POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE BOLSONARO: O CASO DA UNASUL

José Bruno Fenerick Júnior1

RESUMO:

Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre a política externa de Jair Bolsonaro (2019-2020), em especial quanto à denúncia do tratado da UNASUL em 2019, buscando discutir o papel da ideologia como fator determinante neste processo. As referências e fontes serão, além da literatura especializada em política externa, comunicados, notas de imprensa, entrevistas, notícias e discursos do Ministério das Relações Exteriores referentes ao Presidente Jair Bolsonaro e ao Chanceler Ernesto Araújo. Por fim, o trabalho concluiu através da análise de discurso destas autoridades que, de fato, o regionalismo sul-americano tem sido reestruturado a partir de uma política externa ideológica (GARDINI, 2011), mas que também é reforçado pelo grupo pragmático que conforma o governo de Jair Bolsonaro, intensificando a crise do regionalismo pós-liberal (MOTTA VEIGA; RÍOS, 2007), em especial após a denúncia do tratado da UNASUL, buscando que os processos de integração retornem ao regionalismo aberto (CEPAL, 1994).

Palavras-Chave: Política Externa Brasileira; UNASUL; Jair Bolsonaro. INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo discutir a política externa de Jair Bolsonaro (2019-2020), em especial quanto à denúncia do Tratado da UNASUL em 2019, buscando discutir o papel da ideologia como fator determinante neste processo. Este artigo está divido em três seções, o regionalismo sul-americano no século XXI, análise de política externa e o governo Bolsonaro, e a denúncia do Tratado da UNASUL. Além da literatura especializada sobre política externa brasileira, a análise deste artigo, devido o recorte temporal, é feita a partir de comunicados do Ministério das Relações Exteriores, discursos do Presidente Jair Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo.

1. O REGIONALISMO SUL-AMERICANO NO SÉCULO XXI

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A América do Sul se redemocratizou nos anos 80 e 90, presenciando a ascensão de governos neoliberais. O período coincidiu com estratégias adotadas para enfrentamento da globalização através dos processos de integração no modelo que ficou conhecido como ‘regionalismo aberto’ (CEPAL, 1994). No fim do século e, sobretudo no início dos anos 2000, governos de esquerda assumiram o poder nos principais países da região, esse movimento foi chamado de “onda rosa” (PANIZZA, 2006).

Como consequência dessas mudanças, surgem diagnósticos sobre os processos de integração, com críticas ao modelo liberal dos anos 90, dado à ênfase às questões comerciais, que teria levado a assimetrias estruturais entre países-membros sem levar em consideração dimensões produtivas e de desenvolvimento nos processos de integração (MOTTA VEIGA; RÍOS, 2007). Assim, o processo de integração na região passa a ser discutido a partir de uma ampliação e aprofundamento de outros temas como infraestrutura, energia, educação, políticas sociais e meio ambiente (BRASIL, 2008), deixando a questão comercial como secundária, e tornando o propósito maior a busca de uma agenda política comum para a região. A criação da Aliança Bolivariana para os Povos da América (ALBA), a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), além de reformas no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) são frutos desse período.

Essa revisão dos processos de integração foi chamada de regionalismo pós-liberal (MOTTA VEIGA; RÍOS, 2007). A característica desse regionalismo está na crítica ampla ao paradigma liberal. Além disso, esse processo ocorre com o ressurgimento do nacionalismo econômico que resultou numa agenda integracionista desenvolvimentista e uma agenda antiliberal, que passou a tornar a região mais diversificada, fundindo ou dividindo os processos cunhados durante o regionalismo aberto, mas agora dentro do regionalismo pós-liberal (MOTTA VEIGA; RÍOS, 2007).

No momento, no entanto, há um processo avançado de mudanças de governos de esquerda por governos de direita na América do Sul. O processo de impeachment de Dilma Rousseff iniciado em 2015 e finalizado em 2016, assim como a eleição de Macri na Argentina, teriam afetado diretamente os rumos da região. Soma-se isso a crise na Venezuela que junto com Lula da Silva, foram os idealizadores da UNASUL.

Briceño-Ruiz (2018) argumenta que as críticas de Macri ao abandono dos objetivos comerciais do MERCOSUL e a promessa de aproximação à Aliança do Pacífico, o impeachment no Brasil em 2016, e as mudanças levadas a cabo por Michel Temer enfraqueceram o bloco que promoveu a integração rejeitando o neoliberalismo e um modelo político que confrontava a hegemonia americana, mudanças políticas que levam para um novo

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ciclo de cooperação regional. À propósito de tal contexto, a política externa dos países da região são cruciais para compreender as ações e estratégias quanto aos processos de integração na America do Sul, em especial, o ponto alto desse processo, que foi a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, tendo o governo brasileiro, idealizador do UNASUL, denunciado seu Tratado Constitutivo em 2019.

1.1. UNIÃO DE NAÇÕES SUL-AMERICANAS

No preâmbulo do tratado da UNASUL já se expressa características do regionalismo pós-liberal como a determinação de construir uma identidade sul-americana e a integração no âmbito político, econômico, social, cultural, ambiental, energético e de infraestrutura. Além disso, temas diversos também aparecem no tratado como pobreza, exclusão e desigualdade social. Ademais se destaca a prioridade no diálogo político e as políticas sociais, assim como a educação com o objetivo de eliminar a desigualdade socioeconômica e alcançar a inclusão social e a participação cidadã (BRASIL, 2008).

Tiago Nery (2016) aponta algumas contribuições da UNASUL, que serviu como instrumento de governança regional, num caminho inverso ao que se costuma construir nos processos de integração regional, com a priorização da política e deixado em segundo plano a questão econômico-comercial. A organização, assim, foi o resultado da institucionalização da concertação política sul-americana, com a instituição de uma Secretaria Geral com sede em Quito. Ademais, outra característica importante seria a heterogeneidade dos diversos regionalismos e a pluralidade das ideologias (NERY, 2016). Assim, a organização representava um ineditismo devido à dimensão do instrumento jurídico que envolveu os dozes países da região.

A UNASUL também passou a representar uma característica geopolítica, ao buscar fortalecer o multilateralismo através do regionalismo sul-americano, tratando de temas como defesa através da criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) no âmbito da organização. Segundo o Tiago Nery (2016), incentivos econômicos não são suficientes para explicar o surgimento da UNASUL, sendo necessário ser compreendidos a partir de objetivos políticos dos governos daquele contexto.

2. ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA E O GOVERNO BOLSONARO (2019-2020) 2.1 POLÍTICA EXTERNA E IDEOLOGIA

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Este artigo está centrado na Análise de Política Externa (APE), um sub-campo de estudos consolidado nas Relações Internacionais (RI). A especificidade da APE está no foco em ações internacionais de unidades particulares. Dessa forma, ela se volta para os estudos de governos específicos, considerando seus determinantes, seus objetivos, suas tomadas de decisões e ações realizadas (PINHEIRO; SALOMÓN, 2013).

Sobre determinantes brasileiros internos, Burges e Bastos (2017) confirmam através da teoria da diplomacia presidencial, que o presidente é um “hiper-diplomata”, sendo essencial para inovar na política externa. Nesse sentido, quando há falta de engajamento, existe estagnação quanto à inovação estratégica ou criatividade na condução da política externa. Para os autores, substanciais mudanças na política brasileira são relativamente raras, e quando são, estão associadas ao engajamento presidencial (BURGES; BASTOS, 2017).

Além disso, neste artigo, é central a discussão de ideologia na política externa do livro “Latin American Foreign Policies” editado por Gian Luca Gardini e Peter Lambert (2011). O livro propõe que ideologia e pragmatismo são dois elementos que compõem o comportamento político em geral, variando em intensidade, circunstância, propósito e arena. Para os autores, ambas as categorias são autoexplicativas e refletem a longa discussão entre a busca por políticas ideacionais ou pelas consequências práticas. Gardini (2011) argumenta que ideologia e pragmatismo são complementares, interrelacionados e compatíveis. A política externa focada apenas na ideologia seria utópica, enquanto somente dominada pelo pragmatismo seria oportunista pensada apenas para o curto prazo. Dessa forma, os autores defendem que essas categorias coexistem nas políticas externas contemporâneas da América Latina, refletindo dinâmicas de tensão entre ideologia e pragmatismo, o desejável e o alcançável.

Gardini (2011) propõe dois tipos de política externa. A primeira seria a política externa pragmática, que é baseada no princípio que a utilidade, a viabilidade, a praticidade de ideias, políticas e propostas são critérios importantes levados em consideração. A ação se sobrepõe a doutrina e a experiência a princípios fixos. Dessa forma, a ênfase se dá de acordo com consequências práticas. Essa política é caracterizada de médio prazo, sendo uma política de Estado invés de governo. A segunda seria a política externa ideológica, que enfatiza princípios e soluções doutrinárias sobre a adaptabilidade e consequências práticas. A compatibilidade com princípios estabelecidos é o critério chave para essa política, pois ela prioriza posições preconcebidas e soluções em detrimento da viabilidade e da utilidade. A política externa ideológica pode estar associada ao curto prazo e possivelmente a partir de uma visão personalizada das relações internacionais relacionada a um líder específico ou a um governo.

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2.2 A POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO BOLSONARO (2019-2020)

Durante o governo Lula (2003-2010), a política externa brasileira, em linhas gerais, foi marcada por um perfil ativo, de coalizões internacionais e orientada para a estruturação de uma governança regional na America do Sul sob liderança brasileira. No entanto, a partir de 2011, o boom das commodities havia passado, a situação econômica se agravou e a inábil gestão política somada ao baixo interesse pela política externa resultou no declínio da estratégia brasileira (SARAIVA, 2017).

Saraiva (2017) destaca que a ruptura da coalizão do governo no Congresso, a acirrada corrida eleitoral, a crise, e os processos contra as empreiteiras abriram espaço para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Nesse contexto, a oposição passou a criticar a política externa de Dilma Rousseff de “ideológica” e a política externa “altiva e ativa” de Lula foi ameaçada. No contexto Sul-Americano, fatores que corroíam o regionalismo pós-liberal se acentuaram: a eleição de Maurício Macri (Argentina), a de Pedro Pablo Kuczynski (Peru), a Aliança do Pacífico ocupando maior espaço e a intensificação da crise na Venezuela. Com o impeachment, o novo chanceler, José Serra, do PSDB, fez duras críticas a política externa “ideológica e petista” e sugeriu aproximação com as potências ocidentais.

Segundo Saraiva (2017), na América do Sul, o comportamento brasileiro nesse momento já havia mudado. Junto ao governo argentino, o governo de Temer afastou a Venezuela do MERCOSUL e colocou a Bolívia em modo de espera quanto à aprovação. A aproximação com a Aliança do Pacífico foi incentivada. A autora aponta que o governo de Michel Temer se destaca por buscar marcar diferenças com seus antecessores. Nesse sentido, as mudanças da política externa entre 2016 e 2017 põem abaixo a crença de um Itamaraty monopólico, e de uma política externa contínua.

A partir das mudanças de política externa de Temer, Vidigal (2019) aponta certa continuidade na política exterior de Jair Bolsonaro: a política econômica liberal, a abertura de investimentos estrangeiros, priorização de laços bilaterais em detrimento do multilateral, descaso com a integração sul-americana, e a condenação do governo venezuelano, além da abdicação das categorias de autonomia e desenvolvimento defendidas historicamente pelo Ministério das Relações Exteriores. Portanto, a diferença mais significativa de Bolsonaro seria o alinhamento aos Estados Unidos, assim como a defesa do acordo Mercosul-União Europeia. Sob aspecto das diferenças partidárias, Cotreta e Hebling (2016) demonstram a partir das eleições brasileiras em 2014, como a política externa possui diferentes visões, mas que se agrupam bem com relação ao campo esquerda e direita. Enquanto PCB e PT dão prioridade

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as relações com países da América Latina, o PSDB se destaca pela reavaliação das prioridades estratégicas do país, em relação a Ásia e os EUA, por exemplo. Além disso, enquanto o PT defende o fortalecimento do MERCOSUL, da UNASUL e da CELAC, o PSDB defende um reexame das políticas de integração regional (COTRETA; HEBBLING, 2016), o que explica o posicionamento dos governos do PT em comparação a partidos de oposição dentro dos organismos regionais.

Nesse quadro, a vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 trouxe substanciais mudanças, Saraiva e Silva (2019) exploram a dicotomia da política externa de Bolsonaro através dos vários atores que influenciam o atual governo, dividindo entre atores da ala ideológica e atores da ala pragmática. Os autores discutem como o núcleo ideológico encontrou limitações no ambiente externo, sobretudo com o grupo pragmático dos militares. Para os autores, contudo, a questão do regionalismo foi levada dentro da questão ideológica, num contexto em que a visão da integração pós-liberal entrou em crise.

Fonseca e Carneiro (2019) argumentam que a política exterior de Bolsonaro é instrumentalizada pela ala ideológica para dialogar com a base eleitoral do governo. Portanto, em momentos em que não existem interesses diretos das elites nacionais, e sem aparentes custos em romper com a tradição diplomática, a ala “olavista” possui mais espaço para reforçar sua agenda cultural através de discursos capazes de também fortalecer a posição nacional de Bolsonaro (SCHUTTE; FONSECA; CARNEIRO, 2019).

3. A DENÚNCIA DO TRATADO DA UNASUL

Em abril de 2018, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru suspenderam a participação da UNASUL. A Presidência Pró-Tempore da UNASUL estava com a Bolívia, mas a escolha do secretário geral ficou indefinida após a Venezuela, com apoio da Bolívia, do Suriname e do Equador vetar o embaixador argentino José Octávio Bordón (DINIZ, 2018).

No dia 22 de março de 2019, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai e Peru assinaram um documento que indicavam a vontade de criar o Foro para o Progresso da América do Sul (PROSUL), em substituição da UNASUL (BRASIL, 2019). O novo foro teria estrutura leve e flexível, com regras de funcionamento claras e mecanismo ágil de tomada de decisões. Ainda segundo nota do Itamaraty, o foro teria plena vigência da democracia e o respeito aos direitos humanos como requisitos para seus membros, em clara crítica a UNASUL e a participação da Venezuela na organização. Em 15 de abril de 2019, o

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Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) foi denunciado pelo governo brasileiro (BRASIL, 2019b).

Assim como a UNASUL, a PROSUL aponta o compromisso em erradicar a pobreza e alcançar maior igualdade de oportunidades (BRASIL, 2020). Segundo a declaração, para fortalecer e renovar a integração na América do Sul será proposto um espaço mais eficiente, pragmático e de estrutura simples, para consolidar êxitos e promover a evolução sem duplicação de esforços, em direção a uma região mais integrada. Dessa forma, o documento faz menção subjetiva e crítica aos diferentes organismos de integração regional e o custo desses processos, sendo a PROSUL um caminho de integração mais efetiva e sem custos (BRASIL, 2020).

Em artigo publicado no Valor Econômico, o chanceler Ernesto Araújo apresenta argumentos para as mudanças na política externa. Na visão do chanceler, o Brasil não reestruturou a América do Sul, pois não quis abandonar a UNASUL e passar por um processo de integração competitiva e de promoção da democracia para não excluir a Venezuela de Maduro, nesse sentido, o chanceler criticou o que teria sido uma política externa imutável de um país estagnado (BRASIL, 2019c), fazendo clara menção a princípios consolidados da diplomacia brasileira citados anteriormente. Além disso, a fala do chanceler demonstra o fator ideológico discutido anteriormente:

A substituição da Unasul pelo Prosul, alicerçada na democracia e na liberdade econômica, nos proporciona uma nova alavancagem integracionista capaz de transformar a América do Sul em um grande espaço de dinamismo econômico, livre de uma vez por todas do caudilhismo e do projeto totalitário do Foro de São Paulo (BRASIL, 2019c, s/p).

Dessa forma, o chanceler critica claramente o projeto integracionista que representa a UNASUL, fazendo uma correlação com o Foro de São Paulo (organização que promove encontro entre partidos de esquerda e organizações na América Latina), não tendo sido alicerçada na ‘liberdade econômica’, característica dos processos de integração em que são exemplos o MERCOSUL ou a Aliança para o Pacífico. Além do mais, Ernesto Araújo argumenta que a política externa está agora voltada para o crescimento econômico e aumento do poder e da prosperidade da nação, o que na visão do ministro, não seria o caminho percorrido na UNASUL. Ademais, segundo o ministro, a política externa atual estaria longe de ser apenas uma coleção de discursos vazios (BRASIL, 2019c)

Na mesma linha, segundo o ministro, o MERCOSUL volta a ser “uma plataforma eficiente de negociação comercial e integração competitiva” (BRASIL, 2019c), em clara desaprovação as mudanças no MERCOSUL que também levou questões políticas para o seio do

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organismo. Na mesma linha, Ernesto Araújo argumenta que se deve abandonar “dogmas e conceitos ultrapassados”, e também “quebrar tabus” que segundo o chanceler paralisou a política externa e gerou atraso e estagnação (BRASIL, 2019c)

Em entrevista a revista Veja, o chanceler ao ser perguntando sobre as críticas que o Brasil tem perdido protagonismo, a resposta é de que é o contrário, o Brasil já havia perdendo protagonismo e que o governo busca é inverter a tendência de queda. Mais uma vez está presente nas falas do ministro a questão econômico-comercial, que não ocorreria através da UNASUL, e objetivos relacionados à Venezuela:

Tentamos recuperar a atividade produtiva da nossa política externa e creio que estamos conseguindo inverter essa tendência de queda. Na América do Sul, o Brasil está na vanguarda do processo para uma mudança democrática na Venezuela, e na construção do Prosul, uma nova entidade que substitui a Unasul para tentar consolidar a economia de mercado na região (ARAÚJO, 2019, s/p).

Os mesmos temas estão presentes nos discursos de Jair Bolsonaro, como na reunião do G-20 em Osaka em 2019. Naquele momento, o presidente apontou que seu governo está trabalhando para mudar os acordos de integração da América do Sul para mecanismos que sejam guiados por princípios democráticos, buscando processos pragmáticos, orientados para resultados, como representado pela PROSUL. Além disso, Jair Bolsonaro voltou a afirmar que seu governo está resgatando a vocação do MERCOSUL para o livre comércio (BRASIL, 2019d).

Em Declaração Conjunta Presidencial entre Jair Bolsonaro e o presidente chileno Sebastian Piñera, os presidentes enfatizaram o compromisso de abrir a integração na América do Sul, com base na liberdade política e econômica, e reiteraram sua determinação em continuar trabalhando para a implementação do PROSUL (BRASIL, 2019e). Nessa mesma linha de convergência política regional, o chanceler Ernesto Araújo, em discurso em reunião do Corredor Rodoviário Bioceânico, argumentou:

(...) eu tive oportunidade de acompanhar, com os presidentes Mario Abdo, com o Presidente Macri, com o Presidente Piñera, sempre esse tema surge de maneira muito clara. Todos os quatro presidentes nesse projeto estão pessoalmente envolvidos com essa concepção de integração. Isso dá um respaldo político extraordinário. (BRASIL, 2019f, s/p)

Na mesma ocasião, o chanceler defendeu que a construção do corredor bioceânico está dentro do conceito de integração compreendido pelo governo, a de uma integração aberta, de uma integração produtiva, que está pautada também em outras iniciativas. Segundo o chanceler, o MERCOSUL só agora voltou ao centro do mapa do comércio mundial, graças a essa nova atitude de integração aberta:

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Nós também concebemos esses projetos de integração física como parte de uma integração mais profunda que abrange toda a América do Sul. (...) não queremos de forma alguma abandonar essa ideia de um conceito de América do Sul, um conceito que queremos que seja ao mesmo tempo pragmático e democrático, uma América do Sul que seja um continente unido por esses dois valores fundamentais, abertura econômica, eficiência e, ao mesmo tempo, a liberdade e a democracia (BRASIL, 2019f, s/p).

Por fim, o chanceler conclui que o Brasil está “saindo do nosso sono de algumas décadas e nos conectando ao mundo” (BRASIL, 2019f). Na mesma direção, em discurso a Assembleia Geral da ONU, em 2019, Jair Bolsonaro inicia seu discurso argumentando que ele chega apresentando um novo Brasil, que ressurge depois de estar “à beira do socialismo” (BRASIL, 2019g). E atualmente, o Brasil trabalha com outros países, entre eles os EUA para restabelecer a democracia na Venezuela, além de empenhar-se para não ocorrer o mesmo na America do Sul. Ainda sobre a América do Sul, Jair Bolsonaro discorre:

O Foro de São Paulo, organização criminosa criada em 1990 por Fidel Castro, Lula e Hugo Chávez para difundir e implementar o socialismo na América Latina, ainda continua vivo e tem que ser combatido (BRASIL, 2019g, s/p).

Em 25 de setembro de 2019, às margens da Assembleia da Organização das Nações Unidas, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Paraguai emitiram a primeira declaração ministerial do Foro. Chama a atenção que segundo a declaração as “diretrizes têm um caráter declarativo, de natureza política, e não geram obrigações jurídicas no âmbito do direito internacional” (BRASIL, 2019h).

Tanto os discursos do presidente, como de seu chanceler, defendem que há a influência do socialismo na América do Sul, “ainda vivo”, exemplificado pela menção do Foro de São Paulo, sendo a liderança brasileira responsável por combatê-lo. Nesse sentido, apesar de evidentemente o regionalismo ter sido levado pela ala ideológica (SARAIVA; SILVA, 2019), a partir do discurso, podemos destacar que a ala liberal do governo também chancela a reorganização do espaço sul-americano a partir de acordos que visem a política econômica liberal do governo, assim como a abertura para os investimentos estrangeiros, e a priorização bilateral, o que acaba por explicar a flexibilização da PROSUL, evidenciando o descaso com a integração sul-americana, transformada em simples foro de discussão, sem profundidade ou participação plena dos doze países da região.

5. CONCLUSÕES

A denúncia do tratado da UNASUL se justifica pela política externa ideológica (GARDINI, 2018) do governo de Jair Bolsonaro que visa combater a “implementação do

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socialismo na América Latina” ou do “caudilhismo”. Dessa forma, o governo de Bolsonaro desconsidera a heterogeneidade da UNASUL e seu crucial papel para a região, assim como para a liderança brasileira. O governo busca modificar princípios importantes e consolidados na diplomacia brasileira como a cooperação, a construção de consensos e pontes na região, assim como no sistema internacional, o que na visão do chanceler Ernesto Araújo passa a ser a “quebra de tabus”.

Por outro lado, a luz dos discursos de Ernesto Araújo e Jair Bolsonaro, assim como os conceitos de política externa ideológica e pragmática (LAMBERT; GARDINI, 2011) é possível verificar que, apesar da ala ideológica ter predominância na reestruturação do regionalismo sul-americano (SARAIVA; COSTA, 2018), a ala pragmática do governo também não contribui para a consolidação da unidade sul-americana ao chancelar a política externa ideológica priorizando apenas temas econômico-comerciais ou “para resultados”.

Portanto, as ações que visam modificar os processos de integração regional e em panorama maior, a política externa brasileira, buscam resultados de curto prazo, advindos da visão personalizada e ideológica das relações internacionais de Jair Bolsonaro, sem levar em conta os interesses nacionais, como por exemplo, a liderança brasileira regional e, por consequência, a inserção internacional do Brasil. O papel do presidencialismo nas relações internacionais do Brasil (BURGER; BASTOS) ou as visões e crenças presidenciais (GARDINI, 2011) explicam bem as mudanças apresentadas neste artigo, pois, a mudança radical se dá a partir da política externa ideológica do governo (GARDINI; LAMBERT, 2011), que apesar de predominante no regionalismo, também recebe chancela da ala pragmática, reforçando o fim da estratégia de integração regional da UNASUL, esvaziando o processo ao substituí-la por outro sem profundidade e legitimidade, apresentando retrocessos para o Brasil e para o futuro da América do Sul.

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Referências

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