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I. A dicotomia poder constituinte originário e poder constituinte derivado

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COMPETÊNCIA REFORMADORA E DIREITO ADQUIRIDO

Paulo Roberto Lyrio Pimenta(·)

Sumário: Delimitação do tema; I. A dicotomia poder constituinte originário e poder constituinte derivado; 2. Poder constituinte e competência r~formadora; 3. Limites da compe·

tência reformadora; 4. A doutrina do direito adquirido: 4.1. Evolução; 4.2. Constitucionalização; 4.3. O conceito "direito adquirido "; 5. Normas constitucionais e direito adquirido; 6. Normas de direito público e direito adquirido; 7. Conclusões; 8. Bibliografia.

Delimitação do tema

Todo procedimento de alteração da Constituição jurídica, por representar exer­ cicio de competência reformadora, deve ser realizado nos estritos limites gizados pelo poder constituinte.

A Carta brasileira de 1988 inseriu o princípio do direito adquirido no âmbito dos limites materiais da aludida competência (CF, art. 60, § 4°, IV). Com essa ino­ vação, restou superado o dogma da inexistência de direito adquirido diante de nor­ ma constitucional elaborada pelo Congresso Nacional.

No presente trabalho, pretende-se analisar essa problemática, tentando-se ofe­ recer uma modesta contribuição que possibilite uma reflexão mais cuidadosa sobre o tratamento que tem sido dado ao tema pela doutrina e pela jurisprudência pátria.

I. A dicotomia poder constituinte originário e poder constituinte derivado

A teoria do poder constituinte surgiu na França em 1789. O formulador dessa concepção, o abade Sieyés, na Exposition raisoneé des droits de I 'homme et du

C*) Juiz Federal Substituto da Seção Judiciária do Estado da Bahia e Mestre em Direito pela UFBa. R. Trib. Reg. Fed. /' Reg.. Brasilia, I OC I) 27·51, jan./mar. 1998 27

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relações de subordinação. O escólio do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior é esclarecedor sobre a matéria: "Dentro deste padrão-legalidade, a distinção entre poder constituinte originário e derivado funciona igualmente como regra de calibração. A idéia de um poder autônomo, inicial e incondicionado, contraposto a um poder-direito derivado, tem também um caráter cripto-normativo. É uma "figu­ ração" que está na base, que regula, que calibra o sistema, permitindo reconhecer de um lado uma fonte principal do direito que, uma vez exaurida a sua função fundante, deixa à norma posta a instauração das relações de subordinação. Graças a esta distinção é possível uma regulagem do sistema que, mantendo-se em funciona­ mento, troca de padrão: padrão-efetividade para padrão-legalidade"('5).

2. Poder constituinte e competência reformadora

A noção de poder constituinte é essencial para a compreensão da distribui­ ção, da divisão de poderes no Estado.

O funcionamento dos poderes ordinários não pode ser compreendido se não for aceita a existência de um poder constituinte que organiza e distribui competên­ cias. Não se concebe, pois, a estrutura do Estado contemporâneo sem o reconheci­ mento da existência daquele poder.

O poder constituinte atua, portanto, sobre os atos fundacionais, instaurando uma nova ordem jurídica ou inaugurando uma ordem constitucional. Assim, pode ser qualificado como fundacional ou originário. É, portanto, uma potência, como bem observa o Professor Edvaldo Brito, "porque é um poder jurídico com atribui­ ções originárias"(16).

A potência é um tipo de poder desprovido de condicionamentos, não tendo, pois, limites jurídicos. E uma energia criadora, sempre disposta a atuar quando motivada por circunstâncias específicas. Como quer Luis Sanches Agesta, "o po­ der constituinte não pode ser localizado pelo legislador, nem formulado pelo filó­

sofo, porque não cabe nos livros e rompe o quadro das Constituições. Surge como o raio que atravessa a nuvem, inflama a atmosfera, fere a vítima e desaparece"('7). No dizer do Professor Edvaldo Brito, é uma eficácia atual, ou seja, "o produto da atua­ ção das forças reais de poder expressas pelos núcleos de decisão constituídos pelos grupos sociais que, integrantes da sociedade civil, participam da formação da vonta­ de coletiva e, efetivamente, institucionalizam-se criando uma ordem jurídica nova"(18).

Quando uma fonte normativa é potência, ela representa uma autoridade "cujas atribuições não derivam de nenhuma outra autoridade"(J9

l.

(15) Idem, ibidem.

(16) Limites da revisão constitucional, p. 72.

(17) Apud, HORTA, Raul Machado, op. cit.,p. 24. (18) Op. cit., p. 73.

(19) Idem, p. 75

R. Trib Reg. Fed. f 3 Reg., Brasília, IO( I) 27-51, jan./mar. 1998 30

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Sucede que essa fonte outorga competência, funcionando como autoridade perante esta. Assim, a competência pode ser definida como fonte normativa com

atribuições derivadas de outra autoridade.

Os entes aos quais incumbe emendar ou rever a Constituição recebem tal ou­ torga do poder constituinte. Logo, têm competência, derivada da potência.

Assim sendo, não há como se falar na existência de poder constituinte deriva­ do. Poder constituinte é tão-somente a potência, sendo competência aquele deno­ minado pela doutrina tradicional de poder constituinte derivado.

Essa diferenciação foi traçada com perfeição pelo eminente Professor Jorge Reinaldo Vanossi(20). Diz ele: "é necessário distinguir as etapas que mencionei anteriormene, porque, evidentemente, o Poder Constituinte Originário, aquele que atua na etapa fundacional, é uma potência, uma energia, enquanto que o Poder Cons­ tituinte, que atua na etapa de Reforma ou Revisão, é uma competência, é mais uma manifestação de aplicação da própria legalidade prevista por aquele Poder Consti­ tuinte inicial"(21). Adiante, conclui o seu pensamento: "é evidente que o Poder Cons­ tituinte quando atua para reformar as constituições é uma competência mais de caráter extraordinário porque funciona excepcionalmente, momentaneamente, cum­ pre a sua função e desaparece, esgota-se até uma nova oportunidade em que seja convocado pelos poderes que tenham competência para convocá-lo. Isso vale para o Poder Constituinte Derivado, de Reforma: insisto que para o Poder Constituinte originário, aquele que aparece com o surgimento do Estado, ou para o Poder Cons­ tituinte revolucionário, que sepultou a legalidade preexistente para criar uma nova, é muito difícil falar de uma demarcação do órgão do Poder Constituinte, numa legalidade que não existe. Aí, evidentemente, está se criando uma nova legalida­ de"(22}.

O magistério do Professor Edvaldo Brito corrobora esse entendimento: "o poder constituinte, portanto, nessa nossa concepção, é sempre aquele que a doutri­ na identifica com o signo ·originário'. Não há poder constituinte constituído (deri­

vado), sob pena de ambigüidade insuperável. Esse mesmo 'originário' é o próprio fundacional, quando se manifestou pela primeira vez em uma sociedade para criar

a nova ordem, a exemplo da estruturação do poder político e dos seus efeitos sobre uma determinada sociedade civil que vivia como colônia, ou que se emancipou, politicamente, por qualquer outra causa"(23).

Essa linha de posicionamento, com a qual comungamos, também tem sido adotada pelo Professor Michel Temer, verbis: "Parece-nos mais conveniente reser­ var a expressão 'Poder Constituinte'para o caso de emanação normativa direta da

(20) Uma visão atualizada do poder constituinte. (21) Op. cit., p. 15.

(22) Idem, p. 22.

(23) Idem, p. 74.

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soberania popular. O mais é fixação de competências: a reformadora (capaz de

modificar a Constituição); a ordinária (capaz de editar a normatividade infracons­

titucional).

É apropriado, assim, denominar a possibilidade de modificação parcial da Constituição como competência reformadora"(24).

É importante observar que, mesmo entre os autores que efetuam a distinção entre poder constituinte originário e derivado, a noção de competência é apresenta­ da, embora com o conteúdo semântico diferente daquele por nós adotado, quando examinam o poder reformador. O Professor Nelson de Sousa Sampaio, por exem­ plo, afirma que tal poder pode ser identificado como "uma competência intermediá­ ria, entre o poder constituinte e o legislativo ordinário"(25).

Reafirme-se: inexiste poder constituinte derivado, constituído ou com qual­ quer outra nomenclatura que se lhe queira emprestar. Existe apenas o poder consti­ tuinte, que é uma potência. O resto é competência. E só.

3. Limites da competência reformadora

Como potência, o poder constituinte não tem limites jurídico-formais. Toda­ via, está sujeito aos limites metajurídicos, ditados pelos valores e pela ideologia existentes na sociedade na época de elaboração da Constituição, bem como pela soberania popular.

A doutrina do Direito Constitucional(26) comunga com esse entendimento. No que pertine à competência reformadora, é exercida dentro dos lineamen­ tos gizados pelo poder constituinte.

Embora não utilize o signo competência, preferindo referir-se a poder norma­ tivo, Bobbio chama a atenção para esse aspecto: "Quando um órgão superior atri­ bui a um órgão inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. AQ atribuir esse poder, estabelece também os limites entre os quais pode ser exercido. Assim como o exercício do poder de negociação ou do poder jurisdicional são limi­ tados pelo Poder Legislativo, o exercício do Poder Legislativo é limitado pelo po­ der constitucional"(27}.

Com efeito, ao elaborar as regras de competência o poder constituinte pres­ creve as condições para que seja válido um ato capaz de inovar a ordem jurídica.

Tais condições indicam as pessoas as quais incumbe praticar o ato de criação, descrevem o procedimento a ser estabelecido ou limitam a matéria a ser veiculada pelo ato de criação.

(24) Elementos de Direito Constitucional, p. 37.

(25) Cf. op.cit., p. 44. No mesmo sentido, SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 57. (26) Cf. HORTA, Raul Machado, op. cit., p. 28; BRITO, Edvaldo, op. cit., p. 89. (27) Teoria do ordenamento jurídico, p. 53.

R. Trib. Reg. Fed. I

ª

Reg., Brasília, I O( I) 27-51, jan./ma-r. 1998

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Assim, as normas elaboradas pelo poder constituinte constituem uma autori­ dade para emendar ou rever a Constituição, regulando, portanto, a emissão das

normas subordinadas.

Em conseqüência, o outorgado não pode alterar as condições da outorga, por­ que estas foram traçadas pela autoridade que criou a regra de competência de emenda ou de revisão, o que reafirma a existência de uma diversidade entre as funções do poder constituinte e daqueles que exercem a competência reformadora.

A doutrina diverge sobre os limites da competência reformadora.

No meio de tais discordâncias, o abalizado magistério do Professor Nelson de Souza Sampaio é o mais elucidativo sobre a matéria. Ao seu sentir, tais limites podem ser classificados em três espécies: "I) limites expressos, ou seja, que cons­ tam do texto constitucional; 2) limites implícitos, que se deduzem como conse­ qüência dos limites expressos; 3) limites inerentes, que se impõem pelo próprio conceito e natureza do poder reformador"1281.

Parece-nos que os limites expressos podem ser identificados com os limites implícitos, nos termos propostos pelo eminente mestre baiano.

Por tal razão, pensamos que os limites devem ser enquadrados apenas em duas espécies: expressos e inerentes.

Os inerentes correspondem a determinadas matérias colocadas fora do alcan­ ce dos entes que exercem a competência reformadora. Decorrem da própria noção de competência como autoridade oriunda de uma fonte normativa que é uma potên­ cia. Assim, pensamos que as seguintes matérias não podem ser alcançadas por tal competência: os direitos e garantias fundamentais reconhecidos pelo Direito Inter­ nacionaJ<29l, as normas sobre a titularidade da competência reformadora e sobre o procedimento da reforma ou da revisilo.

Os limites expressos(JO) são aqueles descritos no texto da Constituição, poden­ do ser de três tipos: materiais, circunstanciais ou temporais.

Os circunstanciais impedem a modificação da Constituição em situações anô­ malas que requerem a adoção de providências que podem afetar os limites materiais.

Já os limites temporais representam óbice para que a Carta Magna seja altera­ da antes do decurso de determinado prazo ou que seja esta efetuada em determina­ do momento.

(28) Op. cit., p. 125.

(29) Karl Loewenslein inclui esses limites na noção de cláusulas pétreas, asseverando que represen­

tam o renascimento do direito natural, concebido como uma defesa frente ao positivismo jurídi­ co (C.f. Teoria de la conslitución, pp. 191/192).

(30) Para Jorge Miranda as normas que estabelecem os limites expressos podem ser alteradas ou até mesmo suprimidas pela competência reformadora (C.f., op. cit., p. 181).

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Os limites materiais correspondem às cláusulas pétreas, também denomina­

das de núcleo irreformável, cerne imodificável(J'l, cláusulas de garantia ou disposi­

ções intangíveis(J2).

As disposições intangíveis equivalem a determinadas matérias insuscetíveis de alteração pela competência reformadora, por representarem os valores básicos consubstanciados nas normas constitucionais, que não podem, portanto, ser modi­ ficados, sob pena de alteração da própria identidade e do espírito do texto constitu­ cional.

Quando o constituinte insere tais dispositivos no texto da Constituição visa impedir, como lembra com propriedade Konrad Hesse, "a efetivação do suicídio do Estado de direito democrático sob a forma da legalidade"(J3), adotando, portanto, medidas concretas para proteger determinadas instituições(J4).

A Constituição, diz o brilhante magistério do saudoso Oswaldo Aranha Ban­ deira de Mel1o, "quando veda se altere determinado preceito, é porque o considera básico, consolidando o seu verdadeiro e próprio espírito; se o poder constituinte, que se seguir, mudá-lo - o que, aliás, pode fazer, em virtude de ser soberano - , não reforma a antiga Constituição, porquanto a transformação é considerada radi­ cai, consistindo na abolição dela e na substituição por outra, que será a nova Cons­ tituição, embora tudo mais tenha sido conservado. Se quiséssemos usar de uma comparação diríamos que dispositivo nestas condições se encontra em face da Cons­ tituição, como a alma em relação ao corpo, como o espírito vivificador em relação à matéria"(35).

As cláusulas pétreas decorrem da rigidez constitucional, que, por seu turno, é um corolário da supremacia da Constituição. Como o fundamento das constituições rígidas é serem "leis de proteção política, leis de garantia"(36), o poder constituinte elege certas matérias como indispensáveis ao assecuramento dessa proteção, dessa garantia.

Os textos das Constituições elaboradas no constitucionalismo social, surgido no período posterior à Primeira Guerra Mundial, consignam os limites expressos da competência reformadora. Assim, por exemplo, os limites materiais estão inseri­ dos no art. 79,3 da Constituição Alemã, no art. 139 da Constituição da Itália de 1947 e no art. 290 da Constituição de Portugal. Os limites circunstanciais podem

(31) Cf., Brito, Edvaldo, op. cit., p. 83.

(32) Cf. Loewenstein, Karl, op. cit., p. 189.

(33) Apud, Mendes, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurldicos e pollticos,

p.97.

(34) Loewenstein critica essas disposições, afirmando que em tempos de crise são apenas "pedaços

de papel varridos pelo vento da realidade polltica" (Cf., op. cit., p. 192). (35) Teoria dus constituições rígidtl!l, p. 47.

(36) Idem, p. 39.

R. Trlb. Reg. Fed. I' Reg.. Brasllia, 10(1) 27.S1,jan.lmar. 1998

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ser evidenciados no art. 169 da Constituição espanhola, no art. 89 da Constituição francesa e no art. 291 da Constituição portuguesa.

No Direito Constitucional positivo brasileiro os limites expressos surgiram com a Constituição de 1891, que os descrevia em seu art. 90, § 4°(37).

Posteriormente, as cláusulas pétreas foram consignadas nas Cartas de 1934 (art. I 78, § 5°), 1946 (art. 217, § 60)<JRl, 1967 (art. 50, § 1°) e na Emenda Constitucio­ nal OI, de 17/10/1969 (art. 47, § 1°).

Atualmente, os limites materiais encontram-se delimitados no § 4° do art. 60, enquanto os circunstanciais estão inseridos no § I° desse dispositivo.

Dentre as matérias colocadas fora do alcance da competência reformadora, encontram-se os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4°, IV), nas quais se situa o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5°, XXXVI), que assegura o respei­ to ao direito adquirido.

4. A doutrina do direito adquirido 4.1. Evolução

A doutrina do direito adquirido foi edificada lentamente. Nesse processo de evolução atravessou três fases: a embrionária, a pré-científica e a científica(39).

As suas primeiras manifestações são evidenciadas no Código de Hamurabi, surgido na civilização mesopotâmica.

Embora tal Código suprimisse o caráter patrimonial, no que se refere ao uso de determinadas terras, em seu art. 40 garantiu a livre disposição do pomar, do campo e da casa, reconhecendo, portanto, a existência de direitos adquiridos antes do início de sua vigência(40l .

(37) Comentarista dessa Constituição, loão Barbalho critica as cláusulas pétreas, asseverando o se­ guinte: "não vinha essa prohibição nos projectos anteriores ao do governo provisório e tem incorrido em critica, quer como incompatível com a natureza dos aclos organicos constitucionaes, os quaes, por mais estabilidade que devam ter, não podem aspirar à immutabilidade, quer além d'isso como uma restricção posta à soberania nacional" (Constituição Federal Brazileira - Co­ mentários, p. 368).

(38) Os comentaristas da Carta de 1946 ressaltam a importância das cláusulas pétreas. Sampaio Dória afirma que "serve a proibição do § 6° do art. 217 como advertência de que, se um dia, entender a nação soberana abolir a Federação ou a República, suprima primeiro o § 6° do art. 217. Estará substituindo uma revolução por um sofisma" (Comentários à Constituição de 1946, vol. 4°, pp.

880/881). Pontes de Miranda, por seu turno, afirma que "o art. 217, § 6° é o 'cerne inalterável' da Constituição de 1946" (Comentários à Constituição de 1946,48

ed., Tomo VI, p. 475). (39) Cf, França, Rubens Límongi. A Irretroatividade das leis e o direito adquirido, p. 8.

(40) Idem, p, li.

(8)

No Direito egípcio, precisamente no Código de Bocchoris, bem como no Có­ digo de Manu, do Direito hindu, também pode ser constatada uma preocupação com a preservação do direito adquirido.

A fase pré-científica da doutrina em epígrafe inicia-se com o Direito anterior ao Direito Justinianeu, consignado no Corpus Juris Civilis, findando com o apare­

cimento da Exegese e da Escola Histórica.

Nessa época anterior ao período justinianeu surge a Lex Acilia Repetundarum,

no ano de 123 ou 122 a.c., que traça distinção entre os ilícitos cometidos antes e depois da sua edição(41).

No período áureo da Ciência Jurídica romana pouco evoluiu a doutrina refe­ renciada, merecendo destaque dois textos, um de Ulpiano e outro de Paulo. No primeiro afirma-se que "devem permanecer válidas as coisas julgadas, transacio­ nadas ou concluídas"(42), enquanto que no segundo procura-se fixar um conceito de

"negócios transacionados ou concluídos"(43J.

No período pós-clássico, de pouca evolução científica do Direito, pode-se mencionar, no que pertine à matéria em exame, a Primeira Regra Teodosiana, do ano de 393, que estabelecia o seguinte: "Todas as normas não fazem calúnia aos fatos passados, mas regulam apenas os futuros"(44).

Ainda nessa época, de grande importância para a doutrina foi a Segunda Re­ gra Teodosiana, fixada no Código de Justiniano, segundo a qual "é norma assenta­ da (certum est) a de que as leis e constituições dão forma aos negócios futuros (juturis negotiis) e de que não atingem os fatos passados (jacta praeterita), a não

ser que tenham feito referência expressa (nominatim cautum sit), quer ao passado (praeterito tempore), quer aos negócios pendentes (pendentibus negotiis)"(45l .

O Direito Justinianeu é influenciado sensivelmente por essa Regra Teodosiana, da qual são extraídos os seguintes princípios:

"I - A lei, de regra, regula tão-somente o futuro e não o passado.

11 - A lei, por isso que não se refere ao passado, não se aplica aos casos pendentes.

111 - A lei, excepcionalmente, pode abranger o passado e os casos pendentes.

IV - A lei só abrange o passado e os casos pendentes, quando inequivoca­ mente expressa"(46). (41) Idem, pp. 17/18. (42) Idem, p. 19. (43) Idem, ibidem. (44) Idem, p. 21. (45) Idem, p. 22. (46) Idem. ibidem.

R. Trib. Reg. Fed. J-Reg.. Brasf1ia, 10(1) 27-51, jan.lmar. 1998

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o

Direito intermédio tem início no ano de 476 quando boa parte do Império do Ocidente já estava submetida ao regime do Direito bárbaro. Nesse período, cabe destacar os códigos medievais, o papel do Direito Canônico e a influência da doutrina. No Código visigótico, que vigorou em Portugal até o advento das Ordenações Afonsinas, em 1446, sendo revogado na Espanha, no século XIX, o texto mais im­ portante é o do Livro II, Título I, Capítulo XII, cujo teor é o seguinte: "Determina­ mos que todo e qualquer pleito, já começado e ainda não terminado, se regule por estas leis. Entretanto, as causas já legalmente resolvidas, antes de emendarmos estas leis, isto é, resolvidas de acordo com as leis do passado, de antes do primeiro ano do nosso reinado, não permitimos sejam ressuscitadas. Mas se uma justa novi­ dade das causas o exigir, o príncipe tem o poder de emendar as leis, que tenham pleníssimo vigor, do mesmo modo que as presentes"(47).

Outros dois textos do período medieval contribuíram para o desenvolvimento da doutrina, que foram as Siete Partidas e os Libri Feudorum.

O Direito Canônico sofreu influência do Direito Romano, ratificando a Se­ gunda Regra Teodosiana na DecretaI de Gregório IX e a Primeira Regra Teodosiana na de Gregório Magno I.

No âmbito da doutrina, Bartolus, Baldus e Felinus também ofereceram signi­ ficativas contribuições para a matéria em estudo. Para o primeiro, a lei geral pode­ ria atingir os fatos passados, o que não ocorreria com a especial, se houvesse pro­ cesso pendente(48). Já a obra de Baldus teve como preocupação central a análise da Regra Teodosiana, enquanto Felinus Sandaeus partiu do princípio básico de que a lei não atinge os fatos pretéritos(49), apresentando, todavia, dez exceções.

Em resumo, no Direito medieval aparece a idéia de efeito imediato e desponta a noção de jus quaesitum (direito adquirido), que propiciou o surgimento da fase científica, após ter sido enriquecida pelos doutrinadores dos séculos XVI e XVIII(50). É com advento da exegese que se inicia a última fase da evolução da doutrina do direito adquirido.

Um dos primeiros doutrinadores da exegese foi Merlin. Ao seu sentir, a irre­ troatividade das leis é um princípio geral, que, todavia, comporta algumas exce­ ções(51). O jurista belga distingue, outrossim, direitos adquiridos das faculdades

e

da expectativa de direito.

Na fase científica evidencia-se, também, a grande contribuição da obra de Savigny, que diferenciou direito adquirido de meras expectativas de direito e dos

(47) Idem, p. 26. (48) Idem, p. 29. (49) Idem, pp. 30/31. (50) Idem, p. 39. (51) Idem, p. 42.

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direitos não exercitáveis. A doutrina do mestre do direito germânico assenta-se em duas idéias básicas: "às novas leis não se deve atribuir força retroativa", "as novas leis devem deixar intactos os direitos adquiridos"(Sll.

No pensamento de Ferdinand Lassalle essa idéia de direito adquirido é reto­ mada, assentando-se os seguintes postulados básicos da noção de irretroatividade: a lei não pode retroagir para atingir um indivíduo por intermédio dos seus atos de vontade; a lei pode retroagir para alcançar o indivíduo fora dos seus atos voluntários(SJ). Foi com a obra de Gabba que a doutrina em análise se consolidou, gizando um conceito geral de direito adquirido.

Gabba adota, em parte, o conceito de direito adquirido formulado por Savigny, estabelecendo a diferenciação entre as faculdades abstratas e as meras expectati­ vas. Posteriormente, passa a determinar a extensão do direito adquirido, no que pertine aos efeitos e conseqüências, as formas, modos de execução e o assecuramento deste, objeto e a duração no tempo(S4l.

Embora tivesse sido objeto de severas objeções, contrárias à idéia de jus quaesitum, como aquelas provenientes de Chironi, de Affoler e de Roubier, a sólida

obra de Gabba resistiu a tais críticas, consistindo, em verdade, na pedra de toque da doutrina em exame.

4.2. Constitucionalização

o

direito adquirido é uma projeção do princípio da irretroativide das leis. Assim sendo, via de regra não tem sido consubstanciado nos textos constitucionais. Nos sistemas constitucionais que constitucionalizaram o princípio da irretroa­ tividade das leis, a matéria tem sido tratada de duas formas distintas.

A primeira delas, evidenciada na grande maioria das constituições dos diver­ sos países, consiste em constitucionalizar o princípio da irretroatividade tão-so­ mente em matéria penal.

É o que se verifica, por exemplo, nas Constituições da França de 1958, a qual consagrou em seu preâmbulo a Declaração dos Direitos de 1789 (art. 8°), da Itália de 1947, da Argentina de 1967, da República Democrática Alemã de 1968, de Cabo Verde de 1980, Guiné Bissau de 1984, Espanha de 1978, Holanda de 1983, Índia de 1949, Japão de 1946 e de São Tomé e Príncipe de 1975.

Nesses sistemas existe uma pequena diferença no que pertine à irretroativida­ de penal, que é consignada ora de maneira expressa, ora implicitamente. Observe­ se, ainda, que alguns países consagram de forma explícita a irretroatividade benig­ na da lei penal, tais como, por exemplo, Cabo Verde e Guiné Bissau.

(52) Idem, p. 46. (53) Idem, p. 47. (54) Idem, pp. 50/53.

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De outro lado, a segunda tendência, manifestada no Direito Constitucional comparado, é a inserção da irretroatividade, não circunscrita ao Direito Penal, nos textos constitucionais de alguns países.

Nesse contexto, a Constituição americana estabelece em seu art. 1°, seção IX, cláusula 33

, que "não poderão ser publicadas leis de perda de direitos civis nem leis

retroativas". Embora esteja contida nesse dispositivo a proibição de edição de leis retroativas, tem-se entendido atualmente que essa vedação só alcança as leis pe­ nais. A propósito, observa Edward. S. Corwin que "embora, indubitavelmente, acre­ ditassem muitos dos elaboradores da Constituição que a proibição aqui contida às leis ex post facto e a sua contrapartida na Seção X excluiriam qualquer legislação

retroativa, e, particularmente, as leis que interferissem nos 'direitos de proprieda­ de', no antigo caso Calder v. BulI a Corte restringiu tal proibição às leis retroativas

penais. Uma 'lei ex post facto' é hoje lei que impõe pena retroativamente, isto é, a

atos já cometidos, ou aumenta a penalidade dos mesmos; mas leis que, à primeira vista, parecem conduzir a esse resultado foram freqüentemente declaradas válidas, por se conterem no poder legislativo dos Estados"(55).

Nas Constituições do México de 1917, da Venezuela de 1961 e de Portugal de 1976, a irretroatividade ultrapassa os domínios do Direito Penal.

O art. 14 da Constituição mexicana estabelece que "nenhuma lei terá efeito retroativo em prejuízo de alguém", enquanto que na Carta venezuelana semelhante dispositivo é encontrado no art. 44, segundo o qual "nenhuma disposição legislati­ va terá efeito retroativo, excepto quando impuser pena menor. As leis processuais aplicar-se-ão desde o momento da sua entrada em vigor, mesmo nos processos que se adiarem em curso, mas nos processos penais as provas já apresentadas serão tidas em conta na medida em que beneficiarem o réu, em conformidade com a lei vigente na altura em que foram produzidas".

Já na Constituição portuguesa a irretroatividade representa um óbice para a edição de leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, segundo o que dispõe o item 3° do art. 18°, verbis: "as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias

têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem dimi­ nuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais". Ao comentar esse dispositivo, o douto Gomes Canotilho corrobora a assertiva de que o Direito Constitucional positivo português não consagra a irretroatividade ex­ clusivamente em sede penal. Diz ele: "o princípio da não irretroatividade não é um princípio constitucional irrestritamente válido na ordem jurídica portuguesa (cf.

supra, Parte IV, Capo I, A), mas é-o, sem quaisquer excepções, no que respeita a leis

restritivas de direitos, liberdades e garantias ou de direitos análogos (cfr. arts. 18°/3 e 17°). Com a LC 1/82 o princípio da não irretroatividade deixou de ser um princípio circunscrito ao âmbito penal (cfr. art. 29°) para passar a princípio geral das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias"(56).

(55) A Constituição norte-americana e seu significado atual, p. 101.

(56) Op. cit., p. 615.

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Desse modo, infere-se que os países que se enquadram nessa segunda tendên­ cia normatizam a matéria com algumas distinções, devido às peculiaridades de cada sistema, todavia, assemelham-se pela existência de uma nota em comum: ampliar o âmbito de incidência do princípio da irretroatividade.

O constitucionalismo brasileiro filia-se a essa segunda postura, eis que não adota a técnica da irretroatividade limitada ao Direito Penal.

O tratamento do direito adquirido no Direito Constitucional positivo pátrio engloba quatro fases: na primeira, a irretroatividade ampla é inserida na Constitui­ ção, sendo o direito adquirido protegido por via oblíqua; na segunda, o direito ad­ quirido é consubstanciado expressamente como princípio constitucional; na tercei­ ra, esse princípio é desconstitucionalizado; e, finalmente, na última fase, o direito adquirido, além de representar um princípio constitucional, é elevado à estatura de cláusula pétrea.

A primeira fase refere-se às Cartas de 1824 e de 1891. Nossa primeira Cons­ tituição estabelecia no art. 179, § 3°, que a lei "não terá efeito retroativo".

Já na Carta republicana o tema é regrado no art. 11, § 3°, que proíbe a União e os Estados de "prescrever leis retroativas", merecendo o seguinte comentário: "É esta, como se vê, uma das mais importantes garantias individuaes, ao mesmo passo que é um dos grandes princípios da ordem social e política (omissis). Leis retroactivas somente tyrannos as fazem e só escravos se lhes submetem (Walker). A Constitui­ ção que as permitisse, impediria a estabilidade e segurança dos direitos, fim pri­ mordial do Estado, e autorisaria a ruina dos cidadãos"(57).

No segundo período são promulgadas as Constituições de 1934 (art. 113, 3), de 1946(58) (art. 141, § 3°), de 1967 (art. 150, § 3°) e a Emenda Constitucional 01, de

1969 (art. 153, § 3°).

A redação dada ao princípio em epígrafe pelo art. 113, § 3°, da Carta de 1934 foi adotada pelas que lhe sucederam, a saber: a lei não prejudicará o direito adqui­ rido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Araujo Castro retrata o momento histórico da concepção dessa norma, que revela a preocupação do constituinte com o valor segurança jurídica: "o ante-projecto nada dispunha sobre a retroactividade das leis.

Em primeira discussão, o deputado Mario Ramos apresentou uma emenda, mandando que se acrescentasse ao artigo 112: "A lei não prejudicará, em caso al­ gum, o direito adquirido, o acto jurídico perfeito e a coisa julgada". Essa emenda

(57) Barbalho, João. Constituição Federal Brazileira - Comentários, p. 42.

(58) Pontes de Miranda critica esse dispositivo, asseverando que "um dos inconvenientes do art. 141, § 3° - tão grande que encontrará no próprio direito substancial resistência a sua concepção abstrata (e será, por isso mesmo, atenuado) - é o de submeter à mesma regra de sobredireito o direito privado, a que só se referia no teu tempo, o art. 3° da Introdução ao Código Civil, e os diversos ramos do direito público (direito administrativo, direito processual, direito fiscal)"

(Comentários à Constituição de J946, 4' ed., tomo IV, pp. 377178).

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foi justificada pelo seu autor da seguinte forma: "Grave omissão do projecto foi o não incluir um dispositivo que garanta a estabilidade dos direitos que entraram para o patrimônio das pessoas physicas e jurídicas contra as investidas de uma nova lei. Este princípio constitue uma condição existencial da sociedade e merece guarida na Constituição, como peia ao arbítrio do Legislativo. À fórmula de 1891, que ve­ dava prescrever leis retroactivas, preferimos a do Código Civil, que prohibe a offensa ao direito adquirido, ao acto jurídico perfeito e à coisa julgada. À lei civil incumbe definir o que se deve entender por cada uma dessas situações jurídicas. Preferimos não falar em retroactividade, até mesmo porque as leis penais sempre retroagem para beneficiar o delinquente.

E foi essa a redação adoptada na Constituição, suprimidas as palavras 'em caso algum '''(59).

A terceira fase consiste no lapso de tempo em que vigorou a Constituição de 1937, que desconstitucionalizou o princípio em epigrafe.

Com a promulgação da Constituição de 1988 inaugura-se uma fase diferente no Direito Constitucional positivo pátrio, visto que o direito adquirido, considera­ do como garantia fundamental (CF, art. 5°, XXXVI), passou a integrar o núcleo intangível da Constituição, consistindo, destarte, em limite material ao exercício

da competência reformadora (CF, art. 60, § 4°, IV).

Isso significa que a partir de 05 de outubro de 1988 o princípio do direito adquirido passou a ser dirigido para o legislador ordinário e para os entes que exer­ cem a competência reformadora.

Essa inovação gera grandes conseqüências no tratamento que tem sido dado à matéria pela doutrina e pela jurisprudência, sendo capaz de romper o dogma até então estabelecido, segundo o qual inexistiria direito adquirido diante de emenda constitucional.

4.3 O conceito "direito adquirido"

Temos afirmado que o conceito é uma idéia básica, formada de elementos que a configuram.

O conceito "direito adquirido" foi cunhado pela doutrina civilística, que tem fornecido os elementos necessários à elaboração dessa unidade formal.

Vale observar, contudo, que aqui não se pretende formular um conceito limi­ tado a determinado ordenamento jurídico. O propósito perseguido é construir um conceito universal, que contenha a essência, a nota comum sobre o objeto tratado. Por isso, os conceitos normatizados não serão oferecidos, pois lhes faltam o caráter de universal.

(59) A Nova Constituição Brasileira, p. 360.

(14)

Para alcançar esse desiderato impõe-se, inicialmente, trazer à colação o ma­ gistério de Savigny, para quem os direitos adquiridos são "as relações jurídicas de uma pessoa determinada, isto é, os elementos de uma esfera de independente domí­ nio da vontade individual"(60).

Apoiando-se nessa idéia, Gabba formula o seu conceito, dizendo o seguinte: "É adquirido todo direito que - a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual foi consumado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo; e que - b) nos termos da lei sob cujo império se entabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu"(61).

Na doutrina pátria, um dos grandes estudiosos da matéria foi o Professor Rubens Limongi França, que sugere o seguinte conceito: "É a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; conseqüência que, tendo passa­ do a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se faz valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto"(62).

A Professora Maria Helena Diniz formula um conceito semelhante, verbis: "o

direito adquirido (erworbenes Recht) é o que já se incorporou definitivamente ao

patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem lei nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica, pois há direito concreto, ou seja, direito subjetivo e não direito potencial ou abstrato"(6).

Com base nesses ensinamentos, é possível extrair os elementos para a formu­ lação de um conceito universal.

O primeiro deles é a existência de uma norma jurídica que direta ou indireta­ mente incida sobre determinada situação fática.

Dessa incidência surge para determinado sujeito um direito, que se incorpora ao seu patrimônio ou a sua personalidade.

Por fim, o não-exercício desse direito à época em que vigia a norma da qual emanou é o último elemento do conceito.

Gizados os elerr ~ntos, pode-se formular o seguinte conceito "direito adquiri­ do": direito adquirido é todo aquele oriundo da incidência direta ou indireta de determinada norma jurídica sobre uma situação fática, que se incorpora ao patri­ mônio ou à personalidade do seu titular, não sendo por ele exercido na vigência da norma do qual se originou.

(60) Apud, França, Rubens Limongi, op. cU.. p. 46. (6 J) Idem, p. 50.

(62) Idem, p. 208.

(63) Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. pp. 1821183.

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5. Normas constitucionais e direito adquirido

No Direito Constitucional brasileiro firmou-se o entendimento de que inexis­ te direito adquirido diante da Constituição.

Na jurisprudência do Pretório Excelso esse posicionamento está solidificado há bastante tempo.

Na vigência da Carta de 1946 decidiu-se que "não há direito adquirido contra o disposto na Constituição" (RE 35491 /SP, IaTurma, ReI. Min. Luiz Gallotti, Dlde 08/05/1958, p. 194).

Com o advento da Constituição de 1969 essa idéia continuou a ser manifesta­ da em diversas decisões da Corte Maior (RE 1023 70/PE, Tribunal Pleno, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 15/03/1985, p. 3.144; RE 944 I 4/SP, Tribunal Pleno, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 19/04/1985, p. 217). Nesse último pronunciamento o Plenário do STF reconheceu que "não há direito adquirido contra texto constitucio­ nal, resulte ele do poder constituinte originário, ou do poder constituinte derivado". Quando veio a lume o Texto Magno de 1988, que clcvou o princípio do direito adquirido à categoria de cláusula pétrea, vale reafirmar, a jurisprudência da Supre­ ma Corte permaneceu inalterada, conforme demonstram os arestos parcialmente transcritos:

"A supremacia jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja invocado o direito adquirido. Doutrina e jurisprudência" (ADln 248/RJ, Tribunal Pleno, ReI. Min. Celso de Mello, Dl de 08/04/1994, p. 07222).

"Não há direito adquirido contra a Constituição" (RE 15753 8/RJ, Ia Turma, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 27/08/1993, p. 17027).

"Direito adquirido em razão de decisão transitada em julgado, inexistente. Não há direito adquirido ao regime jurídico observado para o cálculo do montante dos proventos, quando da aposentadoria, se, de forma diversa, preceito constitucio­ nal superveniente vem dar nova disciplina à matéria" (RE 161263/CE, 2a Turma, ReI. Min. Maurício Corrêa, Dl de 19/05/1 995, p. 14002).

"Em face dos termos do artigo 47, par. 3°, I, do ADCT da Constituição, ao débito inicial só se acrescem os juros legais e as taxas judiciárias, e não também a comissão de permanência de outro qualquer encargo. Ademais, não há direito ad­ quirido contra a Constituição Federal" (RE 140248/GO, la Turma, ReI. Min. Mo­ reira Alves, Dl de 01/09/1 995, p. 27380).

É nesse estágio que se encontra atualmente a jurispf'ldência do STF, a qual tem merecido a aceitação de parte da doutrina do Direito Constitucional.

Dentre os doutrinadores que comungam com tal entendimento, pode-se men­ cionar a Professora Carmem Lúcia Antunes Rocha(M). Segundo ela, "contra a eficá­

(64) O princípio do direito adquirido no Direito Constitucional.

(16)

cia plena e imediata da norma constitucional não ~e pode alegar dire!to adquirido, vez que ela é o ato criador de u~a nova ordem, nao se estancando diante de .qual­ quer situação anteriormente forjada, mesmo aquela que se cunhou e aperfeiçoou sobre a base constitucional decaída"(65l.

Parece-nos, data venia, que a matéria passa necessariamente pelo exame da

distinção entre poder constituinte e competência reformadora.

Com efeito, o poder constituinte é potência, espécie de poder desprovido de limites jurídíco-formais, na medida em que é dotado de atribuições originárias.

Em relação à norma constitucional oriunda do poder constituinte, não há, con­ seqüentemente, como se invocar o direito adquirido, posto que nesse caso se inau­ gura uma nova ordem, ou se instaura uma ordem constitucional.

De outro lado, a competência reformadora é uma fonte normativa com atri­ buições derivadas de outra autoridade, que é potência. Sendo assim, os entes que exercem tal competência estão jungidos à observância dos limites materiais, cir­ cunstanciais e temporais gizados pelo poder constituinte.

No caso brasileiro, com a promulgação da Carta de 1988, o princípio do di­ reito adquirido converteu-se em cláusula pétrea, nunca é demais repetir, não po­ dendo ser alcançado, portanto, pelo exercício da competência reformadora.

Cabe observar que a proteção constitucional outorgada ao aludido princípio impede que este seja violado diretamente ou por via indireta, reflexa, oblíqua. As­ sim, será maculada pelo vício da inconstitucionalidade material, por exemplo, tan­ to a emenda constitucional que suprimir o direito adquirido, hipótese que configu­ rará violação direta, como também existirá essa desconformidade em qualquer dis­ positivo constitucional, produzido no exercício da competência referenciada, que retirar do patrimônio do cidadão direito a este incorporado por força de norma infraconstitucional.

Destarte, pode-se afirmar, induvidosamente, que existe direito adquirido contra

norma constitucional elaborada pelo Congresso Nacional. Em outras palavras, di­

ante de emenda constitucional há direito adquirido.

A boa doutrina do direito constitucional comunga com esse entendimento. Nessa corrente enquadra-se o eminente Professor Raul Machado Horta, segundo o qual "à emenda constitucional é vedado, por cláusula expressa da Constituição, propor a abolição do princípio que protege o direito adquirido contra a lei prejudi­ cial a ele. O mencionado princípio é direito individual, integrando o título dos Di­ reitos e Garantias Fundamentais, que a Constituição deu por irreformáve\"(66).

Outro não é o magistério do douto Ministro Carlos Mário da Silva VeIloso,

verbis: "um direito adquirido por força da Constituição, obra do Poder Constituinte

(65) Idem, p. 8.

(66) Constituição e direito adquirido, p. 282.

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originário, há de ser respeitado pela reforma constitucional, produto do Poder Cons­ tituinte instituído, ou de 2° grau, vez que este é limitado, explícita e implicitamen­ te, pela Constituição"(67).

Na mesma direção caminha o Professor Luís Roberto Barroso. Em seu enten­ dimento, "emendas constitucionais deverão sempre respeitar os direitos adquiri­ dos, os atos jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que serão direitos individuais igualmente preservados da ação do constituinte reformador"(68).

No âmbito da doutrina civilística, esse posicionamento também encontra aco­ lhida.

Analisando a matéria, conclui o ínclito Professor Caio Mário da Silva Pereira: "se é a própria Constituição que consigna o princípio da não-retroatividade, seria uma contradição consigo mesma se assentasse para todo o ordenamento jurídico a idéia do respeito às situações jurídicas constituídas e simultaneamente atentasse contra esse conceito. Assim, uma reforma da Constituição que tenha por escopo suprimir uma garantia antes assegurada constitucionalmente (e.g., a inamovibilida­ de e vitaliciedade dos juízes), tem efeito imediato, mas não atinge aquela prerroga­ tiva ou aquela garantia, integrada no patrimônio de todos que gozavam do benefl­ cio"(69).

É forçoso concluir, diante do exposto, que a assertiva de inexistência de direi­ to adquirido contra a Constituição está ultrapassada no Direito Constitucional bra­ sileiro.

Na atual fase de desenvolvimento desse ramo do Direito Público, inaugurada em 05 de outubro de 1988, quando veio a lume o Texto Magno, é imprescindível analisar o problema através da nova perspectiva traçada pelo constituinte desse pe­ ríodo.

Como bem observa o mestre Jorge Miranda, com o advento do Direito Cons­ titucional novo "os princípios gerais de todos os ramos do Direito passam a ser os que constem da Constituição ou os que dela se infiram directa ou indirectamente, enquanto revelações dos valores fundamentais da ordem pública acolhidos pela Constituição"(70).

Tendo a Constituição de 1988 elevado o valor segurança jurídica a um pata­ mar superior, inserindo-o em seu núcleo irreformável, toda a construção jurispru­ dencial e doutrinária erguida no regime anterior, que dispõe em sentido contrário à nova orientação, deve ser reformulada.

(67) Funcionário público - aposentadoria - direito adquirido, p. LL6.

(68) Interpretação e aplicação da Constituição - fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, p. 63.

(69) Instituições de Direito Civil, v. I, p. L17. (70) Manual ... , tomo 11, p. 243.

(18)

É importante observar, entretanto, que a jurisprudência do STF tem diferen­ ciado aplicação imediata da retroativa, asseverando que a nova Constituição não

pode atingir os fatos passados, comprometendo a segurança jurídica.

Os acórdãos adiante parcialmente reproduzidos corroboram essa afirmação: "A regra constitucional superveniente - tal como a inscrita no art. 5°, LXIII, e no art. 133 da Carta política - não se reveste de retroprojeção normativa, eis que

os preceitos de uma nova Constituição aplicam-se imediatamente, com eficácia ex

nunc, ressalvadas as situações excepcionais, expressamente definidas no texto da

Lei Fundamental.

O princípio da imediata incidência das regras jurídico-constitucionais somente pode ser excepcionado, inclusive para efeito de sua aplicação retroativa, quando expressamente o dispuser a Carta política, pois "as Constituições não têm, de ordi­ nário, retroeficácia. Para as Constituições, o passado só importa naquilo que elas apontam ou mencionam. Fora daí, não (Pontes de Miranda)" (RE 136239/SP,

la Turma, ReI. Min. Celso de Mello, Dl de 14/08/1992, p. 12227).

"Recurso extraordinário. Violência à Carta. Gratificação natalina. Servido­ res públicos. Longe de implicar violência aos artigos 5°, par. 1° e 39, par. 2°, da

Constituição Federal decisão em que se assenta o direito dos servidores a gratifica­ ção natalina, nos termos previstos na própria Carta, em relação ao ano em curso. Descabe confundir aplicação imediata da norma apanhando situações que não se encontram devidamente constituídas à luz da ordem jurídico-constitucional ante­ rior, com a retroativa" (AgRg 176194/RJ, 2a Turma, ReI. Min. Marco Aurélio, Dl de 26/04/1996, p. 13129).

"Se a prescrição se consumou anteriormente à entrada em vigor da nova Cons­ tituição, é ela regida pela lei do tempo em que ocorreu, pois, como salientado no despacho agravado, 'não há que se confundir eficácia imediata da Constituição a efeitos futuros de fatos passados com a aplicação dela a fato passado'. A Constitui­ ção só alcança os fatos consumados no passado quando expressamente o declara, o que não ocorre com referência à prescrição" (AgRg 139004/MG, Ia Turma, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 02/02/1996, p. 00853).

Em outros pronunciamentos (AgRg 140751-RJ, 2a Turma, ReI. Min. Marco Aurélio, Dl de 25/09/1992, p. 16186; AgRg 139647-SP, Ia Turma, ReI. Min. Celso de Mello, Dl de 11/06/1993, p. 11530; HC 72465-SP, IaTurma, ReI. Min. Celso de Mello, Dl de 24/11/1995, p. 40387; AgRg 143714-RJ, la Turma, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 26/04/1994, p. 13118) essa orientação foi confirmada, estando assen­ tado, pois, em ambas as Turmas do Pretório Excelso, que a norma constitucional elaborada pelo poder constituinte tem aplicação imediata, porém, não retroativa, salvo quando expressamente assim dispuser.

Quando se declara que a norma constitucional não retroage, isso significa reconhecer que esta não pode violar direito adquirido, pois este é conseqüência de um fato passado.

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Como o STF entende que contra a Constituição inexiste direito adquirido, convém recordar, ao sustentar a irretroatividade das normas constitucionais, a egrégia Corte, venia concessa, incorre em contradição, que necessita ser superada a fim de que seja resguardado o valor segurança jurídica.

6. Normas de direito público e direito adquirido

Tem-se afirmado, também, que inexiste direito adquirido contra normas de ordem pública ou de direito público, categoria em que se incluem as normas cons­ titucionais.

Com efeito, não se nega o caráter de Direito Público do Direito Constitucio­ nal, visto que normatiza relações de subordinação, protegendo interesses públicos. Como lembra o douto Gomes Canotilho, "o direito constitucional é direito público, qualquer que seja a teoria adaptada para alicerçar a distinção entre direito público e direito privado. De acordo com o critério da posição dos sujeitos (também chamado 'critério de sujeição' ou 'critério de subordinação'), o direito público é caracteriza­ do por relações de supra-infra-ordenação, enquanto o direito privado se caracteriza por relações essencialmente igualitárias. Daqui resultaria a existência, nas relações de direito público, do exercício de um poder de autoridade através de formas e procedimentos típicos (ordens, comandos, medidas normativas)"(7J).

Todavia, em face da constitucionalização do princípio do direito adquirido, que não excepciona nenhum tipo de norma, inclusive as de direito público, não há como se sustentar esse posicionamento, o qual resulta do apego à doutrina dos países em que o princípio está normatizado em nível infraconstitucional.

O sólido magistério do eminente Ministro Moreira Alves é esclarecedor sobre a matéria:

"A retroatividade das normas de Direito Público hoje constitui um princípio abandonado. As leis de ordem pública observam-se logo, mas não retroagem.

(omissis)

Alguns jurisconsultos sustentam que as leis de ordem pública e de política devem ser aplicadas retroativamente, porque não se deve manter o que perturbe a ordem, ou ofende os bons costumes, visto que não pode haver direitos adquiridos contra a maior felicidade dos Estados; e assim o decidiu o Supremo Tribunal Judi­ ciário da França (Cour de Cassation) por aresto de 19/11/1836.

A proceder, porém, esta razão, todas as leis podem ser retroativas, visto que todas são inspiradas imediata ou mediatamente pelo princípio da pública utilidade; e ainda quando se queira excluir os que têm por origem próxima a utilidade particular,

(71) Op. cil., pp. 134/35.

(20)

uma extensa área restaria, a que se poderia atribuir a retroatividade, tão expressa­ mente vedada pela Constituição"(7l).

Sobre essa matéria, a jurisprudência do Pretório Excelso encontrava-se ape­ gada à doutrina da retroatividade das normas de ordem pública, in verbis:

"Licença de Importação. Lei nova, de ordem pública e de efeito imediato.

Não há direito adquirido às licenças antes delas requeridas" (RMS - Recurso de Mandado de Segurança 2948, Tribunal Pleno, ReI. Ministro Luiz Gallotti, Dl de 24/12/56, p.02467).(73)

Um grande debate sobre o tema foi travado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 493/DF, que resultou na consolidação do entendimento con­ trário, oportunidade em que ficou reconhecido que "o disposto no artigo 5°, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qual­ quer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva" (ADIn 4931DF, Tribunal Pleno, ReI. Min. Moreira Alves, Dl de 04/09/92, p. 14089).

Em outros julgados esse posicionamento foi confirmado (RE 159979/SP, 2a Turma, ReI. Min. Paulo Brossard, Dl de 19/12/94, p. 35185). Recentemente, nova decisão corroborou essa linha de entendimento, na qual ficou mais uma vez reconhecido que "o princípio constitucional do respeito ao ato jurídico per­ feito se aplica também, conforme é o entendimento desta Corte, às leis de or­ dem pública" (RE 218.836-7/PR, la Turma, ReI. Min. Moreira Alves, Dl, de 28/11/97, p. 62247).

Destarte, sobre a matéria em epígrafe, a jurisprudência da Corte Maior está perfeitamente afinada com o princípio consubstanciado no art. 5°, XXXVI, do Tex­ to Magno de 1988.

Conclusões

Ao final deste trabalho, pode-se apresentar as seguintes conclusões: I - A dicotomia poder constituinte originário e poder constituinte derivado encontra-se sedimentada na doutrina do Direito Constitucional;

rI - O poder constituinte é potência, tipo de poder desprovido de limites jurídico-formais;

(72) Leis de ordem pública e de direito público em face do princípio constitucíonal da irretroativida­ de, p. 18.

(73) Embora o entendimento majoritário do STF acolhesse essa tese, em alguns julgados era mani­ festada a orientação no sentido de que as normas de Direito Público não poderiam retroagir (RE­ DF 21842, I" Turma, ReI. Ministro Nelson Hungria, Dl de 12/ lI/53, p. 13931).

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III - A competência reformadora, impropriamente denominada de poder cons­ tituinte derivado, é uma fonte normativa com atribuições derivadas de outra auto­ ridade, que é potência;

IV - O exercício da competência reformadora está jungido aos limites ex­ pressos e inerentes;

V - Os limites materiais equivalem às cláusulas pétreas, disposições intangí­

veis que correspondem às matérias insuscetíveis de alteração pela competência reformadora;

VI - No Texto Magno de 1988 o respeito ao direito adquirido constitui uma

cláusula pétrea;

VII - A doutrina do direito adquirido consolidou-se com a obra de Gabba;

VIII - O direito adquirido, via de regra, não tem sido consubstanciado nos textos constitucionais, sendo, em verdade, uma projeção do princípio da irretroati­ vidade das leis;

IX - Os sistemas constitucionais adotam duas posturas sobre a irretroativi­ dade das leis, limitando-a ao Direito Penal ou aumentando o seu raio de alcance;

X - Com a promulgação da CF de 1988, o Direito Constitucional brasileiro

inaugurou uma nova fase, inserindo o direito adquirido no núcleo irreformável da Constituição, insuscetível, pois, de violação direta ou indireta pelo exercício da com­ petência reformadora;

XI - Direito adquirido é todo aquele oriundo da incidência direta ou indireta

de determinada norma jurídica sobre uma situação fática, que se incorpora ao patri­ mônio ou à personalidade do seu titular, não sendo por ele exercitado na vigência da norma da qual se originou;

XII - No Direito Constitucional brasileiro, firmou-se o entendimento que, inclusive, se encontra sedimentado na jurisprudência do STF, no sentido de que inexiste direito adquirido diante da Constituição;

XIII - Em face da inserção do direito adquirido no núcleo irreformável da Constituição brasileira, pode-se afirmar a sua existência diante de emenda consti­ tucional;

XIV - Ajurisprudência do Pretório Excelso tem entendido que a nova Consti­

tuição não pode incidir sobre fatos passados, comprometendo a segurança jurídica; XV - Toda a construção doutrinária e jurisprudencial formulada antes do advento da CF de 1988 deve ser modificada, no que se refere à inexistência de direito adquirido em face de norma constitucional produzida pelos entes que exer­ cem a competência reformadora;

XVI - Diante da constitucionalização do princípio do direito adquirido, que

não excepciona nenhum tipo de norma, não há como sustentar-se a assertiva de inexistência de direito adquirido frente às normas de Direito Público.

(22)

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Referências

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