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A Pósmodernidade e a superaçao da estrutura formal da questao sobre a identidade

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Academic year: 2021

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A pós-modernidadde e a superação da estrutura

formal da questão sobre a identidade.

Fábio Fonseca de Castro

Doutor de Sociologia,

Professor da Faculdade de Comunicação da UFPA

Resumo: Este artigo objetiva uma compreensão do conceito de « exceção cultural » e

uma caracterização do seu debate como elemento estrutural, e mesmo fundador, da luta contra a padronização cultural imposta pela globalização. Apresentado o problema do crescimento desigual do comércio internacional de produtos culturais, procura-se mapear as fontes institucionais do debate a favor e contra a « exceção cultural ».

Palavras-chave: Exceção cultural, Indústrias culturais, Globalização.

Publicado originalmente em: BARBALHO, Alexandre. (Org.). Brasil, Brasis.

Identidades, cultura e mídia.. Fortaleza: Fundação Demócrito Noronha, 2008, v. 1, p. 25-38.

1. A dimensão ontológica da questão sobre a identidade

A identidade da qual nos damos por tarefa analisar é a nossa própria, coletiva ou individualmente, quem quer que sejamos, onde que estejamos, no tempo e no espaço. É a nossa própria porque o que nos dá identidade é o fato de acreditarmos nela, tal como o que nos dá um ser é a característica de pensarmos que temos um ser – posto que quem quer que tenha identidade a tem na coincidência de nela pensar.

Esta pressuposição parte, como se terá percebido, da reflexão heideggeriana sobre a natureza do Ser. O que não é, certamente, um acaso. Pensamos que a questão sobre a identidade é coincidente com a questão sobre o Ser e que, tal como ela, provém de uma recolocação ontológica precisa: a deriva metafísica platônico-aristotélica, o que se verá.

Tal como há duas formas de compreender o Ser que está no mundo e que somos – o Ser-aí, como o tematiza Heidegger – há, igualmente, duas formas de indagar sobre a identidade: uma ôntica e outra ontológica. Consiste a primeira na descrição do ser que somos, em nossa identidade, exteriormente – ou seja, na produção de uma descrição formal dos atributos que possuímos, individual ou coletivamente. A segunda possibilidade de compreensão de nossa identidade se desenvolve ontologicamente, dizendo respeito, portanto, à compreensão que temos do Ser que pensamos ser – e nos damos a ser.

Ora, sabendo que essas duas formas de compreensão fundem-se – pois, como nos indica Heidegger, o que distingue onticamente o Dasein (o Ser-aí) é que ele é ontológico (HEIDEGGER 1993: 165-8) e que, portanto,

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existir é ontologizar, é pensar na existência – podemos concluir que ter identidade é, antes de tudo, pensar ter identidade. A identidade ôntica do ser não está na sua aparência enquanto ser, mas no fato de dar aparência ao ser. De onde se pode concluir que a identidade é, fundamentalmente, um fenômeno reflexivo e, ao mesmo tempo, universal, posto que caracteriza a espécie humana, e não espécies humanas dentro da humanidade em geral.

A reflexividade do fenômeno da identidade deriva da característica acima exposta da dimensão ontológica como característica ôntica mais importante do ser humano.

A universalidade do fenômeno provém do fato de que o fenômeno anterior, sendo caracterizador da espécie humana, impõe-se que perca totalmente a coerência qualquer forma de “espécie” que transcenda ao “gênero”. Ou seja, qualquer identidade que não a identidade humana, conferida por sua capacidade em ontologizar o que não seria, antes do Ser se descobrir no mundo, apenasmente ôntico. Em resultado, não há identidade ôntica que não seja um produto ontológico. Não há identidade de si que não seja, efetivamente, uma identidade para si.

A questão sobre o sentido da identidade se coloca como uma questão sobre o ser. Ou, mais precisamente, sobre o sentido do ser. Com efeito, tal como a questão sobre o ser se conforma como uma questão privilegiada, também a questão sobre a identidade se conforma privilegiadamente, na medida em que rememora um conhecimento sobre o que seria a essência de uma qualquer representação – sendo privilegiada, pois, a questão que, formulando, reconhece-se enquanto linguagem.

Desse modo, poder-se-ia apresentar a estrutura formal da questão sobre a identidade como um questionamento sobre uma coisa já conhecida enquanto resposta: “toda procura retira do procurado sua direção prévia”, diz-nos Heidegger (1993: 30), desejando demonstrar como um conhecimento prévio do ser conforma toda indagação sobre o ser.

Sigamos o protocolo heideggeriano para colocar essa questão. Lembremos, em primeira mão, que uma simples questão sobre o ser pode se transformar numa investigação se se colocar de maneira “libertadora” – isto é, disposta a romper o círculo de obviedade que a envolve. A partir daí, teríamos os seguintes elementos dispostos, inerentemente, em toda questão sobre um ser / uma identidade: a questão tal como se coloca, ao menos um questionado, ao menos um interrogado, ao menos uma pergunta. E, como tal, se poderia compreender a questão sobre o ser / a identidade, como uma procura.

Enquanto procura, a questão sobre a identidade atesta uma pré-noção: um sentido vago e mediano, posto que decorre de uma orientação prévia, antecedente à própria formulação da pergunta. A compreensão da identidade, portanto, se move na própria formulação da noção de identidade. Não há como escapar dessa estrutura: quem pergunta por sua identidade só a compreende enquanto pergunta. Decorre disso a condição ontológica de toda identidade: o fato de que toda identidade só tem sentido enquanto está sendo perguntada.

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Efetivamente, o debate sobre a identidade impõe o debate sobre a subjetividade. É impossível pensar em identidade sem levar em conta a tradição filosófica que pensa a subjetividade. A princípio, porque é a subjetividade que institui, em todos os planos, a noção de identidade, podendo-se dizer mesmo que a identidade constitui uma experiência subjetiva do sujeito, seja ele um sujeito individual, seja um sujeito social.

A estrutura formal de toda questão sobre a identidade resulta, necessariamente, numa resposta metafísica. Para que o ser seja o que é impõe-se, como sua propriedade, a identidade. O ser (e não um ser) não se é senão sob a condição de sua própria identidade. Supor o contrário equivale a supor que ele é outro – ou, simplesmente, que ele não é. No senso absoluto do termo, ser equivale a ser-idêntico-a-si-mesmo: não é possível pensar no ser sem que, ao mesmo tempo, se recoloque a questão geral sobre o ser, ou melhor, sobre o sentido do ser.

Assim funda-se a chamada ontologia ocidental – por sinal, no ato mesmo em que funda-se a filosofia. Trata-se do princípio de Parmênides segundo o qual o ser é, apenas, e não pode, simplesmente, não-ser. Pode-se compreender esse raciocínio como um primado ontológico e lógico. Ao inaugurá-lo, Parmênides se tornou o pai, a um só tempo, da ontologia e da lógica, estabelecendo entre as duas uma relação de contingência que longamente perdura no mundo ocidental. Em Parmênides, pensar e pensar no ser são a mesma coisa:

Un même est en effet à la fois penser et être (...) C’est la même chose penser et la pensée qui ‘est’, car sans l’étant dans lequel ‘est’ se trouve formulé, tu ne trouveras pas le penser (PARMENIDES 1996: 12).

Pode-se mesmo dizer que o ser é, segundo Parmênides, opositor ao existir, na medida em que, para aceitarmos que o ser possui essa coerência absoluta, precisamos repudiar a idéia de que o ser está sujeito às experiências de estar-no-mundo e, portanto, às transformações que essa experiência impõe. A experiência do mundo sensível (o encontro com o mundo) está na existência e não, portanto, no ser, sendo necessário pensar, se de acordo com a lógica parmenidiana, que o ser é, enquanto que a existência é ausente ao ser. E, assim, se o ser é, ele não existe. Se ele é absoluto, autológico, ele, simplesmente, não é.

2. A tradição metafísica da questão sobre a identidade

A tese de Parmênides, vista acima, foi continuada por Platão, cuja busca pelo “ser verdadeiro” (ontôs on) - aquele que pode ser eternamente o mesmo – conclui-se, por exclusão, na idéia de que tudo o que é passível de se transformar em outro não é ele mesmo. Platão chama a essa permanência (continuidade, definição) do ser de ousia, essência. Seu esforço culmina no “Fédon”, onde se lê que,

Cette réalité en elle-même (autè ousia) de l’être de laquelle nous rendons raison dans nos interrogations comme dans nos réponses, dis-moi, se comporte-t-elle toujours de même façon dans son identité, ou bien tantôt ainsi et tantôt autrement? L’Egal en soi, le Beau en soi, le réel en soi de chaque chose, ou son être (to on), se peut-il que cela soit susceptible d’un changement quelconque? Ou

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plutôt chacun de ces réels, dont la forme est une en soi et par soi (monoeides ou auto kath’auto), ne se comporte-t-il pas toujours de même façon en son identité, sans admettre, ni jamais, ni nulle part, en rien, aucune altération – C’est nécessairement de la même façon, dit Cébès, que chacun garde son identité, Socrate (PLATÃO 1960: 36).

O termo essência (ousia) evoca as funções de unidade e de identidade absolutas do ser platônico. A ele, Platão opõe a noção de idéia – eidos – com os quais identifica as funções de variação e de multiplicidade presentes no indivíduo – no indivíduo, bem entendido, distanciado do ser. A função da idéia, em Platão, seria a de tornar possível a visão da essência. A idéia (forma: eidos) poderia ser assim compreendida como a evidência, o prenúncio, como a libação da essência. A idéia abriria ao espírito o conhecimento da coisa.

Com Platão, enfim, pode-se perguntar sobre a que tipo de experiência corresponde a identidade. Com essa questão se inicia o debate sobre o tema da identidade no plano filosófico. Desde então, como se sabe, três escolas de pensamento tentarão respondê-la: o empirismo, o idealismo e a fenomenologia. Em acréscimo, uma radicalização da tradição fenomenológica, a empreendida por Heidegger, buscará desconstruir a questão demonstrando como ela foi formulada e resolvida, pelas três escolas, a partir da tradição única da ontologia metafísica.é formulada e respondida, pelas três escolas, a partir de uma única tradição, a chamada ontologia metafísica.

O empirismo propõe que, à toda idéia, uma impressão empírica deve corresponder. O idealismo, ao contrário, postula que o mundo empírico tem sua origem nas idéias. A fenomenologia, por sua vez, propõe que a apresentação do mundo empírico revela re-presentações por parte do sujeito. Para o idealismo, a singularidade de cada objeto denota sua unidade e coerência – a unicidade e a integridade desse objeto perante o mundo. Para o empirismo, ao contrário, a identidade constituiria uma ilusão de unidade.

De acordo com a visão idealista, a questão da identidade de um homem ou de um grupo social se comprova pela própria duração – ou melhor, permanência – desse homem ou grupo no tempo e no espaço. Compreendendo a existência como um fato absoluto, a identidade se torna um fato coerente, corriqueiro e mesmo banal, inferido pelo fato absoluto de o homem existir enquanto homem, numa relação que se projeta às identidades: o fato de uma etnia, por exemplo, existir com tal.

Essa tese sobre a persistência e a demarcação das entidades está presente na noção aristotélica de substrato (hypokeimon) e na busca medieval por um principium individuationis, teses que confluem em São Tomás, para quem é a materia signata que confere a um ser uma singularidade única:

Quantitate signata materia principium est individuationis, id est numericae distinctionis (quae in puris spiritibus esse non potest)

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unius individui ab alio in eadem natura specifica (AQUINO 1968: 124)1.

Em Duns Scot, a matéria não seria capaz, por si mesma, de fundar a inteligência – a capacidade de percepção do indivíduo – dependendo da possibilidade individual que tem o ser em fazê-lo. Denominada por Scot haecceitas (estidade), essa capacidade individual relaciona o objeto ao Ser por uma espécie de iluminação interior. O conceito evoca a noção de idios poion dos estóicos, pela qual se tinha que o potencial de cada indivíduo lhe era próprio e indivisível: a socrateitas de Sócrates, por exemplo, onde residia toda a capacidade de compreensão – inteligência – do ser de Sócrates, segundo Sócrates. Efetivamente, com esse conceito, Scot valoriza a experiência e afastada da ontologia a exclusividade de sua preocupação com a transcendência (Cf. VOS 2006).

Guilherme de Ockham (Cf. CROSS 1999) interpreta a haecceitas de Scot como um problema de lógica e lingüística: o problema da identidade consistiria num problema de ver como determinadas categorias de significados representam a origem de outras categorias, mais amplas e mais gerais. Por essa via, o homem possuiria uma identidade contínua, marcada pela perenidade de categorias mais abertas que a sua, com as quais a sua categoria de Ser se acordaria naturalmente.

O empirismo se volta contra essa noção de que o homem possui uma identidade contínua, permanente: de que direito conferir à existência humana o caractere da permanência – ou seja, de uma substância distinta daquela conformada por seus “acidentes” - pelos acontecimentos presentes na vida humana ou social? A principal voz erguida contra a noção idealista da identidade é a de David Hume. De acordo com Hume, essa permanência do ser (da identidade) constituiria uma impressão viva e forte, sobre a verdade, mas não a verdade. Assim, a identidade constituiria, na verdade, uma ilusão de unidade – ou ilusão de substância. Define Hume que a identidade seria, na tradição idealista, a soma de coerência e constância. Tal ilusão de identidade seria gerada pelo tempo, ou seja, pela percepção prolongada de um objeto. Dizer que algo tem identidade significa dizer que algo existe em um momento e que continua a ser o mesmo em outro momento. A identidade se basearia num princípio de constância. Hume observa, porém, que a constância é relativa, dependendo da posição que tem o observador, no tempo.

Assim, a semelhança na aparência de um objeto em momentos diferentes nos leva a imaginar que essa semelhança surge do objeto intrinsecamente e não de nossa posição mesma enquanto observador. O processo se completa com o fato de que a coerência de nossas impressões – interpretadas como coerência dos objetos – nos anterioriza a declarar esse objeto como algo dotado de uma existência contínua. Assim se produz o que Hume chama de “ficção de identidade”:

Le principe de l’individuation n’est que l’invariabilité et la persistance (uninterruptedness) de tout objet au cours d’une variation supposé du temps (HUME 1946: 340).

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A matéria designada pela quantidade é o princípio da individuação, quer dizer, da distinção numérica, impossível aos puros espíritos, dos indivíduos pertencentes a uma mesma natureza especifica.

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É inevitável a evocação da metáfora cinematográfica, pela qual se tem a ilusão de movimento através da projeção de sucessivos quadros fixos. A identidade, tal qual essa realidade projetada, não seria senão

un faisceau ou une collection de perceptions différentes qui se succédent les unes aux autres avec une rapidité inconcevable et qui sont dans un flux et un mouvement perpétuels (HUME 1946: 342).

Porém, é justo perguntar, diante dessa desconstrução da noção idealista de identidade, sobre a validade da própria noção empirista de identidade. Para alguns, Hume não explicaria a identidade, mas a tendência do espírito em forjar essa ficção, restando vazio, ainda, o conceito.

Essa crítica é pertinente, porque ela faz perceber que tanto a compreensão idealista como a compreensão empirista da noção de identidade dizem respeito à dimensão categorial das evidências sobre o fenômeno. Na verdade, seria possível distinguir ao menos três debates filosóficos a respeito da identidade. A polêmica entre idealismo e empirismo concerne, essencialmente, questões sobre a significação da noção de identidade. Em outro plano situam-se os debates sobre os critérios da noção de identidade e, em um terceiro, os debates sobre a lógica da identidade. Naturalmente que esses três debates estão associados e são, eventualmente, simultâneos, mas decompô-los pode ajudar na interpretação do fenômeno.

O debate entre empirismo e idealismo portando sobre a significação da noção de identidade, abre-se o espaço para a percepção fenomenológica e para a acima mencionada radicalização heideggeriana. Para a fenomenologia porque ela aporta uma consciência profundamente crítica desse debate, na medida em que lança sobre o sujeito, ele mesmo, o ato de indagar sobre a identidade. Para a fenomenologia heideggeriana porque ela acusa a fenomenologia de não promover o rompimento radical com essa questão, necessário para o deslocamento da questão sobre o ser (portanto, sobre a identidade) de uma reflexão sobre a significação da noção de ser para uma reflexão sobre o ser ele mesmo.

A crítica heideggeriana desenvolve-se como uma crítica à metafísica. Efetivamente, segundo Heidegger, tal tradição de interpretação do ser é fundada juntamente com a filosofia e ela alcança a modernidade com uma força renovadora, regeneradora e, mais que tudo, restauradora.

Leibniz, nos albores dessa modernidade, conferia à esfera do Sujeito uma dimensão histórica que, antes de si, não era atribuída senão ao mundo natural e, no caminho aberto por ele, Descartes conferiu ao termo subjetividade sua verdadeira consistência teórica. Atribui-se-lhe, efetivamente, o que em filosofia se tem chamado de a descoberta da metafísica da subjetividade, com o que se quer referir a propriedade do homem em portar – ou melhor, em saber-se portador - de uma consciência sobre si mesmo. Descartes o faz por meio da noção de cogito, que é a primeira grande teorização do espírito moderno sobre a Subjetividade. O cogito constitui uma experiência fenomenológica pela qual o Ser se descobre existindo – o Existo se experimenta, inicialmente,

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sob a forma de cogito, com o resultado de que o limite entre ambos é visto por Decartes como a própria fronteira entre o Ser e o Mundo. Assim, a noção de cogito seria a aparição pura do conceito de subjetividade. O cogito desvenda ao Ser a sua substância essencial.

O termo é estrutural, e conforma o núcleo da metafísica refundada por Descartes e criticada por Heidegger. Para Descartes, o Ser possuiria uma Substância e a experiência do Cogito permitiria a sua descoberta. Caberá lembrar que o termo substância foi inventado por Santo Agostinho para traduzir a palavra grega ousia, tal como empregada por Plotino.

A substância, em Descartes, é o que é próprio ao Sujeito: Ego autem substantia. A substância reporta ao Sujeito, constitui-o; porque é a positividade de ser que fornece substância a ser. Deduzimos que a substancialidade é a condição da subjetividade: a natureza particular do homem reside na peculiaridade da sua substância, a qual difere, necessariamente, da substancialidade das coisas do mundo, onde a Substância é imanente ao Ser, numa relação de contigüidade. A compreensão cartesiana da substância como algo imediato ao Ser é o elemento que torna metafísica a construção da noção de subjetividade em Descartes.

É justamente contra essa compreensão metafísica da subjetividade que se voltam as críticas elaboradas por Kant, Nietzsche, Husserl e Heidegger ao projeto cartesiano.

Kant procurou dissociar Sujeito e Substância – núcleo do pensamento cartesiano – observando que, não sendo o Sujeito dado a si mesmo como Substância, não há, aí, senão uma operação de transcendência. Kant critica a falsa evidência da imediatidão (da imanência) dizendo que o sujeito é sujeito, apenas, por meio da operação lógica de constituir-se enquanto sujeito - ou seja, de constituir-se transcendentalmente em sujeito.

A Subjetividade pensada por Kant constitui não apenas uma operação lógica como é também o próprio fundamento da lógica. Assim, o Sujeito kantiano não está fora do conhecimento e nem é anterior a ele – é, na verdade, a sua própria condição : o sujeito se manifesta pelo conhecimento, por meio do conhecimento. Por conseqüência, a identidade do Sujeito não se assemelha à identidade de um objeto: obedecendo a construções lógicas, ancoradas no pensamento, ela não é objetiva, imediata ou imanente. Na verdade, em oposição à identidade objetiva, própria dos objetos e inerente à noção de substância, a identidade dos seres humanos, por serem subjetivas, conformam uma ipseité.

Husserl herda de Kant a noção de transcendência, chegando mesmo a definir a fenomenologia como um “idealismo transcendental”. Como Kant, está à procura das estruturas primárias, apriroísticas, da Subjetividade. Porém, enquanto Kant percebe essas estruturas como condições de possibilidade da experiência, Husserl as compreende como a constituição de uma objetividade enquanto doação – expressão com a qual refere a capacidade do Sujeito em doar-se o mundo, ou melhor, sua capacidade em saber-se no mundo por meio de sua experiência de estar no mundo.

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Compreender o mundo, não sendo um ato de pura subjetividade, como quer Kant, se torna, para Husserl, um ato que se gera na capacidade em que tem o Sujeito de se auto-doar a realidade efetiva (Wirklichkeit) das coisas do mundo.

Essa operação de auto-doação, ou de contato Sujeito-Mundo, que funda a Subjetividade, se daria, fundamentalmente, por meio da intuição. Por esse termo Husserl não se refere ao ato puro de uma Subjetividade transcendental, plena de si mesma, mas a um ato de preenchimento do sentido (remplissement, Erfüllung), cuja possibilidade de ser vazio de significação pesa ser considerada. A intuição husserliana leva à evidência, que é a forma de manifestação da verdade na fenomenologia.

Ambos os filósofos compreendem a Subjetividade enquanto construção transcendental do Sujeito, mas há diferença entre eles no que se refere ao próprio estatuto do transcendental. Para Kant, o transcendental decorre do fato de que o objeto gira em torno do Sujeito, e não o contrário, como postulariam os autores que o antecederam, dentre os quais Decartes. Husserl critica essa visão como algo muito voltado para si mesma, em detrimento da coisa em sua dimensão ôntica. Ou seja, Husserl confere à realidade objetiva seu papel na constituição do conhecimento. Enquanto Kant opõe o transcendental ao empírico, Husserl pensa o transcendental como um objeto que é dado a Ego por meio de uma experiência que em si mesma é transcendental. A perspectiva fenomenológica, inaugurada por Husserl, observa justamente essa relação de completude – transcendental – entre o Sujeito e o mundo material por meio da experiência – uma experiência de redução do mundo, que permite que se veja o Sujeito como um Ego transcendental.

Como Kant, Husserl parte da perspectiva egológica aberta por Decartes – ou seja, da idéia de um Ego cogito sobre o qual se assenta todo fundamento do pensamento (cogitatio) e, portanto, toda a construção da Subjetividade. Porém, em Husserl, esse Ego cogito submerge face à flexibilidade da interpretação do mundo – e de si próprio, e das próprias condições de interpretação - pelo Sujeito. Husserl opõe-se, assim, ao formalismo simbólico, o qual se rege pela crença na autocoerência das significações. O Sujeito husserliano encontra o mundo por meio dessa experiência de redução – intuição e evidência.

Uma variação da perspectiva husserliana é encontrada em Nietzsche, que considera o cogito como um “cogito sur parole”: o homem acredita ser um Sujeito, mas o Sujeito só existe em sua função gramatical, ou seja: a elaboração do pensamento exige-lhe a construção de um Sujeito – de um Sujeito que lhe represente em toda organização do pensamento em primeira pessoa. Para Nietzsche a Subjetividade é o produto de uma interminável confusão entre coisas e palavras.

Heidegger reprova Decartes, Kant e Husserl por não terem aprofundado o caminho que iniciaram, deixando ininterrogada a Subjetividade do Sujeito enquanto tal. Para Heidegger a verdadeira Subjetividade estaria além da mitologia lógico-metafísica que conformou a história do pensamento sobre o Sujeito. Kant e Husserl ainda estariam contaminados por essa tradição, com o resultado de que suas investigações sobre a Subjetividade teriam ficado incompletas. Caberia, segundo

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Heidegger, radicalizar a dúvida sobre quem é o Sujeito, a despeito da dúvida sobre o que é o Sujeito. O Sujeito, portanto, seria quem - aquele quem. Seria necessário aprender a renunciar a saber quem é o sujeito.

3. A questão da identidade na pós-modernidade

Não sendo nosso propósito discorrer sobre a natureza da modernidade e nem, tampouco, sobre a natureza da questão sobre a pós-modernidade – debate que, como se sabe, é tenso e complexo – partimos de uma compreensão que, ainda que generalista, permite a colocação específica do tema no horizonte do nosso propósito, que é observar como as circunstâncias do pensamento pós-moderno permitem a superação daquilo a que, acima, denominamos a estrutura formal da questão sobre a identidade. O que desejamos, efetivamente, é observar como o debate pós-moderno permite e, mais que isso, potencializa, a superação da estrutura formal que é usada para a colocação da identidade e da questão sobre a identidade.

Nesse sentido, consideramos a pós-modernidade como um padrão de pensamento crítico cujo efeito central é a corrosão da estrutura formal da ontologia metafísica ocidental. Pós-modernidade, segundo nosso modo de pensar, significa o rompimento dos grandes primados que, sucessivamente na história do pensamento, afirmaram a ontologia metafísica. O núcleo duro desses primados residiria na noção de essência – ou melhor, de que o ser verdadeiro é o ser que se aproxima de sua essencialidade e que, nesse processo, adquire duração, presentidade e substância.

A noção de essência, em razão desse susbstrato que lhe é peculiar, aproxima-se da noção de transcendência. É por ter essencialidade que o ser se prova verdadeiro, segundo o primado metafísico e que, portanto, transcende a sua condição parcial, qualquer que seja ela. Nesse sentido, transcender equivale a comprovar, a alcançar a prova, a adquirir condição de substância.

Podemos compreender o impacto da indagação pós-moderna sobre a dimensão formal da questão sobre a identidade observando a própria estrutura metodoloógica do pensamento pós-moderno. Façâmo-lo decompondo a estratégia metodológica pós-moderna em termos de operadores e de dispositivos de leitura – categorias que usamos arbitrariamente, a partir da obra foucauldiana para facilitar nossa compreensão desse método, bem sabendo que operadores são instrumentais analíticos e que dispositivos são práticas analíticas recorrentes.

Em princípio, é preciso lembrar que a pós-modernidade procura corroer a proposição moderna de um ideal logocêntrico norteado pela crença de que a "razão" constitui a única forma de ver a profundidade do mundo e de que as sociedades se norteiam por valores comuns e universais. Partindo desse substrato crítico, três operadores de leitura conduzem a pesquisa pós-moderna: a desconstrução, a interpretação intuitiva e a mistificação.

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A desconstrução, método elaborado por Jacques Derrida a partir de sua leitura da obra de Heidegger, pretende ser uma indagação anti-objetivista do objeto estudado. Ela parte de uma espécie de desmistificação desse objeto, de maneira a romper os vinculos que esse objeto pressupõe - na soma das leituras anteriormente produzidas sobre ele - com uma coerência exterior e metafisica: uma logica que lhe seria exterior. A partir dessa, digamos assim, confrontação, a descontrução procura demonstrar as hierarquias internas presentes no texto e como essas hierarquias estabelecem pressupostos, inclusive de leitura. Numa terceira operação, a desconstrução procura revelar as " margens" do texto, ou seja, tudo aquilo que não é dito no texto mas que esta nele presente, gerando, se se desejar vê-las, incongruências.

A interpretação intuitiva é, por sua vez, uma interpretação introspectiva, algumas vezes fechada, a respeito de determinado objeto. Ela tende a rejeitar a indagação empírica, funcionando como um complemento da investigação ou como o lançamento de pressupostos. Constitui, assim, um texto livre, algumas vezes grandemente divagativo, no qual se fundem a consciência individual do sujeito investigador com a consciência social do objeto investigado. Foucault já dizia que tudo é interpretação. Ou seja, que a interpretação intuitiva constitui uma estratégia universal de conhecimento do mundo, sendo que, na visão pós-moderna, nenhuma interpretação seria "superior" a outra, o que institui o principio do paralelismo entre as interpretações. Parte-se do principio ético e estratégico geral de que o pesquisador deve considerar a influência da sua propria cultura na interpretação que produz sobre a cultura que encontra.

A desmistificação, enfim, seria uma focalização, um desvelamento, das motivações epistemologicas e ideologicas presentes em todo texto social. Acredita a teoria pós-moderna que a modernidade impõe esse vinculo a todas as idéias, a todos esquemas, a todas as interpretações do mundo. Pela desmistificação, procura-se denunciar as "amarras" da modernidade, procura-se denunciar a imposição dessas "amarras" como uma estratégia de mistificação cultural entre o individuo e o mundo.

Esses três operadores de leitura apresentam grandes semelhanças entre si e, portanto, dispositivos operacionais comuns. Dentre esses dispositivos, três destacam-se, assinalando posturas gerais adotadas por toda a reflexão pós-moderna: os princípios do relativismo, da imanência e da auto-reflexividade.

Em primeiro lugar, o principio do relativismo, que corresponde ao ponto ético central da teoria pós-moderna: a exigência do respeito absoluto para com todos os individuos, culturas, etnias, sociedades e processos. Essa demanda pelo relativismo esta presente na essência da anti-modernidade que conforma a pós-anti-modernidade, ou seja, no desejo de rompimento com a normatividade logocênctrica e etnocêntrica da modernidade.

Em segundo lugar, o princípio da imanência, o melhor, a valorização da imanência, que corresponde à critica, elaborada pela pós-modernidade, aos fundamentos "transcendentes" da Modernidade - ou seja, à fundamentação metafisica que coloca a história como uma

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conseqüência da razão ou da falta de razão. A imanência dialoga com o principio da realidade e, por extensão, ou por corruptela, com o realismo. Lembremos que realismo é um doutrina filosofica baseada na suposição de que os fatos naturais e sociais têm uma exuistência objetiva.

Em terceiro lugar, enfim, o princípio da auto-reflexividade, que corresponde a uma valorização da dimensão subjetiva do pesquisador a partir da admissão do principio da parcialidade no desenvolvimento metodologico de uma questão e/ou na pesquisa empirica realizada. A auto-reflexividade leva a uma conscientização, do pesquisador, a respeito do processo de produção ndo conhecimento. A pós-modernidade valoriza essa pratica norteada pela critica à "ilusão de objetividade" que a orienta em seus principios fundamentais.

Revendo esses três operadores e esses três dispositivos de leitura, todos eles centrais ao comum da variada reflexão pós-moderna, podemos observar como, em seu conjunto, eles interpõem a exigência de revogação de toda metafísica da identidade. Em síntese, a metodologia pós-moderna deseja romper com o unitarismo presente na metafísica tradiional de construção de todo objeto, de toda idéia, de toda observação e interpretação do real. Isso se dá porque a condição

A nosso ver, o pensamento pós-moderno é tributário, sobretudo, de Heidegger e, especificamente, a dois pressupostos correlatos de seu pensamento: a proposição de uma desconstrução (destruktion) do pensamento – e especificamente da metafísica do ser – e sua crítica da modernidade como um momento de positivação dessa tradição metafísica.

O projeto de Heidegger é por à luz a ipseitê constitutiva do sujeito. Efetivamente, a primeira parte de Ser e Tempo problematiza a questão da ipseitê, indagando sobre aquilo que quer dizer ser alguém. Heidegger elabora uma crítica radical da noção de sujeito, propondo-lhe uma definição como aquilo que, através de sua variação de comportamentos e de experiências, se mantém como idêntico e resta assim, à despeito dessa multiplicidade (HEIDEGGER 1993: 165-8) para, em seguida, mostrar a inocuidade dessa possibilidade e, assim, a inocuidade de todo o projeto metafísico, de Parmênides a Husserl, passando por Descartes, Leibnitz, Kant e Niezsche, dentre outros, num trajeto de compreensão da subjetividade que se centra, de variadas maneiras, no ancoramento transcendente do sujeito a sua substância fundamental. Que, por assim dizer, se centra na compreensão metafísica do sujeito e de sua subjetividade.

Ser e Tempo formula um convite à recolocação da questão do ser. Esse convite é elaborado por meio de um duplo movimento: em primeiro lugar, incita a que nos descompromissemos com a compreensão prévia que temos do que seja o ser (compreensão pré-ontológica), ou seja, com a tradição de compreensão que nos envolve e para a qual somos educados sem que tenhamos consciência disso; e, em segundo lugar, incita a uma repetição explícita (ontológica) da questão sobre o que é o ser. A questão, portanto, é a de perceber o quanto estamos envolvidos num pensamento fechado e superar essas amarras por meio da recolocação do problema.

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Esse duplo movimento é compreendido por Heidegger como o método da fenomenologia hermenêutica, com o qual se dispõe a interpretar o que se tem à frente buscando desvelar o que está dissimulado ou oculto no interior da experiência. Não se trata, portanto, de descrever o visível, mas sim de extrair da visibilidade dos fenômenos o seu sentido. A palavra utilizada por Heidegger para descrever essa operação é desentranhamento, o que denota a necessidade de um corte atemporal, profundo e mesmo violento na “realidade” observada.

Observemos cada um desses dois movimentos necessários ao método heideggeriano. A desconstrução da tradição ontológica que envolve a própria colocação da questão por todos os seres que pretendem desenvolvê-la se passa a chamar destruição da história da metafísica. Por outro lado, a repetição explícita da questão sobre o ser se transforma na elaboração de uma fenomenologia da vida cotidiana, com a qual Heidegger pretende desvelar as dimensões mais profundas da experiência humana.

Ser e Tempo, na verdade um tratado incompleto, como se sabe, se dedicará quase que exclusivamente à elaboração dessa fenomenologia da vida cotidiana. A destruição da história da metafísica, pretendida enquanto uma desmontagem dos sistemas filosóficos ocidentais e um conseqüente resgate das experiências originais presentes na motivação desses sistemas filosóficos – que acabaram por ficar escondidas sob a massa conceitual e especulatória gerada por esses sistemas – acabou por ser adiada pela impossibilidade anunciada pelo autor de, nessa fase do seu trabalho, libertar-se de uma linguagem ainda comprometida com a tradição metafísica que pretendia criticar. Efetivamente, o conjunto de trabalhos de leitura e crítica de grandes autores filosóficos, dentre os quais Parmênides, Anaximandro, Platão, Aristóteles, Leibnitz, Kant e Nietzsche, produzidos por Heidegger nas décadas seguintes, acaba por se constituir nessa parte ausente de Ser e Tempo, na medida em que procura opor, à doxografia (o conhecimento tal como enunciado pelos filósofos), as questões motivadoras essenciais de seus trabalhos.

Não obstante a abertura crítica possibilitada, ou melhor, efetivada, por Heidegger, é preciso lembrar que as fontes da corrosão pós-moderna são variadas. As vozes de alguns que foram loucos, convencionalmente, ou que emprestaram da loucura alguma voz, desde o século XVII – por exemplo, Bosch, Brueghel, Goya, Hölderlin, Nietzsche, Van Gogh, Nerval, Artaud – tiveram o efeito de corroer lentamente a noção de centramento do Eu, preparando o palco para esse grande desfecho dramático que é o peso do pensamento pós-moderno sobre séculos de convencionalismo metafísico.

Também a teoria psicanalítica, da qual a reflexão pós-moderna é grandemente tributária, ajudou a formular tal processo. Mais que isso, aliás, deve-se observar que a psicanálise ainda é um dos esteios reflexivos da ruptura pós-moderna. Se a psicanálise dos primórdios era centrada na noção de sujeito, ainda que propusesse o sujeito como o resultado de um processo de identificações, um veio importante da psicanálise contemporânea conforma-se, cada vez mais, como uma pesquisa sobre os processos de negociação entre as múltiplas e simultâneas identificações

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que marcam o indivíduo, que já não é um sujeito, meramente, mas um foco intersubjetivo.

Mais recentemente, outras colaborações contribuíram para consolidar esse foco intersubjetivo. Por exemplo, Foucault, que desvelou como a percepção de toda coerência é uma imputação social. Ou Lyottard, que, ao assinalar a tendência à falência das grandes unidades discursivas, abriu espaço para a significação de toda alteridade.

No horizonte desse conjunto de colaborações, o debate pós-moderno recoloca a questão de identidade. A pretensão racionalista de um Eu unitário e entrado é substituída pela noção de um Eu necessariamente parcial e múltiplo. A pós-modernidade leva ao colapso os conceitos de sujeito e consciência e, também, à elaboração de noções como negação, cisão e projeção do Eu para representar esses processos intersubjetivos.

A noção de intersubjetividade exige, efetivamente, a destruição da noção de sujeito. Ela não quer representar, simplesmente, a conexão entre sujeitos diversos, mas sim a multiplicidade de papéis e a multiplicidade de indivíduos. Se se pode falar, com a reflexão pós-moderna, num indivíduo descentrado, é preciso observar que não se trata de um sujeito doente, ou de um sujeito que perdeu sua capacidade de autocentrar-se e autoreferir-se, mas sim de um indivíduo que nunca foi outra coisa, na verdade, senão múltiplo. O coração da idéia de identidade na teoria pós-moderna é, mais que o da identidade discentrada, o da subjetividade sem sujeito. Como diz Maldonado,

Despida da armadura da subjetividade, a identidade se dissemina numa multiplicidade de segmentos perceptivos, afetivos, cognitivos, que se alteram entre si num processo de desobjetivação (MALDONADO 2001: 42).

A principal conseqüência da teoria pós-moderna sobre a idéia de uma subjetividade autocentrada seria, acreditamos, a abertura da possibilidade de uma inferência denegativa ao processo de ontologização do ente: o surgimento de um núcleo de contradição no Eu e, via ela, de um processo de construção da alteridade.

Já não se pode produzir, impunemente, a diferenciação do Eu. Já não teria sentido a idéia de Parmênides de um “sólido coração da verdade”. Já não se pode operar o reductio ad unum tomista sem ampliar a dúvida. Já não há mais sentido no cogito cartesiano, ou seja, na certeza do Eu, diante da experiência vivida. Esta é a experiência de estar no mundo simplesmente, imanentemente. Sem a aporia de uma transcendência prometida. A pós-modernidade destotaliza a identidade. Ela desrealiza a integralidade do sujeito. Ela descoincidencializa o homem e sua narrativa. Ela inverte o modelo piramidal do Eu e, ao fazê-lo, desconstrói não apenas a ontologia metafísica, mas a estrutura formal de toda questão sobre a identidade.

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Referências

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