• Nenhum resultado encontrado

A TRISTE PARTIDA NA SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA DE RETEXTUALIZAÇÃO COM PATATIVA DO ASSARÉ

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A TRISTE PARTIDA NA SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA DE RETEXTUALIZAÇÃO COM PATATIVA DO ASSARÉ"

Copied!
15
0
0

Texto

(1)

A TRISTE PARTIDA NA SALA DE AULA: UMA EXPERIÊNCIA DE

RETEXTUALIZAÇÃO COM PATATIVA DO ASSARÉ

Thiago Barros dos Anjos1

RESUMO

A escola representa um espaço privilegiado para o estudo dos múltiplos gêneros da esfera literária: poema, conto, crônica, romance. Para tanto, o trabalho aqui apresentado recorreu ao poema cordelista A triste partida, presente na obra Cante lá que eu canto cá (2011), de Patativa do Assaré, o qual vem aqui funcionar como força motriz para realização de atividades de retextualização por estudantes do 5º ano do ensino fundamental de uma escola pública no município de Bom Conselho – PE. Esse trabalho objetiva a produção em sala de aula de diferentes retextualizações de A triste partida, partindo do princípio defendido por Ferreira (2009) de que o poema já não se manifesta somente na oralidade ou nas páginas de um livro, mas pode estar nas redes digitais e se apresentar de modo transmutado e, agora, entrelaçado com outras artes (música, fotomontagem, fotografia, pintura). O presente trabalho traz uma abordagem teórica sobre o direito a literatura, a partir dos trabalhos de Todorov (2009) e Candido (2004), apresenta algumas considerações sobre a literatura de cordel na perspectiva de Abreu (2006) e Silva (2007) e, por último, descreve uma experiência de retextualização de A triste partida a partir de uma sequência de três atividades em que o poema é transmutado para outros gêneros, a saber: storyboard, conto e videopoema.

Palavras-chave: Experiência exitosa, Retextualização, Storyboard, Videopoema.

INTRODUÇÃO

O ensino de Língua Portuguesa na sala de aula deve incluir a leitura dos gêneros das múltiplas esferas: jornalística (notícia, reportagem, artigo de opinião, por exemplo), religiosa (sermão, cântico, jaculatória), publicitária (propaganda, anúncio, outdoor) e, principalmente, literária (poema, conto, romance).

No contexto escolar, principalmente nos anos iniciais, a leitura dos textos do domínio literário ainda aparece numa escala bem menor quando comparada a outras esferas. Dessa forma, a escola não cumpre o direito à literatura. A proximidade do estudante com o texto literário é uma necessidade que não pode ser negada pela escola, uma vez que a literatura, como evidencia Candido (2004, p.176), “não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o mal, humaniza em sentido profundo, porque nos faz viver”. Por esta razão, esse artigo traz à tona uma alternativa didática de retextualização, a

1 Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras) da Unversidade de Pernambuco - UPE, thiagoanjos10@hotmail.com.

(2)

partir de um poema cordelista, visando esse processo humanizador e um novo olhar, agora atrelado a outras artes, do texto literário.

Por acreditar na ideia de que o trabalho com a literatura popular pode trazer grandes contribuições para formação do leitor proficiente, a proposta de retextualização recorre ao poema cordelista A triste partida, presente na obra Cante lá que eu canto cá, de Patativa do Assaré (2011), e vem garantir o espaço da chamada literatura popular e, também, trazer olhares de estudantes do 5º ano do ensino fundamental para o texto literário em foco, dessa vez entrelaçados com outras artes.

Considerando o trabalho didático com a retextualização do gênero poema, o artigo aqui apresentado parte, em primeiro plano, do seguinte questionamento: é possível retextualizar o poema A triste partida com estudantes do 5º ano do ensino fundamental aliado as novas tecnologias? E, ainda, quais os gêneros podem se adequar e essa releitura textual a partir de novos olhares para o gênero primeiro? Para tentar responder o segundo questionamento, os gêneros pré-selecionados pelo pesquisador para retextualização foram o storyboard, conto e videopoema.

Nessa linha, o objetivo geral da pesquisa é analisar a relevância da retextualização do gênero poema e a possibilidade de entrelaçamento com as novas tecnologias a partir de uma experiência realizada com estudantes do 5º ano do ensino fundamental por meio da transposição do gênero poema para outros gêneros.

O presente artigo traz uma abordagem teórica sobre o direito a literatura, a partir dos trabalhos de Todorov (2009) e Candido (2004), apresenta algumas considerações teóricas sobre a literatura de cordel e o trabalho de retextualização na perspectiva de Abreu (2006) e Matêncio (2003) respectivamente e, por último, descreve uma experiência de (re) leitura textual de A triste partida a partir de uma sequência de três atividades em que o poema é transmutado para outros gêneros. Essa experiência exitosa, realizada em uma escola pública no município de Bom Conselho – PE, contou com a participação de vinte e cinco estudantes de uma turma de 5º ano do ensino fundamental e mostrou a possibilidade de um poema está entrelaçado com outras artes.

METODOLOGIA

Todo processo investigativo precisa estar pautado numa teoria que dê sustentação aos objetivos pretendidos e, ainda, numa pesquisa que propicie uma análise acurada dos dados coletado. Dessa forma, esse estudo recorreu a pesquisa bibliográfica e a pesquisa-ação. Para Gil

(3)

(2002, p.44) “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Já a segunda é defendida por Tripp (2005) como uma forma de investigação-ação, por meio da qual se decide que ação será tomada para melhorar a prática.

A coleta do corpus da pesquisa ocorreu a partir de uma sequência de atividade de retextualização, realizada numa escola pública do munícipio de Bom Conselho - PE, com vinte e cinco estudantes do 5º ano do ensino fundamental, entre nove e doze anos de idade. A experiência teve uma duração aproximada de cinco semanas a partir da (re) leitura do poema A triste partida. O primeiro contato da turma com o poema foi através de um folhetim de cordel, organizado pelo professor, para leitura dramatizada em sala de aula. Essa leitura inicial trouxe o despertar para os estudos introdutórios sobre a literatura de cordel e possibilitou uma discussão conjunta sobre os temas abordados no poema: o dilema da retirada nordestina, a falta de políticas públicas, os aspectos religiosos do poema, a humanização de seres inanimados e as dificuldades em se deparar numa terra desconhecida.

Partindo do postulado defendido por Ferreira (2009) de que a literatura pode ser trabalhada com outras artes, uma vez que a tecnologia mostrou que um poema já não se manifesta somente no livro, mas pode estar entrelaçado com a música, a fotografia, o cinema e outras manifestações artísticas, a proposta desencadeou uma série de três trabalhos de retextualização:

Tabela 1: Plano organizacional das atividades

ATIVIDADES OBJETIVOS DAS ATIVIDADES

I. A triste partida em storyboard

- Criar storyboard com cenas sequenciais marcantes de A triste partida.

II. A triste partida em conto - Transformar o poema em conto,

atendendo as características discursivas do gênero solicitando.

III. A triste partida em videopoema

- Representar, a partir da montagem de videoarte, a saga da família nordestina. Fonte: Do autor da pesquisa.

É importante esclarecer que para execução das atividades I e II, os estudantes foram divididos em dois grandes grupos, obedecendo tais critérios: apresentar certa aptidão para criação de desenhos, ter equipamento tecnológico para execução da atividade (a escola não oferece recursos tecnológicos), apresentar certo conhecimento (ou interesse em ensinar) no uso

(4)

de aplicativos de celular. Os critérios de inclusão/exclusão permitiram que 12 (doze) estudantes realizassem a atividade I e 13 (treze) participassem da atividade II. A última atividade foi realizada por toda a turma.

A atividade I consistiu na criação de storyboard (desenhos sequenciais) das cenas mais marcantes do poema A triste partida. A atividade II diz respeito a tranformação do poema em um conto com possibilidade de (re) criação do novas acontecimentos e personagens. A última atividade (vídeopoema), realizada fora do ambiente escolar, permitiu a tiragem de fotografias, baseadas no trabalho dos storyboards, para sobrepor ao poema cordelista. Para sobreposição, foi utilizado o poema cantado na voz de Luiz Gonzaga.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O convívio com a literatura pode ser pensado como direito de todo ser humano. Assim como é comumente defendido em larga escala o direito à educação, à saúde, é possível trazer para discussão a necessidade de contato com a literatura. Entre os múltiplos argumentos de defesa, vale destacar o pensamento de que a literatura, como proposto por Todorov (2009, p.24), “nos proporciona sensações insubstituíveis que fazem do mundo real se tornar mais pleno de sentido e mais belo”.

Por essa via, é possível afirmar que a literatura toca no âmago do ser humano. Esse tocar acontece de modo singular que qualquer tentativa de explicação não se compara a real sensação de ser tocado. Por esta razão, é que se torna possível falar sobre a essencialidade da literatura nos diferentes âmbitos da sociedade.

A partir do postulado de que a literatura deve se fazer presente nas múltiplas instâncias sociais, Oliveira (2019, p.66) “não se poderia pensar em ação política mais efetiva e participante do que tornar a poesia como um direito e um dever”. A significação que o autor emprega para o termo poesia carrega um sentido um tanto quanto metafórico e remete ao sensibilizar, ao despertar sentimentos, ao trazer o mal e bem de maneira tão contundente. Tudo isso é chamado por Cândido (2004) de humanização. Por afetar o ser humano de modo tão categórico, é que a literatura humaniza. Ao tecer comentário sobre esse processo Candido (2004, p.177) entende que

[...] confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como a exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor.

(5)

Para tanto, a leitura emerge como parte integrante do processo humanizador. Entre a multiplicidade de textos da esfera literária, o poema apresenta-se como uma possível alternativa para o trabalho reflexivo. Trabalhar essa reflexão textual, principalmente com o gênero poema, não é tarefa simples, mas algo bastante complexo, uma vez que implica uma atividade colaborativa entre produtor, texto, leitor. Ao tecer comentário sobre essa apreensão de sentidos, Marcuschi (2008, p. 229-230) escreve:

Compreender bem um texto não é uma atividade natural nem uma herança genética; nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que se vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho. [...] compreender não é uma ação apenas linguística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade.

O autor enfatiza que a compreensão textual não é algo genético, nem tampouco se adquire repentinamente, mas vai exigir habilidade (capacidade de compreensão das figuras retóricas, dos elementos de composição poética), interação (capacidade de fazer intertextualidade, percepção de outras vozes discursivas, reflexão sobre a realidade) e trabalho (trabalho constante de leitura para alcance de maior erudição).

É importante que o primeiro contato do estudante com o poema seja a partir do veículo portador do gênero, que pode ser um livro, um folheto, um site ou uma revista. Mesmo que o texto seja digitalizado, cabe ao professor apresentar o suporte textual. Essa prática favorece na compreensão organizacional do texto e auxilia na percepção do caráter histórico e social do gênero. Para depreender a “essência” do poema, faz-se preciso lembrar a importância de uma releitura textual. Quanto a isso, Koch (2009, p. 161) comenta:

Importante é o aprendiz notar que cada nova leitura de um texto lhe permitirá desvelar novas significações, não detectadas nas leituras anteriores. Esse fato poderá inclusive, servir-lhe de motivação, despertando-lhe maior gosto pela leitura ao perceber que, pela reconstrução que ele próprio faz do texto, acaba por recriá-lo, tornando-se, por assim dizer, o seu co-autor.

Daí a necessidade da releitura do texto, uma vez que a cada nova leitura tem-se uma nova descoberta. A leitura primeira do texto está, portanto, mais centrada na decodificação da escrita do que na compreensão textual. Antunes (2003, p.27) define que “[...] quase sempre, nessas circunstâncias, não há leitura, porque não há “encontro” com ninguém do outro lado do texto”.

(6)

O trabalho com a leitura do poema também deve ir além da simplista identificação do assunto principal, uma vez que permite desvelar as nuances da construção poética. Para tanto, é imprescindível a leitura das entrelinhas e, por conseguinte, perceber na arquitetura interna aquilo que se pode chamar de não-dito. Sobre esse aspecto Koch (2009, p.159) destacar que “além da significação explícita, existe toda uma gama de significações implícitas, muito mais sutis, diretamente ligadas à intencionalidade do produtor.

A atividade de interpretação dos implícitos deve ser bem trabalhada na leitura do poema, pois o querer dizer do autor pode tomar uma forma bastante indireta e somente uma leitura mais acurada é capaz de captar essas pressuposições. O trabalho com o poema em sala de aula precisa também considerar a adequação dos textos as diferentes etapas do desenvolvimento da leitura criança. Por esta razão, Coelho (2000) menciona 5 (cinco) categorias de leitor.

Quadro 1 – Categorias de leitor

CATEGORIAS DE LEITOR CARACTERÍSTICAS

O PRÉ- LEITOR (até 5/6 anos)

Fase do reconhecimento da realidade, percepção do próprio ser, início da fase egocêntrica e interesse pela comunicação verbal.

O LEITOR INICIANTE (a partir dos 6/7 anos)

Fase da aprendizagem da leitura, necessidade de estímulos em suas pequenas vitórias, início do processo de socialização e racionalização da realidade.

O LEITOR EM PROCESSO (a partir dos 8/9 anos)

Fase em que a presença o adulto é importante como estímulo à leitura, pensamento organiza-se em formas concretas e atração pelos desafios.

O LEITOR FLUENTE (a partir dos 10/11 anos)

Fase de consolidação do mecanismo de leitura, aumento na capacidade de concentração, engajamento do leitor na experiência narrada e aprofundamento da percepção de mundo.

O LEITOR CRÍTICO (a partir dos 12/13 anos)

Fase de total domínio da leitura e escrita, desenvolvimento do pensamento reflexivo, sentimento de poder para autorrealização e despertar da consciência crítica.

Fonte: Adaptação de Coelho (2000).

Esses estágios da criança servem na perspectiva de Coelho (2000, p.32) como “princípios orientadores que podem ser úteis para a escolha de livros adequados a cada categoria

(7)

de leitor”. A autora salienta que a inclusão do leitor em uma determinada categoria não depende apenas de sua faixa etária, mas principalmente do nível de amadurecimento e domínio da leitura. Para seleção de A triste partida observou-se com cuidado as características dos estudantes do 5º ano e seu pertencimento a categoria de leitor fluente.

É certo que a literatura de cordel traz o caráter humanizador desde sua origem nas tradições orais. É nesse contexto de oralidade que surge a literatura popular. Silva (2007, p.12) destaca que “o cordel é, antes de tudo, fruto dessa oralidade, pois foi através das narrativas orais, contos e cantorias que surgiram nossos primeiros folhetos”.

Os estudos de Abreu (2006) apontam que literatura de cordel foi trazida para o Brasil pelos colonizadores portugueses e encontrou sua porta de entrada na região Nordeste, mais especificamente na cidade de Salvador – BA. Por muito tempo, a literatura cordelista funcionou como meio de comunicação e entretenimento, principalmente porque muitas pessoas ainda não tinham acesso aos meios tecnológicos. Os folhetos funcionavam como o jornal e a novela da região sertaneja e aquele que dominava o exercício da leitura tornava-se o leitor dos folhetos cordelistas em sua família.

À grosso modo, pode-se dizer que as origens do cordel são associadas ao costume milenar de contar histórias, que aos poucos foram escritas e, posteriormente difundidas na forma impressa. Obviamente que a chegada da literatura de cordel no Nordeste brasileiro e, por conseguinte, a mistura cultural dos povos, trouxe uma diversidade de temas e uma necessidade de adaptação às tradições locais.

Entre essa multiplicidade de temas, podemos citar alguns mais recorrentes: a seca nordestina, histórias das redondezas com mistura de realidade e ficção, perfis de pessoas ilustres e figuras folclóricas da cultura local. A presença dessa literatura no Brasil atendeu, primordialmente, pelo nome de folheto, porém no decurso do tempo recebeu outras denominações: livrinho de feira, história do meu padim, ABC do sertão.

A denominação cordel foi consolidada pelos estudiosos a partir da década de 70, e representa uma apropriação do termo português. O nome cordel pode soar estranho aos brasileiros, enquanto que em Portugal nomeia corda fina, cordinha, barbante. A designação literatura de cordel é, portanto, uma alusão à forma como tradicionalmente os folhetos eram expostos para venda, pendurados em cordas ou barbantes.

Essa literatura ainda não desfruta do prestígio social necessário, uma vez que as instâncias de legitimação ainda a tratam como literatura popular com características folclóricas e apenas direcionada para um público específico, com pouca instrução escolar. A denominação literatura popular já carrega um ato de exclusão cuja finalidade é separar o “popular” de uma

(8)

gama de escritos da “Literatura Erudita”. Abreu (2006, p. 40) faz a seguinte postulação sobre essa distinção:

[...] recorre-se à adjetivação do substantivo literatura, criando-se o conceito de Grande Literatura ou de Alta Literatura ou de Literatura Erudita - sempre com letras maiúsculas - para abrigar textos que interessam, separando-os dos outros textos em que também se encontram características literárias, mas que não se quer valorizar. Para esses reservam-se outras expressões, também adjetivadas: literatura popular, literatura infantil, literatura feminina, literatura marginal...

Nessa perspectiva, uma obra só pode ser considerada “Alta Literatura” quando aclamada pelas instâncias de legitimação, tais como a universidade, as revistas especializadas, os livros didáticos e tantos outros que muitas vezes se utilizam de critérios poucos explícitos para a classificação. No livro Cante lá que eu canto cá, Patativa do Assaré escreveu uma série de poemas que ratificam essa exclusão da poesia popular. Em um trecho do poema O poeta da roça, Assaré (2011, p.20) postula:

Meu verso rastêro, singelo e sem graça/ Não entra na praça, no rico salão/ Meu verso só entra no campo e na roça/ Nas pobre paioça, da serra ao sertão[...]. Eu canto o vaquêro vestido de côro/ Brigando como tôro no mato fechado/ Que pega na ponta do brabo novio/ Ganhando lugio do dono do gado.

É válido destacar a necessidade de entrada da literatura de cordel na sala de aula, por isso a pesquisa recorreu ao poema A triste partida para realização de uma série de atividades de retextualização. O poema é composto por 19 (dezenove) estrofes, todas no formato de sextilhas, e narra melacolicamnete a via crucis de uma familia serteneja em busca de melhores condições de vida. O poema foi lançado em folheto de cordel no ano de 1950, com o título de Pau de arara do Norte, transformando-se, mais tarde, em A triste partida. Anos depois, mais precisamente em 1964, o poema foi imortalizado na voz de Luiz Gonzaga.

A retextualização de A triste partida parte do princípio de que um poema pode se manifestar aliado a outras artes. Tal processo está baseado no trabalho de Matêncio (2003) que define retextualização como produção de um novo texto a partir de um ou mais texto-base, proporcionando um novo enquadre. Portanto, a proposta desenvolvida visa fazer a transposição do poema A triste partida a partir de um novo olhar e de novas artes.

A proposta de transposição de gêneros adquire uma importância singular como atividade de releitura e produção textual. Nessa linha, Bakhtin (2000, p. 286), defende que “quando passamos o estilo de um gênero para outro, não nos limitamos a modificar a ressonância deste estilo graças à sua inserção num gênero que não lhe é próprio, destruímos e renovamos próprio

(9)

gênero”. Dessa forma, o ato de renovação pode ser encarado como um modo de (re) leitura do gênero primeiro, uma vez que é possível agregar outras artes e novas de recriações.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O resultado da proposta de retextualização será apresentado em três seções, a saber: A triste partida em storyboard, A triste partida em conto e A triste partida em videopoema. Para efeito didático, é importante esclarecer que no decurso da amostragem das atividades, é feita a definição de cada gênero transmutado e, ainda, relata-se uma breve descrição da atividade.

A triste partida em storyboard

De acordo com Oliveira, Amaral e Bartolho (2010) storyboard é definido como um roteiro visual em ordem cronológica, numa sequência de quadro por quadro, que narra as principais cenas de uma obra. As cenas em forma de desenhos sequenciais são similares a uma história em quadrinhos e sua produção funciona como guia visual que traz as principais cenas de um produto audiovisual.

A criação de storyboard teve o intuito de compreender a estrutura composicional narrativa de A triste partida e, principalmente, criar as cenas mais marcantes como um roteiro prévio para produção da atividade final. Esse roteiro funcionou com espécie de guia para produção de videopoema. Para elaboração do storyboard, foi formado um grupo com 12 (doze) estudantes com maior aptidão para esse tipo de arte. Ao todo, foram criadas 19 (dezenove) imagens, uma para cada estrofe da poema cordelista. Após a análise das cenas, e insistência dos estudantes, os desenhos foram submetidos ao aplicativo Photo Lab2 para que de acordo com os estudantes “ganhar cor e fundo característicos do que é narrado em A triste partida.

O quadro 1 traz uma representação visual de 2 (dois) storyboards, submetido ao aplicativo Photo Lab, os quais fazem alusão a quarta e noma estrofe do poema A triste partida de autoria de Assaré (2011):

2 O Photo Lab é um aplicativo gratuito de edição de imagens, o qual contém diferentes filtros e animações para inserir nas fotos.

(10)

Sem chuva na terra descamba jânero, Depois, feverêro,

E o mermo verão.

Entonce o rôcero, pensando consigo, Diz: isso é castigo!

Não chove mais não! [...]

Em riba do carro se junta a famía; Chegou o triste dia,

Já vai viajá.

A seca terrive, que tudo devora, Lhe bota pra fora

Da terra natá.

Quadro 1 – Storyboard submetido ao Photo Lab

Fonte: Do acervo do autor da pesquisa.

Após a finalização dessa atividade, o grupo sugeriu uma exposição dos storyboards aos pais e outras turmas da escola e, também, uma amostragem das outras duas atividades subsequentes. Essa proposta foi recebida de forma plausível pelos demais componentes da turma que se disponibilizaram para organização do espaço e da ambiência para acolhimento de outras pessoas.

(11)

A triste partida em conto

A escolha pela transformação do poema em conto ocasionou-se por duas razões: a facilidade de adequação entre os gêneros da mesma ordem literária e pelo fato do poema girar em torno de um conflito único (característica comum do conto). A definição de conto está pautada na proposta da Academia Brasileira de Letras que em seu Dicionário escolar da Língua Portuguesa (2008, p.354) define como “narrativa ficcional menor que o romance, com poucos personagens e em torno de um conflito único”.

Para conversão de A triste partida em conto, os estudantes foram divididos em 4 subgrupos de produção. A proposta definida foi de que o primeiro grupo iniciava a narrativa e após as alterações/correções coletivas o grupo seguinte dava continuidade ao enredo. A proposta de produção coletiva seguiu as seguintes etapas:

I. Escrita coletiva da narrativa: após o estudo do gênero conto, o primeiro grupo iniciava a narrativa baseada nas estrofes primeiras de A triste partida, mas com possiblidade para recriação e inserção de novos acontecimentos e outros fatos surgidos do imaginário infantil. O texto era lido para toda a turma para acréscimos, alterações, correções e para preparação de continuidade para o outro grupo.

II. Encontros para aprimoramento do conto: os encontros eram realizados no horário da aula para refacção e aperfeiçoamento textual, obedecendo os seguintes aspectos: encadeamento de ideias, criação de falas, paragrafação e eliminação das repetições. Essa é a fase, como afirma Antunes (2003, p. 56), “[...] para decidir sobre o que fica, o que sai, o que formula. Após esse aprimoramento textual, o grupo seguinte dava continuidade e assim se sucedeu até a finalização do texto.

III. Elaboração das ilustrações: para os momentos mais marcantes do conto, os estudantes criaram algumas ilustrações. Houve uma preocupação no detalhamento de cada imagem, buscando retratar fielmente o discurso escrito. A obra foi transformada em um livro com 35 páginas (aqui já inclui ficha cartográfica, apresentação, sumário) e 21 ilustrações. O livro foi impresso para compor o cantinho de leitura da sala de aula e muitos pais e estudantes fizeram a aquisição da obra.

(12)

Quadro 2 – Produção de conto

Fonte: Do acervo do autor da pesquisa.

Após a finalização da escrita do conto, os estudantes escolheram o título “Tristes histórias do sertão” para a obra. Como proposto na apresentação do livro, “são narrações repletas de melancolia, como o próprio nome anuncia, as quais nos fazem sofrer com a dor de uma família sertaneja que vive sob o sol causticante do Nordeste”. Outro aspecto que merece ser destacado é o final de “Tristes histórias do sertão”. A obra tem um fim proposital e convida outras crianças para participar do ato de escrever: “[...] agora escreveremos uma nova história que fará cair lágrimas dos olhos, mas dessa vez serão lágrimas de gratidão a alegria. Mas para isso teremos que mudar o título de nosso do nosso livro, inserir novos personagens e escrever, escrever ... e reescrever. Com lápis na mão começamos uma nova história”.

A triste partida em videopoema

Pode-se dizer que a videopoema, editado ao longo da experiência de releitura textual, é uma representação audiovisual de A triste partida. Para Ferreira (2009, p.43) “o videopoema é um exemplo de que tecnologia e arte podem caminhar juntas numa troca de recursos cada vez mais visível e dinâmica”. Na verdade, o que ocorreu foi virtualização do poema, uma vez que as fotografias de estudantes caracterizados de retirantes foram justas postas a canção de Luiz Gonzaga.

É interessante destacar que a produção do videopoema optou pelo uso da música, numa tentativa de entrelaçar as artes. Outras denominações estão associadas a esse experimento:

(13)

vídeo clipe, tecnopoesia, clipe poema, porém a finalidade é sempre participar de uma leitura performática. A montagem dessa videoarte teve foco principal “tornar real” a triste partida cantada por Luiz Gonzaga. Essa foi a oportunidade de levar o estudante a vivenciar os momentos marcantes das personagens: o andar de pau de arara, o ser explorado e a vida difícil numa terra estranha. O videopoema foi produzido a partir das seguintes etapas:

I. Observação de imagens de retirantes: realizou-se uma pesquisa sobre os trajes característicos dos retirantes nordestinos com análise de imagens que enfatizavam o vestuário desses fugitivos. Para tanto, fez-se um percurso histórico sobre a migração nordestina, principalmente na década de 50 e 60, destacando que a seca e a falta de trabalho levaram muita gente tomar outros rumos.

II. Montagem do figurino: os estudantes trouxeram peças de roupas que se assemelhavam com as dos retirantes e a partir da escolha das peças mais combinativas foi montado o figurino dos personagens. Os estudantes não deixaram passar nada despercebido: a trouxa de roupas da mãe, a boneca da filha pequena, o santo, as ferramentas de trabalho e tantos outros detalhes.

III. Tiragem de fotos: a saga ambienta-se em dois lugares: o sertão nordestino e a cidade de São Paulo. O Sítio Pacas (2km da escola) e o distrito de Rainha Isabel (local da escola) foram selecionados como cenário dos respectivos ambientes. As fotos tiradas seguiram o esquema dos storyboards para composição do videopoema.

Quadro 3 – Produção de videopoema

(14)

A edição final ficou sob a responsabilidade do professor que utilizou o programa Movie Maker para justaposição entre música e fotografia. Essa representação da saga nordestina permitiu que os estudantes compreendessem que um poema pode ter uma estrutura narrativa, seguindo a lógica de começo, meio e fim. A produção do videopoema foi vista pelos estudantes como “uma forma diferenciada de ler A triste partida”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com a literatura de cordel vem a validar a presença da literatura popular na sala de aula. Nessa linha, Abreu (2006, p.54) defende que “o popular propicia, ainda hoje, algum encanto, mas a ele é reservado um lugar bem delimitado: o lugar do folclórico, do exótico, do primitivo”. Por essa via, essa proposta procurou não demarcar o teor ideológico da literatura, o qual separa a em categorias dicotômicas como popular\erudito, alto\baixo.

Essa proposta de retextualização pode ser vista como uma alternativa eficiente para o trabalho didático, uma vez que despertou o desejo de participação, a curiosidade, o uso da tecnologia e, por conseguinte, promoveu o letramento literário. Por isso, é possível defender que a literatura é um direito de todos e, necessariamente, a escola deve propiciar oportunidades de contato com texto literário.

A experiência exitosa aqui apresentada verificou a necessidade de vivenciar práticas de retextualização com o gênero da literatura popular e mostrou que é possível integrar a literatura com outras artes desde os anos iniciais da escolarização. Por fim, as orientações aqui propostas não devem ser consideradas como receitas prontas, nem tampouco como soluções para os dilemas da prática. Elas são passíveis de adaptações e devem ser vistas como sugestões para a formação do leitor.

REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: UNESP, 2006.

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. 4ª. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

(15)

ASSARÉ, Patativa do. Canta lá que eu canto cá. 16. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio (org). Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 2004.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.

FERREIRA, Ana Paula. Videopoesia: uma poética da intersemiose. Revista Em Tese. Belo Horizonte, v.8. p. 33 - 45, dez. 2009. Disponível em <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/ index.php/emtese/article/view/3582>. Acesso em 25 de fevereiro 2018.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. 12ª. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

MATÊNIO, Maria de Lourdes. Referenciação e retextualização em textos acadêmicos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. 3ª. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

OLIVEIRA, Kethure; AMARAL, Marília; BARTHOLO, Fátima. Uma experiência para definição de storyboard em metodologia de desenvolvimento colaborativo de objetos de aprendizagem. Revista Ciência e Cognição. Rio de Janeiro, v.15, n. 1, 2010. Disponível em <http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/279>. Acesso em junho de 2018.

OLIVEIRA, Waltencir Alves. Antonio Candido ou direito à poesia. Revista Scripta. Belo Horizonte, v. 23, n. 49, p. 42 – 68, 2019. Disponível em <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/22146>. Acesso em fevereiro de 2020.

SILVA, Josivaldo Custódio da. Literatura de cordel: um fazer popular a caminho da sala de aula. João Pessoa: UFPB, 2007.

TRIPP, Davi. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Revista Educação e pesquisa. São

Paulo, v.31, n.3, p.443-466, 2005. Disponível em

<https://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.pdf>. Acesso 12 de abril de 2017.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Trad. Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009. O ensino de Língua Portuguesa na sala de aula deve incluir a leitura dos gêneros das múltiplas

Referências

Documentos relacionados

1) Médias das estimativas do consenso (Bloomberg); 2) Preço-alvo originalmente para as ADRs (conversão pelo dólar projetado para o final do ano);. Stock

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

Se você permanecer em silêncio e não der nenhuma informação, o Serviço de Imigração talvez não tenha nenhuma prova que você esteja aqui ilegalmente, eles talvez não

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação

Este capítulo tem uma abordagem mais prática, serão descritos alguns pontos necessários à instalação dos componentes vistos em teoria, ou seja, neste ponto

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

A tem á tica dos jornais mudou com o progresso social e é cada vez maior a variação de assuntos con- sumidos pelo homem, o que conduz também à especialização dos jor- nais,