• Nenhum resultado encontrado

“Português para inglês ver” : primórdios do ensino/aprendizagem de português como língua estrangeira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "“Português para inglês ver” : primórdios do ensino/aprendizagem de português como língua estrangeira"

Copied!
122
0
0

Texto

(1)1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS MESTRADO EM LETRAS. “PORTUGUÊS PARA INGLÊS VER”: PRIMÓRDIOS DO ENSINO/APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA. AMANDA CARVALHO SILVA. SÃO CRISTOVÃO 2012.

(2) 2. AMANDA CARVALHO SILVA. “PORTUGUÊS PARA INGLÊS VER”: PRIMÓRDIOS DO ENSINO/APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA. Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Linha de pesquisa: Língua, Cultura, Identidade e Ensino. Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira. SÃO CRISTÓVÃO 2012.

(3) 3. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE. S586p. Silva, Amanda Carvalho “Português para inglês ver”: primórdios do ensino/aprendizagem de português como língua estrangeira / Amanda Carvalho Silva; orientador Luiz Eduardo Meneses de Oliveira. – São Cristóvão, 2012. 121 f. : il. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Sergipe, 2012. 1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Língua portuguesa – Compêndios para estrangeiros - Inglês. 3. Língua portuguesa – Gramáticas – Dicionários. 4. Reforma do ensino. I. Oliveira, Luiz Eduardo Meneses, orient. I. Título. CDU 811.134.3(81).

(4) 4. AMANDA CARVALHO SILVA. “PORTUGUÊS PARA INGLÊS VER”: Primórdios do Ensino/Aprendizagem de Português como Língua Estrangeira. Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade Federal de Sergipe como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Linha de pesquisa: Língua, Cultura, Identidade e Ensino. Orientador: Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira.. Aprovada em: 17/05/2012. ________________________________________________________________________ 1º Examinador/Orientador - Prof. Dr. Luiz Eduardo Meneses de Oliveira Universidade Federal de Sergipe. ________________________________________________________________________ 2º Examinador/Orientador - Prof. Dra. Leda Pires Correa Universidade Federal de Sergipe. ________________________________________________________________________. 3º Examinador/Orientador - Prof. Dr. Sergio Ifa Universidade Federal de Alagoas.

(5) 5. Dedico este trabalho ao meu lindo time de vascaínos: a minha princesinha Gigi e o meu grande parceiro, meu marido Álvaro..

(6) 6. […] una cosa hallo y: saco por conclusión mui cierta: que siempre la lengua fue compañera del imperio; y de tal manera lo siguió, que junta mente començaron, crecieron y florecieron, y después junta fue la caída de entrambos. Antonio de Nebrija (1492).

(7) 7. RESUMO. Este trabalho pretende identificar e descrever as condições históricas que permitiram a origem e o desenvolvimento do ensino/aprendizagem do português como língua estrangeira. Para tanto, analisa duas das de Antonio Vieyra Transtagano (1712-1797): a New Grammar of the Portuguese Language in four Parts (1768) e seu A Dictionary of the Portuguese and English Languages in two Parts (1773), observando suas repercussões no ensino/aprendizagem do português como língua estrangeira. Embora já se tivesse notícia de obras produzidas, como o A Compleat Account (1701) e a Grammatica Lusitano-Anglica ou Portugueza, e Inglesa (1731), com o mesmo intuito quando os trabalhos de Transtagano foram publicados, as deste autor tanto foram longevas quanto serviram de referência para a confecção de gramáticas do português como língua estrangeira por autores não portugueses. O período entre os séculos XVII e XVIII marcou a expansão comercial através do mercantilismo, estimulando a competição entre os países pelo maior número de mercados. Foi também o momento em que os vernáculos atingiram sua consolidação, repercutindo na transformação da ideologia dentro dos manuais de ensino de língua à medida que os objetivos e exigências da sociedade se modificaram. Dessa forma, a língua portuguesa, além de ser vista como um instrumento para os fins catequéticos, adquiriu o estatuto de mediador nos intercâmbios comerciais. Com base nesse contexto, buscamos investigar na gramática e no dicionário supramencionados os elementos linguísticos que pudessem atender às necessidades daquele momento em relação ao ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.. Palavras-Chave: Português como Língua Estrangeira; Gramáticas e Dicionários; Intercâmbio Comercial; Ensino de Línguas; Reformas Pombalinas..

(8) 8. ABSTRACT. The present Dissertation aims at identifying and describing the historical conditions which enabled the origin and development of the teaching/learning of Portuguese as a foreign language. To do so, we analyzed two works of Antonio Vieyra Transtagano (1712-1797): A New Grammar of the Portuguese Language in four Parts (1768) and A Dictionary of the Portuguese and English Languages in two Parts (1773), by looking into their repercussions in the teaching/learning of Portuguese as a foreign language. Though there had been two previous similar publications by different authors, A Compleat Account (1701) and Grammatica Lusitano-Anglica ou Portugueza, e Inglesa (1731), by the time Transtagano‟s works were published, neither had the longevity and served as reference for the writing of Portuguese grammars and dictionaries as those of Transtagano‟s. The period between the 17th and the 18th centuries marked the commercial expansion by means of mercantilism, which stimulated the competition among European nations for a greater number of profitable markets. That was also the time when the national languages achieved their consolidation, making for the transformation of ideology inside the manuals of language teaching as the objectives and demands of society changed. Thus, the Portuguese language, besides being seen as a tool for proselytizing purposes, it acquired a mediating statute in the trading intercourse. Based on this context, we tried to look into the above mentioned grammar and dictionary the linguistic elements which could meet the needs of that moment as regards the teaching/learning of foreign languages.. Keywords: Portuguese as a Foreign Language; Grammar books and Dictionaries; Commercial Intercourse; Language Teaching; Pombal‟s Reforms..

(9) 9. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Folha de rosto da Arte da Grammatica da Língua Portugueza de Antonio José Reis Lobato, oferecida à Sebastião José de Carvalho e Melo.................................40 Figura 2 – Folha de rosto da Ars Grammaticae pro Lingua Lusitana (1672).................49 Figura 3 – Folha de rosto do Diccionario Castellano, y Portuguez (1721)....................49 Figura 4 – Folha de rosto do Compleat Account (1701).................................................56 Figura 5 – Folha de rosto da Grammatica Anglo-Lusitanica e Lusitano-Anglica (1751)...............................................................................................................................59 Figura 6 – A New Portuguese Grammar in four Parts (1768)………………………....80 Figura 7 – A Dictionary of the Portuguese and English Languages in two Parts (1773)..………………………………………………………………………………….91 Figura 8 – Regras de Acentuação em Peter Babad (1820)..............................................97 Figura 9 – Regras de Acentuação em A. V. Transtagano (1768). p. 2 de 5……........…98 Figura 10 – Folha de rosto da Portuguese and English Language Grammar, compiled from those of LOBATO, DURHAM, SANE and VIEYRA, and simplified for the use of students (1820)………………………………………………………………………..102 Figura 11 – Folha de rosto da Exercises upon the Different Parts of Speech of the Portuguese Language, referring to the rules of Mr. Vieyra’s Grammar (1824)……...103 Figura 12 – Explicação, Referenciação e Prática dos Artigos Definidos (p. 12)..........105 Figura 13 – Trecho de textos sobre Portugal para tradução (p. 109).............................106 Figura 14 – Trechos de texto sobre o Brasil para tradução (p. 113)..............................107. LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Algumas frases da “coleção dos termos do Comércio, Guerra, Navegação, etc”...................................................................................................................................74 TABELA 2 – Diálogos da Grammatica Anglo-Lusitanica e Lusitano-Anglica (1751) e da A New Portuguese Grammar in four Parts (1768).....................................................77.

(10) 10. SUMÁRIO. INTRODUÇÃO...............................................................................................................11 1. CAPÍTULO 1 – ASCENSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PORTUGUÊS................19 1.1 Língua e nação...........................................................................................................19 1.2 Os vernáculos em ascensão: a construção da consciência nacional..........................22 1.3 Ilustração da língua portuguesa: o papel da Gramática de João de Barros (14961570)..........................................................................................................................27 1.4 O Período Pombalino.................................................................................................32 2. CAPÍTULO. 2. –. PORTUGUÊS. COMO. LÍNGUA. ESTRANGEIRA:. INTERCÂMBIO COMERCIAL...............................................................................40 2.1 O interesse pelo Português: expansão linguística......................................................40 2.2 O Contexto Anglo-Português....................................................................................49 2.2.1. A Compleat Account of the Portugueze Language (1701).................................53. 2.2.2. Grammatica Lusitano-Anglica ou Portugueza, e Inglesa, a qual serve para. instruir aos Portuguezes no idioma Inglez (1731)....................................................56 2.3 A Formação do Perfeito Comerciante.......................................................................60 3. CAPÍTULO 3 – ANTONIO VIEYRA TRANSTAGANO: CONTRIBUTOS PARA O ENSINO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA.......................64 3.1 Antonio Vieira Transtagano (1712-1797)………………………………………….64 3.2 A New Portuguese Grammar in four parts (1768)…………………………………66 3.3 A Dictionary of the Portuguese and English Languages, in two parts; Portuguese and English, and English and Portuguese (1773)………………………………….81 3.4 Transtagano como Referência no Ensino do Português como Língua Estrangeira...92 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................109 REFERÊNCIAS............................................................................................................112.

(11) 11. INTRODUÇÃO. Esta Dissertação de Mestrado investiga o processo de institucionalização do ensino de português como língua estrangeira através do trabalho desenvolvido pelo professor português Antonio Vieyra Transtagano (1712-1797), relacionando-o com as Reformas Pombalinas da educação. Os resultados aqui expostos são oriundos dos seguintes projetos vinculados ao Grupo de Pesquisa História do Ensino das Línguas no Brasil (GPHELB): 1) “A Legislação Pombalina sobre o ensino de línguas: suas implicações na educação brasileira (1757 – 1827)”, financiado pela FAPITEC/SE (edital FAPITEC/SE /FUNTEC n.º 07/2008) e 2) “A Escola, o Estado e a Nação: para uma História do Ensino das Línguas no Brasil (1757 – 1827)”, financiado pelo CNPQ (processo n.º 400822/2008-3). Salientamos que os trabalhos desenvolvidos pelo GPHELB agregam pesquisadores das áreas dos Estudos Linguísticos e Literários e da História da Educação, visando à análise e interpretação das leis pombalinas e suas implicações na composição do sistema educacional português e brasileiro, bem como na produção de compêndios de línguas, a saber, gramáticas e dicionários. As obras selecionadas neste trabalho servirão de fontes para evidenciar as ideias linguísticas ao longo do tempo e sua relação com a produção de compêndios destinados ao ensino de línguas. Observa-se que a ruptura com o ensino eclesiástico, logo no início do século XVIII, foi acompanhada pela presença de intelectuais estrangeirados1, os quais marcaram o pensamento educacional português com suas contribuições e conhecimento advindos dos intercâmbios desenvolvidos nas diversas Academias europeias. Entre esses estrangeirados, foram destacados por nós o conhecido Marquês de Pombal2, o qual, creditado pela recuperação de Portugal, recebeu quase que uma “carta branca” para a execução de seus planos quanto à ascensão do reino português, e o professor português Antonio Vieyra Transtagano, que, mesmo distante de sua terra, acompanhou o debate acerca da necessidade de melhorias no setor socioeconômico e educacional de Portugal. Diante desse contexto, a língua portuguesa se fortaleceu, tornando-se patrimônio nacional. A língua exerceu papel fundamental no contexto português, visto que ela foi usada como instrumento de fortalecimento da consciência nacional, tendo 1. Para esclarecimentos sobre os estrangeirados, consultar a página 32 de nosso trabalho. Sebastião de Carvalho e Melo (1699-1782) foi ministro de D. José I e incumbido da responsabilidade de reconstruir a cidade de Lisboa após o fatídico terramoto ocorrido em 1755, quando se perdeu mais de 10 mil vidas (AZEVEDO, 2004, p. 120). 2.

(12) 12. acompanhado o império em todas as jornadas d‟além-mar. Segundo Anderson (2008, p. 79-80), os vernáculos ganharão força, tornando-se grandes sistemas de centralização administrativa, a partir da decadência do latim, iniciada no século XVI, contribuindo para o surgimento da “consciência nacional”. No caso português, o desejo de ascensão dos vernáculos motivou um dos grandes movimentos humanistas do século XVI, através de intelectuais como Fernão de Oliveira (1507-1582) com a sua Grammatica da Lingoagem Portugueza (1536), João de Barros (1496-1570), com sua Grammatica da Lingua Portugueza (1540), e Pero de Magalhães de Gândavo (?-1579), autor de Regras que ensinam a maneira de escrever e a orthografia da lingua portuguesa, com hum Dialogo que a diante se segue em defesam da mesma língua (1574). Esse sentimento de valorização do português esteve presente durante os anos que se seguiram, influenciando a organização metodológica dos compêndios destinados ao saber linguístico. Por esta razão, faz-se necessário, em nosso trabalho, observar de que forma estavam organizados esses compêndios, nomeadamente gramáticas e dicionários, e como se relacionaram com o pensamento de sua época. Com o presente trabalho, pretendemos: a) mostrar como se deu o ensino de português como língua estrangeira com a expansão do Império Português; b) apresentar o cenário econômico português que ensejou a ascensão dos vernáculos e a produção de compêndios vernaculares, bem como a legislação referente à matéria e suas implicações no processo de institucionalização do ensino de língua portuguesa em Portugal e seus domínios; c) identificar e analisar os compêndios de língua portuguesa como língua estrangeira produzidos principalmente no século XVIII e destinados aos ingleses; e d) investigar de que maneira as obras produzidas por Antonio Vieyra Transtagano marcaram a tradição do ensino de português como língua estrangeira. Trataremos no primeiro capítulo, da ascensão das línguas vivas e nesse contexto, da contribuição do movimento de defesa do português, com a obra de João de Barros, bem como das implicações das leis pombalinas relacionadas ao ensino, especialmente o do português, nos Alvarás de 1757, 1759 e 1770, tudo isso repercutindo na produção de compêndios destinados ao conhecimento da língua portuguesa, iniciando o movimento de consolidação da língua como pertença nacional (FÁVERO, 2005, p. 319). Esse processo de consolidação, que ganhará espaço propício com a chegada do Iluminismo português, representado politicamente por Pombal e seus partícipes, reverberou na propagação da língua portuguesa como língua estrangeira..

(13) 13. As Reformas Pombalinas desembocam numa série de ações com implicações políticas sobre o ensino de línguas, uma vez que o Estado toma para si a responsabilidade de institucionalizar o ensino no reino e em seus domínios, banindo efetivamente a presença dos religiosos da Companhia de Jesus, que até a ascensão de D. José I estiveram à frente das decisões educacionais do reino português. A amplitude do projeto pombalino vai além das questões meramente educacionais, e não se faz pertencente apenas ao período em que o rei D. José I esteve no governo, pois tomou proporções culturais, como afirma Oliveira (2008, p. 8-9), gerando um verdadeiro sentimento de identidade cultural e nacional, ao mesmo tempo em que resgatava e reinventava o passado memorável de Portugal. Em virtude da importância do seu trabalho, é possível observar a continuidade da obra pombalina até mesmo cinquenta anos após a morte de D. José I, havendo Sebastião de Carvalho e Melo já sido destituído de seu cargo de primeiro Ministro no governo de D. Maria I. Conforme nos diz Oliveira (2008, p. 27) sobre a extensão do ideário pombalino, que se fez visível inclusive no Brasil, mesmo com a implantação do próprio Estado: [...] a aplicação e desenvolvimento, na colônia [brasileira] que se transformou em sede do governo português, das diretrizes estabelecidas pelas reformas do gabinete de D. José I, serviu para mostrar que a legislação pombalina sobre o ensino de línguas transcendeu o contexto das reformas da segunda metade do século XVIII e estabeleceu um período de continuidade, do ponto de vista da história do ensino das línguas no Brasil, que comporta os governos de D. José I, D. Maria I e D. João VI, bem como do seu filho e sucessor D. Pedro I, uma vez que a permanência, mesmo depois da Independência, de uma geração de intelectuais que passaram por todo esse processo, tais como Martim Francisco (1775-1844) e Cairu (1756-1835), em instâncias decisórias de âmbito educacional, dentre outros fatores, contribuiu de modo eficaz para a manutenção, propagação e até mesmo apropriação de valores advindos da universidade reformada de Coimbra, talvez a grande obra cultural do Marquês de Pombal.. Iniciamos por destacar obras que se destinavam ao ensino de língua portuguesa, dentro e fora de Portugal, e, de certo modo, precursoras do ensino do português como língua estrangeira, como é o caso da Grammatica da Lingoagem Portugueza (1536), de João de Barros. Por essa razão, julgamos ser relevante um breve panorama de alguns compêndios de língua, nos quais a língua portuguesa era efetivamente apresentada como um idioma estrangeiro, como em Ars Grammaticae pro Lingua Lusitana (1762), do padre Bento Pereira (1605-1681) e o Diccionario Castellano y Portuguez (1721)3, do padre Raphael Bluteau (1638-1734). 3. Na verdade o Diccionario Castellano y Portuguez é um suplemento do Vocabulário Portuguez e Latino (1721), iniciado na página 653..

(14) 14. Na trajetória da expansão da língua portuguesa, observam-se as diferenças de concepção de língua ao longo dos anos, ou seja, as diferentes ideologias presentes no modo como os compêndios eram produzidos. Enquanto no tempo de João de Barros a língua era um instrumento aliado à catequização dos “infiéis”, no século seguinte passa a ser mediadora do processo de se chegar ao latim, como o que aconteceu nas obras de Pereira e Bluteau, entre outras. Entretanto, o caráter pragmático da língua sofrerá outra mudança, quando a sociedade europeia transforma suas necessidades, voltando-se para a evolução científica e principalmente econômica. Exploramos, pois, essas diferentes ideias linguísticas no segundo capítulo, com o objetivo de se chegar ao debate acerca das relações entre o reino português e a Inglaterra, para então destacarmos a produção de obras compiladas com o claro propósito de manutenção dessa relação. Referimo-nos precisamente às obras dedicadas ao ensino do português como língua estrangeria, destinadas ao público inglês, escritas em seu idioma, a fim de facilitar o aprendizado da língua estrangeira. Embora Portugal e Inglaterra sejam historicamente conhecidos como parceiros de longa data, os ingleses reclamavam da escassez de manuais didáticos nos quais a língua portuguesa pudesse ser bem aprendida. Eis que se publica, em 1701, um dicionário, intitulado A Compleat Account of the Portugueze Language4, o qual consistia em anotações particulares do autor acerca da língua, somente vira à luz por “insistência de amigos”5. Portanto, não tendo sido uma obra consistente, registrava-se ainda em Londres, em 1731, a demanda por obras para o aprendizado do português, conforme afirma J. Castro6, em sua Grammatica Anglo-Lusitanica e Lusitano-Anglica (1731). Com o pensamento de que a língua latina era o meio para se chegar a “unificação teórica” a qual esteve associada a ideia de gramática, principalmente com a concepção de gramática geral advogada pelos franceses Claude Lancelot (1615–1695) e 4. Título completo da obra é A Compleat Account of the Portugueze Language. Being a Copious Dictionary of English with Portugueze, and Portugueze with English. Together with Easie and Unerring Method of its pronunciation, by a distinguishing Accent, and a Compendium of all the necessary Rules of Construction and Orthography digested into Grammatical Form. To which is subjoined by way of Appendix their usual Manner of Correspondence by Writing, being all suitable as well to the Diversion and Curiosity of the Inquisitive Traveller, as to the Indispensable Use and Advantage of the more Industrious Trader and Navigator to most of the known Parts of the World. 5 Assim nos diz o autor em seu Prefácio intitulado To the Reader (A. J., 1701, s.n.). 6 Não sabemos ao certo quem foi J. Castro. Por uma semelhança entre nomes, suspeita-se que o médico judeu Jacob Castro Sarmento possa ter sido o autor da gramática. Entretanto, apesar de todas as suas contribuições e influência enquanto intelectual de sua época, podemos descartar a hipótese de que ele tenha sido o autor da Grammatica Anglo-Lusitanica, uma vez que optava por usar seu sobrenome “Sarmento” em suas publicações, além de sempre usar o português com bastante acuidade, em contraste com o que observa-se na obra supracitada (CARDIM, 1923, p. 443)..

(15) 15. Antoine Arnauld (1612-1694)7, as gramáticas acabam por ser traduções umas das outras, uma vez que eram regidas pelo mesmo fundo latino. Conforme Auroux (1992, p. 42), Foi necessário primeiro que a gramática de uma língua já gramaticalizada fosse massivamente empregada para fins de pedagogia linguística, porque esta língua se tornou progressivamente uma segunda língua, para que a gramática se tornasse – o que tomará um tempo considerável – um técnica geral de aprendizagem, aplicável a toda língua, aí compreendida a língua materna.. A gramática geral, também conhecida por filosófica, especulativa, universal ou racional foi “concebida como uma introdução a diferentes gramáticas de línguas”, motivada pela ideia de que as línguas consistem num conjunto de regras comuns a todas elas (AUOURUX, 1992, p. 86). Dessa forma, muito nos moldes da gramática geral, Castro descreve a língua portuguesa especialmente ao público inglês e português, dividindo sua gramática em duas partes, uma sobre o inglês, e outra sobre o português. A ação de Castro8 afina-se com o que pretendeu Pombal com a abertura do Real Colégio dos Nobres, em 1761. O surgimento do Colégio evidencia a preocupação de Pombal, quando institui o ensino de matérias técnicas, associadas à importância de se aprender idiomas estrangeiros que melhor pudessem intermediar as relações de negócio. Surge então a cadeira de língua inglesa retomando os objetivos de outrora, quando Portugal e Inglaterra se mantinham parceiras, incentivando a produção de compêndios que pudessem auxiliar o aprendizado nas Aulas do Colégio. Embora tenhamos estudado obras como o Compleat Account (1701), de A. J., e a Grammatica Anglo-Lusitanica e Lusitano-Anglica (1731), de J. Castro, voltadas para o público luso-inglês, partimos da hipótese de que Antonio Vieyra Transtagano (17121797) tenha sido um intelectual marcante que ajudou a colocar a língua portuguesa num patamar de igualdade com outras línguas. Portanto, dedicamos a Antonio Vieyra Transtagano o terceiro capítulo, no qual analisaremos suas obras, A New Grammar of the Portuguese Language in four parts (1768) e o A Dictionary of the Portuguese and English Languages in two parts (1773), assim como a repercussão que tiveram quando da produção de compêndios posteriores, destinados ao ensino de português como língua estrangeira. Seus livros, analisados nesta pesquisa, foram importantes não só no que 7. Autores de a Grammaire générale et raisonnée (1660). O estudo entre a obra de Castro e sua relação com as Reformas Pombalinas, especialmente quanto ao ensino de língua inglesa, foi iniciado por Elaine Maria Santos, membro do GPHELB. Cf. SANTOS, 2010. 8.

(16) 16. tange à questão das letras e das artes, mas também ao propósito de alavancagem de Portugal ao nível econômico desejável. Por isso, elaborou suas tecnologias metalinguísticas para subsidiar a relação luso-inglesa, sobretudo no âmbito do comércio, navegação e guerra. No que tange às obras em si, estas tiveram seu valor reconhecido tanto pelos portugueses como também por estudiosos de outras nações, tais como o padre francês Peter Babad (1763-1846), autor de Portuguese and English Grammar (1820), John E. Mordente (? - ?), quem escreveu Exercises upon the Different Parts of Speech of the Portuguese Language Referring to the Rules of Mr. Vieyra’s Grammar (1806), e Alexandre Marie Sané (1773-1818), autor francês de Nouvelle Grammaire Portugaise (1810), cujas obras foram baseadas nos compêndios de Transtagano. O modelo de gramática era o latino, tendo a partir do século XVIII sido influenciado fortemente pela ideia de “Gramática Geral” 9. Segundo Auroux (1992, p. 89), ela atinge seu apogeu no século XVIII, quando o pensamento de unificação de regras gramaticais a partir da observação factual das línguas estava em voga, e teve como “finalidade prático-teórica tomar o lugar que vimos ocupar a gramática latina ante as línguas do mundo”. No tocante às questões lexicais, fizemos uma análise de alguns verbetes, observando a seleção, classificação e explicação dos mesmos, para que pudéssemos evidenciar ou comprovar o objetivo a que se propunham os autores quando da elaboração de suas obras. Dessa forma, na análise dos compêndios apresentados nesta Dissertação, observamos sua organização estrutural-gráfica, seleção de conteúdos e método, bem como o teor ideológico motivador de sua própria impressão. Para tanto, nos fundamentamos nos Prefácios, Posfácios, notas de rodapé, Avisos, Advertências, Dedicatórias, Prólogos, ou quaisquer outras marcas do autor ou editor das obras, às quais Chartier (2009) classifica como protocolos de leitura, essenciais como indícios de investigação interpretativa para qualquer pesquisa textual: [...] os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa compreensão de seu texto, mas também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo (CHARTIER, 2009, p. 78). 9. Falcon (1993, p. 117) considerou a língua latina como uma “metalíngua”, já que o latim era usado tanto para descrever a si mesmo como a outras línguas. Isto explica por que as gramáticas daquele período explicavam os principais fundamentos da língua através da língua latina..

(17) 17. Portanto, mantivemos a ortografia e pontuação originais dos autores, mesmos que dentro de suas obras eles grafem a mesma palavra diferentemente, fato justificado pela não consolidação da ortografia no período do estudo. Como a maioria de nossas fontes são obras digitalizadas, disponíveis em domínio público, frequentemente estaremos indicando onde encontrá-las, a fim de dividir os resultados que encontramos, visto que a tarefa de busca por fontes primárias é bastante árdua. Além da dificuldade em encontrar fontes bibliográficas originais, enfrentamos problemas de ordem biográfica também. Por esta razão é que em alguns momentos certos autores não estão indicados por seus respectivos anos de nascimento e/ou morte. No tocante ao referencial teórico desta pesquisa, nossas fontes norteadoras se constituem pelas mesmas bases que dão sustentação às pesquisas do GPHELB 10. São elas: legislação sobre ensino de línguas; compêndios (Catecismos, Cartilhas, Gramáticas, Dicionários, Manuais de Retórica e Poética, Seletas, Livros de Leitura e Histórias Literárias) e biografias, memórias e autobiografias de professores. Consultamos fontes primárias, como também alguns referenciais teóricos emprestados da história das ideias linguísticas (AUROUX, 1992; BUESCU, 1969; HUE, 2007; TORRE, 1985), da história cultural (ANDERSON, 2008; HOBSBAWN, 1990); da historiografia educacional (ANDRADE, 1978; CARVALHO, 1978; OLIVEIRA, 2010); e da metalexicografia (VERDELHO, 1982; 2007; 2011; SILVESTRE, 2007). Consideramos importante explicar ao leitor como chegamos às poucas informações biográficas acerca do autor português Antonio Vieyra Transtagano. Isto por que a trajetória de busca por elas foi por vezes frustrante e nos levou, inclusive, a remodelar nosso objeto inicial de pesquisa.11 As informações sobre a carreira de magistério de Transtagano foram conseguidas com a ajuda dos funcionários do Manuscripts & Archives Research Library e Duty Library da Trinity College Dublin. Não foi possível obter cópias digitalizadas ou fotocópias dos documentos que registram a presença do autor, como as revistas, minutas de reunião, e livros. Todavia, nos foi indicado cada um deles, mencionando as páginas em que Transtagano era assunto. Especificamente, o nome de Transtagano está registrado em: Trinity College, Dublin, 1592-1952: an academic history (1982), escrito por R. M. McDowell e D. A. 10. Informações. sobre. o. GPHELB. encontram-se. disponíveis. em:. http://sites.ufs.br/antigos/grupos/gphelb/ 11. O projeto a ser desenvolvido inicialmente propunha uma investigação biobibliográfica sobre Transtagano, mas a dificuldade em encontrar fontes biográficas fidedignas nos levou a repensar nosso trabalho..

(18) 18. Webb, no qual Transtagano aparece entre as páginas 57 e 58 e a Revista Hermathena, de 1968, edição 102-105, p. 54. Além desses, existem as minutas de reunião do Conselho da Trinity College: TCD MUN/V/5/3, março de 1740-20 de dezembro de 1783, p. 360-362, TCD/MUN/V/5/3, 4 de agosto de 1774, p. 297, TCD MUN/LIB/10/209, 18 de julho de 1796 e TCD MUN/LIB/10/214a). 12. 12. Todos com quem entramos em contato foram imensamente solícitos, buscando e nos enviando o quanto puderam indícios da presença e ações de Antonio Vieyra Transtagano na Trinity College. Os documentos aqui citados podem ser conseguidos via contato presencial. Infelizmente, não nos foi possível uma viagem até a Irlanda..

(19) 19. 1. ASCENSÃO E CONSOLIDAÇÃO DO PORTUGUÊS. 1.1 Língua e nação. O século XVIII é reconhecido como um dos períodos da história da humanidade de maior efervescência, quando se observa os primeiros passos rumo à formação da identidade nacional, vista como um sentimento de pertença a uma mesma nação, ainda que inventada, e que devido a ele, todos possuem interesses e vontades comuns, como indica Geary (2005, p. 27). A formação do conceito de nação, embora considerado historicamente recente, estabelece-se a partir do “elemento do artefato”. Esse elemento configura-se como uma verdadeira engenharia social capaz de construir uma identidade nacional. Somado a isso, existe ainda um princípio no qual a nação foi concebida e o qual sustenta que a unidade política e nacional deve ser congruente: o nacionalismo. Critérios para fundamentar a “questão nacional” foram estabelecidos a partir da língua, território, cultura e história comuns a certos grupos. É bem verdade que esses mesmo critérios não são os únicos meios para explicar a formação das nações, tendo em vista que possa haver exceções à regra, o que nos leva a crer que a própria “definição objetiva de nação seja uma definição subjetiva”. Todavia, esses critérios foram usados durante anos para definir as nações, principalmente porque se tornaram convenientes no que tange aos intuitos propagandísticos e programáticos dos Estados. Na prática, havia três critérios fortemente capazes de classificar um povo como nação. De acordo com Hobsbawm (1990, p. 49), o primeiro era a associação histórica a um Estado existente. O segundo era a existência de uma elite cultural acompanhada de um vernáculo administrativo e literário. Tal critério serviu para a identificação das nações italiana e alemã. Muito embora não possuíssem um Estado único, esta identificação nacional era sobremaneira linguística. Por último, a capacidade para a conquista, segundo a qual um povo imperial não só possibilitaria a consciência nacional, como também, tempos depois, daria “a prova darwiniana do sucesso evolucionista enquanto espécies sociais”. Tal como sugere Anderson (2008, p. 42), em sua obra “Comunidades Imaginárias”, as nações foram invenções que, mesmo às bases dos critérios supracitados, permitiram preencher o vazio deixado pelos laços que antes serviram para unir os povos em suas comunidades, a exemplo daqueles ligados à religião. O uso de.

(20) 20. uma língua e escrita sagradas (quanto mais antiga, mais sacra) compunham essas comunidades religiosas. O latim eclesiástico e o árabe corânico como línguas-verdade, por exemplo, segundo o autor, estavam permeados por “um impulso largamente estranho ao nacionalismo”. Entretanto, o poder das comunidades religiosas foi diminuindo após o final da Idade Média, não só com a ampliação da visão cultural e geográfica a partir das explorações territoriais, mas principalmente com a dessacralização das línguas tidas como sagradas, o capitalismo tipográfico, a gramatização dos vernáculos e a escolarização. Quando o pensamento religioso e a fé numa língua sacra não mais dão respostas à obscuridade e ao sofrimento, a ideia de nação vem substitui-lo (ANDERSON, 2008, p. 38). Isto posto, vemos que no século XVIII o sentimento de pertença deixou de se ajustar à religião para ajustar-se às nações e aos Estados. O século do Iluminismo marca o início da era do nacionalismo. Esse processo se dá, dentre outras maneiras, através da unidade linguística. É a língua materna comum a todos que une um povo ao redor de uma identidade nacional ideal, de um objetivo. É a língua vernácula padrão, independentemente das variantes faladas em outras regiões, que transmite o sentimento de identidade de um povo – é o nascedouro do critério etnolinguístico de nacionalidade. Isso faz parte do plano pertencente a uma ideologia nacionalista em seu processo de criação das comunidades imaginadas, descrito por Geary em três estágios: Uma versão bem definida de como a ideologia nacionalista propicia a ação de movimentos de independência, especialmente na Europa Central e no Leste Europeu, pressupõe três estágios no processo de criação dessas comunidades imaginadas. Em primeiro lugar, ela inclui o estudo da língua, da cultura e da história de um povo subjugado, empreendido por um pequeno grupo de intelectuais “alertas”. Em segundo, a transmissão das ideias dos acadêmicos por um grupo de “patriotas”, que as disseminam por toda a sociedade. Por fim, o estágio no qual o movimento nacional atinge seu apogeu (GEARY, 2005, p.30).. Diminui-se a atenção numa língua sagrada, direcionando-a para as línguas nacionais, uma vez que são elas, então, capazes de distinguir um povo do outro. Entretanto, observa Hobsbawm (1990, p. 70-76) que a língua nacional é um construto semiartificial “virtualmente inventado”, em que a escolha de torná-la homogênea e padronizada é política e possui implicações óbvias13. Enquanto a língua sagrada garantia 13. Num sentido político, a língua estendia-se como uma representação de um povo, tendo poder de lembrar aos nacionais e reforçar nos conquistados quem era seu soberano. Era, pois, estrategicamente conveniente que fosse dada atenção à língua não apenas por questões estéticas, mas por ela ser um dos meios construtores da ideia de pertença nacional. Sendo assim, justificava-se a padronização e mesmo a.

(21) 21. o sentimento de pertença, a língua nacional contribuía, pois, para consciência de pertença implantada pelo nacionalismo, porque “onde existe uma língua de elite, administrativa ou culta, por menor que seja o número daqueles que a usam, ela pode tornar-se um elemento importante da coesão protonacional”. O nacionalismo foi uma ferramenta essencialmente poderosa usada pelos governos a partir da projeção de sentimentos identificatórios capazes de agregar indivíduos em suas comunidades, assim imaginadas, fomentando cada vez mais a busca por outros fatores que servissem para a identificação de um povo. A língua foi um desses poderosos símbolos identificatórios reforçados nos discursos das provisões de leis, ou até mesmo dentro dos compêndios destinados ao conhecimento linguístico. Dessa forma, no contexto português, as leis se mostraram um construto ideológico que, ao imporem a língua portuguesa em seus domínios, pretendiam garantir seu poderio territorial. Não obstante, para italianos e alemães, por exemplo, a língua era “mais do que veículo de expressão para uma literatura de prestígio e para expressão intelectual internacional. Era, na verdade, a única coisa que os fazia alemães e italianos, e consequentemente tinha um peso maior para a identidade nacional” (HOBSBAWM, 1990, p. 127). Não vemos como aleatória, por exemplo, a expedição da Lei de 1757, mais conhecida como a Lei do Diretório, na qual se tem por proibido o uso da língua falada pelos índios na maior colônia portuguesa, “verdadeiramente abominavel, e diabólica”14. O governo português não só reconhecia a verossimilhança do dito “uma língua, uma nação”, mas também sabia que impor a língua portuguesa era uma estratégia de poder para garantir, naquele momento, as posses das terras em solo americano, tatuando a língua e domínio portugueses. A construção do nacionalismo linguístico pode emergir desde a padronização das línguas vivas até a redescoberta de línguas mortas ou extintas, caracterizando-se como um construto político-ideológico, visto que a identificação de uma nação com reinvenção do vernáculo, se isso significasse dar ao mesmo mais características particulares, ou seja, era mais interessante que se tirassem o “gn” das palavras portuguesas para ela se parecesse menos com o italiano e mais genuína. Muitos autores do século XVIII defendiam a padronização do português e a simplificação da língua argumentando frequentemente a necessidade de distanciamento das línguas de quem o português também se originou. Entre eles, temos Luís Antonio Verney (1746), Antonio de Mello Fonseca (1710), António José dos Reis Lobato (1770) e Antonio Vieyra Transtagano (1768). Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, em consonância com o que pensou Verney autoriza a gramática de Reis Lobato onde se encontram tais ideais. 14 Lei do Diretório (PORTUGAL, 1830, p. 509). Essa lei obrigou os colonos dos territórios portugueses, principalmente no Brasil, a usarem a língua portuguesa como língua oficial, impedindo que a língua da costa se expandisse e tomasse proporções ameaçadoras para o governo português..

(22) 22. uma língua ocorre sob o controle do Estado, o qual garante o reconhecimento oficial da língua nacional. Isso porque qualquer que seja a motivação ou o grau de manipulação da língua, o poder do Estado é imprescindível e, portanto, “não são os problemas de comunicação, ou mesmo de cultura, que estão no coração do nacionalismo da língua, mas sim os de poder, status, política e ideologia” (HOBSBAWN, 1990, p. 134). O poder que o Estado exerce incide na (re)construção da história da própria nação. Tal prática, consciente ou inconsciente, da busca de mitos, lendas e folclores num passado longínquo é característica em várias nações europeias. No século XII, escritores e poetas da Inglaterra criariam as bases de sua “Inglesidade” Inglesa (England’s Englishness) a partir das histórias de seus heróis do passado. São os discursos em defesa e glória de um povo e sua cultura, sobretudo quando apoiados e alimentados pelo mecenato, que ajudarão a assegurar ideologia política do Estado. Em Portugal, os intelectuais foram ativos durante esse processo discursivo, chegando ao auge no século XVIII, quando o mecenato pombalino serviria para atender aos objetivos propagandísticos da própria governação. Tudo isso se encontra abundantemente registrado em inúmeras obras autorizadas pela Real Mesa Censória, criada pelo conhecido Marquês de Pombal.. 1.2 Os vernáculos em ascensão: a construção da consciência nacional. A língua não representa apenas um dos elementos que fundamentam o processo de identidade nacional, mas também um instrumento essencial durante as trocas culturais e comerciais entre os povos distintos. Com o crescente comércio ultramarino, o ensino e aprendizagem de língua estrangeira fizeram-se extremamente necessários, na medida em que se atribui ao vernáculo o caráter funcional nas relações de intercâmbio. Isso explica porque pequenas listas contendo verbetes que auxiliassem na comunicação entre soldados, comerciantes, viajantes e marinheiros, para os seus diversos fins, foram elaboradas (ANDERSON, 2008, p. 111). Não menos relevante é o papel da língua quando das missões religiosas. Sabe-se que os membros da Igreja Católica aprendiam os idiomas falados pelos nativos, das diversas regiões que visitavam, e que, ao regressarem aos seus países de origem, incumbiam-se da compilação de dicionários e gramáticas, de modo a dividir esse conhecimento metalinguístico com seus compatriotas (TORRE, 1985, p. 7). Tal foi o caso do Pe. José de Anchieta (1534-1597), em sua Arte da grammatica da lingoa mais.

(23) 23. usada na costa do Brasil (1595), a qual muito foi útil aos missionários quando da conversão dos índios, uma vez que eliminava a necessidade do trabalho de intérpretes 15. Percebe-se que a utilização do conhecimento metalinguístico dos vernáculos servia, sobretudo, para a catequese e para a facilitação das relações comerciais e na guerra, ao longo dos séculos. Entretanto, vemos que o vernáculo passou a ser usado nas leis, nos cultos ou rituais religiosos, no comércio e nos meios de comunicação sobremaneira durante o período oitocentista. A “descoberta” de novos povos levou à “descoberta” de línguas mais antigas que as consideradas clássicas, a saber, o grego, o hebraico e o latim. Somente no final do século XVIII, Com a conquista inglesa de Bengala, surgiram as investigações pioneiras do sânscrito de William Jones (1786), que permitiram entender melhor que a civilização indiana era muito anterior a Grécia e a Judéia. Com a expedição napoleônica ao Egito, os hieróglifos foram decifrados por Jean Champolion (1835), o que pluralizou a Antiguidade extra-européia (ANDERSON, 2008, p. 111).. O pensamento de que a sacralidade e o status de uma língua dependiam de quão antiga era, influenciou na diminuição do valor atribuído ao latim. Concomitantemente, percebe-se que outras línguas podem possuir potencial de expressão tão elaborado quanto o das línguas clássicas. Essa ideia fundamenta o movimento de ilustração dos vernáculos do século XVI e no seguinte, principalmente com a reapropriação dos clássicos e suas novas perspectivas: Em vários países, os homens de letras estavam empenhados em uma defesa da língua nacional como idioma da alta cultura do Renascimento, e na ilustração das línguas vulgares através da incorporação de novos vocábulos e da imitação dos clássicos latinos e gregos, com o objetivo de construir um idioma tão completo e expressivo quanto o latim (HUE, 2007, p. 13).. Esse impulso vernaculizante fez-se exequível com a intensificação do capitalismo tipográfico. Como o conhecimento sobre as línguas clássicas restringia-se ao grupo das elites bilíngues, e a proporção de bilíngues na população total da Europa era bem reduzida, obras em vernáculo ofereciam uma possibilidade de vendas maior para o mercado editorial. Afinal, os livreiros vendiam o que fosse interesse do maior número de pessoas, o que é próprio do capitalismo. Isso nos remete ao binômio naçãolíngua, uma vez que a ideia de nação tornou-se popular onde havia o desenvolvimento da imprensa – motivo: o capitalismo. De acordo com Anderson (2008 p. 77-78), uma 15. Auroux (1992, p. 74) chama de exogramatização o processo de descrição de um vernáculo, sem escrita, a partir da transferência de tecnologias de descrição de uma língua já gramaticalizada. É então o caso da língua da costa, que se torna gramaticalizada a partir dos conhecimentos latinos dos missionários jesuítas..

(24) 24. das razões que tornaram possível “imaginar” as novas comunidades, “foi uma interação mais ou menos casual, porém explosiva, entre um modo de produção e de relações de produção (o capitalismo), uma tecnologia de comunicação (a imprensa) e a fatalidade da diversidade linguística humana”. Essa tecnologia ao mesmo tempo que facilitou a reprodução dos escritos, obrigou tanto os encarregados quanto os leitores a “reverem muitas das noções adquiridas: a busca da correcção tipográfica” (FEBVRE & MARTIN, 1958, p. 338). Assim, a imprensa auxilia não só na propagação, mas, sobretudo no desenvolvimento e cristalização da língua nacional. As línguas impressas fundamentaram as bases da consciência nacional, criando oportunidades estáveis de intercâmbio e comunicação mais populares que o latim, e mais elaboradas que os vernáculos falados. Isso porque o capitalismo tipográfico ajudou não só na padronização da língua, mas também na construção do status de língua impressa, sobretudo nos casos em que as línguas oficiais transformaram-se em vernáculos administrativos (ANDERSON, 2008, p. 81). Segundo Hallewell (2005, p. 85), a imprensa foi impulsionada primeiramente pelos jesuítas em suas missões, quando da necessidade de produzir material para os fins da catequese. Eles foram os pioneiros na operação dos prelos. Muito embora servisse inicialmente para a impressão de obras de cunho religioso, o aparato tipográfico trouxe benefícios tanto de ordem administrativa, pois facilitava a reprodução de cópias dos documentos, quanto linguística, uma vez que tornou possível a firmação do padrão da língua. Não é aleatória a observação de Buescu (1978, p. 12) quando diz que A imprensa, introduzida em Roma na 2ª metade do século XV, abre, naturalmente, uma época nova. Começa, pois, a fazer-se sentir o desejo de produzir textos que falassem uma linguagem acessível a um público infinitamente mais vasto. Ora, é significativo notar que o advento da imprensa coincide cronologicamente com os primeiros gramáticos italianos. [...] Significativo, parece, também, o facto de a imprensa promover e exigir uma uniformidade regulamentar da Ortografia, até então anárquica e caprichosa, submetida a toda a gama de critérios individuais.. Assiste-se no século XV, ainda segundo Buescu, o surgimento do movimento de imposição do vernáculo. Esse movimento, justificado pelo fato de que o próprio latim havia sido enriquecido em trabalho conjunto de escritores e poetas, se espalhou por toda a Europa, uma vez que se intencionava fazer o mesmo com o vulgar – paulatinamente, os meios literários, científicos e administrativos serviram para respaldar o vernáculo em competição com o latim. Os humanistas do Renascimento passam a reconhecer e defender o vernáculo como língua nacional. Em 1525, Pietro Bembo (1470-1547).

(25) 25. publicou sua Prose della volgar língua, em 1535, Juan de Valdés (1504-1541) escreveu o Diálogo de la lengua, e apenas cinco anos depois, João de Barros (1496-1570) publicou seu Diálogo em louvor da nossa linguagem. A partir de então, os vernáculos ascendem para um lugar de nobreza, pois os “homens as puseram na perfeição que agora têm”, conforme nos disse Fernão de Oliveira (1871). Conforme Hue (2007, p. 15), As línguas modernas faziam então sua entrada no mundo da cultura, saindo da esfera estritamente familiar e comercial, e, para tanto, construíam-se a si mesmas por meio do trabalho de seus primeiros lexicógrafos e gramáticos, e de seus escritores e poetas, que as iam moldando, inovando e revestindo de novas capacidades e brilhos, durante o longo e irregular processo de ilustração da língua.. Mesmo o Latim, que não tendo sido realmente um instrumento de verdadeira comunicação, permaneceu consagrado como língua clássica dos doutos e ligado à educação universitária e aos Colégios das Ordens. Mas, é no Renascimento que a gramática referencial das aulas de Retórica deixa de ser a latina e adapta-se ao vulgar. Em Portugal, a defesa da língua nacional dialogava com o projeto imperialista no qual a coroa portuguesa encontrava-se engajada – “melhor he que ensinemos a Guine ca que sejamos ensinados de Roma” (OLIVEIRA, 1871, p. 12). Ao serem equiparados como de mesmo valor e capacidade expressiva – caráter antes atribuído às línguas clássicas – os vernáculos tornaram-se dignos de estudo e investigação. Isso contribuiu não só para que os falantes valorizassem sua própria língua, mas também culminou na intensa produção de dicionários monolíngues e bilíngues, principalmente no fim do século XVIII e início do século XIX. É comum encontrar nos compêndios, textos em defesa do vernáculo, todos fundamentados no discurso de (re)construção de uma memória em torno de um povo relacionado àquela língua (ANDERSON, 2008, p.110-111). O retorno ao passado valioso de um povo ocasionou o surgimento do discurso que visava à criação de uma identidade nacional, bem como à estabilização e padronização da língua literária, em consonância com programas políticos em busca de afirmação nacional16. Não é diferente a questão da necessidade de afirmação linguística enquanto patrimônio nacional em Portugal. Nos prólogos das duas primeiras traduções espanholas de Os Lusíadas, acadêmicos e poetas castelhanos classificaram a língua portuguesa de 16. De acordo com Geary (2005, p. 27-29), a busca por um passado mítico fundador se deu pelos “esforços criativos dos intelectuais e políticos que transformaram antigas tradições românticas e nacionais em programas políticos”..

(26) 26. “áspera”, “ignorada” e que “contrastava para la perfeccion del verso” (apud HUE, 2007, p. 9). Vários poetas e escritores, e, surpreendentemente, portugueses, afirmavam que uma obra de tal magnitude e importância não deveria ter sido escrita em uma língua “bárbara”, mas sim numa língua de civilização e cultura, isto é, na língua latina ou na castelhana, que por volta do final do século XVI já tinha atingido status de língua franca. O castelhano é adotado em Roma, por volta de 1536, como língua da diplomacia, o que promoveu a sua “internacionalização”. Vários autores portugueses no século XVI tinham de escrever em espanhol para que as suas obras fossem aceitas e lidas, uma vez que esta língua era, na época, a mais difundida e continha o maior número de leitores (HUE, 2007, p. 11). Entretanto, maior que a luta do português diante do espanhol, para se firmar como língua de nobreza, foi conseguir um lugar de valor perante o Latim. Segundo Teyssier (1984, p. 32), esse confronto não advém apenas de questões políticas e históricas, mas também de problemas de ordem dinástica: Entre meados do século XV e fins do século XVII o espanhol serviu como segunda língua para todos os portugueses cultos. Os casamentos de soberanos portugueses com princesas espanholas tiveram como efeito certa “castelhanização” da corte. Os sessenta anos de dominação espanhola (15801640), que se situam no período mais brilhante do “Século de Ouro”, acentuaram esta [impregnação] linguística. E somente depois de 1640, com a Restauração e a subida ao trono de D. João IV, que se produz certa reação anti-espanhola. O bilinguismo, todavia, perdurara até o desaparecimento dos últimos representantes da geração formada antes de 1640.. Dessa maneira, não é raro encontrar discursos patrióticos dentro dos compêndios destinados ao aprendizado de português. Esses discursos apresentam-se de duas maneiras, de acordo com Buescu (1978, p. 39): primeiro como uma defesa e ilustração da língua, como fez Pero de Magalhães Gândavo (? – 1574), em seu Diálogo em Defesa da Língua Portuguesa (1579), quando defende o português em vez do castelhano, pela maior latinidade naquele, depois como expansionismo linguístico, em que a língua, na dominação dos povos, é o instrumento de unificação, fixação e poder usados pelos conquistadores. No tocante ao português, não se pode ignorar tais elementos, já que o processo de ascensão e consolidação deste vernáculo percorreu, paralelamente, tanto o caminho de unificação quanto o de expansão. A língua se mostrou, pois, um irrefutável instrumento capaz de unir um povo. Nesse sentido, a gramática exerceu papel essencial. Conclui ainda a autora supracitada que foram os discursos de defesa e apologia ao vernáculo responsáveis pela criação da gramática das línguas vulgares..

(27) 27. Assiste-se no século XV, por exemplo, à publicação de Gramática de la lengua castelhana (1492), do espanhol Antonio de Nebrija (1441-1522). Todavia, os homens do Renascimento, a partir do século XVI, engajam-se mais fortemente na chamada “questão da língua”17, quando o conceito e forma gramaticais serão revistos, culminando o debate em torno da uniformidade ortográfica dos vernáculos. Destarte, a gramática portuguesa nasceu em Portugal oriunda do movimento humanista em defesa dos vernáculos. São alguns dos percussores Fernão de Oliveira (1507-1582), com a sua Grammatica da Lingoagem Portugueza (1536), João de Barros (1496-1570), em Diálogo em louvor da nossa linguagem (1540), bem como Pero de Magalhães de Gândavo (?-1579), autor de Diálogo em defesa da Lingua Portugueza (1572).. 1.3 Ilustração da língua portuguesa: o papel da Gramática de João de Barros (1496-1570). O papel exercido pelos humanistas do Renascimento foi um divisor de águas no processo de valorização dos vernáculos, e, mais ainda, na modificação do status do latim. Definir o Humanismo não é tão simples, visto que o termo traz definições diversas de acordo com cada área a que está relacionado, a saber, a filosofia, a religião, a cultura, entre outros. Interessa-nos, pois, as ideias que se aproximam às questões linguísticas: o estabelecimento das línguas nacionais18. Por essa razão, é pertinente a relação que faz Sevcenko (1984, p. 13) dessa corrente com o Renascimento. Assim como os humanistas, os renascentistas puseram-se a buscar novas formas de pensar e representar o mundo, para desenvolver estudos sobre a filosofia, história, poesia, cultura distanciados dos padrões dogmáticos do feudalismo. Portanto, os humanistas do renascimento engajaram-se numa abordagem educacional diferenciada. Na abordagem humanística, a expressão humana desemboca na linguagem, razão porque as línguas clássicas receberão atenção. Paradoxalmente, a redescoberta dos 17. A questão da língua, abordada por Buescu (1978, p. 52), está ligada também ao confronto no qual se envolveu o português com o castelhano. A fim de normatizar, elevar, defender o português como língua de cultura, os escritores humanistas o fizeram construindo descrições à luz da latinidade, enaltecendo-o também, em contraste com o castelhano, pela sua maior afinidade daquele com o latim. Esse processo libertou o português da concepção de que era um simples dialeto ibérico. 18 O Humanismo português sofreu forte influência do Renascimento Italiano. Destacamos a figura de Dante Alighieri, quando da escolha pelo vernáculo na confecção de sua Divina Comédia, sobretudo na sua De vulgari eloquentia, corroborando a defesa e cristalização da língua literária italiana, fato que serviu de modelo para autores de outros países europeus (SEVCENKO, 1984, p. 36)..

(28) 28. clássicos da Antiguidade, em busca da valorização das línguas clássicas, acabou por influenciar diretamente o processo de gramatização dos vernáculos, na medida em que esses clássicos eram traduzidos para as línguas maternas. Afirma, Valentim que “Este Humanismo é de início essencialmente literário, aparecendo relacionado com o poder político e cultural do rei/Estado [...]”.19 Destacaremos, entre os nomes citados, João de Barros (1496-1570), pela extensão de seus trabalhos, que foram além do horizonte linguístico. Seu discurso intentou a defesa da língua portuguesa e mostrou-se em consonância com os ideais da coroa, quando da construção de uma identidade nacional e expansão do poderio do reino a partir da disseminação da cultura e sua língua portuguesas. Nascido em 1496, Barros teve formação cultural elevada, o que provavelmente serviu para subsidiar as várias atividades em que se engajou – foi historiador, filósofo, escritor e pedagogo. Publicou obras como, a Grammatica da Lingua Portuguesa (1539), mais conhecida como Cartinha com os Preceitos e Mandamentos da Santa Madre Igreja, a qual precedeu a sua Grammatica da Lingua Portuguesa (1540), em que se acha o Dialogo em Louvor da Nossa Linguagem e o Dialogo da Viçiosa Vergonha (FERNANDES, 2006, p. 562). Quando eleito cronista do rei, após a morte do secretário do Infante D. Luís, Barros embarca na aventura de escrever as Decadas da Asia (1552), que, como afirma Buescu (1978, p. 59), foi “um audacioso plano de historiar, sistematicamente, a presença e ação portuguesas nos diferentes continentes do Globo”. Pretendia o autor compor um aparato didático-pedagógico que, através dos ensinamentos catequéticos, servisse ao propósito de transmissão e consolidação do vernáculo português. Então, com a sua Cartinha, daria aos “mininos” o conhecimento elementar da língua, mas para não desampará-los, quando o tivessem dominado, compôs sua Grammatica da Lingua Portuguesa em 1540. A Grammatica de Barros não foi apenas um monumento de saber linguístico, mas uma obra que se enquadrava em um amplo projeto pedagógico. A Grammatica da Lingua Portuguesa era seguida por uma parte chamada: Dialogo em Louvor da Nossa Linguagem, que consistia no diálogo entre mestre (pai) e discípulo (filho), em que são apresentadas as potencialidades da língua portuguesa, bem como a sugestão de novos. 19. VALENTIM, Carlos Manuel. As Navegações e o Humanismo. Disponível em: http://cvc.institutocamoes.pt/navegaport/f05.html. Acesso em: 10 de janeiro de 2012..

(29) 29. métodos para transformar a fracassada realidade das práticas pedagógicas na alfabetização, por exemplo. Um dos primeiros a indicar o ensino de gramática portuguesa, em vez da latina, propôs também uma reforma na letra impressa dos textos – de manuscrita para a de fôrma – indicando que as obras deveriam ser didáticas visualmente, sugerindo que houvesse padronização nas impressões dos compêndios. O escritor português ainda trazia à discussão a relevância da língua da pátria no projeto de expansão do império português. Notório é o adiantamento do sentimento “nacionalista” 20 defendido em Barros, principalmente ao lembrar-se dos grandes feitos de Portugal durante a expansão ultramarina. Para o autor, a língua portuguesa possuía elementos mais que suficientes para a expressão de cultura, sendo desnecessária a prática comum de outros portugueses que preteriam a língua nacional ao latim ou às estrangeiras. Dessa forma, Barros entendia que os portugueses sentir-se-iam [...] recompensados com louvarmos a nossa linguagem, que temos posta em arte, com que leve mais ornato que as regras gramaticais. E porque acerca de qual foi a primeira linguagem do mundo em as escolas anda grande questão et adhuc sub iudice lis est [Horatius in arte poética], primeiro que tratemos da nossa, quero repetir esta questão do fundamento pois nela está todo nosso edifício (apud HUE, 2007, p. 42).. Durante o debate de tom filosófico, ao mesmo tempo pedagógico, entre pai (mestre) e filho (discípulo), o autor aponta a elegância e riqueza contidas na língua portuguesa quando comparada às três línguas de origem latina – italiano, espanhol e francês: “Que se pode desejar na língua portuguesa que ela [não] tenha? Conformidade com a latina?” (apud HUE, 2007, p.47). Nesse sentido, não havia razão para continuar a desprezar a língua portuguesa e preteri-la em função das línguas estrangeiras ou até mesmo do latim. Barros traça um percurso histórico do poderio das grandes civilizações e suas políticas linguísticas na expansão de seus impérios, quando obrigaram os povos conquistados a utilizarem apenas a língua do conquistador, atestando, dessa forma, sua força e excelência. Tal foi a medida tomada pelo futuro Marquês de Pombal, através da 20. Sabemos que o conceito de nação, originou-se no século XIX. Observa-se que vários autores construíram conceitos para a ideia de nação, gerando, porém, conflitos na argumentação. De acordo com Renan (2005, p. 5), numa conferência na Universidade de Sorbonne em 1882, uma nação “é uma alma, um princípio espiritual. Duas coisas que para dizer a verdade não formam mais que uma e que constituem essa alma, este princípio espiritual. Uma está no passado, a outra no presente. Uma é a possessão em comum de um rico legado de lembranças; outra é o consentimento atual, o desejo de viver em conjunto, a vontade de continuar a fazer valer a herança que receberam esses indivíduos. [...] a essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham coisas em comum e que também tenham esquecido coisas”..

Referências

Documentos relacionados

Determinar ( a ) Altura manometrica do sistema.. Na entrada da bomba um instrumento indica uma pressão de 1,5 kgf/cm 2. Determinar a altura manométrica do sistema. Desta forma

Em síntese, os humanistas contemporâneos prestam uma grande colaboração à elucidação da justa moral com ressonâncias em nossos dias ao considerar que sem esta

Investigar o seu alcance resistivo para valores de resistência de falta, bem como a mudança da sua característica de operação para os diversos pontos de

A visão de competência lexical proposta por Basílio (1980) corrobora com a visão de Meara (1996), no reconhecimento da importância das relações e conexões entre

No caso da classificação por níveis de desempenho, a cada nível corresponde uma dada pontuação, de acordo com os critérios específicos2. Se permanecerem dúvidas quanto ao nível

ABSTRACT : Adults of 3 tick species (Acari: Argasidae) identified as Antricola guglielmonei, Antricola delacruzi, and Carios rondoniensis n.. were collected on bat guano in a cave

Em São Jerônimo da Serra foram identificadas rochas pertencentes à Formação Rio do Rasto (Grupo Passa Dois) e as formações Pirambóia, Botucatu e Serra Geral (Grupo São

Animals which inhabit caves are ecologically grouped into trogloxenes (organisms which are regularly found in cave habitats but must periodically go aboveground to complete their