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Efeitos sucessórios na multiparentalidade

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE

CURSO DE DIREITO

ANNA CLARA BORBA PESSANHA

EFEITOS SUCESSÓRIOS NA MULTIPARENTALIDADE

MACAÉ/RJ 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SOCIEDADE

CURSO DE DIREITO

ANNA CLARA BORBA PESSANHA

EFEITOS SUCESSÓRIOS NA MULTIPARENTALIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Orientadora: Professora Dra. Priscila Petereit de Paola

Gonçalves

MACAÉ/RJ 2019

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ANNA CLARA BORBA PESSANHA

EFEITOS SUCESSÓRIOS NA MULTIPARENTALIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no curso de Graduação em Direito do Instituto de Ciências da Sociedade de Macaé da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito.

Aprovada em: Macaé, 18 de Julho de 2019.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Priscila Petereit de Paola Gonçalves – UFF

____________________________________________________________ Profª. Drª. Andreza Aparecida Franco Câmara – UFF

____________________________________________________________ Bel. Ully Hashimoto Mayerhofer – UFF

MACAÉ/RJ 2019

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AGRADECIMENTOS

Por trás do fim dessa jornada há um sonho vivido junto. Não foi nada fácil, esses cinco anos foram os mais desafiadores da minha vida, eles testaram os meus limites por diversas vezes, fortificaram minha fé e me tornaram uma mulher mais forte. Com todos os percalços chegamos até aqui. Chegamos, no plural. Finalmente acabou essa etapa e eu só tenho a agradecer por todo apoio e paciência durante esse momento e por compreenderem minhas faltas. Eu sou muito abençoada por ter vocês.

Inicialmente preciso dizer que Deus é de fundamental importância na minha vida, durante todo esse tempo eu senti Tua presença, Tua misericórdia, sentia as forças chegarem através dEle. Obrigada meu Deus, por ter me honrado nas vezes que pensei em desistir, por nada me faltar e pelos seus milagres diários. Sou muito grata e devota a Nossa Senhora, nossa mãe, aquela que intercede por nós através de seu filho e que atendeu a tantos pedidos meus.

Aos meus pais, que tornaram isso possível e sempre acreditaram em mim, vocês são minha razão. Gratidão aos meus irmãos, nenhuma graça teria a vida sem vocês. Ao meu amor, incentivador, que foi amigo, compreensivo, que nunca saiu do meu lado e sempre me apoiou. Sou profundamente grata aos meus quatro anjos, meus avós, vocês são inspiração em minha vida e me dão motivos para agradecer todos os dias. Vocês e nossa gigantesca família me fizeram crescer cercada de amor, de mato, de pé no chão, de alegria, de tantos primos e me tornaram a pessoa que sou hoje. Vocês sempre me passaram boas energias e foi com ela que consegui terminar essa monografia. Às minhas crianças que me enchem de amor todos os dias, que entenderam quando não pude estar presente e me dão ânimo para enfrentar os desafios diários e este grande desafio.

Gratidão as minhas amigas que fizeram esses anos mais leves e felizes, que foram muito mais que amigas de estudo e tanto me acalmaram, ajudaram, incentivaram durante todo o estresse desse período de TCC e me fizeram acreditar que sou capaz de realizar tudo que me propuser.

E, por fim, agradeço especialmente a minha orientadora, Professora Priscila Petereit, que muito admiro e respeito, sem o seu apoio e a sua, excelente, orientação eu não teria conseguido. Obrigada pelas palavras de incentivo, pela paciência e por acreditar no meu tema e em mim.

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A verdadeira família é aquela unida pelo espírito e não pelo sangue. Luiz Gasparetto

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RESUMO

O presente trabalho tem por finalidade analisar os institutos da paternidade socioafetiva, da multiparentalidade e seus efeitos jurídicos, especialmente no que tange aos seus reflexos no direito sucessório. Essa nova visão do Direito de Família se deu a partir do advento da Constituição da República de 1988, considerando que antes se limitava apenas a uma possibilidade doutrinária, posto que se tratava de uma lacuna na legislação. A multiparentalidade consiste no reconhecimento concomitante dos vínculos paternos biológicos e afetivos. Este tema foi debatido, em 2016, no Recurso Extraordinário 898/060 pelo Supremo Tribunal Federal, gerando na Repercussão Geral 622 fixando a tese de que a “paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. As conclusões deste estudo são fundamentadas no direito à busca da felicidade, da não discriminação entre as filiações e nos princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, do melhor interesse da criança e do adolescente, da afetividade e do livre planejamento familiar. Tendo por base a doutrina, a lacuna na lei, a tese fixada pelo STF e a forma que esse instituto está sendo aplicado na prática, far-se-á uma análise da temática, bem como se concluirá na possibilidade ou não de se obter duas ou mais heranças de uma mesma linha sucessória.

Palavras chaves: Multiparentalidade; Parentalidade socioafetiva; Paternidade responsável;

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ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the institutes of socio-affective parenting, of multiparentality and its legal effects, especially with regard to its repercussions on inheritance law. This new vision of Family Law came from the advent of the Constitution of 1988, considering that it was limited to a doctrinal possibility, since it was a lacuna in the legislation. The multiparentality consists in the concomitant recognition of the paternal biological and affective bonds. This topic was discussed in 2016 in Extraordinary Appeal 898/060 by the Federal Supreme Court, generating in General Repercussion 622 establishing the thesis that "socio-affective paternity, whether declared or not in public registry, does not prevent the recognition of the connection of concomitant affiliation based on biological origin, with its own legal effects. " The conclusions of this study are based on the right to the search for happiness, non-discrimination between the affiliations and the principles of the dignity of the human person, responsible parenthood, the best interests of children and adolescents, affectivity and free family planning. Based on the doctrine, the gap in the law, the thesis established by the STF and the way in which this institute is being applied in practice, an analysis of the subject will be carried out, and it will be concluded whether or not two or more inheritances of the same line of succession.

Keywords: Multiparentality; Socio-affective fatherhood; Responsible parenting; Family;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E MULTIPARENTALIDADE: NOVOS CONCEITOS DE DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS EFEITOS NO DIREITO SUCESSÓRIO ... 12

1.1 Novas modalidades de família ... 12

1.2. Parentalidade ou paternidade socioafetiva ... 13

1.2.1. Reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva ... 15

1.3. Multiparentalidade ... 17

1.4. Noções básicas de Direito Sucessório ... 19

1.5. As consequências da parentalidade e da multiparentalidade no Direito das Sucessões .... 21

CAPÍTULO II - UM ESTUDO DE CASO: A ORIGEM E A ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 898.060 ... 26

2.1. Embargos Infringentes nº 2012.038525-9 (TJSC): A origem do RE nº 898.060 ... 26

2.2. Recurso Extraordinário nº 898.060 ... 29

CAPÍTULO III - SUCESSÃO NA CLASSE DOS ASCENDENTES E ANÁLISE DAS AÇÕES QUE CHEGARAM AO STJ ... 37

3.1. A sucessão dos ascendentes na multiparentalidade: E quando o filho falecer antes de seus pais? ... 37

3.2. A multiparentalidade no Superior Tribunal de Justiça ... 42

3.2.1. Recurso Especial nº 1.674.849/RS, julgado em 17/04/2018, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, oriundo do processo 2016/0221386-0... 42

3.2.2. Recurso Especial nº 1.704.972/CE, julgado em 09/10/2018, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, oriundo do processo 2017/0272222-2 ... 45

3.2.3. Recurso Especial nº 1.608.005/SC, julgado em 14/05/2019, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, oriundo do processo 2016/0160766-4 ... 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 52

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INTRODUÇÃO

Até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, bem como o Código Civil de 2002, a legislação brasileira considerava o instituto civil do casamento como base e único modo de formação da família, a qual era firmada no pátrio poder. Realizava-se, também, uma distinção entre a origem dos filhos e seus direitos.

A partir da consolidação de princípios tais quais da isonomia entre os membros da família, da proibição de distinção entre os filhos, da afetividade, do livre planejamento família e da dignidade da pessoa humana, pôde ser formada uma nova concepção da família, devendo ser respeitada a forma de conduzir suas vidas, priorizando a busca pela felicidade. Com essas transformações foram surgindo novas concepções de famílias, que serão relatadas no decorrer do trabalho, pautando-se no afeto e no amor – perspectiva afetiva – a verdadeira constituição familiar, perdendo importância o foco exclusivo ao aspecto genético.

Nesse contexto, foi instituída a multiparentalidade, tratando-se da possibilidade de estabelecimento da dupla paternidade, isto é, ter no registro de nascimento dois pais ou duas mães concomitantemente, a paternidade/maternidade biológica e a socioafetiva, que passaram a ter a mesma relevância juridicamente. Isso foi possível uma vez que o afeto passou a ter valoração jurídica e junto da convivência familiar servem como comprovação para o reconhecimento do vínculo afetivo de filiação, com a conseguinte geração de seus efeitos, inclusive no que se refere a multiparentalidade e as implicações sucessórias.

O presente tem por finalidade analisar as demandas de reconhecimento da paternidade socioafetiva individualmente e concomitantemente com a paternidade biológica, ou seja, a multiparentalidade, e identificar suas consequências no âmbito do direito sucessório. A partir do reconhecimento da possibilidade de haver dupla paternidade ou maternidade e também pelo reconhecimento da parentalidade socioafetiva como entidade familiar, pautando-se no princípio da afetividade, novas perspectivas e discussões estão sendo geradas no Direito das Sucessões, deste modo, objetiva-se conhecer essas novas demandas e consequências e, assim, discriminá-las.

Na prática jurídica, esses institutos podem ocasionar pleitos meramente patrimoniais, com intuito de buscar duas ou mais heranças, e a grande dificuldade do Judiciário será em definir e distinguir tais ações das demandas com fulcro na boa-fé. Assim, como metodologia, serão realizadas pesquisas jurisprudenciais nas instâncias superiores, bem como análise e exploração doutrinária, a fim de verificar como está sendo tratada a sucessão na parentalidade e multiparentalidade socioafetivas, isto é, como se dará a transmissão das heranças nesses casos.

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O núcleo deste trabalho está na decisão do STF em sede de Recurso Extraordinário (STF, RE 898.060/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016), a qual reconheceu a multiparentalidade e a igualdade da paternidade biológica e da afetiva, resultado na Repercussão Geral n. 622, que fixou a tese de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

Este estudo encontra-se estruturado em 3 (três) capítulos, dos quais o primeiro, intitulado ‘Parentalidade socioafetiva e multiparentalidade: novos conceitos de Direito de Família e seus efeitos no Direito Sucessório’, tratará sobre os conceitos preliminares de sucessão, parentalidade e multiparentalidade e suas consequências jurídicas, bem como o reconhecimento desses institutos e seus reflexos no direito sucessório. O segundo, ‘Um estudo de caso: A origem e a análise do Recurso Extraordinário Nº 898.060’, tratará de um estudo de caso, com a consequente análise do Recurso Extraordinário 898.060 e da ação que o originou. E o terceiro, ‘Sucessão na classe dos ascendentes e análise das ações que chegaram ao STJ’, se pautará na sucessão invertida, isto é, dos ascendentes, quando o filho falecer antes de seus pais (biológicos e socioafetivos), e, ainda, realizará uma síntese, com a respectiva análise, dos casos que chegaram ao Supremo Tribunal de Justiça depois da tese fixada pelo STF na Repercussão Geral nº 622.

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CAPÍTULO I

PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E MULTIPARENTALIDADE: NOVOS CONCEITOS DE DIREITO DE FAMÍLIA E SEUS EFEITOS NO DIREITO

SUCESSÓRIO

1.1 Novas modalidades de família

Com o advento da Constituição Federal de 1988 houve a instituição e efetivação de direitos importantes nas relações familiares. Há de se reconhecer que o instituto familiar vem sofrendo alterações e transformações no decorrer dos anos e, nesse sentido, a Constituição visou refletir tais mudanças. No entanto, cumpre salientar que com a sociedade atual surgiram novas demandas e, portanto, ainda existem lacunas no ordenamento jurídico brasileiro que vêm sendo preenchidas pela jurisprudência.

A família ganhou novas formas e dimensões, adequando-se às mudanças da sociedade moderna e seus novos conceitos e núcleos familiares. Nessa acepção, a Constituição trouxe proteção às novas demandas sociais e ao próprio instituto familiar, prevendo-o como base da sociedade, tendo, portanto, especial proteção do Estado, conforme preleciona o art. 226 CRFB/88. Nesses novos moldes, a família tem como principal fator de identificação o vínculo afetivo e não mais, somente, a questão genética, permitindo que o reconhecimento afetivo e psicológico ultrapasse até mesmo o parentesco sanguíneo.

No que tange a essas transformações na compreensão da família, pode-se destacar quatro dispositivos constitucionais que refletiram bem essa unidade de pessoas que possuem em comum um forte laço afetivo, sem considerar somente aquelas unidas pela entidade jurídica casamento.1 Quais sejam: a pluralidade familiar, disposta no art. 226 §4º da Constituição Federal, igualdade entre cônjuges e companheiros, trazida no art. 226 §3º, a quebra do patriarcado, conforme art. 226§5º e a igualdade entre os filhos – vínculo de filiação –, contida no art. 227 §6º, CRFB/88. Tais dispositivos representam a deferência aos princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável do melhor interesse da criança e do adolescente, da afetividade e do livre planejamento familiar.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

1 TEIXEIRA, Júlia da Silva. A multiparentalidade e suas implicações no direito sucessório. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Estadual de Santa Catarina, Criciúma/SC, 2017. Disponível em: <http://repositorio.unesc.net/handle/1/6063>. Acesso em: 01 maio 2019.

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§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[...] § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação2.

O primeiro autor brasileiro a se preocupar com a desbiologização do direito de família, isto é, quando a relação paterna ou materna transcende o fator biológico, com um significado emocional e espiritual mais profundo, foi João Batista Villela3. Essa ideia já vinha sendo

reputada pelo dito popular de que “pai é quem cria”, tornando possível o ajuizamento de uma ação de investigação de paternidade socioafetiva, nas relações que se encontram consolidadas no afeto e ao longo do tempo4.

Nessa seara, percebe-se que com essas várias formas de família, admite-se a possibilidade de se reconhecer somente os laços afetivos em detrimento do biológico ou, ainda, que se considere, igualmente, os dois concomitantemente, visando o melhor interesse do menor. Novos conceitos foram criados para dar sentido a essas novas relações e, para o presente estudo, será importante compreender a multiparentalidade e a parentalidade socioafetiva.

1.2. Parentalidade ou paternidade socioafetiva

A parentalidade socioafetiva se dá quando duas pessoas se identificam e se mostram para a sociedade como pai e filho (a) ou mãe e filho (a), mesmo não possuindo o parentesco sanguíneo, sendo reconhecida a posse do estado de pai ou mãe. Deste modo, caracteriza-se quando, pela convivência, criação e carinho, pessoas passam a ter relação de afeto, apesar de não haver ligação biológica, de forma que a criança passa a ter com esse terceiro uma verdadeira relação de paternidade/maternidade. Vale salientar que essa ligação socioafetiva não está vinculada somente a padrastos e madrastas, mas a qualquer pessoa que exerça verdadeiramente

2BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 de maio 2019. 3 VILLELA, João Baptista. Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de Direito, Universidade

Federal de Minas Gerais, n. 21, maio 1979, p. 401-409. Disponível em:

<https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1156/1089>. Acesso em: 02 de maio 2019.

4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume 6: Direito de

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a atribuição de pai ou mãe, com vínculo reconhecido entre as partes (pessoa e criança) e perante a sociedade.

A filiação socioafetiva diz respeito ao ato de vontade, ela é uma opção e não um dever5, trata-se da primazia da convivência familiar, onde se constrói um respeito recíproco que ignora qualquer verdade biológica e não se pauta no nascimento, de modo que para aquelas pessoas são, de fato, pai/mãe e filho (a)6. Segundo Luiz Edson Fachin, Ministro do STF, “pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços da paternidade numa relação psicoafetiva; aquele, enfim, que, além de poder lhe emprestar seu nome de família, trata-o como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social”7.

O instituto da paternidade socioafetiva, em si, foi trazido pela I Jornada de Direito Civil em seu enunciado n. 108 do CJF/STJ, que previu que: “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”. Essa nova modalidade de parentesco civil inclui-se no termo “outra origem” aludido no art. 1.5938, do Código Civil.

Flávio Tartuce, no quinto volume, da 14ª edição, do seu livro de Direito Civil9, considera que a partir das novas discussões sobre as formas de família e com o julgado do STF, fizeram surgir uma nova forma de parentesco civil, que seria a parentalidade socioafetiva, que se constitui com a posse do estado de filho10, estabelecida com a identificação entre as partes, a utilização do nome da família pertencente e com o reconhecimento da condição de descendente

5 COSTA, Juraci. Paternidade socioafetiva. Revista Jurídica – CCJ/FURB, v. 13, n. 26, p. 127-140, jul.-dez. 2009. Disponível em: <https://gorila.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/1889/1254>. Acesso em: 04 de maio 2019.

6 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: Famílias. v. 6, 8ª. Ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 611.

7 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 33. 8 Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. BRASIL. Lei

10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 05 de maio 2019. 9TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. V. 5, 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

10 “Nos termos do voto do Ministro Luiz Fux, “a compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio)” SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC. Disponível em:

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pela comunidade; de modo que após estabelecido esse vínculo afetivo, o mesmo não poderá ser quebrado, gerando, desta forma, todas as consequências jurídicas cabíveis, inclusive ação de alimentos e direitos de herança. Deve-se ressaltar que a III Jornada de Direito Civil11 já havia previsto a posse de estado de filho como modalidade de parentesco civil (enunciado 256). Sobre o tema completa José Carlos Teixeira Giorgis:

É absolutamente razoável e sustentável o ajuizamento de ação declaratória de paternidade socioafetiva, com amplitude contraditória, que mesmo desprovida de prova técnica, seja apta em obter veredicto que afirme a filiação com todas suas consequências, direito a alimentos, sucessão e outras garantias. O que se fará em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa, solidariedade humana e maior interesse da criança e do adolescente12.

1.2.1. Reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva

A partir do julgamento da RE 898.060/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no Informativo n. 840, foi fixada a tese (repercussão geral 622) de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios."13.

Como pode-se observar da tese supra, a decisão fala sobre paternidade socioafetiva declara ou não em registro público, ou seja, ela será reconhecida e produzirá os efeitos cabíveis ainda que não haja vínculo jurídico. No entanto, para o Ministro Dias Toffoli, que teve voto vencido em parte, a decisão foi muito abrangente, ferindo a segurança jurídica sobre o tema. Ele propôs a seguinte tese:

O reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalida necessariamente o registro do parentesco socioafetivo, admitindo-se nessa situação o duplo registro com todas as consequências jurídicas daí decorrentes, inclusive para fins sucessórios14.

Contudo, quando se trata do interesse de menores alguns princípios devem ser levados em consideração, a fim de que o melhor interesse da criança seja alcançado. Foi com base na transformação da família, nesses princípios e na responsabilidade paterna, que a tese supra foi

11 Evento realizado em 2004.

12 GIORGIS, José Carlos Teixeira. A investigação da paternidade socioafetiva. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6105>. Acesso em: 13 de jun. 2019.

13 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tema 622 – Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento

da paternidade biológica. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/ verAndamentoProcesso.asp?incidente=4803092&numeroProcesso=898060&classeProcesso=RE&numeroTema =622>. Acesso em: 12 de jun. 2019.

14 Voto do Ministro Dias Toffoli. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC.

Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 12 de abr. 2019.

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editada. E é ainda nessa perspectiva que muitas decisões vêm sendo tomadas no sentido de permitir que o “pai de criação” tenha direito a visitação do menor e também seja acionado judicialmente para pagamento de pensão alimentícia. Em contrapartida, o pai biológico não será eximido de suas obrigações de pai, ainda que não tenha convivido com o filho (a), só porque a criança foi criada e é sustentada por outra pessoa.

Os novos procedimentos em relação ao reconhecimento da chamada paternidade socioafetiva na emissão de certidões de nascimento pelos cartórios de registro civil do Brasil suscitaram um intenso debate na sociedade brasileira. Destaca-se que o Provimento 6315,

publicado pela Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no dia 14 de novembro de 2017, autorizou o reconhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva diante de um oficial de registro civil. Frise-se que, até então, esse tipo de vínculo só era reconhecido por meio de decisões judiciais.

Art. 10 do Provimento 63, CNJ. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil. § 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido16.

O citado Provimento teve como fundamento o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF)17, que será retratado no capítulo seguinte, o qual igualou a paternidade socioafetiva à paternidade biológica, trazendo, assim, importantes consequências de cunho jurídico, principalmente no âmbito do direito sucessório e familiar. Os efeitos jurídicos da filiação socioafetiva são os mesmos aplicados à adoção, os quais também constam dos artigos 39 a 52 do ECA.

15 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Provimento Nº 63 de 14/11/2017.

Ementa: Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63 de 14/11/2017. Disponível em: <http://www.adm?documento=3380http://www. cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380>. Acesso em: 28 de maio 2019.

16 Ibidem.

17 STF, RE 898.060/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, j. 21.09.2016, publicado no Informativo n. 840.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC. Disponível em:

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O caso julgado pelo STF tratava de uma adolescente que descobriu que o pai que a criou e registrou não era o seu pai biológico. Assim, a menor requereu a retirada do nome do pai afetivo de seu registro de nascimento, sendo substituído pelo pai biológico18. Porém, a tese19 fixada ao final do julgamento foi de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impediria o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

Na medida em que o STF reconheceu a possibilidade de existência de dupla paternidade e/ou dupla maternidade, ou seja, fixou o conceito de multiparentalidade, diversas mudanças ocorreram nas formas de família. Com o aumento das demandas de alterações de registros civis, a fim de acrescentar mais um pai ou mais uma mãe, surgiram grandes discussões no ramo do direito sucessório, tendo em vista a possibilidade real de se obter duas heranças.

Apesar da doutrina já falar sobre parentalidade socioafetiva e o direito a igualdade com a paternidade biológica há bastante tempo, no âmbito dos direitos sucessórios, trata-se de assunto recente, onde apenas quatro ações chegaram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), as quais serão apresentadas no capítulo III, além de ser uma incógnita perante muitos juízes de primeiro grau.

1.3. Multiparentalidade

A multiparentalidade decorre da coexistência da parentalidade socioafetiva e da parentalidade biológica, tratando-se, portanto, da dupla paternidade ou maternidade20. É a possibilidade jurídica dos pais afetivos e sanguíneos garantirem a vigência dos vínculos parentais por meio oficial, através dos princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança21. Portanto, não haverá qualquer distinção e nem predomínio entre essas formas de relação parental, tendo, por consequência, os mesmos direitos e obrigações.

18 GERONAZZO, Fernando. Juristas apontam riscos em mudanças nas certidões de nascimento no Brasil.

Disponível em: <http://www.osaopaulo.org.br/noticias/juristas-apontam-riscos-em-mudancas-nas-certidoes-de-nascimento-no-brasil>. Acesso em: 02 de jun. 2019.

19 BRASIL. STF: Supremo Tribunal Federal. Pesquisa avançada, tema 622 – prevalência da paternidade

socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciarepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4803092&numero Processo=898060&classeProcesso=RE&numeroTema=622. Acesso em: maio 2019.

20 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume 6: Direito de

Família. 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 749.

21 MENDES, Marisa Schmitt Siqueira; QUEIROZ, Yury Augusto dos Santos. A tripla filiação e o direito civil: alimentos, guarda e sucessão. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/26265/a-tripla-filiacao-e-o-direito-civil-alimentos-guarda-e-sucessao>. Acesso em: 28 de maio 2019.

(18)

Destarte, depreende-se que a possibilidade de incluir no registro de uma criança dois pais ou duas mães, isto é, instituir o instituto da multiparentalidade, não caracteriza a substituição da relação biológica, visto que apenas formaliza a afetividade como elemento essencial e definidor da união familiar22. Um papel não exclui o outro, a multiparentalidade tem sentido inclusivo e complementar.

Esse panorama reflete a construção das verdades emocionais23, as quais exprimem a complexidade das relações familiares e interpessoais, de modo que o fator biológico não define mais as relações, vez que não simboliza o afeto e a ligação entre as pessoas. Foi nesse sentido que a Constituição Federal buscou ampliar o conceito de família, proibindo a discriminação entre os filhos, garantindo os mesmos direitos e qualificações a todos os filhos.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a proteção à criança e ao adolescente, “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (art. 4º). A partir do cuidado e do amor consegue-se assegurar tais direitos aos menores, o que ocorre independente do DNA.

O reconhecimento da multiparentalidade representa a identificação da criança ou adolescente perante o mundo. Ter o registro de nascimento como espelho de sua realidade familiar e pessoal é essencial para formação de sua história, reproduzindo em seu documento sua própria realidade, o qual transmitirá, ao mesmo tempo, sua formação biológica, gerada pelos genes, e sua formação sentimental, gerada no coração.

Vale dizer que diferente da adoção, que exclui o nome do genitor biológico de seu documento para introdução dos nomes dos adotantes que ficarão com a guarda do menor, na multiparentalidade, há a inclusão de mais uma mãe ou mais um pai no documento do filho, retratando a realidade familiar dele em registro oficial. Ao realizar pesquisa jurisprudencial sobre o tema, é possível perceber que as ações judiciais de reconhecimento da paternidade sociafetiva e multiparentalidade mais habituais são aquelas em que se estabelece a filiação sociafetiva após a morte de um dos pais, onde passa-se a adotar relação parental com outrem24.

Sendo assim, “coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos ou apenas afetivos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los. Não há outra

22 DIAS, Maria Berenice; OPPERMANN, Marta Cauduro. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça

começou a admitir. p. 2. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075) MULTIPARENTALIDADE__Berenice_e_Marta.pdf>. Acesso em: 13 de maio 2019.

23 Ibidem, p. 3. 24 Ibidem, p. 4.

(19)

forma de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo no que diz com o respeito à dignidade e à afetividade. Esta é uma realidade que a Justiça já começou a admitir”25.

Nessa conjuntura, é importante aludir que, consoante a este tema, o Supremo Tribunal Federal fixou em sede de Recurso Extraordinário a Repercussão Geral 622 que estabelece que: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”26. Em vista disso, o STF (i) possibilitou a entrada, no ordenamento

jurídico brasileiro, da multiparentalidade; (ii) reconheceu a parentalidade socioafetiva, mesmo ante a falta de registro; (iii) não permitiu, assim, a prevalência da paternidade biológica sobre a afetiva; e, por fim, (iv) deixou definido que a existência da paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico.

O voto do Ministro Relator Luiz Fux deu sentido a aplicação da dignidade humana no âmbito da busca pela felicidade27, além de consubstanciar o princípio da afetividade, considerando que esse direito protege o ser o humano de modelos de família pré-estabelecidos ou “aceitos” pela sociedade e Estado, uma vez que a própria Constituição expõe um caráter exemplificativo nos modelos de família, reconhecendo como legítimas as famílias formadas independentemente de casamento, incluindo até mesmo, a família monoparental – aquelas constituída por uma só pessoa (art. 226§4º, CF).

Neste sentido, a decisão colocou em evidência que “as uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil28”.

1.4. Noções básicas de Direito Sucessório

25 DIAS, Maria Berenice; OPPERMANN, Marta Cauduro. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça

começou a admitir. p. 3. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075) MULTIPARENTALIDADE__Berenice_e_Marta.pdf>. Acesso em: 13 de maio 2019.

26SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/dl/voto-toffoli1.pdf>. Acesso em: 12 de abr. 2019.

27 CORDEIRO, André Luís Nunes Novaes. O acolhimento da multiparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal e os reflexos nos direitos sucessórios dos ascendentes. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=20085&revista_caderno=14>. Acesso em: 10 de maio 2019.

28SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC. Disponível em:

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Sucessão relaciona-se à transmissão. No que tange ao direito hereditário, sucessão se refere à transmissão de patrimônio de uma pessoa a outra em decorrência de sua morte, chamada de sucessão causa mortis. Em sentido lato, a sucessão também pode operar entre pessoas vivas, isto é, inter vivos, a exemplo da doação, contrato de compra e venda e cessão de créditos. O Direito das Sucessões se manifesta a partir da ideia de transmissão hereditária,29 de modo que

se trata do conjunto de normas que regem a transmissão de obrigações e bens de uma pessoa depois de seu falecimento, gerando aos seus herdeiros o direito de receber tais bens e obrigações, ou seja, de suceder. Desta forma, ocorre a modificação de titularidade dos bens30.

A sucessão causa mortis não está ligada somente à transmissão de bens, em conformidade com o que preleciona o Código Civil de 2002 se dará a transmissão dos ativos e passivos do de cujus (falecido) aos seus herdeiros, ou seja, a herança compreende os bens a receber como também as dívidas que o falecido possa ter deixado em vida. A autora Maria Helena Diniz retrata o Direito Sucessório como:

Conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude da lei ou de testamento (CC, art. 1.786). Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro31.

A sucessão que se trata o Direito Sucessório possui duas origens, aquela decorrente da lei, chamada de legítima e a testamentária, cuja regra é expressa pela vontade do autor da herança (falecido) quando ainda estava vivo, através do testamento. Haverá sucessão legitima quando a pessoa não deixar qualquer declaração de última vontade, testamento, por exemplo. A ideia de sucessão legítima, que está a partir do art. 1.829, CC, é o legislador trazendo a vontade presumida do autor da herança e determinando as regras a serem seguidas. O artigo 1.829, CC, relaciona a ordem de vocação hereditária a ser seguida:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais32.

29 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito das Sucessões – V. 6., 12. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

30GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. Volume 7: Direito

das Sucessões. 4ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 42.

31 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 6, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 17.

32 BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 05 de maio 2019.

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Conforme exposto, é gerada uma herança quando uma pessoa morre e deixa bens, assim é formado o espólio, ou seja, o conjunto de bens e obrigações que forma o patrimônio do de cujus e que será partilhado entre os herdeiros (sucessão legítima) e os legatários (sucessão testamentária). Assim que ocorre o evento morte há a abertura da sucessão e a partir de então é contado um prazo de 60 dias para que os sucessores ingressem com o processo para que se dê a transmissão sucessória.

O meio de regularizar o espólio e se transmitir a herança é através do processo de Inventário e Partilha, de modo que esse é o procedimento cujo os bens, direitos e dívidas deixados pelo de cujus são levantados, conferidos e avaliados a fim de que possam ser partilhados pelos sucessores.33

Como regra, o inventário deve ser aberto no último endereço de domicílio do falecido. Vale salientar que o espólio é indivisível até que se dê a partilha, o que significa que uma possível retirada, venda, reforma ou aluguel de qualquer bem necessita de autorização judicial. Cumpre esclarecer que além do procedimento via judicial, também é admitido inventário extrajudicial, com sua realização pela via administrativa, onde, se preenchidos os requisitos, poderá ser aberto diretamente no cartório com auxílio de um advogado.

1.5. As consequências da parentalidade e da multiparentalidade no Direito das Sucessões

O reconhecimento do conceito de multiparentalidade pelo STF trouxera novas perspectivas e consequências para o direito sucessório e familiar. A partir da igualdade de direitos e obrigações entre os pais biológicos e socioafetivos, novos questionamentos foram suscitados e novas lacunas no Direito foram abertas, como é o caso das consequências práticas e jurídicas no âmbito dos direitos sucessórios.

Por óbvio, ela causará efeitos na relação de parentesco das partes, embora não exista vínculo biológico,34 situação que o art. 1.593, CC35, atesta. Assim, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, haverá, por conseguinte, a aplicação dos mesmos efeitos da filiação e parentesco assegurados no direito brasileiro para a parentalidade biológica. Ressalta Flávio

33 ARAÚJO, Adriano Alves de. O que é inventário e para que serve? Disponível em:

<https://alvesaraujoadv.jusbrasil.com.br/artigos/407810841/o-que-e-o-inventario-e-para-que-serve?ref=serp>. Acesso em: 10 de jun. 2019.

34 VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; SARNAGLIA, Stephane Viana. A multiparentalidade e seus efeitos no Direito brasileiro. p. 10 Disponível em: <http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/ revistas/20181127101658.pdf>. Acesso em: 12 de jun 2019.

35 Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. BRASIL. Lei

10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:

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Tartuce36 que “este tema ganhava relevo na questão relativa aos direitos e deveres dos padrastos e madrastas, com grande repercussão prática no meio social. Se a sociedade pós-moderna é pluralista, a família também o deve ser e para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios”. Para fins de exemplificação, a introdução desses novos conceitos de parentalidade no Direito das Sucessões tem suscitado as seguintes dúvidas: (i) seria possível receber herança de dois pais sem caracterizar má-fé ou exclusivo interesse pecuniário?; (ii) quando o filho falecer antes dos pais sem deixar descendentes, como se daria a herança dos múltiplos pais, se o artigo 1.836, parágrafo segundo do Código Civil37, prevê que a linha materna herda metade dos bens

e a paterna outra metade, como será solucionada essa questão nos casos em que houver dois pais? (Assunto que será temática do terceiro capítulo).

Considerando essa problemática e os princípios que orientam o Direito de Família, tais como afetividade, melhor interesse da criança e o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana, pode-se presumir que o indivíduo que tiver reconhecida judicialmente a família multiparental, a partir da inclusão em seu registro de um pai/mãe socioafetivo ou até mesmo pela inclusão do pai/mãe biológico que não o havia registrado, poderá herdar os bens de ambos, uma vez que em analogia a vedação de discriminação entre os filhos, poderá se considerar a não distinção entre os pais. Sendo assim, considerando a filiação legítima, conforme repercussão geral 622 do STF, limitar o direito de herança seria o mesmo que discriminá-lo.

Haja vista que o entendimento e reconhecimento da igualdade entre a filiação biológica e afetiva possui repercussão geral e vem sendo aplicado nos tribunais brasileiros e que não há, até o momento, dispositivo que proíba esse tipo de sucessão38, depreende-se que o judiciário

intrinsecamente admitiu a sucessão nesses novos moldes familiares, em razão de ser a consequência jurídica para o caso.

O autor Maurício Póvoas defende os direitos sucessórios do filho afetivo em concorrência os filhos biológicos na morte dos pais afetivos e em sentido contrário também, quando da morte do filho afetivo os pais afetivos estariam na linha sucessória de herança39. Em

36 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. V. 5, 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 567. 37 Art. 1.836. §2o Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 05 de maio 2019.

38 DIAS, Maria Berenice; OPPERMANN, Marta Cauduro. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça

começou a admitir. p. 3. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075) MULTIPARENTALIDADE__Berenice_e_Marta.pdf>. Acesso em: 13 de maio 2019.

39 POVOAS, Mauricio Cavallazzi, Multiparentalidade: a possibilidade de múltipla filiação registral e seus efeitos. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 77.

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sentido semelhante, Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves40, falam sobre a multihereditariedade, qual seja a consequência da dupla parentalidade. No entanto, pedem atenção no que se refere aos fins exclusivamente patrimoniais quanto ao tema, devendo haver ponderação em seu reconhecimento, vez que “a concepção familiar que decorre da filiação não permite escolhas de ordem meramente patrimonial”.

Sobre a possibilidade de demandas mercenárias, também levanta questionamento Anderson Schreiber, referenciado em artigo do Flávio Tartuce:

Argumenta-se que a corte teria aberto as portas do Judiciário para filhos que somente se interessam pelos pais biológicos no momento de necessidade ou ao se descobrirem como potenciais herdeiros de fortunas. Nesse particular, competirá aos juízes e tribunais separar, como sempre, o joio do trigo, empregando os mecanismos disponíveis na ordem jurídica brasileira para se evitar o exercício de uma situação jurídica subjetiva em descompasso com seu fim axiológico-normativo. O abuso do direito e a violação à boa-fé objetiva têm plena aplicação nesse campo, sendo de se lembrar que são instrumentos que atuam não apenas no interesse particular, mas também no interesse público de evitar a manipulação de remédios que são concedidos pelo ordenamento não de modo puramente estrutural, mas sempre à luz de uma finalidade que se destinam a realizar41.

Christiano Cassettari assevera que é perfeitamente admissível a concessão de duas ou mais heranças àquele que possui dupla paternidade ou maternidade, baseadas nas filiações, simultâneas, socioafetiva e biológica42. A sucessão legítima tem por sustentáculo a solidariedade conhecida no art. 3º, inciso I, CRFB/8843, não obstante é necessário que não haja discriminação no tocante a origem do vínculo familiar para que de fato seja exercida essa solidariedade no campo da Sucessão44. Portanto, pode-se perceber que pais e filhos afetivos são herdeiros legítimos, uma vez que não é plausível essa discriminação.

Conforme falado anteriormente, o STF julgou a Repercussão Geral 622 em setembro de 2016 reconhecendo a multiparentalidade, sendo publicada a seguinte ementa da decisão:

Recurso extraordinário com agravo. Direito civil. Ação de anulação de assento de nascimento. Investigação de paternidade. Imprescritibilidade. Retificação de registro. Paternidade biológica. Paternidade socioafetiva. Controvérsia gravitante em torno da

40 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 6. ed. Salvador: JusPODIVM,

2014, p. 624.

41SCHREIBER, Anderson. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em:

<https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos>. Acesso em: 22 de abr. 2019.

42 CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: GEN/Atlas, 2017, p. 254.

43 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 01 de maio 2019. 44 NEVARES, Ana Luiza Maia. Fundamentos da Sucessão Legítima. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (coords.). Manual de direito das famílias e das sucessões. 2ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey/Mandamentos, 2010, p. 591.

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prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica. Art. 226, caput, da Constituição Federal. Plenário virtual. Repercussão geral reconhecida45.

A tese fixada foi a de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios46”. Resta evidente que a partir deste julgado, o reconhecimento da multiparentalidade gera efeitos para todos os fins, inclusive sucessórios.47

Houve um caso, analisado pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) em outubro de 201248, em que a filha de uma doméstica falecida foi criada pelos patrões da mãe biológica e teve reconhecida a paternidade socioafetiva pela 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina por decisão unânime49. A criança foi criada como filha

desde os quatro anos de idade, mas quando foi aberta a sucessão da mãe afetiva, ela foi excluída do processo. Parte da decisão proferida pelo desembargador Jorge Luiz da Costa Beber dizia que “a prova dos autos é exuberante. No baile de debutantes, a filha socioafetiva foi apresentada como filha do casal. Quando ela se casou, eles foram contados como pai e mãe. Ela tinha os irmãos biológicos como irmãos. Quando nasceu o filho da filha afetiva, ele foi tido como neto recebendo, inclusive, um imóvel dos avôs afetivos. Trata-se de uma relação afetiva superior ao simples cumprimento de uma guarda”.

Consoante ao caso em tela, Mara Rúbia Poffo, diretora do IBDFAM/SC, entendeu que a decisão respeitou todos os princípios de direito de família e demonstrou uma tecnicidade própria de um familista50. Há de se perceber que decisão diferente da prolatada representaria a discriminação entre os filhos, caracterizando completo desrespeito aos preceitos constitucionais, em especial o art. 227 §6º da Constituição Federal.

45 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário com Agravo 692.186/PB. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3419008>. Acesso em: 11 de jun. 2019.

46SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 898.060/SC. Disponível em:

<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13431919>. Acesso em: 12 de abr. 2019. 47 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. V. 5, 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 565.

48 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Filha criada por patrões tem maternidade e

paternidade socioafetiva reconhecidas. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/4907/+Filha+ criada+por+patr%C3%B5es+tem+maternidade+e+paternidade+socioafetiva+reconhecidas>. Acesso em: 07 de jun. 2019.

49 SILVA, Rodney. Criada pelos patrões, filha de empregada doméstica tem direito à herança de mãe afetiva, 25/10/2012. Disponível em: <http://www.jornaldaordem.com.br/noticia-ler/criada-pelos-patroes-filha-empregada-domestica-tem-direito-heranca-mae-afetiva/28079>. Acesso em: 01 de jun. 2019.

50 INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Filha criada por patrões tem maternidade e

paternidade socioafetiva reconhecidas. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/4907/+Filha+ criada+por+patr%C3%B5es+tem+maternidade+e+paternidade+socioafetiva+reconhecidas>. Acesso em: 07 de jun. 2019.

(25)

Nesse sentido, percebe-se que o reconhecimento da multiparentalidade implica no reconhecimento dos efeitos sucessórios inerentes ao caso concreto, de modo que em conformidade com os princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana e da vedação de discriminação entre os filhos e com a inexistência de impedimentos legais, não há que se falar em diferenciação sucessória entre filhos afetivos e biológicos51. Outrossim, além do

dispositivo supracitado, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que um filho não poderá ser preterido sobre o outro, já que são igualmente importantes e, consequentemente, produzirão iguais efeitos.

Por fim, sobre essa temática, a VIII Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal em abril de 2018, estabeleceu, através do enunciado 632, que “nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos”52, incluindo na interpretação do art. 1.596, CC53

o vínculo afetivo. Anteriormente, em sentido semelhante, Maria Berenice Dias, já havia declarado que “o filho concorrerá na herança de todos os pais que tiver”54.

Sendo assim, constata-se que seria inteiramente exequível a outorga de direitos sucessórios àqueles que possuem dupla paternidade ou maternidade registrada ou não, que estabeleceram laços afetivos entre si, mesmo que não conste no assento de nascimento e, nesse caso, deverão se habilitar como herdeiro em processo adequado, alegando a solidariedade familiar e a não discriminação entre os filhos.

51 VIANNA, Fernanda Cristina Accetta. Efeitos sucessórios da multiparentalidade. Disponível em:

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/trabalhos_conclusao/1semestre2018/pdf/FernandaCristinaAccettaVianna.p df>. Acesso em: 02 de jun. 2019.

52 CONSULTOR JURÍDICO. Leia os 32 enunciados aprovados na VIII Jornada de Direito Civil. Disponível

em: <https://www.conjur.com.br/2018-mai-24/leia-32-enunciados-aprovados-viii-jornada-direito-civil>. Acesso em: 03 de jun. 2019.

53 Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 05 de maio 2019.

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CAPÍTULO II

UM ESTUDO DE CASO: A ORIGEM E A ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 898.060

2.1. Embargos Infringentes nº 2012.038525-9 (TJSC): A origem do RE nº 898.060

O acórdão nº 2012.038525-9 refere-se ao julgamento de embargos infringentes oriundos de Florianópolis/SC, datado de 13 de novembro de 2013, cuja relatoria foi do desembargador Raulino Jacó Bruning55. A ação em primeira instância se tratava de uma ação investigatória de

paternidade cumulada com pedido de alimentos proposta por F.G. em face de A.N., onde a autora afirmava ser filha biológica do réu. Segundo a inicial, a mãe da requerente e o requerido tiveram um relacionamento amoroso no ano de 1978 que durou por quatro anos, no entanto, quando do seu nascimento, sua genitora era casada com I.G., que por acreditar ser seu pai a registrou.

Sua verdadeira filiação foi descoberta em 1997, ano em que manteve contato com o réu. Nessa ocasião, o mesmo se responsabilizou por alguns gastos da demandante, no entanto, não a satisfazendo, uma vez que gerou inadimplências em seu nome. Neste contexto, a autora requereu antecipação de tutela com arbitramento de pensão alimentícia na quantia de quatro salários, bem como a declaração da paternidade ante seu pai biológico e a condenação ao adimplemento das dívidas que negativaram o nome da autora.

O pai socioafetivo, I.G., foi chamado a compor a lide e em contestação, o suposto pai biológico alegou inépcia da inicial e impossibilidade jurídica do pedido de alimentos, haja vista a maioridade da autora e, ainda, negou o relacionamento com a genitora de F.G. Determinada a prova pericial, o primeiro exame de DNA deu negativo, inconformada a autora requereu a realização de novo exame que foi deferido pela Magistrada Naiara Brancher. O novo exame teve resultado positivo sendo alegado pelo laboratório responsável que houve erro material na primeira perícia. Tendo em vista a contrariedade, o réu requereu a substituição do laboratório e novo exame, que também resultou na comprovação da paternidade.

Pela sentença foi declarada a paternidade de A.N., determinada a retificação do assento de nascimento da autora, sendo excluído o pai afetivo I.G. e incluído o demandado A.N., foi estabelecida, ainda, pensão alimentícia no importe de quatro salários desde a citação inicial até a conclusão da faculdade da autora.

55 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Embargos Infringentes n. 2012.038525-9, da Capital.

Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQA ACAAEL4DAAI&categoria=acordao>. Acesso em: 22 de maio 2019.

(27)

Inconformado, o réu interpôs apelação alegando que o interesse da ação é meramente patrimonial, que o forte vínculo afetivo entre o pai registral e a demandante justificam a rejeição da ação e a ausência de provas sobre a paternidade imputada a ele. Quanto aos alimentos, não merece prosperar a decisão que a determinou, uma vez que a alimentanda vive em união estável, sendo indevido o pagamento. Postulou, ainda, a desobrigação do dever alimentar ou que pague apenas os meses que efetivamente a apelada cursou a universidade. Por fim, requereu a improcedência da ação ou apenas a procedência quanto a declaração do vínculo genético, excluídos os demais efeitos provenientes da descendência.

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça se pronunciou no sentido de conhecer parcialmente o recurso a fim de determinar que o recorrente pagasse pensão alimentícia somente entre o período da citação no processo até setembro de 2008, data em que a recorrida afirmou ter iniciado união estável.

Em setembro de 2012, a Quarta Câmara de Direito Civil, por maioria dos votos, conheceu do recurso dando-lhe parcial provimento no sentido de manter a sentença apenas quanto ao reconhecimento do vínculo biológico, conforme ementa a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL COM PEDIDO DE ANÁLISE PRELIMINAR DE AGRAVO RETIDO E AGRAVO DE INSTRUMENTO, AMBOS EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C. ANULAÇÃO/RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL E ALIMENTOS.

[...]

(2) - DA APELAÇÃO - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS PEDIDOS, QUE DECLAROU O ESTADO DE FILIAÇÃO, DETERMINANDO A RETIFICAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO, CONDENANDO O RÉU AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO SUPERIOR PELA REQUERENTE - RECURSO QUE APONTA A INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS SEGUROS, COM FORÇA PARA DEMONSTRAR O VÍNCULO SANGUÍNEO - FATO SUFICIENTEMENTE COMPROVADO ATRAVÉS DA REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL (EXAME DE DNA), QUE FOI, INCLUSIVE, REPETIDA, PARA MELHOR APURAÇÃO DA VERDADE REAL, ALÉM DOS DEPOIMENTOS COLHIDOS EM AUDIÊNCIA E OUTROS DOCUMENTOS, TUDO REVELANDO QUE O DEMANDADO É, DE FATO, PAI BIOLÓGICO DA POSTULANTE - FORTE VÍNCULO DE AFETIVIDADE ENTRE ESTA E O PAI REGISTRAL, CONTUDO, A CARACTERIZAR SITUAÇÃO DE PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA, HAVENDO, ATÉ MESMO, MANIFESTAÇÃO EXPRESSA POR PARTE DESSES DOIS INDIVÍDUOS, NO SENTIDO DE QUE CONTINUARÃO A SE RECONHECER COMO PAI E FILHA INDEPENDENTEMENTE DO RESULTADO DO PROCESSO JUDICIAL -

ESTADO DE FILIAÇÃO PREEXISTENTE QUE IMPEDE O

RECONHECIMENTO DAQUELE RECLAMADO EM RELAÇÃO AO

REQUERIDO/APELANTE - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO, NESTE PONTO, QUE ORIENTA PARA A MESMA SOLUÇÃO QUANTO À ALTERAÇÃO DO REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E CONDENAÇÃO DO RECORRENTE AO PAGAMENTO DE ALIMENTOS EM FAVOR DA AUTORA - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO, COM A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA APENAS

(28)

NO QUE TANGE À DECLARAÇÃO DA ORIGEM BIOLÓGICA DA

POSTULANTE56.

Em seu relatório, o relator do caso afirma que não há nos autos evidência que demonstre vício de consentimento quanto ao reconhecimento da paternidade, de sorte que se percebe a afetividade entre a autora e seu pai registral, sendo mantida a posse do estado de filho desde o momento de seu registro, e que, existem muitos indicativos que essa relação é irreversível, posto que passaram-se quase três décadas. Sendo assim, tendo por base a longa convivência com a devida assistência, carinho e afeto, deve prevalecer a paternidade socioafetiva, uma vez que tais elementos refletem bem mais uma relação parental de filiação, do que meramente a relação biológica.

Ponderou que já foi estabelecido o estado de filiação quanto ao pai afetivo e, em vista disso, “não deverá ser reconhecido em sede de ação investigatória proposta pelo filho contra o suposto pai biológico57”. E, ainda, que em decorrência do desinteresse e até mesmo rejeição do progenitor, a autora não terá demonstração de amor ou afeto, o que não poderá ser imposto a ele, obtendo, apenas, benefícios de ordem material.

Sobre o caso em tela, o Desembargador Eládio Rocha votou pela manutenção da sentença de primeiro grau, com o propósito de que autora tivesse direito aos efeitos da paternidade biológica, tais quais alimentos, herança e nome. Contudo, o mesmo foi voto vencido. Segue a ementa aditiva:

DIREITO DE FAMÍLIA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA

COM RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NECESSIDADE DE

HARMONIZAÇÃO ENTRE AS VARIADAS PERSPECTIVAS DO SER HUMANO (ONTOLÓGICA, GENÉTICA E AFETIVA). APLICAÇÃO DA TEORIA TRIDIMENSIONAL. PATERNIDADE REGISTRAL-AFETIVA QUE NÃO AFASTA A POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO GENÉTICO COM A SUA PERTINENTE CARGA DE EFICÁCIA, A QUAL GERA, INELUDIVELMENTE, EFEITOS JURÍDICOS RELATIVOS A NOME,

ALIMENTOS E HERANÇA. HOMENAGEM AOS PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA ISONOMIA JURÍDICA ENTRE OS FILHOS E DA PLURALIDADE DAS ORGANIZAÇÕES FAMILIARES. IMPOSSIBILIDADE DE HIERARQUIZAÇÃO ENTRE AS DIFERENTES FORMAS DE PATERNIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

56 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Embargos Infringentes n. 2012.038525-9, da Capital.

Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQA ACAAEL4DAAI&categoria=acordao>. Acesso em: 22 de maio 2019.

(29)

Em seu voto o Desembargador supra acrescentou ainda as palavras de Belmiro Pedro Welter, contador, doutor em Direito e Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul, que dizem que:

Não reconhecer as paternidades genética e socioafetiva, ao mesmo tempo, com a concessão de todos os efeitos jurídicos, é negar a existência tridimensional do ser humano, que é reflexo da condição e da dignidade humana, na medida em que a filiação socioafetiva é tão irrevogável quanto a biológica, pelo que se deve manter incólumes as duas paternidades, com o acréscimo de todos os direitos, já que ambas fazem parte da trajetória da vida humana58.

Consoante a este voto, a autora requereu a reforma da decisão colegiada, a fim de que o voto vencido preponderasse, o que lhe motivou a interpor os embargos infringentes 2012.038525-9, objeto do presente estudo, baseando-se no direito constitucional de ter reconhecida sua ascendência, sendo-lhe aplicados os respectivos efeitos, inclusive patrimoniais, de forma que seja mantida a sentença prolatada em primeiro grau. Em contrarrazões, o embargado pediu a aplicação das consequências referentes à litigância de má-fé e defendeu o não conhecimento do recurso, "porque as razões recursais não se calcaram no voto vencido"59. A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento dos embargos e o voto do relator foi pelo conhecimento do recurso, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade e deu-lhes provimento, declarando a paternidade de A.N sobre F.G, sendo alterado seu nome para F.N., com a conseguinte retirada dos danos paternos afetivos de I.G, nos termos da sentença e do voto vencido do Desembargador Eládio Torret Rocha60.

2.2. Recurso Extraordinário nº 898.060

Inicialmente, segue a ementa da decisão:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL

RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º,

III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO

DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA

58 WELTER, Belmiro Pedro. In: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Embargos Infringentes

n. 2012.038525-9, da Capital. Disponível em: <http://busca.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=&only _ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAEL4DAAI&categoria=acordao>. Acesso em: 22 de maio 2019. 59 Ibidem, p. 3.

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