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O desenvolvimento capitalista e sua relação com os processos de desastres ambientais: um estudo sobre o Norte Fluminense/RJ

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL

LUANA FERNANDES DOS SANTOS AZEREDO

O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SUA RELAÇÃO COM OS PROCESSOS DE DESASTRES AMBIENTAIS: um estudo sobre o Norte Fluminense/RJ.

Niterói 2018

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LUANA FERNANDES DOS SANTOS AZEREDO

O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SUA RELAÇÃO COM OS PROCESSOS DE DESASTRES AMBIENTAIS: um estudo sobre o Norte Fluminense/RJ.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tatiana Dahmer Pereira.

Coorientadora: Prof.ª Drª Antenora Maria da Mata Siqueira

Niterói 2018

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LUANA FERNANDES DOS SANTOS AZEREDO

O DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E SUA RELAÇÃO COM OS PROCESSOS DE DESASTRES AMBIENTAIS: um estudo sobre o Norte Fluminense/RJ.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre.

Aprovado em: 13 de agosto de 2018.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Tatiana Dahmer Pereira

Universidade Federal Fluminense - UFF

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Andrea Araújo do Vale

Universidade Federal Fluminense – UFF

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Adriana Soares Dutra

Universidade Federal do Rio de Janeiro– UFRJ

________________________________________________ Prof.º Dr.º José Luis Vianna da Cruz

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AGRADECIMENTOS

Finalizar uma dissertação não é nada fácil, principalmente quando se precisa dar conta dos afazeres de casa, das necessidades da família e ainda trabalhar fora o dia inteiro. Os momentos de angústia e sentimento de impotência por várias vezes aparecem. As pressões da modernidade, especialmente sobre a mulher, são muitas! E lidar com tudo isso sozinha é definitivamente impossível. Nesse sentido, não posso deixar de agradecer a todos que me sustentaram nessa caminhada tornando este trabalho, em algum nível, coletivo, pois sem o cuidado de cada um de vocês eu não conseguiria!

Inicio meus agradecimentos primeiramente a um plano maior. Por mais que muitos questionem isso, as experiências que tive ao longo de toda minha vida não me permitem mais negar a existência de uma força superior, a qual aqui agradeço na figura de Deus. Sei que nunca estive só em momento algum!

Agradeço imensamente às minhas queridas orientadoras Tatiana Dahmer e Antenora Siqueira. Viver esse processo com vocês foi algo maravilhoso. Sinto-me abençoada pelo privilégio de ser orientada por duas profissionais altamente competentes, humanas e que realmente se dedicam com todo zelo à formação de pessoas. Duas professoras assistentes sociais que lutam pela sua profissão e pelos seus ideais, exemplos que quero manter como referência para minha vida pessoal e profissional. Obrigada Tatiana por todos os momentos de reflexão, pelo incentivo contínuo e por acreditar em mim! Obrigada Antenora por todo cuidado, pelas horas dedicadas a me ouvir e por ter aceitado viver esse desafio junto comigo!

Agradeço à toda banca por aceitarem o convite. Em especial agradeço ao professor José Luis da Cruz, que mesmo precisando vir de uma cidade distante se colocou à disposição para participar. Não posso deixar de agradecer também às professoras Andréa do Vale e Adriana Dutra pelas preciosas contribuições no processo de qualificação deste trabalho.

Agradeço ao Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais da UFF Campos, o qual foi fundamental na minha formação acadêmica e enquanto ser humano. Representado pela professora Antenora Siqueira, agradeço a oportunidade de fazer parte do Observatório dos Desastres Ambientais, um desafio que vem sendo conquistado, principalmente, por nós assistentes sociais, demonstrando que a profissão tem muito a contribuir com o desvelamento das questões ligadas a essa temática, a qual faz parte sim das nossas demandas profissionais!

Agradeço à minha família que, mesmo não compreendendo muitas vezes a minha decisão em ficar dias inteiros estudando, foram muito pacientes e fundamentais para que eu suportasse as adversidades.

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Agradeço ao meu esposo Diego Azeredo que nos momentos mais críticos não me deixou só, mas me abraçou e disse que eu tinha capacidade de concluir.

Agradeço à minha mãe pelas orações, pelo leite quente à noite para eu pudesse melhorar logo dos resfriados e prosseguir no estudo.

Agradeço às minhas sogras Adriana Azeredo e Anilza Abreu, bem como aos meus sogros Welton Barreto e Augusto de Souza. Obrigada pela compreensão durante esses dois anos, principalmente nos momentos em que mesmo estando com vocês no final de semana precisei ficar no cantinho em meio aos livros e o computador.

Agradeço à minha irmã Laura Peruzzi, companheira incansável! Uma divida imensa tenho contigo por toda paciência que precisou ter comigo!

Agradeço às minhas amigas e companheiras de pesquisa Thaís Côrtes e Alessandra Bernardo. Obrigada pelas conversas, pelas trocas, pelo cuidado, vocês são demais!

Agradeço ao meu amigo Paulo Pamplona pelas incontáveis risadas, momentos fundamentais para espairecer. Não posso esquecer do café à tarde, nem do lanchinho! Obrigada por tornar esse momento mais prazeroso!

Agradeço à minha amada equipe de trabalho, Sheila Coelho, Beatriz Mesquita, Iza Rocha, Verônica Oliveira, Fernanda Cordeiro, Chiarelly Garcia, Patrícia Nascimento, Izabel Cristina, Júnia Elias e Beatriz Mateus. Saibam que foram fundamentais nesse processo. Obrigada pelas conversas, pelo cuidado, pelo socorro nos momentos de aflição! Vocês já estão marcadas no meu coração!

Agradeço à Sana Gimenes por toda confiança e colaboração ao longo do processo de construção deste trabalho. Sou imensamente grata!

Agradeço ao meu amigo Jorge Vicente de Barros por me socorrer na hora mais importante de todo esse processo. Gratidão!

Agradeço ao professor Arthur Soffiati pela ajuda no acesso a alguns materiais de leitura fundamentais para este trabalho.

Finalizado agradecendo a todos que, mesmo não falando diretamente a mim, estavam torcendo para que tudo desse certo.

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RESUMO

Este estudo investigou a relação entre o modelo de desenvolvimento capitalista e a construção e intensificação dos processos de desastres ambientais, especificamente na Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A metodologia constituiu-se em pesquisa bibliográfica baseada em produções especializadas (teses, dissertações, livros e artigos) de diversos campos do conhecimento: Sociologia geral, Sociologia dos Desastres, Economia, Geografia, Serviço Social e Ciências Sociais. Os resultados demonstraram que uma lógica predatória esteve presente desde a gênese do sistema capitalista, intensificando-se ao longo do tempo e ditando uma nova sociabilidade ainda não vista na história. Com o espraiamento de tal sistema globalmente seus imperativos passam a agir em todo o planeta configurando, por um lado, centros de dominação e poder, e do outro, bolsões de pobreza, dependência e exploração, com produção de profunda desigualdade social, em especial na era do capitalismo monopolista. O debate dos desastres ambientais perpassa essas questões, posto que tais fenômenos não surgem com o sistema, mas são intensificados a partir, principalmente, de seu estágio mais maduro. Identifica-se então o Norte Fluminense como uma região que sofreu com toda essa lógica, principalmente pela específica conformação socioespacial e econômica brasileira, a qual, pela especificidade histórica, marcou tal região com os piores efeitos que o processo de colonização poderia causar. Em decorrência desses efeitos, identifica-se que os desastres ambientais que ocorrem na região possuem raízes desde o início da sua história. Todavia, novos elementos da contemporaneidade passaram a incorporar esse arcabouço de determinantes sociais, políticos, culturais e econômicos, os quais fazem perdurar no Norte Fluminense desastres relacionados, sobretudo, à inundação, à estiagem, à contaminação de água e à erosão marinha.

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ABSTRACT

This study investigated the relationship between the capitalist development model and the construction and intensification of environmental disaster processes, specifically in the North Fluminense Region of the State of Rio de Janeiro. The methodology consisted of a bibliographic research based on specialized productions (theses, dissertations, books and articles), from several fields of knowledge: General Sociology, Sociology of Disasters, Economics, Geography, Social Work and Social Sciences. The results demonstrated that a predatory logic has been present since the genesis of the capitalist system, intensifying over time, and dictating a new sociability not yet seen in history. With the spread of such a system globally, its imperatives begin to act on the whole planet, forming, on the one hand, centers of domination and power, and on the other, pockets of poverty, dependence and exploration, producing deep social inequality, in especially in the era of monopoly capitalism. The debate on environmental disasters pervades these issues, since such phenomena do not arise with the system, but are intensified mainly by their more mature stage. The Northern Fluminense is then identified as a region that suffered with all this logic, mainly due to the specific Brazilian socio-spatial and economic conformation, which, by historical specificity, marked this region with the worst effects that the colonization process could cause. As a result of these effects, it is identified that the environmental disasters that occur in the region have roots since the beginning of its history. However, new elements of contemporaneity have begun to incorporate this framework of social, political, cultural and economic determinants, which in the North Fluminense continue to suffer disasters related, above all, to flooding, drought, water contamination and marine erosion.

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LISTA DE SIGLAS

CIPA Complexo Industrial e Portuário do Açu

COBRADE Classificação e Codificação Brasileira de Desastres DNOS Departamento Nacional de Obras e Saneamento FAP Fator Acidentário de Prevenção

FECP Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais FMI Fundo Monetário Internacional

FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro IDHM Índice de Desenvolvimento Humano e Social

MPF Ministério Público Federal MPE Ministério Público Estadual

NESA Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais NTEP Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário ODAm Observatório dos Desastres Ambientais OMC Organização Mundial do Comércio OMM Organização Mundial de Meteorologia ONU Organização das Nações Unidas PADs Países atualmente desenvolvidos RAT Riscos Ambientais do Trabalho

ZCAS Zona de Convergência do Atlântico Sul SAT Seguro Acidente do Trabalho

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Concentração de renda mundial entre os 10% mais ricos de cada país, 2016 – p. 71

Gráfico 2 – Ranking dos países com maior concentração de renda do mundo, 2016 – p. 71.

LISTA DE FOTOGRAGIAS Fotografia 1 - Localidade de Ururai inundada – p. 139.

Fotografia 2 – Rompimento do dique que contem as águas do rio Muriaé - p. 141 Fotografia 3 – Moradores se protegem no segundo andar das casas – p. 142. Fotografia 4 – Boi morto em estiagem em São Fidélis, 2017 - p. 152.

Fotografia 5 – rio Itabapoana com nível muito baixo, novembro de 2016 – p. 153. Fotografia 6 - Encontro da água contaminada com a água do rio – 2003 – p. 166. Fotografia 7 – Praia de Atafona atingida por erosão marinha – p. 168.

Fotografia 8 – Praia do Açu atingida por erosão marinha – p. 170. Fotografia 9 – Erosão marinha próxima ao Canal da Flecha – p. 171.

LISTA DE MAPAS Mapa 1 – Localização da região Norte Fluminense – p. 109.

Mapa 2 – Cobertura e uso da terra no Rio de Janeiro – 2016 – p. 144.

Mapa 3 - Cobertura e uso da terra no Município de Cardoso Moreira, 2016 – p. 145. Mapa 4 – Registros de Inundações no Estado do Rio de Janeiro de 1991 a 2012 – p. 149. Mapa 5 – Registros de estiagem e seca no Estado do Rio de Janeiro de 1991 a 2012 – p. 151 Mapa 6 – Região do rompimento do Mineroduto Minas-Rio - p. 163.

Mapa 7 – Região atingida pela erosão marinha próxima ao Canal da Flecha – p. 172.

LISTA DE TABELAS E QUADROS

Quadro 1 – Percentagem de território pertencente às potências coloniais europeias e aos Estados Unidos – p. 39.

Quadro 2 – Relação de perdas e ganhos sobre classes de cobertura da terra – Brasil – p. 143. Tabela 1 – Panorama socioeconômico do Norte Fluminense – p. 110.

Tabela 2 – Comparativo entre Percentual de aumento de royalties mais participações especiais, e IDHM no Norte Fluminense – p. 125.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1. DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E DETERMINAÇÕES SOBRE A VIDA SOCIAL ... 18

1.1 Raízes agrárias do capitalismo: o divórcio entre o produtor e os meios de produção. ... 19

1.2 A dominação territorial como estratégia fundamental para a expansão do sistema capitalista. ... 37

1.3. Impactos na formação social brasileira – o capitalismo periférico e a sina do desenvolvimento ... 47

1.3.1 Os rebatimentos da lógica capitalista no processo de colonização brasileira. ... 47

1.3.2 Do campo às cidades: a consolidação de uma sociedade ambientalmente destrutiva, socialmente excludente e insustentável. ... 65

2. OS DESASTRES AMBIENTAIS NA ERA DO CAPITALISMO MONOPOLISTA: UM PROCESSO EM CONSTANTE PRODUÇÃO E INTENSIFICAÇÃO. ... 78

2.1 Os descaminhos dos países periféricos: dependência internacional e produção de desigualdades sociais. ... 78

2.2 Desastres ambientais: elementos fundamentais para uma reflexão crítica sobre a contemporaneidade. ... 93

3. O NORTE FLUMINENSE DO SÉCULO XVI ATÉ HOJE: A INFLUÊNCIA DA LÓGICA CAPITALISTA NA CONSTRUÇÃO E INTENSIFICAÇÃO DE PROCESSOS DE DESASTRES AMBIENTAIS. ... 109

3.1. As marcas predatórias do “desenvolvimento” na Região Norte Fluminense: uma reflexão a partir da formação socioterritorial e da exploração econômica. ... 111

3.2. Desastres ambientais socialmente construídos no Norte Fluminense. ... 134

3.2.1 Inundação. ... 134 3.2.2 Estiagem/seca. ... 149 3.2.3 Contaminação de água. ... 157 3.2.4 Erosão costeira/marinha. ... 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 174 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 181

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INTRODUÇÃO

As inquietações que levaram a autora a debruçar-se no estudo sobre desastres ambientais não surgiram a partir da graduação, ou no momento da entrada da autora na pós-graduação, mas tem suas raízes antes mesmo de tudo isso. A autora vivenciou, desde a infância até a fase adulta, processos de desastres ambientais, mais especificamente alagamentos. No bairro de residência tais alagamentos eram constantes e completou-se mais de 30 anos sem que essa questão fosse resolvida. Ao ingressar na universidade, no curso de Serviço Social, tomou conhecimento sobre o Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA) do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense de Campos, o qual ainda hoje realiza estudos na área de desastres ambientais.

Esse contexto oportunizou à autora a construção de reflexões sobre sua realidade até então vivida, mas por uma outra perspectiva, por um olhar acadêmico/científico. A partir da participação no referido núcleo, mais especificamente no Observatório dos Desastres Ambientais (ODAm), foi possível a participação em pesquisas de campo, ampliando, assim, o escopo de conhecimento acerca dessa temática, bem como o levantamento de diversos questionamentos.

Em meio às leituras acadêmico-científicas e memórias da juventude, uma das principais indagações que se fazia era: “os desastres ambientais podem ter se intensificado pela forma histórica de desenvolvimento do capitalismo e assumido consequências específicas em regiões periféricas na contemporaneidade?”.

Muito então se leu sobre o surgimento do capitalismo, sobre sua racionalidade, até mesmo sobre os desastres ambientais. Todavia, a necessidade de compreender a realidade local à luz de tais elementos macro levou a autora a definir-se sobre seu objeto de pesquisa. Com a oportunidade de ingressar em uma pós-graduação, identificou-se o momento propício para se enfrentar o desafio de responder a tal questão.

É importante salientar que a construção deste trabalho parte do olhar de um campo profissional específico – o Serviço Social. O debate de tal temática na profissão ainda é muito tímido – os que já surgiram têm buscado subsídio, principalmente, em fontes teóricas de outros campos de conhecimento, como a sociologia. É fundamental fazer essa consideração, pois a profissão necessita debruçar-se sobre a questão dos desastres ambientais uma vez que possui relação com nossa atuação, porém apenas há pouco tempo esse entendimento tem ganhado certa visibilidade.

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Em vista disso, esta dissertação possui especial valor para a autora posto que representa um desafio vencido enquanto assistente social, trabalhadora do Sistema Único de Assistência Social.

Esta dissertação, portanto, é fruto sim de um processo teórico e metodológico definidos na especialização, mas também de vivências pessoais, profissionais, bem como de um acúmulo de experiências a partir de trabalhos de campo enquanto graduanda.

Assim, o problema empírico ora citado nos levou ao tema sobre a questão dos desastres ambientais no Brasil na contemporaneidade.

O nosso objeto de pesquisa, em princípio foi a relação estabelecida entre o desenvolvimento capitalista brasileiro e os processos de desastres ambientais, tendo por recorte espacial a localidade de Ururaí, no município de Campos dos Goytacazes/RJ. Inicialmente fomos motivadas pela escolha dessa localidade devido a recorrentes contextos de inundações que a população desse lugar ainda vem sofrendo. Além disso, já existe uma aproximação com essa localidade por ser campo de estudos do referido Núcleo (NESA).

Todavia, ao longo da pesquisa esse olhar foi redimensionado, pois identificamos que ainda existe uma lacuna considerável no campo de estudos relacionando o processo de desastre ambiental às questões de desenvolvimento regional. Considerou-se, portanto, que realizar um aprofundamento no debate mais amplo, voltado para a questão regional, seria fundamental nesse momento – fato esse que produzirá subsídios para melhor se pensar a dinâmica mais local da região em demais trabalhos. Assim, nosso recorte espacial de análise passou a ser a Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro.

A partir de leituras do campo da Sociologia em geral, Sociologia dos Desastres, Economia, Geografia, Serviço Social e das Ciências Sociais, definiu-se a hipótese da pesquisa que sob o lema do desenvolvimento (tratado, nessa ordem, como sinônimo de crescimento econômico, como veremos), tem-se cada vez mais intensificada a investida do capital na configuração espacial do território, no fomento a processos predatórios de produção e na organização da vida social. Isso tem contribuído para a segregação social e espacial de camadas cada vez maiores da população, adensando o povoamento de áreas consideradas de risco ambiental, além da depredação das fontes de vida do planeta, tendo como pano de fundo a instauração de uma sociabilidade predatória que consegue adentrar nos espaços mais particulares da vida.

Para alguns autores como Furtado (2000 e 2009), Harvey (2006), Oliveira (2010) e Latouche (1994), a busca incessante pelo “desenvolvimento” tem levado a uma divisão do mundo em áreas centrais e periféricas, dinâmica essa também percebida em âmbito nacional e

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regional. Percebemos que esse contexto tem gerado profundas desigualdades sociais como a territorialização de determinados grupos em um cenário de riscos, o que acaba contribuindo para a produção do desastre ambiental. Na lógica hegemônica os desastres não são tidos como um problema causado pelo desenvolvimento, mas como fenômenos naturais, desligados da lógica estrutural de funcionamento do sistema capitalista, cujo estilo de desenvolvimento, em uma visão crítica, tem se mostrado como ecologicamente predatório e socialmente excludente. A fim de responder à problemática em questão tem-se por objetivo geral deste trabalho, a partir de análise sobre o modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro dentro de uma dinâmica mais ampla – que é o processo de acumulação capitalista mundial –, compreender de que modo essa dinâmica contribui para processos de desastres ambientais, partindo da análise de estudo de caso da região do Norte Fluminense1/RJ.

Para tanto, alguns objetivos específicos foram traçados:

a) Entender o que significa a forma de acumulação capitalista a partir de uma lógica de crescimento predatório, focando o olhar em como o desenvolvimento desse sistema incide de modo específico na periferia mundial, influenciando, por exemplo, na organização desigual do território urbano;

b) Compreender de forma crítica a relação existente entre o não acesso à moradia digna e o processo de desastre ambiental;

c) Identificar e compreender os principais debates em torno do conceito de desastre ambiental no campo acadêmico, apontando para o entendimento desse conceito enquanto impedimento ao desenvolvimento do sistema capitalista ou parte inerente a ele;

d) Identificar e analisar os principais determinantes dos processos de desastres ambientais na Região Norte Fluminense/RJ.

Três elementos justificam a escolha do tema deste trabalho – (i) a já referida vivência pessoal da autora em processos de desastres ambientais, (ii) a possibilidade de contribuir com populações que passam por esses processos e (iii) um meio de intensificar a presença do debate crítico sobre os desastres ambientais na agenda acadêmica.

Em relação ao primeiro elemento, este trabalho possui relevância pessoal à medida que possibilita o aprofundamento a questões ligadas ao macro, porém que respondem uma vivência pessoal da autora.

Além disso, o NESA tem se dedicado a pesquisas que de algum modo contribuem para o debate entre população afetada e poder público. Essa possibilidade de contribuição

1 A região a qual nos referimos, compreende os municípios de São Francisco de Itabapoana, São João da Barra, Campos dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus, Macaé, Conceição de Macabu, São Fidélis e Cardoso Moreira.

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para o fortalecimento dessa população representa, portanto, um forte motivo para escolha desse tema.

As ciências humanas diferenciam-se das naturais por vários motivos, sendo um dos principais a intensidade do seu caráter subjetivo que decorre da relação entre sujeito e objeto. Essa relação se dá de modo diferente visto que o objeto pode se situar em uma zona de proximidade extrema ao cotidiano do pesquisador, ou até mesmo interagir com ele, podendo exercer certa pressão como nos casos onde pessoas tornam-se objetos de estudo (LÖWY, 2000).

Nessa perspectiva as ciências humanas são questionadas quanto à possibilidade de contribuírem para dado fenômeno com neutralidade. Como já explicado acima, uma das razões para a escolha deste tema é contribuir para o fortalecimento da população afetada por desastres ambientais, logo, algumas áreas das ciências poderiam questionar a neutralidade axiológica deste trabalho.

No entanto, Löwy (2000) argumenta que os cientistas sociais possuem uma posição distinta dos demais cientistas, pela sua atividade possuir um caráter político. Além de não existir neutralidade na escolha do objeto e na forma como ele será trabalhado, o fruto do trabalho ainda acaba impactando a sociedade. Dessa forma, o autor ajuda a compreender que o cientista social possui uma posição intervencionista na sociedade e, portanto, a justificativa para este trabalho acima descrita não exclui esta proposta do campo da produção de conhecimento científico.

Já em relação ao terceiro elemento que justifica tal trabalho trata-se da oportunidade de realizar uma dissertação com esse tema, pautada numa análise crítica da realidade. O debate em torno dos desastres tem crescido no mundo, porém no Brasil a discussão ainda é recente, principalmente quando se coloca em questão os determinantes políticos, econômicos e sociais presentes nesse contexto. Daí identifica-se a relevância científica, mas também social, em trazer um tema como este para a agenda de debates acadêmicos, posto que, tanto a naturalização dos desastres, quanto a culpabilização dos atingidos, tem gerado profundos danos ambientais e sociais.

Por isso, entendemos que o desvelamento das determinações que compõem o processo de desastre contribui para uma posição teórica mais crítica a respeito desse conceito, além de trazer à tona os consequentes impactos causados nas vidas de tantas famílias. Esse desvelamento faz parte de uma difícil tarefa na medida em que expõe a fragilidade de se compreender esse processo de modo unilateral, como sendo unicamente fruto de fenômenos naturais. Ao trazer uma outra perspectiva de análise, pautada na totalidade, passa-se a

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identificar o papel da sociedade, Estado e esfera privada no contexto do desastre, o que representa a importância política deste trabalho.

Como metodologia, consideramos relevante a realização de pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa, com base em fontes especializadas (teses, dissertações, livros e artigos). O processo de qualificação deste trabalho foi fundamental para o aprofundamento da reflexão acerca das produções já trabalhadas, bem como as possibilidades ainda existentes, o que possibilitou uma melhor definição do traçado teórico e metodológico proposto.

Como principais eixos de análise trabalhamos com: desenvolvimento capitalista, conformação sócio territorial brasileira e desastre ambiental. Para tanto, o referencial teórico-analítico foi constituído por autores como: Marx (2009, 2011), Harvey (2006), Wood (2001), Prado Jr (2011), Maricato (2015), Santos (2000a, 2000b), Santos (2013), Valencio (2009, 2010, 2012), Dobb (2015), Polanyi (2000), Latouche (1994), Acselrad (2012), Haesbaert (2008), dentre outros.

Primeiramente, realizou-se um resgate das especificidades do surgimento do sistema capitalista, a formação da racionalidade do capitalismo e de sua influência na “organização” da vida social, relacionando elementos como: dominação territorial, colonização, dependência internacional, relação centro e periferia e produção de desigualdades sociais.

A partir daí, tratamos da formação sócio territorial brasileira, pensada a partir do processo de ocidentalização de base colonizadora, já buscando identificar e compreender os nexos causais entre a colonização brasileira e a produção de processos de desastres ambientais, principalmente quando se começa a discutir sobre o urbano industrial.

Optou-se por realizar este estudo primeiramente, pois se considera a relevância de compreender a dinâmica regional do campo de pesquisa a partir do seu envolvimento com um processo maior. Entende-se, portanto, que por mais que cada caso tenha sua especificidade, o que os une é sua existência em um mesmo modelo de sistema produtivo – o capitalismo. Esse olhar voltado para a história nos permitiu, portanto, a compreensão de fenômenos vivenciados por nós hoje, porém que possuem raízes no passado.

O resgate histórico realizado neste trabalho foi de fundamental importância, pois se considerou a realidade como um objeto fruto de múltiplas determinações, em constante movimento, entendendo que sua construção se dá historicamente. Logo, concordamos que “o contraponto passado e presente é essencial, se se trata de explicar ou compreender a realidade social”(IANNI, 2011, p. 61).

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Em um momento posterior adentramos mais no debate sobre os desastres ambientais relacionando as discussões de desenvolvimento e subdesenvolvimento, bem como sua intensificação na era do capitalismo monopolista.

No último capítulo o foco volta-se para a análise da Região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, trazendo elementos para reflexão sobre como suas especificidades de formação sócio territorial influenciam ainda hoje muito do que a Região vivencia – aqui o recorte de análise volta-se para o contexto de desastre ambiental.

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1. DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA E DETERMINAÇÕES SOBRE A VIDA SOCIAL

Este capítulo destina-se ao estudo sobre a origem do capitalismo e suas determinações sobre a vida social, focando nos seus rebatimentos nas regiões periféricas ao longo de sua trajetória de “desenvolvimento”2. Para tanto, ele é dividido em três seções. Na seção 1.1, levantamos o debate sobre a gênese do sistema capitalista demonstrando como a criação da classe trabalhadora foi fundamental nesse processo. Para tanto, o estudo sobre o cercamento dos campos faz-se indispensável nesse momento.

Na seção 1.2, dentre os vários determinantes do avanço do sistema, destacamos a dominação territorial como forte estratégia de expansão, principalmente a partir das grandes navegações, já apontando para alguns efeitos atuais desse contexto. Chamamos aqui a atenção para a formação das Colônias como local de extração de matérias primas e de mercantilização de mão de obra escrava, e sua importância para a constituição da assim chamada “acumulação primitiva”.

Ressaltamos como a centralidade das relações mercantis cria uma nova dinâmica e constitui polarizações entre os que são proprietários dos meios de produção e daqueles despossuídos em relação aos mesmos.

Demonstramos também como a dominação e exploração territorial tem sido fundamental na construção de estratégias de valorização do capital excedente, recorrendo-se até mesmo à denominada “destruição criativa”, o que aponta uma lógica de desenvolvimento destrutivo que nos faz questionar se essa mesma lógica não tem influenciado os processos de desastres ambientais. Finalizamos a seção relacionando a dominação territorial com a estruturação do mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, apontando para a concepção dominante sobre progresso enquanto equivalente a desenvolvimento capitalista e quais os problemas que isso gera.

Na última seção, 1.3, relacionamos o debate que se veio fazendo até então, com a realidade brasileira desde seu período inicial de formação sócio territorial. Tratamos, assim, de identificar no cenário global o lugar político no qual essa sociedade se encontrava entre os séculos XV e XIX.

2 Utilizamos o termo entre aspas considerando que, de acordo com nossas leituras, a trajetória do capitalismo não é algo linear nem positivado, mas marcado por profundas contradições e por uma dimensão predatória, como veremos.

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Fazemos então um resgate histórico da formação social brasileira, trabalhando com alguns elementos principais desse processo como: a mão de obra escrava, o modelo destrutivo de exploração dos recursos naturais, a formação da classe trabalhadora e o sentido dado à colonização brasileira.

Por fim, realizamos uma análise a partir da articulação de dois segmentos de estudo: o perfil de sociabilidade que foi sendo formado no Brasil a partir da produção no campo, e seu (des)encontro com a nova realidade econômica que se iniciava, tendo como elementos marcantes a industrialização e urbanização.

1.1 Raízes agrárias do capitalismo: o divórcio entre o produtor e os meios de produção.

O estudo sobre a origem do capitalismo possibilita a identificação de visões bastante distintas sobre seu sentido e conformação. Wood (2001) afirma que as ideias a esse respeito giram em torno da origem desse sistema desde a Idade Média – ou até em épocas anteriores a ela, a partir da expansão do comércio ou com as viagens de descobrimentos. A autora afirma que o que mais prevalece nessas explicações é o entendimento da existência de uma tendência ao capitalismo preexistente na humanidade.

É como se houvesse uma lei natural pela qual a sociedade é regida e, por isso, de algum modo essa lei levaria a humanidade a alcançar o estágio capitalista. Segundo as obras fisiocratas há uma ordem natural na sociedade, porém ela não está fora do alcance da intervenção humana, ou seja, “a sociedade pode encontrar-se distanciada de sua própria ‘ordem’, definida como ‘natural’”, devido a algum obstáculo criado pelo homem (NAPOLEONI, 1978).

Por isso, Wood (2001) afirma que para a política clássica a trajetória da história para o capitalismo

foi longa e árdua [...] e houve muitos obstáculos em seu caminho. Mas, apesar disso seu progresso foi natural e inevitável. Assim, para explicar a ‘ascensão do capitalismo’, não é preciso nada além de explicar como os muitos obstáculos a esse movimento de avanço foram superados – alguns de modo paulatino, outros subitamente, com uma violência revolucionária (p.13-14).

Como a autora bem coloca em sua obra, parece, portanto, não haver a concepção do capitalismo ter se originado em algum momento pós-início da história da humanidade, e sim a crença do surgimento, ao menos da sua semente, junto com a própria humanidade.

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Podemos analisar que a construção dessa percepção não foi algo natural, mas influenciada por um campo de ideias acerca da natureza humana – a esse respeito, as ideias de Adam Smith (1996) contribuíram em demasia. Para o autor o ser humano é naturalmente egoísta, uma característica inata. Entretanto, tal egoísmo não é necessariamente mau já que possibilita a movimentação da economia, uma vez que cada indivíduo buscando seus interesses próprios beneficiaria a toda sociedade (NAPOLEONI, 1978) – mesmo que involuntariamente. Na teoria de Smith (1996) o mercado, portanto, funcionará a partir dos interesses pessoais de cada agente. A produção de riqueza de um país está, assim, diretamente condicionada pelo desejo egoísta dos ser humano.

Esse entendimento foi extremamente absorvido, embasando, portanto, a concepção de que o “espírito capitalista nasceu” com a humanidade. A lógica é: se tal sistema requer a liberdade para que cada um busque seus interesses e se o ser humano possui essa atitude naturalmente, logo, a essência capitalista surge junto com a humanidade.

Todavia, Wood (2001) faz uma crítica a tal concepção uma vez que não expõe a especificidade do capitalismo, mas o põe como uma continuidade das sociedades precedentes. Pode ser percebido até um certo sentido evolucionista nesses argumentos – “a linhagem do capitalismo evolui, naturalmente, do mais antigo mercador babilônio ou romano para o habitante dos burgos medievais, para o primeiro burguês moderno e, finalmente, para o capitalista industrial”(Ibid., 2001, p. 14).

São várias as narrativas que buscam explicar o surgimento do capitalismo como: a expansão do mercado livre de restrições; o desenvolvimento das técnicas de produção; o surgimento das cidades; a lei da oferta e da procura; e a ocorrência de um processo de acumulação de experiências, a partir dos deslocamentos de centros comerciais.

Guardadas as distinções entre tais modelos de explicação, o que eles possuem em comum é o não questionamento das leis naturais do mercado. De uma forma ou de outra para essas concepções a sociedade alcançou o capitalismo, pois seria esse o curso natural da história (Ibid.).

No entanto, Polanyi (2000) contesta esse discurso natural – o autor defende uma visão bem diferenciada sobre o surgimento do capitalismo, afinal, que o comércio já existia antes do capitalismo é verdade, porém sua natureza era distinta, a obtenção do lucro não era fator primordial na vida econômica até a era moderna. Por isso, ele faz uma distinção entre as sociedade com mercado e sociedades de mercado.

Havia, por exemplo, uma forma distinta de organizar a vida como a “reciprocidade” e a “redistribuição” – “complexas obrigações recíprocas que eram determinadas, por exemplo,

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pelo parentesco, ou a apropriação autorizada dos excedentes por algum tipo de poder político ou religioso e sua redistribuição a partir desse centro” (WOOD, 2011, p. 30).

Além disso, outra diferença pode ser apontada entre esses dois tipos de mercado. Anteriormente ao capitalismo, por exemplo, o mercado não era movido à competição, ao contrário, tendia-se à eliminação da competição, pois se julgava ser tal elemento um desorganizador do comércio – por isso mantinha-se a regulação estatal (POLANYI, 2000).

Reconhecidas as contribuições de Polanyi para o estudo sobre o capitalismo, Wood (2001) faz uma ressalva quanto à sua teoria. Os problemas apontados pela autora referem-se à explicação dada por Polanyi sobre “as condições em que surgiu a sociedade de mercado, ao processo histórico que a originou e ao que isso implica em termos de sua compreensão do mercado como forma social”(p. 32). Para Polanyi (2000), a sociedade de mercado surgiu a partir da Revolução Industrial, tendo o Estado um papel fundamental nesse processo, já que a velocidade das mudanças precisava ser controlada, do contrário o resultado seria desastroso.

Nesse sentido, Wood (2001) esclarece que a visão de Polanyi assemelha-se à do modelo mercantil, na medida em que considera o progresso tecnológico como elemento catalisador do desenvolvimento do mercado e que tal progresso apenas não ocorreu do mesmo modo em outras regiões (como no Oriente) devido às condições não favoráveis – existência de “fortes laços de parentesco, clã e tribo [...]”(Ibid., p. 34).

Identifica-se, portanto, um equívoco na ordem das causas dos acontecimentos. Não há uma análise sobre as relações sociais e suas transformações anteriormente ao período da industrialização. Como o ponto de partida para a instauração da sociedade de mercado foi a Revolução Industrial,

os imperativos específicos do mercado capitalista – as pressões da acumulação e da produtividade crescente do trabalho – são tratados não como produto de relações sociais específicas, mas como resultado de aperfeiçoamentos tecnológicos que parecem mais ou menos inevitáveis, pelo menos na Europa (WOOD, 2001, p. 34-35).

Ou seja, as transformações em processo são tidas como frutos da evolução tecnológica e não é levado em conta, por exemplo, as mudanças precedentes a tal contexto - como as relações de propriedade e de exploração.

A autora afirma que essa preocupação apenas se evidenciará nas obras de Marx. A partir delas tem-se uma concepção bastante distinta sobre a origem do capitalismo, a qual transfere o foco da atenção do determinismo tecnológico para as relações no campo entre proprietários de terra e trabalhadores. O debate “sai” da cidade, do comércio, do avanço

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tecnológico e volta-se para o campo feudal. Foi nos burgos sim que o comércio maximizou-se, porém algo a mais acontecera para além da formação dos burgos e da expansão do comércio.

“Não precisou de uma simples extensão ou expansão do escambo e da troca, mas de uma transformação completa das relações e práticas humanas mais fundamentais, de um rompimento com antiquíssimos padrões de interação humana com a natureza”(Ibid. p. 77).

A origem do capitalismo não se liga, assim, à expansão das relações mercadológicas, mas às transformações nas relações humanas com seu meio de subsistência. Sua origem, então, para esta autora, estaria no campo – local onde tais transformações se iniciaram.

Karl Marx é tido como um dos autores que mais contribuíram para o estudo sobre a sociabilidade burguesa e a compreensão do que seria o capitalismo. A explicação de Marx (2009) para a origem do capitalismo partiria da acumulação primitiva, a qual permitiu que se criasse a condição necessária para tal processo. A acumulação primitiva seria a acumulação de riquezas, proveniente da expropriação do trabalho dos camponeses, dando início a uma relação de propriedade social capitalista, em um lugar específico: os campos da Inglaterra.

Tal concepção da riqueza produzida a partir do campo encontra espaço especial nas teorias fisiocratas. Napoleoni (1978) fez um apanhado em sua obra das principais ideias sobre o pensamento econômico. Ele explica que para os fisiocratas a tarefa do capitalismo é a ampliação do excedente (riqueza produzida que ultrapassa a consumida). É considerado, portanto, que a produção desse excedente apenas se dá a partir de um trabalho produtivo, que para os fisiocratas só pode ocorrer na agricultura.

Ele ainda esclarece que é com base na teoria do excedente que Quesnay (fisiocrata) produziu o Tableau économique – uma forma de compreender o sistema econômico. No Tableau a sociedade aparece dividida em três classes: a produtiva (arrendatários capitalistas e trabalhadores da agricultura cujo trabalho é produtivo); a estéril (os que exercem atividade à margem da agricultura); os proprietários de terra (o rei, a corte, funcionários públicos e igreja). Essa última classe não desenvolve atividade econômica, mas “possui o direito à percepção dessa renda, ou seja, de todo o ‘produto líquido’” (Ibid. p. 30). Pode-se compreender, portanto, que para os fisiocratas a riqueza não vem do comércio nem da indústria, mas da produção agrícola, uma vez que a renda proveniente daí movimenta a economia por meio de aluguéis, salários e compras, como aponta o autor.

Diz Napoleoni (1978) que o Tableau foi por um longo tempo a única análise do equilíbrio econômico. Isso até a produção da teoria marxista. A função do Tableau foi descrever a reciprocidade e a interdependência existente entre os fenômenos econômicos,

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como também expor como um desses fenômenos se sobressai aos demais, por ser o que garante a amplitude desse esquema. O autor indica que tal fenômeno é o valor do “produto líquido” (do excedente), e é determinado tanto pela fertilidade da terra quanto pela capacidade que o homem possui de explorar seus recursos.

Os fisiocratas entendem, portanto, que o desenvolvimento de todo o sistema se daria mediante a acumulação de capital no setor agrícola. Daí pode-se perceber a importância que as transformações ocorridas no campo tiveram para o fim do feudalismo e início do capitalismo.

Os seres humanos para atenderem suas necessidades ao longos dos séculos, utilizaram a terra como um meio. Nesse processo, as sociedades acabaram se dividindo em classes – os produtores (camponeses) e os apropriadores (WOOD, 2001). Resguardadas as diferentes formas assumidas nessa divisão, algo em comum prevaleceu – o fato dos produtores serem do campo. A autora explica que, nesse contexto, a posse da terra era do produtor, ou seja, a posse do meio de produção - assim, nas sociedades pré-capitalistas o acesso a esses meios era direto.

“Portanto, os camponeses tinham acesso aos meios de produção, à terra, sem terem que oferecer sua força de trabalho no mercado como mercadoria” (Ibid. p. 81). Nesse momento, as relações entre produtores diretos e apropriadores ainda não eram intermediadas pelo mercado. Algo então ocorre para que isso passe a acontecer.

O motivo estaria na Inglaterra do século XVI, a qual seguiu um caminho de desenvolvimento bastante distinto das demais regiões. O Estado (século XVI) servia aos interesses da classe dominante, mesmo assim,

a aristocracia não detinha poderes “extra-econômicos” autônomos nem uma ‘propriedade politicamente constituída’ no mesmo grau que seus equivalentes no continente europeu. Por outro lado, havia o que se poderia chamar de uma troca entre a centralização do poder estatal e o controle da terra pela aristocracia. Na Inglaterra fazia muito tempo que a terra era incomumente concentrada[...] Essa concentração da propriedade significa que os latifundiários ingleses podiam usar sua propriedade de novas maneiras (WOOD, 2001, p. 82-83).

Tem-se, portanto, na Inglaterra, uma combinação de poder estatal centralizado, mobilidade territorial e concentração da propriedade (terras/meios de produção). Uma das principais consequências dessa combinação foi a passagem do acesso aos meios de produção das mãos dos camponeses, para os latifundiários – o denominado “cercamento dos campos”.

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os latifundiários procuraram expulsar os plebeus das terras que pudessem ser lucrativamente usadas como pasto na criação de ovelhas, cada vez mais lucrativa. Os comentaristas da época responsabilizaram os cercamentos, mais do que qualquer outro fator isolado, pela praga crescente dos vadios – “homens sem patrão”, despejados de suas terras, que vagavam pelo interior e ameaçavam a ordem social.O mais famoso desses comentaristas, Thomas More, embora fosse, ele mesmo, responsável por cercamentos, descreveu essa prática como ‘a devoração dos homens pelas ovelhas’(Ibid. p. 91). Nesse período “os campos e as áreas comuns foram cercados pelos senhores, e condados inteiros se viram ameaçados de despovoamento” (POLANYI, 2000, p. 52). Esse processo de cercamento dos campos não foi homogêneo, mas possuiu características distintas (DOBB, 2015). O autor explica que a tomada das terras se deu pela via da expulsão à força, porém também ocorreu pelo abandono das propriedades por parte dos produtores. Muitos destes podem ter entregue suas terras sem um ato de expulsão evidente, por encontrarem-se

sobrecarregados pela dívida, ou na parte final do século XVIII e inicial do século XIX, separados de seus empregados secundários na indústria da aldeia, ou então afetados adversamente pela crescente concorrência de fazendas maiores equipadas com novos métodos agrícolas que requeriam capital (DOBB, 2015, p. 230).

Tal processo não estava apenas modificando o campo, mas o mundo, já que representou o nascimento do capitalismo - o Estado monárquico estava contrário a tal movimento, em decorrência da ameaça à ordem pública, por exemplo (WOOD, 2001). Contudo, não sustentou tal posição por muito tempo já que, como explica a autora, os proprietários “conseguiram moldar o Estado de acordo com seus próprios requisitos mutáveis” e então, “não houve mais intervenção estatal, e surgiu um novo movimento de demarcação no século XVIII: os chamados cercamentos parlamentares”, legitimando-os politicamente, e levando os direitos comunais e consuetudinários a serem substituídos pelo direito exclusivo à terra (p. 92).

Os senhores e os nobres estavam perturbando a ordem social, destruindo as leis e os costumes tradicionais, às vezes pela violência, às vezes por pressão e intimidação. Eles literalmente roubavam o pobre na sua parcela de terras comuns, demolindo casas que até então, por força de antigos costumes, os pobres consideravam como suas e de seus herdeiros. O tecido social estava sendo destruído; aldeias abandonadas e ruínas de moradias humanas testemunhavam a ferocidade da revolução, ameaçando as defesas do país, depredando suas cidades, dizimando sua população, transformando seu solo sobrecarregado em poeira, atormentando seu povo e transformando-o de homens e mulheres decentes numa malta de mendigos ladrões (POLANYI, 2000, p. 53).

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Dobb (2015, p. 228) afirma que essa época, foi “a fase em que homens desesperados se tornaram assaltantes de estrada, ladrões e vagabundos, sendo igualmente sujeitos às brutalidades da legislação Tudor, com suas marcas de ferro em brasa e seus chicoteamentos, seus enforcamentos e esquartejamentos públicos”. A legislação elisabetana, por exemplo, tratava com forte brutalidade a mendicância. Os que se encontravam nessa situação deveriam ser punidos “pela queimadura através da cartilagem do ouvido direito e, na reincidência, pela morte, sendo a primeira penalidade substituída humanitariamente3 em 1597 pela de ser despido até a cintura e chicoteado até que o corpo estivesse coberto de sangue” (Ibid. p.237). É preciso salientar que a essência dessa acumulação primitiva não está simplesmente na transferência de propriedade de uma classe para outra (DOBB, 2015), mas, mais que isso: na transferência de propriedade de pequenos produtores para a burguesia, ocasionando a pauperização daqueles. O cercamento das propriedades, portanto, é entendido como a forma-tipo da acumulação primitiva (MARX, 2009). Logo, não bastava o enriquecimento burguês, mas um enriquecimento “por modos que acarretavam o desapossamento de pessoas diversas vezes mais numerosas do que as enriquecidas” (DOBB, 2015, p. 189).

É importante compreender que apenas a vontade de determinado grupo em passar a assumir um lugar de poder não bastaria para que isso ocorresse. A ascensão do capitalismo, portanto, “foi acompanhada – em alguns aspectos, precedida – pela criação e transformação das instituições e funções estatais, satisfazendo as necessidades específicas do capitalismo” (HARVEY, 2006, p. 93). Isso significa que o Estado desempenhou um papel decisivo para o avanço de tal sistema. A acumulação primitiva, portanto, tratou-se do “processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção” (MARX, 2009, p. 828), realizado “pela força ou através da violência legalizada por via do Estado” (HARVEY, 2006, p. 91). A separação do produtor do campo dos meios de produção foi, assim, a base do processo de surgimento do capitalismo.

O processo que produz o assalariado e o capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador. O progresso consistiu numa metamorfose dessa sujeição, na transformação da exploração feudal em exploração capitalista. (MARX, 2009, p. 829).

Na visão de Polanyi (2000), o cercamento poderia até ter levado a algum progresso, se não fosse a conversão dos campos à pastagem. Segundo o autor, “nos lugares onde se

3 Apesar do termo empregado pelo autor não compreendemos a nova forma de lidar com a situação como sendo mais humanitária.

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continuou a cultivar a terra, não diminuiu o emprego e o suprimento de alimentos aumentou de forma marcante” (p. 52). Porém, o mesmo não ocorreu em todos os lugares.

Para termos uma noção temporal dos efeitos do processo de conversão dos campos à pastagem, tal movimento já é considerado hoje, século XXI, como uma das nove principais ameaças à terra. Soffiati (2016, p. 21) explica que em “2010, 28 cientistas de renome internacional reuniram-se em Estocolmo, Suécia, para aprimorar o diagnóstico da crise ambiental da atualidade. O resultado foi a identificação de nova ameaças ao planeta”. Dentre elas consta o uso da terra. “A conversão de metade das florestas, principalmente tropicais, em lavouras e pastagens, quebra a capacidade do planeta em exercer suas funções vitais de equilíbrio” (Ibid. p. 23).

A ideia, portanto, de ser o capitalismo um sistema de oportunidades é desqualificada por Wood (2001). Pela lógica dominante, tem-se um sistema sinônimo de oportunidade. Há demandas e ofertas no mercado, há mercadorias disponíveis e pessoas livres para escolhe-las, porém, há um fator que precisa ser problematizado nessa lógica - a distinção do capitalismo não está na oportunidade nem na escolha, mas sim na compulsão (Ibid.).

Isso se observa em dois sentidos: primeiro, a vida material e a reprodução social no capitalismo são universalmente mediadas pelo mercado, de forma que, de um modo ou de outro, todos os indivíduos têm que entrar nas relações de mercado para obter acesso aos meios de subsistência; e segundo, os ditames do mercado capitalista – seus imperativos de competição, acumulação, maximização dos lucros e crescente produtividade do trabalho – regem não apenas todas as transações econômicas, mas as relações sociais em geral (Ibid., p. 16).

Com o avanço dessas novas práticas, antigos costumes foram sendo deixados para trás.

Desde tempos imemoriais, os camponeses empregaram vários modos de empregar o uso da terra a bem da comunidade aldeã. Restringiram certas práticas e concederam certos direitos, não para aumentar a riqueza dos latifundiários ou do Estado, mas a fim de preservar a própria comunidade camponesa, talvez para preservar a terra e distribuir seus frutos de maneira mais equitativa e, muitas vezes, para sustentar os membros menos afortunados da comunidade. Até a posse ou propriedade privada era tipicamente condicionada por essas práticas consuetudinárias, conferindo aos não-proprietários certos direitos de uso da propriedade de terceiros (WOOD, 2001, p. 90).

Isso significa que por esses costumes, quem não possuía terra poderia de algum modo se beneficiar da posse de terceiros. Havia a preocupação com o sustento até mesmo dos mais necessitados sem posses. Para tanto, alguns direitos eram garantidos como: de pastagem, de

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apanhar lenha e colher sobras das lavouras (Ibid.). Logo, a terra poderia até ser uma propriedade privada, porém em determinadas circunstâncias prevalecia sua natureza comunitária.

No entanto, “do ponto de vista dos latifundiários e dos fazendeiros capitalistas adeptos ao melhoramento4, a terra tinha que ficar livre de qualquer dessas obstruções, para que eles tivessem um uso produtivo e lucrativo das propriedades” (Ibid. p. 90). Os costumes, então, passaram a assumir papel de obstáculos ao avanço da nova lógica de produção (mercantil) que vinha surgindo. Percebe-se, então, que todo um aparato de proteção social baseado nos costumes foi sendo minado em nome dos imperativos capitalistas.

A pressão pela superação dessas antigas práticas acabou prevalecendo, passando a assumir seu lugar as concepções capitalistas de propriedade – segundo tais concepções a propriedade deveria ser tratada agora não como privada, mas como exclusiva (WOOD, 2001). Fica claro aqui o que falamos anteriormente, sobre a condição do mercado passar a reger a vida em sociedade. O “cercamento”, portanto, é materializado pelo fim dos direitos comunais e consuetudinários.

As pessoas que agora passariam a ter que arrendar terras para produzir, viram-se submetidos à constante pressão por parte dos arrendatários para que a produtividade aumentasse. Porém, por detrás dessa pressão estava, na verdade, já se manifestando o imperativo do mercado.

Já se evidenciava a formação de um novo sistema com um tipo de mercado diferente de qualquer outro que tenha existido na história. Três são os imperativos característicos desse mercado: competição, acumulação e maximização dos lucros (Ibid.).

E esses imperativos, por sua vez, significam que o capitalismo pode e tem que se expandir constantemente, de maneiras e em graus que não se parecem com os de nenhuma outra forma social. Ele pode e tem que acumular constantemente, buscar constantemente novos mercados, impor constantemente seus imperativos a novos territórios e novas esferas da vida, a todos os seres humanos e ao meio ambiente natural(WOOD, 2001, p. 78-79).

Uma nova sociabilidade passa a ser construída, transformando as motivações para o comércio. Isso dará lugar para o fomento de uma sociedade de mercado. Agora, não será mais a economia a ser inserida nas relações sociais, mas o contrário. Com a economia de mercado,

4 “Aumento da produtividade da terra com vistas ao lucro.[...] Significa um pouco mais do que métodos e técnicas novos ou melhores de cultivo. Significa, em termos ainda mais fundamentais, novas formas e concepções da propriedade”(WOOD, 2001, p. 88-89).

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toda a natureza, incluído nela os seres humanos, passariam a ser considerados como mercadorias.

Não é mais a sociedade, portanto, que rege o mercado, mas as “leis do mercado” é que passam a reger a vida em sociedade. Tem-se agora um modelo de mercado que atua segundo a lógica da competitividade e da busca incessante pelo lucro. Trata-se de um sistema de mercados auto-regulados, cujo adjetivo dado por Wood (2001) e Polanyi (2000) é “perturbador”.

Percebe-se, por conseguinte, que esse novo sistema que emerge ao passo que traz certos benefícios para a sociedade, como o desenvolvimento dos meios de produção, de outro lado retira muito mais, destrói, devasta, “mentes e corpos”, o subjetivo e o objetivo.

Produz-se um sistema de dependência, pois até mesmo para vender sua força de trabalho ou satisfazer uma das necessidades mais básicas existentes – que é o alimento – precisa-se recorrer ao mercado (WOOD, 2001).

Tanto os produtores, quanto os proprietários, entraram em um contexto de dependência do mercado jamais visto antes (Ibid.). Pode-se dizer que tal contexto inusitado levou ao surgimento de novas leis e com isso a uma nova dinâmica societária.

O nível da competição era tal que não implicava apenas em maior lucro para uns que para outros de acordo com seu desempenho, mas na perda da posse da terra. “Nesse ambiente competitivo, os fazendeiros produtivos prosperavam e suas posses tendiam a crescer, enquanto os produtores menos competitivos eram imprensados na parede e acabavam por se juntar às classes não proprietárias” (Ibid. 86).

Todo esse processo não acabou em caminhos piores, devido às ações dos estadistas Tudors e os primeiros Stuarts, como explica Polanyi (2000). Segundo ele, se essa tendência de progresso econômico não tivesse sido freada de certa forma, tal ritmo “poderia ter sido ruinoso, transformando o próprio desenvolvimento em um acontecimento degenerativo, ao invés de construtivo.” (Ibid. p. 55). É importante salientar aqui o papel do governo no controle desse ritmo. A ideia de um progresso econômico desenfreado, como bem apontado pelo autor, pode inibir nossa percepção de que ao governo cabe uma grande parcela de responsabilidade no trato de tais questões. “Este papel consiste, muitas vezes, em alterar o ritmo da mudança, apressando-o ou diminuindo-o, conforme o caso” (Ibid. p. 55).

Em relação à Inglaterra, o autor explica que passou-se pelo cercamento sem muitos danos

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apenas porque os Tudors e os primeiros Stuarts usaram o poder da Coroa para diminuir o ritmo do processo de desenvolvimento econômico, até que ele se tornou suportável – utilizando o poder do governo central para socorrer as vítimas da transformação e tentando canalizar o processo de mudança de forma a tornar o seu curso menos devastador (Ibid. p. 56-57).

Contudo, essa proteção não se estendeu a todos. Polanyi (2000) explica que em relação ao povo comum da Inglaterra, as medidas de proteção necessárias contra os efeitos da Revolução Industrial não foram tomadas. “Os efeitos causados nas vidas das pessoas foram terríveis, quase indescritíveis. A sociedade humana poderia ter sido aniquilada, de fato, não fosse a ocorrência de alguns contra movimentos protetores que cercearam a ação desse mecanismo autodestrutivo” (Ibid. p. 98).

O cercamento dos campos, portanto, foi um processo de imposição de interesses particulares sobre os da coletividade - em um primeiro momento com a presença do governo tentando ditar seu ritmo -, e tendo como pano de fundo o discurso do progresso econômico e das melhorias que isso traria para todos. No entanto, apesar do surgimento de alguns empregos por conta de certo aumento na produção de lã, ou dos investimentos que os proprietários de terra agora poderiam fazer, Polanyi (2000) considera que os efeitos desse processo foram muito mais deletérios.

Sob a argumentação do melhoramento como elemento que beneficia a toda comunidade, até mesmo a escravidão e a expansão colonialista foram justificadas.

Se as terras não-beneficiadas das Américas não representavam nada além de um deserto, era um dever dos europeus, por ordenação divina, cercá-las e melhorá-las, tal como os homens “industriosos” e “racionais” tinham feito no estado natural original[...]. Se o mundo – ou parte dele – tinha sido retirado desse estado natural por ordem de Deus, por certo tudo o que permanecia nesse estado primitivo deveria seguir o mesmo caminho (WOOD, 2001, p. 97).

Sob a justificativa, portanto, de uma vontade divina e da construção de uma riqueza que “beneficiaria” toda a comunidade, direitos fundamentais foram sobrepostos por interesses particulares.

A produção passou a se desenvolver a partir das seguintes categorias sociais: dos trabalhadores (assalariados), dos proprietários (renda) e dos capitalistas (lucro). Tem-se então a passagem de um estado primitivo de produção para um estado conformado na acumulação capitalista. Se naquele todo o produto do trabalho pertence ao trabalhador, neste a divisão do trabalho faz com que apenas uma parte dos bens sejam conquistados com o próprio esforço, já

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que “a maior parte é conseguida mediante o trabalho de outras pessoas”, logo, “um indivíduo será rico ou pobre de acordo com a quantidade de trabalho alheio de que possa dispor ou que se ache em condições de adquirir” (Ibid. p. 58). Com a propriedade privada da terra esse contexto se agrava ainda mais (Ibidem). Não se levou em consideração que permitir “que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade” (POLANYI, 2000, p. 94).

Mas, como o direito à propriedade exclusiva contribuiu para o avanço do capitalismo? Uma vez que a sociedade se viu livre das restrições que o sistema feudal impunha buscou-se construir seus próprios caminhos, a partir, por exemplo, da aquisição de propriedades e inserção no comércio – ou seja, eram livres para utilizarem suas propriedades como quisessem, até mesmo coibir o uso comunal com outras pessoas.

Por outro lado, como o homem é considerado um ser livre, e possui em si mesmo uma propriedade, pode agora vender sua força de trabalho “para quem e quando quiser” – ou seja, um outro tipo de liberdade. A combinação desses elementos foi decisiva para o avanço do sistema, principalmente por ter contribuído para formação da massa proletária.

O que precisa ser problematizado aqui são as condições em que tal processo se dará, principalmente as consequências para aqueles que não conseguiram se tornar proprietários de terra. É preciso problematizar, por exemplo, que os indivíduos agora passariam a ser reconhecidos como iguais perante a lei, mas não possuiriam iguais condições de sobrevivência. Mello (2011) esclarece que, na visão de Locke, no princípio o tamanho da propriedade era estipulado de acordo com a capacidade de trabalho que o proprietário dispunha. Entretanto,

o aparecimento do dinheiro alterou essa situação, possibilitando a troca de coisas úteis, mas perecíveis, por algo duradouro (ouro e prata), convencionalmente aceito pelos homens. Com o dinheiro surgiu o comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade, que, além do trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda levou, finalmente, à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos bens entre os homens. Esse foi, para Locke, o processo que determinou a passagem da propriedade limitada, baseada no trabalho, à propriedade ilimitada, fundada na acumulação possibilitada pelo advento do dinheiro (Ibid. 68).

Já se evidencia aqui, portanto, o nascimento do processo de acumulação primitiva. A crença era de que as desigualdades seriam resolvidas pelas buscas individuais pelos próprios

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desejos, uma vez que o conjunto destas levaria ao progresso econômico. Portanto, seria pela produção de riqueza que o problema da justiça social se resolveria.

Entretanto, quanto à suposta riqueza que seria produzida, cumpriu apenas o papel de aumentar a “fartura no bolso” da classe dominante, ao passo que construía uma massa populacional miserável. Instaurava-se, assim, um capitalismo agrário cujas leis de movimento foram “precondições – que não existiram em nenhum outro lugar – do desenvolvimento de um capitalismo maduro, que de fato se basearia na exploração em massa do trabalho assalariado” (WOOD, 2001, p. 103).

A proletarização, que representou a transformação completa da força de trabalho em mercadoria, viria a conferir poderes coercitivos novos e mais extensos ao mercado, criando uma base trabalhadora completamente dependente dele e completamente vulnerável à disciplina do mercado, sem nenhuma mediação e sem recursos alternativos. [...] o mercado em si veio a se transformar, cada vez mais, num grande eixo da divisão de classes entre exploradores e explorados, entre compradores e vendedores de capacidade de trabalho. (Ibid. p. 112)

A força do desenvolvimento capitalista não estava, portanto, na atividade comercial ora existente. As novas leis de movimento que surgem no campo inglês é que modificaram as regras do comércio até então existentes, constituindo um novo modelo mercantil – a produção, por exemplo, passou de produtos para uso pessoal no cotidiano, para um mercado maciço, cuja base não se sustentava no lucro, mas na competitividade (Ibid.). Uma população que antes produzia os próprios alimentos agora se encontra desapropriada dos meios de produção, o que leva ao inevitável crescimento do mercado para atender a essa nova necessidade (Ibid.).

Sem um setor agrícola produtivo, capaz de sustentar uma grande força de trabalho não-agrícola, seria improvável que o primeiro capitalismo industrial do mundo viesse a emergir. Sem o capitalismo agrário da Inglaterra, não haveria massas de despossuídos, obrigados a vender sua força de trabalho por um salário. Sem essa força de trabalho não-agrária de despossuídos, não haveria um mercado de consumo de massa para os bens cotidianos baratos – como alimentos e produtos têxteis – que impulsionaram o processo de industrialização da Inglaterra (Ibid. p. 109-110).

É importante salientar o papel da força de trabalho despossuída no desenvolvimento do capitalismo industrial. Foi por meio, portanto, do contexto de dependência do mercado que os antigos trabalhadores do campo passaram a vivenciar, que criaram-se as condições necessárias para o avanço do capital. Com a separação do produtor de seus meios de produção

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