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CONSELHO DE DISCIPLINA

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º 97 - 2019/2020

DESCRITORES:

Sociedade

Anónima

Desportiva – Infrações específicas dos clubes

Imprensa privada – Sítio Oficial na Internet

Newsletter – Declarações – Lesão da honra e

da reputação – Agente de arbitragem

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ESPÉCIE: Processo Disciplinar

PARTES: Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD, na qualidade de arguida

OBJETO: Declarações proferidas no ponto 8 da newsletter “Dragões Diário”, de 11 de junho de 2020

DATA DO ACÓRDÃO: 27 de outubro de 2020 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade

RELATOR: Vasco Cavaleiro

NORMAS APLICADAS: Artigos 19.º, n.ºs 1 e 2, 112.º, n.ºs 1, 3 e 4, todos do RDLPFP19; artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP19

SUMÁRIO:

I. As sociedades desportivas que integram as competições organizadas pela LPFP devem manter conduta conforme com os princípios desportivos de lealdade, respeito, probidade, retidão, correção e urbanidade.

II. Pratica a infração disciplinar prevista e punida pelos n.º 1, 3 e 4 do artigo 112.º, RDLPFP19, a sociedade desportiva que, através de publicação eletrónica, newsletter, disponibilizada diariamente, de forma gratuita, através do seu site oficial, referindo-se a agente de arbitragem, profere declarações manifesta e objetivamente ofensivas da honra e consideração do visado, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar – mais se verificando que essa sociedade desportiva, à data dos factos, já tinha sido sancionada, nos termos do disposto no artigo 112.º n.ºs 1, 3 e 4, do RDLPFP19, por mais do que uma vez, no período das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos em apreço.

III. Ofende a honra de membro da equipa de arbitragem e o bom nome da competição, a sociedade desportiva que nas suas declarações não se limita a apontar, de forma objetiva, erros da equipa de arbitragem, antes integra, no seu discurso, a afirmação de que tais erros foram voluntários (e, portanto, dolosos), lançando suspeitas sobre a atuação de elemento da equipa de arbitragem (VAR), nomeadamente insinuando que o alegado erro resulta de «ligações» com um outro clube contendor, questionando, ainda, com inferências subjetivas, em relação ao desempenho do VAR visado: «[o]u será que o que toda a gente vê como incompetência, sobretudo nos jogos do Benfica, é afinal “competência” e o motivo para continuar a fazer o que faz?».

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IV. Tais declarações da sociedade desportiva arguida, reportando-se a elemento da equipa de arbitragem, lançam a suspeita de uma atuação não conforme com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que o mesmo está adstrito, atuando em benefício de um clube. IV. Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas pelos elementos da equipa de arbitragem, não pode deixar de se considerar que tais declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação do agente de arbitragem em questão, além de afetar a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. Tais declarações não se limitam a enunciar factos objetivos, ou a exprimir opiniões acerca da sua qualificação à luz das regras do jogo.

V. A liberdade de expressão e de informação não protege tais imputações, quando as mesmas não consubstanciem factos provados em juízo, ou objetivamente verificáveis, pois aquelas liberdades não são absolutas e têm de sofrer as restrições necessárias à salvaguarda de outros direitos fundamentais, como são os direitos de personalidade inerentes à honra e reputação das pessoas, garantidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa.

VI. O artigo 112.º do RDLPFP visa, para além da defesa do bom nome e da reputação dos visados, a salvaguarda da ética e valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros.

VII. O sobredito normativo resulta da expressão da autovinculação regulamentar, por parte dos próprios agentes desportivos, a um conjunto de deveres especiais que sobre si impendem e que comportam as necessárias e proporcionais restrições à sua liberdade de expressão em nome da aludida salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como da credibilidade da competição.

VIII. O conceito de “imprensa privada”, presente no n.º 4 do artigo 112.º do RDLPFP19, abrange todos aqueles veículos de comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa que sejam, direta ou indiretamente, detidos e/ou controlados em termos empresariais/societários por sociedades desportivas.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do

Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol,

I – RELATÓRIO

§1. Registo inicial

1. Por despacho, datado de 15 de junho de 2020, do Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (adiante, FPF), na sequência de participação remetida pelo Conselho de Arbitragem da FPF, foi determinada a instauração do presente processo disciplinar, tendo por arguida a Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD2, e como objeto

as declarações proferidas no ponto 8 da newsletter “Dragões Diário”, de 11 de junho de 2020 (cf. fls. 1).

2. Em cumprimento da sobredita deliberação de instauração, ainda no dia 15 de junho de 2020, o processo disciplinar foi autuado, registado (cf. verso da capa) e remetido à Comissão de Instrutores da Liga Portugal (adiante, Comissão de Instrutores), em cujo contexto, por despacho do Exmo. Senhor Presidente daquela Comissão, da mesma data, foi ordenada a sua distribuição ao signatário daquele despacho, o Sr. Professor Doutor Fernando Torrão (cf. fls. 18).

3. Na data de conclusão dos autos à Comissão de Instrutores, o processo encontrava-se autuado com:

a) A newsletter “Dragões Diário”, datada de 11 de junho de 2020 (cf. fls. 2 a 7);

b) A sobredita participação remetida pelo Conselho de Arbitragem da FPF, datada de 12 de junho de 2020 (cf. fls. 8 e 12);

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 22 de junho de 2019, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP19. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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c) Notícias no jornal desportivo “Record”, datadas de 11 de junho de 2020 (apud fls. 9 a 11 e 13 a 16).

4. No dia 16 de junho de 2020, o Ilustre Instrutor designado nos autos deu início à instrução, atento o disposto nos artigos 228.º, n.ºs 2 e 3, e 229.º, n.ºs 1 e 2, do RDLPFP19, sendo que, na mesma data, foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 227.º daquele corpo regulamentar, notificando-se a SAD arguida quanto à instauração do processo disciplinar (cf. fls. 19 a 24).

5. Na pendência da fase de instrução, o Ilustre Instrutor promoveu a junção aos autos de documentação (infra discriminada) e realizou as seguintes diligências:

a) Junção do extrato disciplinar da SAD arguida (cf. fls. 25 a 59), designadamente abrangendo as três últimas épocas desportivas anteriores àquela que se encontra em curso; b) Junção da documentação oficial [Relatório de Árbitro, Fichas Técnicas de Clubes, Relatório de Delegado] referente ao jogo oficialmente identificado sob o n.º 12604, realizado em 10 de junho de 2020, no Portimão Estádio, em Portimão, entre a Portimonense Futebol SAD e a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, relativo à 26.ª Jornada da Liga NOS, época desportiva 2019/2020 (cf. fls. 60 a 72);

c) Informação do Exmo. Sr. Diretor de Registo de Contratos da LPFP, prestada em 17 de junho de 2020, na sequência de solicitação do Ilustre Instrutor “para vir aos autos informar se o Senhor Diogo Faria se encontra inscrito na Liga e, em caso afirmativo, ao serviço de que sociedade desportiva e em que qualidade”, por via da qual se reporta que na pesquisa realizada na base de dados intraLIGA, não resulta a inscrição de qualquer agente desportivo cujo primeiro nome seja “Diogo” e que tenha como apelido “Faria” (cf. fls. 76).

§2. Acusação

6. Finda a fase de instrução, o Ilustre Instrutor designado nos autos considerou existirem indícios suficientes da prática de infração disciplinar por parte da SAD arguida e, consequentemente, ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 1, do RDLPFP19, deduziu, em 29 de setembro de 2020, acusação contra a mesma (cf. fls. 78 a 91).

7. Em termos sumários, resulta do libelo acusatório a imputação à SAD arguida de uma infração disciplinar, p. e p. pelo disposto no artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4 [Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros], do RDLPFP19.

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8. A indiciação lançada em sede de acusação apresenta-se sustentada na prova produzida nos autos, nomeadamente na já referida nos pontos 3. e 5. do presente Acórdão.

§3. Audiência Disciplinar

9. Conforme o disposto no artigo 237.º do RDLPFP19, remetidos os autos à Secção Disciplinar, se nada obstar ao seu recebimento, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF ordena a notificação da acusação ao arguido e procede ao agendamento de uma audiência disciplinar para um dos 10 dias úteis seguintes.

10. Destarte, em 6 de outubro de 2020, a Exma. Sra. Presidente do Conselho de Disciplina da FPF: (i) distribui os presentes autos ao ora Relator; e (ii) designou o dia 16 de outubro de 2020, pelas 10h, como data da audiência disciplinar, a realizar, na sede da LPFP, perante o Relator (vide fls. 94).

11. Regularmente notificada da acusação, a SAD arguida veio, em 13 de outubro de 2020, através dos seus Ilustres Mandatários, apresentar «requerimento de confissão dos factos constantes da acusação contra si deduzida» (cf. fls. 105 a 108), sustentando que:

«1º (…) tendo lido e compreendido a descrição dos factos constantes da acusação elaborada pela CI da LPFP, concretamente a matéria factual vertida nos pontos 1.º a 5.º da acusação, declara conformar-se e concordar com a mesma.

2º Não obstante entender que os referidos factos não detêm relevo jurídico-disciplinar, a arguida não tem objecções, quanto a factualidade que lhe é imputada quando considerada na sua pura materialidade, isto é, independentemente da qualificação jurídico-disciplinar que lhe caiba.

3º - Assim, vem, nos termos do art.º 245º, nº 1, do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, reconhece integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação»

Conclui o petitório da SAD arguida requerendo que a audiência disciplinar seja dada sem efeito «na parte que a si diz especificamente respeito» e «que os limites mínimo e máximo das sanções de natureza pecuniária aplicáveis à infracção objecto do presente processo disciplinar sejam reduzidos a metade, ficando ainda dispensada do pagamento das custas do procedimento».

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12. Por despacho, datado de 14 de outubro de 2020, o aqui Relator indeferiu o requerido pela SAD arguida (vide fls. 121 e 122), porquanto: “(…) compulsado tal requerimento, à luz do disposto o artigo 245.º, n.º 1, do RDLPFP19 – onde se propugna que «[a]té ao início da produção da prova na audiência disciplinar, o arguido pode confessar integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados» – forçoso se torna concluir que o alegado ato confessório da SAD arguida, restringindo-o «concretamente a matéria factual vertida nos pontos 1.º a 5.º da acusação» e, portanto, excluindo toda a demais factualidade, não se pode considerar, para efeitos do referido normativo, como uma confissão integral e sem reservas».. (…) Na verdade, o reconhecimento operado pela SAD arguida, quanto à materialidade presenta na acusação, consubstancia tão-só uma confissão parcial e não a confissão integral exigida pelo citado normativo regulamentar. (…) Neste sentido, o requerimento apresentado pela arguida falece na virtualidade de fazer desencadear o mecanismo e as consequências previstas no sobredito artigo 245.º do RDLPFP19, quanto aos efeitos processuais e em matéria de custas aí preconizados, designadamente, no que concerne a dar sem efeito a audiência disciplinar, alcançar a redução das sanções de natureza pecuniária e de dispensa da arguida quanto ao pagamento das custas (vide nºs 4 e 6 do citado artigo 245.º)”.

13. Por via ainda do sobredito despacho – e tendo a SAD arguida apresentado memorial de defesa, ao abrigo do preceituado nos n.ºs 1 e 5 do artigo 238.º do RDLPFP, em que pugna, a final, pela sua absolvição – admitiu-se o referido memorial e determinou-se a sua notificação à Comissão de Instrutores. Sendo que, por uma questão de clarificação do conteúdo decisório do presente, passaremos a transcrever alguns excertos daquele memorial:

«3. (…) a imputação dos factos à arguida sustenta-se tão-somente nas afirmações propaladas, fazendo-se tábua-rasa do contexto situacional que as motivou e, principalmente, de um dos mais elementares direitos fundamentais: a Liberdade de Expressão»;

4. Em primeiro lugar, cumpre referir que a newsletter em causa é um pequeno jornal electrónico que o FC Porto disponibiliza diariamente, de forma gratuita, a quem tenha subscrito, contendo vários artigos de opinião que incidem sobre “a actualidade do FC Porto, sobre a agenda do clube, sobre a história, mas também sobre o que acontece no Mundo, sobre artes, sobre lazer” – cfr.

informação constante do site oficial do FC Porto:

http://www.fcporto.pt/pt/noticias/Pages/Dragoes-Diario;

5. O Dragões Diário é, por isso, um produto jornalístico, escrito por jornalistas, sem interferência editorial de qualquer elemento do FC Porto externo ao departamento de informação, destinado,

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por princípio, a adeptos e simpatizantes do FC Porto. Funcionando “como uma espécie de provedor do sócio, dando eco ao sentimento dos milhares de adeptos subscritores;

6. A condenação da arguida assenta, pois, nas afirmações ínsitas no escrito publicado na newsletter “Dragões Diário” de 11-06-2020, intitulado “Paixão vermelha”, as quais, apesar de consubstanciarem duras críticas à actuação do árbitro Bruno Esteves, em momento algum extravasaram as balizas que delimitam a crítica objectiva, jamais exorbitando o círculo do legitimo exercício à liberdade de expressão;

7. Desde logo porquanto as afirmações tecidas não foram gratuitas ou infundadas, antes se sustentando em factos objectivos (e públicos!) que a acusação convenientemente desconsidera, mas que fundam e reforçam a convicção na opinião veiculada;

8. As apreciações aqui em sindicância resultam da convicção profunda formada acerca da realidade dos factos, mais não constituindo do que uma crítica objectiva (legítima) à actuação profissional de um determinado agente desportivo;

9. A verdade é que, independentemente do desagrado que as afirmações possam ter causado ou da contundência das palavras escritas, a actuação da arguida enquadra-se, e não extrapola, o âmbito do direito à liberdade de expressão, consagrado como direito fundamental: quer no artigo 37.º-1 da Constituição da República Portuguesa, como também no Artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, quer ainda no Artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos;

10. Repare-se que, as críticas proferidas em relação à actuação do árbitro Bruno Esteves, tanto no referido jogo, como em jogos anteriores, estão longe de traduzir um qualquer ataque pessoal gratuito e mesquinho, porquanto não se revelam puramente maledicentes ou desprovidas de base factual que as sustente.

11. Tendo a prestação de Bruno Esteves, enquanto VAR no identificado encontro desportivo, sido alvo de escrutínio e comentários por parte da imprensa desportiva em geral»

(…)

15. Pretende-se com isto demonstrar que as críticas a que acusação faz referência foram motivadas por uma concreta arbitragem que não só não é irrepreensível, que deixa margem para dúvida e que foi alvo de comentários negativos.

16. O que fez a arguida foi, apenas e só, anunciar a sua insatisfação com o desempenho do VAR no jogo que opôs o Portimonense e a Sport Lisboa e Benfica pois que, na sua opinião, tratou-se de uma prestação atentatória da verdade desportiva;

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(…)

18. Pelo que, sendo este o contexto em que as críticas ora em apreço foram proferidas, só isto seria já suficiente para que devessem considerar-se cobertas pelo direito fundamental à liberdade de expressão e como tal insusceptíveis de censura disciplinar;

19. Afinal, quando uma determinada afirmação corresponde à manifestação de uma opinião, a proporcionalidade da ingerência dependerá da existência ou não de factos suficientes que a sustentem – neste sentido, vide jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso MAMATKULOV E ASKAROV VS. TURQUIA, acórdão de 4 de Fevereiro de 2005, entre outros; 20. Assim, e ainda que se verifique a formulação de um juízo de valor, potencialmente lesivo da honra da pessoa visada, o mesmo não poderá bastar para que, sem mais, se preencha o ilícito disciplinar previsto e punido nos arts. 112º- 1, 3 e 4 do RD;

21. Sendo sempre necessário verificar se tal formulação possui uma base factual mínima, real ou em cuja veracidade o agente tenha tido fundamento para, em boa fé, acreditar – mostrando-se isso suficiente para que não sejam ultrapassados os limites inerentes ao legitimo exercício da liberdade de expressão;

22. A liberdade de expressão abrange o recurso a certa dose de exagero, mesmo de provocação, de polémica e agressividade;

(…)

25. In casu, a arguida limitou-se a denunciar falha que, na sua opinião, compromete a prestação de arbitragem de Bruno Esteves enquanto VAR no jogo realizado a 10-06-2020;

26. Trata-se de uma convicção assente na constatação de erros de arbitragem que a arguida tem todo o direito a ter e a exprimir publicamente. Mesmo que o faça empregando uma linguagem impressiva e naturalmente incómoda para o visado, pondo inclusive em causa a imparcialidade do agente desportivo;

27. Trata-se de uma crítica forte, é certo, mas uma crítica sob a forma de opinião provida de factos que a sustentaram, pelo que se mostra suficiente para afastar a sua ilicitude disciplinar, designadamente, no quadro da imputada lesão da honra e reputação de agentes desportivos; 28. Na linha do que que vem de alegar, veja-se o recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 04-04-2019, proferido no processo n.º 18/19.0BCLSB, que, revogando decisão condenatória de 17-07-2018 deste Conselho de Disciplina (PD n.º 69-2017/18), considerou cobertas pelo direito fundamental à liberdade de expressão (…);

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30. Outra não poderá ser a conclusão senão a de que tanto numa vertente (crítica objectiva), como noutra (juízo de valor), a conduta da arguida não consubstanciou a prática de qualquer infracção disciplinar;

31. seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita, uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão;

32. Tudo o que, por se mostrar legítimo o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão, determina, pois, a improcedência da presente acusação».

14. A audiência disciplinar realizou-se no dia indicado, contando com as presenças do ora Relator, do Ilustre representante da Comissão de Instrutores, Dr. Sérgio Rola, e da Ilustre Mandatária da SAD arguida, Dra. Telma Vieira Cardoso.

15. No início da audiência, e atenta a inexistência de prova testemunhal a produzir, foi dada a palavra ao representante da Comissão de Instrutores para sustentar a acusação e, simultaneamente, apresentar as suas alegações – tendo este, em síntese, pugnado pela procedência da acusação. Subsequentemente, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária da SAD arguida para contestar a acusação e apresentar as suas alegações – tendo a mesma, em síntese, pugnado pela absolvição da arguida.

II – COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE DISCIPLINA

16. De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, do RJFD20083, compete a este Conselho, de acordo

com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho4.

III – QUESTÕES PRÉVIAS

3 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (regime jurídico das federações desportivas e do

estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

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§1. Da aplicação da lei no tempo

17. Sendo o presente acórdão prolatado na vigência do RDLPFP205, que entrou em vigor no

dia 16 de setembro de 2020, na sequência da publicação do Comunicado Oficial n.º 83, datado de 15 de setembro de 2020, cumpre indagar se a sucessão de regimes regulamentares levanta, in casu, um problema de aplicação da lei no tempo.

18. Ora, desde já se avança que esse problema não se coloca. Com efeito, a disposição transitória 1.ª do novo Regulamento estatui o seguinte: «[o] presente Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos Estatutos Federativos».

19. Em linha com os anteriores corpos regulamentares em matéria disciplinar, o RDLPFP20 contém disposições específicas em matéria de aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...) 1. As sanções são determinadas pela norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar. 2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa de imediato a respetiva execução. 3. Quando a sanção aplicável no momento da prática do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva na ordem jurídica desportiva. (...) 6. As normas procedimentais previstas no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a sua entrada em vigor (...)».

20. Neste conspecto, uma vez que a factualidade que motivou a abertura do presente processo foi praticada antes da entrada em vigor do RDLPFP20 (referimo-nos às declarações proferidas pela SAD Arguida, no ponto 8 da newsletter “Dragões Diário”, reproduzidas no dia 11 de junho de 2020), e tendo presente que o processo disciplinar foi instaurado ainda na vigência

5 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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no RDLPFP19, o direito aplicável, tanto do ponto de vista substantivo como do ponto de vista processual-adjetivo, é o RDLPFP19.

21. Já no que concerne ao regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, conforme ensinava CAVALEIRO DE FERREIRA, «(…) o carácter mais ou menos favorável da norma penal não depende apenas da sanção que comina (espécie e duração da pena) mas de todo o seu regime: número e qualidade dos elementos constitutivos do tipo criminal, disciplina das causas de justificação ou de exculpação, regulamentação das condições de punibilidade, das circunstâncias atenuantes ou agravantes, das causas de isenção da pena ou de extinção de responsabilidade penal”6. Certo é, porém, que a referência a "regime", em vez da mera menção

a "normas", implica a ideia de que não se pode escolher de cada um dos regulamentos os preceitos isolados que forem mais favoráveis ao agente, antes se devendo aplicar um conjunto normativo (bloco) definidor do regime do instituto ou infração7. Deste modo, este trabalho não

deve, porém, ser realizado norma a norma, naquilo que a jurisprudência e a doutrina vêm apelidando de ‘aplicação simbiótica das leis penais’, mas antolhando cada um dos regimes em bloco.

22. Sucede que, a infração imputada em sede de libelo acusatório, o sobredito artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4, no contexto do RDLPFP20, não sofreu alterações – nem na sua hipótese, nem na sua estatuição. Por outro lado, não efluem do novo corpo regulamentar, em confrontação com o RDLPFP19, distintos normativos quanto à determinação da medida da sanção, quanto às circunstâncias atenuantes ou agravantes, ou distintas causas de isenção da sanção ou de extinção de responsabilidade disciplinar. Pelo que se dispensa o confronto entre os regimes jurídicos sucessivos no sentido de apurar qual o regime jurídico mais favorável à SAD arguida.

§2. Da existência de outras questões prévias

6 In Direito Penal Português – Parte Geral – Tomo I, Edição Sociedade Científica da Universidade Católica, 1982, pág.

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7 Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça, em assento datado de 15.02.1989, sufragou o seguinte entendimento:

«Assim, não é lícito construir regimes particulares pela conjugação de elementos retirados de uma e outra lei, com o perigo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente. Proíbe-se o que, em expressão curiosa, já se designou por ‘aplicação simbiótica das leis penais», in BMJ, nº 384, pp. 163 e ss.

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23. Inexistem outras questões prévias que tenham sido suscitadas ou que importe conhecer, sendo que, os elementos constantes nos autos são bastantes para habilitar a tomada de decisão. Cumpre, assim, apreciar e decidir.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

§1. A prova no direito disciplinar desportivo

24. Nem no RDLPFP19, nem em qualquer outro diploma de natureza jusdisciplinar desportiva que regule as competições futebolísticas, encontramos uma resposta expressa à questão da valoração da prova em ambiente disciplinar desportivo.

25. Contudo, contrariamente ao que se encontrava estatuído no domínio do RDLPFP188, a

redação do n.º 1 do artigo 16.º do RDLPFP19 permite-nos resolver, ainda que indiretamente, essa questão: «[n]a determinação da responsabilidade disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Código Penal e, na tramitação do respetivo procedimento, as regras constantes do Código de Procedimento Administrativo e, subsequentemente, do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações».

26. Neste enquadramento, quando se questiona e se procura indagar a base normativa para a valoração da prova pelo julgador, para efeitos do processo disciplinar desportivo e, especialmente, porque este assume natureza pública, o entendimento deste Conselho, que já antes ia nesse sentido, fica, por via daquele normativo, mais sedimentado e com respaldo regulamentar, ou seja, a resposta está nos princípios do direito penal e, em especial, nas regras do respetivo processo.

27. Portanto, é, sem dúvida, no processo penal que vamos encontrar um complexo normativo referencial também para a questão da valoração da prova no direito disciplinar desportivo, desde logo porque encontramos as normas processuais penais que são, pela sua própria natureza, aquelas que se colocam como mais garantísticas dos direitos de defesa dos arguidos, razão pela qual, nalguns casos e sempre com as necessárias adaptações, o processo

8 Sob a epígrafe “Direito Subsidiário”, referia-se que “na determinação da responsabilidade disciplinar e na tramitação

do procedimento disciplinar é subsidiariamente aplicável o disposto no Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas com as necessárias adaptações”.

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penal pode e deve representar a matriz do direito sancionatório público (criminal, contraordenacional e disciplinar)9.

28. Por outro lado, é também entendimento pacífico na nossa jurisprudência que ao processo disciplinar se deve aplicar a regra da “livre apreciação da prova” consagrada no artigo 127.º, do Código de Processo Penal10, o que bem se compreende, dadas as proximidades e as

similitudes entre o processo disciplinar e o processo penal, designadamente no que respeita a alguns procedimentos e às garantias do arguido.

29. Na verdade, o artigo 127.º do Código de Processo Penal estatui que a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente, sem prejuízo, como é óbvio, do princípio da “presunção de inocência”, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, e do princípio “in dubio pro reo”, que igualmente fazem parte da dimensão jurídico-processual do princípio material da culpa.

30. Nesta conformidade, o julgador, no exercício do poder disciplinar – ou seja, a “entidade competente” de que nos fala o citado artigo 127.º, para o processo penal – tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos à sua apreciação e ao seu julgamento, sendo que a livre apreciação da prova não pode nunca “ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”11.

31. Em conclusão, o julgador em sede disciplinar deve apreciar a prova de acordo com as regras da experiência comum e a sua livre convicção, sendo, porém, objetivo, ponderado e justo na análise dessa mesma prova, dentro dos limites da legalidade a que deve obediência.

9 A própria Constituição da República Portuguesa parece sufragar este entendimento quando, a propósito das

garantias do processo criminal, estende a outros processos sancionatórios, de forma inequívoca, pelo menos algumas delas (cf. artigo 32.º, n.º 10).

10 Neste sentido ver, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º

03132/11.6BEPRT, de 20-05-2016; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 07455/11, de 12-03-2015; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 06944/10, de 20-12-2012; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00093/06.7BEVIS, de 09-12-2011; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 01717/06, de 05-11-2009; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 12372/03, de 29-09-2005; o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 10842/01, de 11-03-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt).

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32. É, pois, em conformidade com estes princípios que cumpre decidir sobre a matéria de facto relevante para a decisão final.

§2. Factos provados

33. Analisada e valorada a prova produzida nos autos, com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

1) A SAD arguida, FC Porto, proferiu declarações no ponto 8 da sua newsletter “Dragões Diário”, datada do dia 11 de junho de 2020;

2) Nas declarações referidas no facto provado 1), a SAD arguida começa por se referir a «recorrentes benefícios da arbitragem» de que seria beneficiária a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, destacando a decisão de Bruno Esteves, VAR do jogo oficialmente identificado sob o n.º 12604, relativo à 26.ª jornada da Liga NOS, entre a Portimonense Futebol SAD e a Sport Lisboa e Benfica – Futebol SAD, realizado no dia 10 de junho de 2020, por não interferir num lance em que o jogador Taarabt terá jogado a bola com a mão dentro da área. São estas as exatas palavras:

«A crise que resultava de apenas uma vitória nos nove jogos anteriores, e que ontem se prolongou para uma vitória em dez encontros, apesar dos recorrentes benefícios da arbitragem – a propósito, como é que o vídeoárbitro Bruno Esteves não viu uma mão de Taarabt na área em Portimão?;

3) Após criticar esta decisão, a SAD arguida tece as seguintes considerações sobre o mesmo VAR, Bruno Esteves:

«Pior: como é que Bruno Esteves, que deixou de ser árbitro de campo por ser incompetente, que é um vídeo árbitro incompetente, que tem o passado que tem e que tem as ligações ao Benfica que tem, pode continuar a participar em jogos do clube de Vieira?»;

4) Acaba a SAD arguida, por perguntar, em jeito de conclusão:

«Ou será que o que toda a gente vê como incompetência, sobretudo nos jogos do Benfica, é afinal “competência” e o motivo para continuar a fazer o que faz?»;

5) Estas declarações tiveram repercussão na comunicação social;

6) A SAD arguida agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento, por ser desrespeitoso, lesava a honra e consideração de agentes e órgãos desportivos intervenientes nas competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol

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Profissional (LPFP), afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontra envolvida, facto que, consubstanciando comportamento previsto e punível pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se absteve, porém, a SAD arguida de o concretizar;

7) A arguida FC Porto, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares, mais tendo sido sancionada, nos termos do disposto no artigo 112.º n.ºs 1, 3 e 4, do RD, por mais do que uma vez, no período das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos em apreço, designadamente na época desportiva 2016/2017 [no âmbito dos Processos Disciplinares n.º 68 – 16/17, por decisão datada de 8 de agosto de 2017, com a sanção de multa de 3.825,00 €; n.º 45 – 16/17, por decisão datada de 11 de junho de 2017, com a sanção de multa de 3.825,00 €; n.º 30 – 16/17, por decisão datada de 23 de maio de 2017, com a sanção de multa de 3.825,00 €; e na época desportiva 2018/2019 [no âmbito dos Processos Disciplinares n.º 77 – 18/19, por decisão datada de 18 de junho de 2019, com a sanção de multa de 15.300,00 €; n.º 70 – 18/19, por decisão datada de 04 de junho de 2019, com a sanção de multa de 15.300,00 €; n.º 67 – 18/19, por decisão datada de 14 de maio de 2019, com a sanção de multa de 15.300,00 €; n.º 49 – 18/19, por decisão datada de 16 de abril de 2019, com a sanção de multa de 11.475,00 €].

§3. Factos não provados

34. Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão da causa.

§4. Motivação quanto à matéria de facto

35. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, nos documentos juntos aos autos que se harmonizam entre si, tendo sido analisados de forma crítica e conjugada, quer cada um deles isoladamente, quer todos eles de forma conjunta e global, desse modo permitindo concluir pela verificação da factualidade acima dada como provada. Por sua vez, cumpre realçar que a SAD arguida não infirmou o conteúdo da publicação em crise – tendo, inclusive, confirmado a mesma – legitimando-a, contudo, no alegado exercício do direito à liberdade de expressão.

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(i) A prova dos factos descritos em 1) a 4) de §2. Factos provados têm o seu múnus probatório no ponto 8 da newsletter “Dragões Diário”, datada de 11 de junho de 2020 (cf. fls. 4 e 5);

(ii) O facto descrito em 5) de §2. Factos provados encontra arrimo probatório nas notícias do jornal desportivo “Record”, datadas de 11 de junho de 2020 (apud fls. 9 a 11 e 13 a 16); (iii) No que respeita à materialidade de índole subjetiva da SAD arguida aposta no facto descrito em 6) de §2. Factos provados, representando o estado psíquico atinente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo da infração disciplinar em dissídio, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica. Neste particular, cumpre referir que não é necessária, neste contexto, a existência de um dolo específico ou "animus injuriandi vel difamandi", bastando, para efeitos de subsunção (na modalidade de dolo), a representação de todos os elementos que integram o facto ilícito e que a SAD arguida, consciente da natureza ilícita da sua conduta, tenha dirigido a sua vontade à realização do facto ilícito, querendo praticá-lo;

(iv) O extrato disciplinar da SAD arguida, designadamente abrangendo as três últimas épocas desportivas anteriores àquela que se encontra em curso, presente de fls. 25 a 59, oferece a prova para o facto descrito em 7) de §2. Factos provados.

V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

§1. Enquadramento jurídico-disciplinar – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

36. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.

37. A existência de um poder regulamentar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º, n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a

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xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

38. O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008). Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

39. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeito, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concreto interesses desses agentes e organizações desportivas.

§2. Das infrações disciplinares em geral

40. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e trinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

41. Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

§3. Das infrações disciplinares concretamente imputadas

42. Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável (vide o artigo 17.º do RDLPFP19).

43. Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares, determina o n.º 2 do artigo 7.º, do mesmo corpo regulamentar que «[o]s clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portugal e no âmbito dessas competições».

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44. No caso em apreço situamo-nos no universo das infrações específicas dos clubes – estando em causa do ilícito disciplinar previsto e punido no artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4, do RDLPFP19, qualificado como grave12, cujo texto agora se transcreve:

«(...)

Artigo 112.º

Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros

1. O clube que use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portugal ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas, assim como incite à prática de atos violentos, conflituosos ou de indisciplina, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 350 UC.

(…)

3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das multas previstas nos números anteriores serão elevados para o dobro.

4. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa».

45. Ainda com relevância para o caso sub judice, atente-se ao disposto no n.º 1 do artigo 51.º do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol13

[Deveres de correção e urbanidade dos intervenientes], «[t]odos os agentes desportivos devem manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes». Concretizando o n.º 1 do artigo 19.º do RDLPFP19 [Deveres e obrigações gerais], que «[a]s pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que

12 Capítulo IV (Infrações disciplinares), Secção I (Infrações específicas dos clubes), Subsecção II (Infrações disciplinares

graves).

13 RCLPFP19 ou, doravante, RC - Com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 27 de Junho

de 2011, 14 de Dezembro de 2011, 21 de Maio de 2012, 28 de Junho de 2012, 27 de Junho de 2013, 20 de Junho de 2014, 19 e 29 de Junho de 2015, 21 de Outubro de 2015, 15 de Março de 2016, 28 de Junho de 2016, 07 de Fevereiro de 2017, 12 de Junho de 2017, 29 de Dezembro de 2017, 27 de Fevereiro de 2018, 27 de Abril de 2018, 25 de Maio de 2018 e 29 de Junho de 2018 e 22 de Maio de 2019.

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diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social». Mais acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito regulamentar que “[a]os sujeitos referidos no número anterior é proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou fornecer a terceiros notícias ou informações que digam respeito a factos que sejam objeto de investigação em processo disciplinar».

46. Numa primeira aproximação à hermenêutica destas normas, impõe-se que façamos algumas considerações quanto a determinados aspetos das mesmas que se afiguram cruciais para a sua correta aplicação, designadamente tendo em vista os contornos fácticos do caso concreto.

47. Destarte, relativamente ao n.º 4 do artigo 112.º do RDLPFP, importa densificar o conceito de “imprensa privada” dos clubes.

48. Nesse sentido, desde logo, convocando a jurisprudência deste Conselho14 «“Imprensa”

é, atualmente, a designação coletiva dos veículos de comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa, apesar de o termo imprensa derivar da prensa originalmente utilizada para imprimir jornais, então os únicos veículos jornalísticos existentes, os quais, desde há décadas, passaram a ser também teledifundidos (telejornal) e, com o advento da World Wide Web, surgiram também os jornais online, ou ciberjornais, ou webjornais, mantendo-se o termo "imprensa" para os designar colectivamente».

49. Nesta conformidade, podemos assentar que “imprensa privada”, para efeitos do normativo em glosa, são todos aqueles veículos de comunicação que exercem jornalismo e outras funções de comunicação informativa que sejam, direta ou indiretamente, detidos e/ou controlados em termos empresariais/societários por clubes/sociedades desportivas.

50. A newsletter “Dragões Diário“ trata-se de uma publicação eletrónica, no caso jornal eletrónico, que a FC Porto disponibiliza diariamente, de forma gratuita, através do seu site oficial, que indubitavelmente pertence à imprensa privada da arguida – aliás, como expressamente reconhecido pela SAD arguida no seu memorial de defesa – sendo um instrumento de especial impacto e difusão, e portanto conclui-se que, ao publicar e difundir em tal espaço comunicacional, as expressões e declarações que resultaram nos factos 1) a 4) dos

14 Acórdão prolatado no PD n.º 21-17/18, de 20 de março de 2018, Relatora: Maria José Carvalho, disponível na página

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factos provados, violadoras da honra e da reputação de agente de arbitragem e, concomitantemente da competição desportiva, e que não foram impugnadas, implicam a sua responsabilidade à luz do preceituado no n.º 4 do artigo 112.º RDLPFP19.

51. Ainda no que tange ao ilícito disciplinar em dissidio no caso vertente, o artigo 112.º do RDLPFP19, antolha-se que aí se encontram previstas e punidas três distintas situações que configuram infração disciplinar, a saber:

a) Uma infração “simples” que está prevista e punida no n.º 1; b) Duas infrações “qualificadas” que estão previstas e punidas:

- nos n.ºs 1 e 2; - nos n.ºs 1 e 3.

52. A destrinça operada quanto ao sobredito ilícito afigura-se importante, além do mais e como resulta do exposto, para delimitar o campo de aplicação da reincidência prevista no n.º 3, como elemento de qualificação do tipo do citado normativo, no qual apenas têm cabimento as infrações simples previstas e punidas nos n.ºs 1 e 2, resultando daí a existência de duas infrações qualificadas.

53. Adentrando no caso concreto, à luz do acabado de expender, resulta que a responsabilidade disciplinar da SAD arguida tem de ser analisada e apurada enquanto integrativa da infração disciplinar (qualificada) p. e p. pelos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP19.

54. Ainda no plano geral de enquadramento das infrações concretamente imputadas, cumpre recordar que a Secção Profissional deste Conselho de Disciplina tem consistentemente afirmado que, no seu entendimento, as normas disciplinares em dissidio realizam a proteção da ética e dos valores desportivos, aqui ramificados na salvaguarda da credibilidade da competição, sendo um seu pressuposto essencial a dignidade e imparcialidade da função dos árbitros. Em igual sentido, veja-se o decidido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do Processo n.º 34/2019, de 9 de julho de 2020, «[o] escopo do art. 112.º do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional visa, além da defesa do bom nome e da reputação dos visados (tal como nos arts. 180.º e 181.º do CP), a salvaguarda da ética e valores desportivos, bem como a credibilidade da modalidade, dos competidores e cargos desportivos» (sublinhado nosso)15.

55. No contexto desportivo, o legislador originário elegeu a ética desportiva como princípio basilar da construção do sistema legal, no âmbito do qual a prevenção da violência assume lugar

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de destaque. Com efeito, a promoção da ética desportiva e a prevenção (e, necessariamente, o sancionamento) de fenómenos antidesportivos apresenta-se, no âmbito da atual Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto16, como inegável tarefa do Estado17, que o legislador ordinário

comete às federações desportivas18.

56. Nesse pressuposto, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios, grosseiros ou incorretos encontra o seu fundamento nesta tarefa (pública) de realização do valor da ética desportiva19. Contudo, uma vez que no contexto do artigo 112.º do RDLPFP19 a lesão

da ética desportiva é cristalizada também em condutas desonrosas (rectius, lesivas da honra), impõe-se (sem que tal equivalha a sustentar uma tarefa distinta da agora avançada) aquilatar o conteúdo de um tal valor jurídico. Ora, honra inclui «não apenas a reputação e o bom nome de que a pessoa goza na comunidade (a honra externa, äusere Ehre), mas também dignidade inerente a qualquer pessoa, independentemente do estatuto social (a honra interna, innere Ehre)» (sublinhado nosso)20.

57. Portanto, a ética e o espírito desportivos não prescindem, antes exigem, no quadro das competições oficiais, a existência de mútuo respeito entre todos os diversos agentes desportivos, incumbindo a estes últimos especiais deveres tendentes à realização de tais valores.

16 Lei n.º 5/2007, de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto, LBAFD, doravante). Mantendo o

modelo colaborativo como estrutura fundamental do sistema desportivo, a LBAFD determina que «A atividade desportiva – diz o n.º 1 do artigo 3.º – é desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes». Em consonância com a intenção do legislador de 1990, o diploma de 2007 reitera na atribuição ao Estado – que reserva tal tarefa para si – a tarefa de tomar «as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas, designadamente a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo, a xenofobia e qualquer forma de discriminação»

17 Entre nós concretizada com um específico regime legal sancionatório, estabelecido na Lei n.º 39/2009, de 30 de

julho, na sua redação atual.

18 Veja-se, neste particular, o que estabelece o artigo 1.º da Lei 112/99, de 3 de agosto (Regime Disciplinar das

Federações Desportivas) e artigo 52.º do Decreto-Lei 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime Jurídico das Federações Desportivas).

19 Em sentido convergente e esclarecendo o conteúdo de tais valores, o Código de Ética Desportiva (acessível em

http://www.pned.pt/media/24987/codigoetica_web.pdf), no seu ponto 6. da sua 1.ª parte, estabelece que «há valores que, pela sua natureza, são inerentes à prática desportiva, nomeadamente: o respeito pelas regras e pelo adversário, árbitro ou juiz; o fairplay ou jogo limpo; a tolerância; a amizade; a verdade; a aceitação do resultado; o reconhecimento da dignidade da pessoa humana; o saber ser e estar; a persistência; a disciplina; a socialização; os hábitos de vida saudável; a interajuda; a responsabilidade; a honestidade; a humildade; a lealdade; o respeito pelo corpo; a imparcialidade; a cooperação e a defesa da inclusão social em todas as vertentes».

20 Neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág.

495. Em sentido convergente, JOSÉ DE FARIA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 607.

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58. Com efeito, a tutela disciplinar aqui convocada visa defender o bom e regular funcionamento da competição, assegurando a credibilidade da própria competição, dos competidores e dos cargos desportivos. A credibilidade da competição assenta em valores de mútuo respeito entre os diversos agentes desportivos e/ou órgãos da estrutura desportiva; daí a sua imposição como dever normativo (cf. artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP19 e artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP19) e a sua violação ser sancionada como é.

59. Deste modo, no quadro regulamentar atual, a disciplina jurídico-desportiva prevê, reprova e sanciona, de forma especial, quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos praticados pelos clubes e agentes desportivos que invadam a esfera da honra e reputação de outros agentes desportivos e entidades, se desrespeitadores, difamatórios, injuriosos ou grosseiros. Fá-lo com plena autonomia relativamente ao direito penal e ao direito civil (cf. artigo 6.º do RDLPFP19), pois que, para além do bom nome e reputação das instituições e dos agentes desportivos, aquela norma protege o bom e regular funcionamento da competição, procurando assegurar que os valores de respeito entre os contendores imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores.

60. Acresce que é legítimo defender-se que a grande mole humana que são os espetadores de futebol tem a expectativa que o decurso das competições futebolísticas não seja perturbado, ou mesmo falseado por comportamentos imparciais, visando alterar o bom e regular funcionamento da competição desportiva e sequentemente da verdade desportiva.

61. Cumpre, também, salientar que a infração disciplinar de ofensa à honra e reputação se consuma com a prática de ato que objetivamente tenha esse resultado, independentemente da intenção, desde que se tenha a obrigação de conhecer que a conduta ofende, ou pode ofender, a honra e reputação do visado e, ainda assim, o agente se conforma com essa possibilidade. 62. Acresce, ainda, referir que as afirmações veiculadas por meios de comunicação social têm merecido permanente e atenta análise deste Conselho de Disciplina pois como se vem demonstrando é enorme a influência que o futebol nacional assume nas escolhas editoriais dos meios de comunicação social.

63. No caso concreto estão em causa declarações proferidas numa publicação eletrónica da SAD arguida, pelo que, é de se exigir precaução no que se divulga, atento o impacto que tais declarações causam, ou podem causar, no seio dos adeptos de futebol. São, ou podem ser, de declarações de idêntica natureza, que parte a subida de tom para outras mais graves e dessas

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para a violência. É com esta matriz que, não raras vezes, assistimos ao desencadear de comportamentos adequados a provocar perturbação na competição, comportamentos que se desejam ver erradicados e que, por isso, o Regulamento Disciplinar proíbe.

§2. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

a) Da verificação dos elementos típicos da infração disciplinar

64. Conforme já tivemos oportunidade de mencionar, o artigo 17.º do RDLPFP2019 [sob a epígrafe «Conceito de infração disciplinar»] considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

65. Deflui, portanto, daquele normativo que são elementos essenciais da infração disciplinar, e de verificação cumulativa, os seguintes: (i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto; e (iii) a culpa. No plano da culpa basta que estejamos perante uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar.

66. Isto posto, cumpre apreciar a relevância jusdisciplinar da conduta da SAD arguida à luz do disposto no citado artigo 112.º, n.ºs 1, 3 e 4. do RDLPFP19.

67. A subsunção ao direito aplicável pressupõe que se efetue a exegese da norma sancionatória em liça quanto à SAD arguida, para, assim, verificar se se encontram ou não preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, que a mesma comporta. 68. Ora, para que se possa verificar o tipo disciplinar previsto pelos n.º 1, 3 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP19, é necessário que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa, um (i) clube; (ii) use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros; (iii) para com órgãos da Liga ou da FPF e respetivos membros, árbitros, dirigentes, clubes e demais agentes desportivos, nomeadamente em virtude do exercício das suas funções desportivas; (iv) e que o faça através de divulgação de comportamentos pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa; (v) sendo reincidente na prática do ilícito previsto no n.º 1 do aludido normativo.

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69. Neste contexto, e atenta a materialidade dada como assente nos factos provados, designadamente nos factos provados 1) a 5), mostra-se verificado o preenchimento de todos os requisitos típicos objetivos, porquanto: mostra-se verificado o preenchimento de todos os requisitos típicos objetivos, porquanto:

(i) Em primeiro lugar, a SAD arguida é um clube, à luz da definição constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do RDLFPF19;

(ii) Apresenta-se inequívoco que as declarações veiculadas no ponto 8 da publicação eletrónica, newsletter “Dragões Diário”, datada de 11 de junho de 2020, presentes nos factos provados 2) a 4), visaram elemento da equipa de arbitragem que exerceu funções no jogo mencionado no ponto 2) dos factos provados [concretamente, o VAR, Bruno Esteves];

(iii) Sendo que, conforme resulta do facto provado 1), as declarações em causa nos autos, foram objeto de divulgação através de publicação eletrónica, newsletter “Dragões Diário“, jornal eletrónico, que a SAD arguida disponibiliza diariamente, de forma gratuita, através do seu site oficial, que indubitavelmente pertence à imprensa privada da arguida e é explorado diretamente pela mesma;

(iv) Por outro lado, conforme ficou evidenciado no facto provado 7), a arguida FC Porto, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares, tendo sido sancionada, nos termos do disposto no artigo 112.º n.ºs 1, 3 e 4, do RDLPFP19, por mais do que uma vez, no período das três épocas desportivas anteriores àquela em que se verificaram os factos em apreço. Donde resulta a reincidência na prática do ilícito previsto no n.º 1 do aludido normativo;

(v) Perante tal, cumpre, por fim, aferir se as declarações da SAD arguida, no contexto em que foram consumadas, possuem carga valorativa ultrajante, ofensiva da honra, consideração e dignidade do visado, mostrando-se lesivas a ética e valores desportivos. Ora, tendo em conta o descrito nos factos provados 2) a 4), cumpre notar que a SAD arguida – ao contrário do que sustenta em sede de defesa escrita – se não limita a apontar, de forma objetiva, erros da equipa de arbitragem, antes integra, no seu discurso, a afirmação de que tais erros foram voluntários (e, portanto, dolosos), além de lançar suspeitas sobre a atuação da equipa de arbitragem. É, na verdade, uma tal mensagem que, de forma expressa e evidente, resulta das asserções em que a SAD arguida imputa o alegado erro de elemento da equipa de arbitragem, no seu desempenho enquanto VAR – «como é que o vídeoárbitro Bruno Esteves não viu uma mão de Taarabt na área em Portimão?» –, relacionando-o com aquilo que, num juízo de suspeição, afirma serem as «ligações ao Benfica que tem», questionando, ainda, com inferências subjetivas: «Ou será que

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o que toda a gente vê como incompetência, sobretudo nos jogos do Benfica, é afinal “competência” e o motivo para continuar a fazer o que faz?» (destaques nossos). Por outro lado, lança o manto insidioso de suspeição, sob a forma de interrogação, quando refere «[p]ior: como é que Bruno Esteves, que deixou de ser árbitro de campo por ser incompetente, que é um vídeo árbitro incompetente, que tem o passado que tem e que tem as ligações ao Benfica que tem, pode continuar a participar em jogos do clube de Vieira?».

Lançando mão da lição de José de FARIA COSTA21, cumpre atentar que «a imputação de

factos ou a formulação de juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar encobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo, factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer aprendiz de maledicência e muito particularmente o senso comum sabem que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja», sendo que «mesmo que a insinuação se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo». Tais ensinamentos aclaram, justamente, a aferição da natureza desvaliosa da conduta da SAD arguida que, nas suas declarações, reportando-se à atuação da equipa de arbitragem faz lançar a suspeita de que o VAR Bruno Esteves, no jogo aludido nestes autos, não atuou de acordo com os critérios de isenção, objetividade e imparcialidade a que está adstrito, atuando em benefício de um dos contendores (a Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SA.). Constituindo a imparcialidade e a isenção atributos que têm de ser intrínsecos às funções exercidas, não pode deixar de se considerar que as aludidas declarações põem em causa a integridade moral e o bom nome e reputação daquele agente de arbitragem em questão, além de afetarem a credibilidade e o prestígio da própria competição desportiva. Atente-se que as afirmações «ligações ao Benfica que tem», e a interrogação, plena de insidia e juízos de insinuação, «Ou será que o que toda a gente vê como incompetência, sobretudo nos jogos do Benfica, é afinal “competência” e o motivo para continuar a fazer o que faz?», mais não traduzem do que juízos de valor, ofensivos da honra, consideração e reputação do VAR, Bruno Esteves.

As declarações da SAD arguida mostram-se violadoras da probidade profissional e pessoal da equipa do VAR Bruno Esteves. Tais declarações comportam o lançamento de uma

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suspeita de conduta contrária aos deveres de imparcialidade adstritos ao mister da arbitragem, por parte daquele agente de arbitragem.

70. Verificados os elementos típico-objetivos da norma sancionatória, cabe agora concluir sobre o elemento subjetivo da referida norma. Nesta senda, conclui-se que a conduta da arguida FC Porto apresenta-se como suscetível de preenchimento na modalidade de dolo, havendo, no caso vertente, conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objetivo de ilícito. A arguida FC Porto bem sabia que as declarações divulgadas pela imprensa privada por si explorada, eram proibidas e punidas pelos regulamentos desportivos, dessa feita afetando a honra e consideração de agente de arbitragem, apresentando-se contrárias à ética e valores desportivos, e prejudicando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva em que se encontrava envolvida, facto que consubstancia comportamento previsto e punido pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, o qual não se absteve, porém, de concretizar [cf. facto provado 6)].

71. Além disso, cumpre salientar, sobre a SAD arguida recai um especial dever de ter uma ação pedagógica no sentido de prevenir e impedir que a sua “imprensa privada” seja utilizada como veículo de transmissão e publicitação de declarações como as que estão em causa nestes autos, tanto mais quando as mesmas são reiteradamente proferidas por pessoas com responsabilidade na respetiva estrutura dirigente. Não se tresleia aqui uma apologia de qualquer forma de censura, não é disso que se trata. O que está em causa é, sim, cumprir e fazer cumprir os especiais deveres e obrigações de conduta que impendem sobre todos quantos – clubes, sociedades desportivas, dirigentes desportivos, jogadores e demais agentes desportivos – intervêm nas competições profissionais de futebol (cf. artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP19 e artigo 51.º, n.º 1, do RCLPFP19).

72. Encontram-se, portanto, reunidos os pressupostos de natureza objetiva e subjetiva de que depende a responsabilidade disciplinar da arguida FC Porto, à luz do que dispõe os n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 112.º do RDLPFP19, do mesmo corpo regulamentar.

b) As declarações da SAD arguida e o alegado legítimo exercício do direito à liberdade de expressão

73. Sem prejuízo do acabado de aduzir, atendamos à linha nuclear de defesa da SAD arguida de que «[a] verdade é que, independentemente do desagrado que as afirmações possam ter

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