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Uma parte no latifúndio branco

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA RAPHAEL ANTUNES FARACO

UMA PARTE NO LATIFÚNDIO BRANCO: ABORDAGEM CRÍTICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC

Palhoça 2009

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RAPHAEL ANTUNES FARACO

UMA PARTE NO LATIFÚNDIO BRANCO: ABORDAGEM CRÍTICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Campus Grande Florianópolis, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Manoel Elíbio Júnior

Palhoça 2009

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RAPHAEL ANTUNES FARACO

UMA PARTE NO LATIFÚNDIO BRANCO: ABORDAGEM CRÍTICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC

Esta monografia apresentada ao Curso de Jornalismo da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Campus Grande Florianópolis, foi julgada adequada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.

Palhoça, 18 de novembro de 2009.

_______________________________________ Orientador: Prof. Dr. Antônio Manoel Elíbio Júnior

Universidade do Sul de Santa Catarina _______________________________________

Professor Examinador:

Universidade do Sul de Santa Catarina _______________________________________

Professor Examinador: Universidade do Sul de Santa Catarina

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida, saúde e pelas oportunidades de crescimento.

Agradeço sempre, e nunca em excesso, à minha família, em especial à minha mãe, Simone, e ao meu pai, Daniel, pela educação, apoio e amor incondicional.

À minha irmã, Francine, amiga e conselheira. Presente em todas as horas.

Aos meus avós, Tomazia e Antônio Antunes (in memoriam), que com muito amor e carinho não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa da minha vida.

À Adriana, colega de universidade, pelo companheirismo, amizade e apoio durante todo o curso.

Aos professores, pelos conhecimentos transmitidos e pela compreensão ao longo de todos esses anos de aprendizado.

E especialmente ao meu orientador, professor Dr. Antônio Manoel Elíbio Júnior, pela paciência, pela confiança depositada e pelas contribuições para o enriquecimento deste trabalho.

(5)

“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”.

(Anísio Teixeira)

“A primeira essência do jornalismo é saber o que se quer saber, a segunda é descobrir quem o vai dizer”.

(6)

RESUMO

Trata-se de pesquisa monográfica realizada sobre o discurso jornalístico e a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC com o objetivo geral de realizar uma abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, no período entre 2006 a 2008, através do estudo de algumas reportagens que analisaram o tema na época. Os objetivos específicos consistem no estudo dos aspectos gerais do discurso jornalístico; na análise do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e, por fim, na realização de uma abordagem crítica do discurso jornalístico sobre o tema. As políticas afirmativas de caráter compensatório ou de reparação é um tema bastante polêmico que divide opiniões. Segundo a corrente de oposição às cotas, a medida é inadequada ao passo que fomenta a divisão da população em raças. De outro lado, encontra-se a corrente favorável que sustenta ser a política de cotas uma medida emergencial e necessária para o ingresso dos negros no ensino superior brasileiro público e de qualidade. Na análise dos textos verificou-se a parcialidade e o poder de persuasão do discurso jornalístico, considerando a presença de elementos caracterizadores de opiniões, com clara intenção de influenciar o leitor a posicionar-se contra a política de cotas da UFSC.

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ABSTRACT

This is a monographic study done on media discourse and the implementation of the quota system at the Federal University of Santa Catarina - UFSC with the overall objective to achieve a critical approach to the media discourse on the implementation of the quota system at the Federal University of Santa Catarina - UFSC, in the period from 2006 to 2008, through the study of some reports that analyzed the subject at the time. The specific objectives are to study the general aspects of journalistic discourse in the analysis of the quota system at the Federal University of Santa Catarina - UFSC, and ultimately, the attainment of a critical approach to the media discourse on the subject. Affirmative policies of a compensatory nature or repair is a very controversial issue that divides opinions. According to the current opposition to quotas, the measure is inadequate while fostering division of population into races. On the other hand, is the current favorable claims to be the policy of quotas and an emergency measure necessary for the entry of blacks in Brazilian public higher education and quality. In the analysis of texts there was a bias and persuasive power of journalistic discourse, considering the presence of characteristic elements of opinions, with a clear intention of influencing the reader to stand against the policy of quotas UFSC.

(8)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 8

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO JORNALÍSTICO ... 10

2.1 O DISCURSO JORNALÍSTICO ... 10

2.2 A ANÁLISE DO DISCURSO JORNALÍSTICO ... 16

3 O SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC ... 24

3.1 O SURGIMENTO DO SISTEMA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS ... 24

3.2 A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC: PRINCIPAIS ASPECTOS ... 31

3.2.1 Principais acontecimentos após a implantação do sistema de cotas na UFSC ... 35

4 ABORDAGEM CRÍTICA DO DISCURSO JORNALÍSTICO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC ... 40

4.1 ANÁLISE CRÍTICA DOS TEXTOS INFORMATIVOS ... 40

4.2 ANÁLISE CRÍTICA DA DIVULGAÇÃO DA OPINIÃO DOS LEITORES ... 50

5 CONCLUSÃO ... 55

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1 INTRODUÇÃO

Apesar de seguir uma tendência nacional, a implantação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC provocou muita polêmica e desdobramentos, principalmente a partir da realização do vestibular de 2008, momento em que, de fato, as cotas passaram a valer.

A política de ações afirmativas é um tema bastante controverso que divide opiniões. De um lado encontra-se a corrente contrária às cotas, afirmando que a medida fomenta a divisão da população em raças. De outro, verifica-se a vertente favorável que sustenta tratar-se de uma medida emergencial e necessária para o ingresso dos negros no ensino superior brasileiro público e de qualidade. Além disso, destaca-se o caráter reparatório do sistema aos descendentes afro-catarinenses.

É nesse contexto que se insere o tema escolhido para a realização deste trabalho monográfico, qual seja: abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

O problema da pesquisa consiste no seguinte questionamento: qual a tendência do discurso jornalístico catarinense na divulgação da implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, no período entre 2006 a 2008?

Além disso, destaca-se que a ampla cobertura que os meios de comunicação proporcionaram ao debate das cotas na UFSC justifica a escolha do tema para a realização deste trabalho de conclusão de curso, assim como a relevância do assunto para a sociedade.

O objetivo geral consiste em abordar, criticamente, o discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Já os objetivos específicos são os seguintes: a) Estudar os aspectos gerais do discurso jornalístico e de sua análise crítica; b) Analisar o sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; e c) Realizar uma abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, no período entre 2006

(10)

a 2008, através da seleção e análise de algumas reportagens divulgadas na imprensa escrita sobre o tema nesse período.

Quanto aos procedimentos metodológicos, salienta-se que o método de abordagem escolhido para desenvolvimento do trabalho consiste no método dedutivo, método que parte de teorias e leis gerais para a análise de fenômenos particulares. Por essa razão, inicia-se o trabalho com as linhas gerais do discurso jornalístico para, depois, analisar a abordagem jornalística do sistema de cotas na UFSC.

O método de procedimento, por sua vez, é o monográfico, consistente no estudo sobre um único tema com o fim de identificar o assunto estudado em seus diferentes ângulos e aspectos.

Quanto ao tipo de pesquisa, utiliza-se a modalidade exploratória, envolvendo, para isso, levantamento bibliográfico. Nesse passo, ressalta-se que a pesquisa bibliográfica é fonte secundária, ou seja, desenvolvida com base em material já elaborado, tais como livros e artigos científicos.

Entretanto, a principal fonte de pesquisa consiste na análise de uma “clipagem” que reúne as notícias veiculadas sobre a UFSC no período que compreende os anos de 2006 a 2008.

Registra-se, ainda, que o presente trabalho encontra-se estruturado em cinco capítulos, a saber:

O primeiro capítulo, a presente introdução, destina-se a apresentação do tema e dos principais aspectos da pesquisa.

No segundo capítulo estudam-se os principais aspectos da análise do discurso jornalístico;

O capítulo três, por sua vez, dedica-se a verificação do surgimento do sistema de cotas nas universidades públicas brasileiras e da implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

O quarto capítulo é o momento destinado à análise do tema principal da pesquisa, ou seja, para realização da abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Já o quinto e último capítulo é a conclusão, oportunidade reservada para os comentários finais do trabalho.

(11)

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DO DISCURSO JORNALÍSTICO

Mostra-se indiscutível a importância da informação e o papel dos meios de comunicação na sociedade atual.

Desta feita, antes de analisar o tema principal deste trabalho de conclusão de curso, qual seja: “Abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC”, julga-se relevante estudar, inicialmente, as linhas gerais da análise do discurso jornalístico.

2.1 O DISCURSO JORNALÍSTICO

O jornalismo, segundo José Manuel Tengarrinha, veio ao mundo em face da conjugação de três fatores importantes: o progresso da tipografia; o aperfeiçoamento das condições de comunicação e o interesse das pessoas pela notícia.1

A informação pode ser conceituada “[...] como um dado qualquer, passível de existência em qualquer nível, desde o celular até o essencialmente metafísico”. A informação jornalística, por sua vez, “[...] é o dado, o fato, a declaração, o fenômeno apreendido em sua singularidade”.2

Nesse contexto, que envolve informação e jornalismo, “o excesso hodierno de informações e de suas possíveis significações”, de acordo com Jean Baudrillard, “[...] pode provocar no homem uma sensação de pura insignificância, diante de todos os sentidos que circulam por todos os lados, apagando ainda mais os rastros dos acontecimentos”.3

Sobre o tema, anota-se:

1

TENGARRINHA, José Manuel. História da imprensa periódica portuguesa. 2. ed. rev. aum. Lisboa: Caminho, 1989.

2

MACHADO, Marcia Benetti; JACKS, Nilda. O discurso jornalístico. Disponível em: <www.ufrgs.br>. Acesso em: 10 ago. 2009.

3

(12)

O discurso jornalístico talvez possa ser considerado como exemplo maior de todo esse palavrório às vezes tomado como infrutífero ou provocador de sensações confusas no homem, para pensadores como Jean Baudrillard. Isso porque, contemporaneamente, com a segmentação de públicos dos jornais impressos, grande parte da população tem acesso a diferentes títulos a diversos preços.4

Nas palavras de Bourdieu, “o jornalista exerce uma forma de dominação, conjuntural não estrutural, sobre um espaço de jogo que ele construiu, e no qual ele se acha colocado em situação de árbitro”.5

Nesse sentido, declara Foucault que não existe apenas um único poder na sociedade, mas diversos micro-poderes que, por meio dos discursos, circulam internalizados pelos sujeitos, no que se denomina “microfísica do poder”. Esta, por seu turno, encontra-se subdivida em diferentes instituições ideológicas, a exemplo da família, da igreja, da escola, dos partidos políticos e dos jornais.6

Sobre a influência exercida pelos meios de comunicação, registra-se a opinião de Thereza Christina Jardim Frazão:

Entendemos que os meios de comunicação coletiva, através dos quais as mensagens jornalísticas penetram na sociedade, bem como os demais meios de reprodução simbólica, são ‘aparatos ideológicos’, funcionando, se não monoliticamente atrelados ao Estado, como dá a entender Althusser, pelo menos atuando como uma ‘indústria de consciência’, de acordo com a perspectiva que lhes atribui Enzensberger, influenciando pessoas, comovendo grupos, mobilizando comunidades, dentro das contradições que marcam as sociedades. São, portanto, veículos que se movem na direção que lhes é dada pelas forças sociais que os controlam e que também refletem às contradições inerentes às estruturas societárias em que existem.7

Entretanto, salienta-se que “[...] a vantagem da cultura mediática sobre os outros aparelhos ideológicos está, precisamente, no fato de que seus dispositivos de sujeição são muito menos coercitivos”. Na cultura mediática, “não circula um poder que ‘vigia e castiga’, mas um poder que seduz”.8

4

MARCEL, Phellipe. As ambigüidades no discurso jornalístico popular: o domínio do insólito. Disponível em: <http://www.pgletras.uerj.br/palimpsesto/num7/estudos/Artigo_PhellipeMarcel.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2009.

5

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. trad. F. Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. p. 55.

6

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 10.ed. São Paulo: Loyola. 2004.

7

FRAZÃO, Thereza Christina Jardim. Análise Crítica do discurso jornalístico sobre a implantação do sistema de cotas em universidades públicas brasileiras. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem)- Universidade Católica de Pernambuco, UNICAP, Recife, 2007. p. 51-52.

8

RESENDE, Fernando. O discurso jornalístico contemporâneo: entre o velamento e a produção das diferenças. Revista Galáxia, São Paulo, n. 14, p. 81-93, dez. 2007, p. 89-90.

(13)

Marcia Benetti Machado e Nilda Jacks, ao discorrerem sobre o discurso jornalístico, afirmam que já se encontra encerrada a discussão acerca do jornalismo constituir um “espelho do real”. Segundo as autoras, “essa é uma visão que não encontra nenhuma sustentação teórica. No entanto, fazer com que o leitor creia nesta ilusão continua sendo vital para o jornalismo”. E continuam:

Como já observamos, o jornalismo não pode construir outra imagem a respeito de si mesmo que não aquela de ser uma instituição capaz de um relato fiel dos fatos e dos pensamentos. É por meio do jornalismo que o leitor espera ler o mundo. Podemos pensar que nossa relação, enquanto jornalistas, com nossos leitores, é paradoxal ou hipócrita, dependendo do termo que se prefira usar. Sabemos que o jornalismo é uma narração do real mediada por sujeitos (no exercício de suas subjetividades) e que as escolhas se dão da pauta à edição, passando pela apuração, pela seleção das fontes e pela hierarquização das informações. Tendo consciência desse processo ou não, o leitor ainda assim busca no jornalismo uma porta para o real.9

A notícia não se resume a uma simples escrita, configura também um discurso público.10 Ademais, não existe jornalismo sem o denominado “exterior”, ou seja, “os fatos, as relações de poder, os contextos sociais, as decisões políticas, os interesses econômicos, as crenças religiosas, as concepções estéticas”, etc. Todos esses fatores, que costumam ser deixados de “fora” do discurso por uma questão de recorte, na verdade o constitui.11

Nesse viés, sobre o discurso jornalístico, registra-se:

Em seu funcionamento, o discurso jornalístico insere o inesperado (aquilo para o que ainda não há memória) ou possível/ previsível (ou seja, fatos para os quais se pode dizer algo porque guardam semelhanças com eventos ocorridos anteriormente) em uma ordem, ou seja, organizando filiações de sentidos possíveis para o acontecimento [...]. Para tanto, os jornais nomeiam, produzem explicações, enfim ‘digerem’ para os leitores aquilo sobre o que se fala. Esse processo de encadeamento cria a ilusão de uma relação significativa entre causas e conseqüências para os fatos ocorridos. Encontra-se nesse funcionamento jornalístico um dos aspectos de convencimento que envolve os leitores.12

Logo, denota-se que o discurso apresenta-se como o resultado de tudo que, equivocadamente, lhe parece externo. Realizando “[...] um movimento 9 MACHADO, 2009. 10 FRAZÃO, 2007, p. 47. 11

MACHADO, loc. cit.

12

MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa. Campinas: Editora da Unicamp e Editora Revan, 1998. p. 63.

(14)

complexo, o jornalismo mostra e esconde o que convém a seus enunciadores por meio de estratégias discursivas. Cabe, então, à teoria do jornalismo construir um quadro reflexivo que permita evidenciar este movimento”.13

Para Marcia Benetti Machado e Nilda Jacks, “o discurso materializa pensamentos e sentimentos. O discurso é, como já dissemos, efeito de sentido, e não apenas produtor de sentido”.14

Essa noção acaba definindo o discurso como “[...] um modo de ação, uma forma com a qual as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros”. Por conseguinte,

Diferentemente da relação interpessoal, que enseja o intercâmbio pretensamente igualitário entre os envolvidos, o noticiário da imprensa propicia o predomínio do falante e a amplitude da sua enunciação se agiganta porque não se restringe a enviar uma mensagem a um determinado sujeito, mas visa alcançar a massa que é desmesurada e indistinta, mesmo que se considera a possibilidade de fragmentá-la através do recurso da segmentação. Acrescenta-se a legitimidade que perpassa a sua linguagem por estar vinculada ao poder, consubstanciada na sua utilização que serviria ora para combatê-lo, ora para confirmá-lo através, muitas vezes, do estabelecimento de parceria que se mostra benéfica aos responsáveis pelos dispositivos do poder, conforme a classificação de Michael Foucault.15

Verifica-se, portanto, que “é por meio do discurso, seja ele político, religioso, artístico, filosófico ou jornalístico, que as idéias hegemônicas ou predominantes de uma época ou de um grupo [...] são cristalizadas”.16

Lucília Maria Sousa Romão e Leda Verdiani Tfouni afirmam que, com o intuito de explicar o mundo, “o discurso jornalístico engorda suas estratégias para fazer a informação parecer segura, confiável e fiel à realidade, como se esse fosse o único modo de dizer”. Registram os autores, ainda, que:

Lançando mão de tabelas, gráficos, mapas, estatísticas, quadros explicativos, pesquisas inéditas, fotografia e fotomontagens, a tônica do discurso jornalístico é generalizar e fixar um dizer como irrefutável. Esta manobra torna-se ainda mais poderosa quando textos, reportagens e matérias aparecem sem autor explícito. Tal ausência de um nome, de um responsável pelo dito, tem impacto na relação imaginária com o leitor, que passa a acreditar (daí advindo a credibilidade) que não se trata ali de uma mera opinião pessoal, partícula de um mundinho reduzido e digno de apenas uma voz, mas sim de um julgamento universal, compartilhado por

13

MACHADO, 2009.

14

MACHADO, loc. cit.

15

FRAZÃO, 2007, p. 26-27.

16

(15)

todos. Assim, o efeito de sentido do discurso jornalístico aproxima-o de uma Lei. E Lei não comporta opinião, interpretação nem crítica; deve ser aceita e maximizada na sua impessoalidade.17

Sob essa perspectiva, pode-se caracterizar o discurso jornalístico como “opaco, não-transparente, pleno de possibilidades de interpretação”.18 Por conseqüência, diz-se que o “sujeito não é livre, ele é falado, isto é, dependente, dominado”.19

Na ótica do discurso, Bakhtin declara que “nenhum membro da comunidade verbal consegue encontrar palavras da sua língua que sejam neutras, isentas das aspirações e das avaliações dos outros, inabitadas pela voz de outrem”.20

A informação jornalística, desta maneira, na condição de indicativo científico, apresenta aspectos políticos e estéticos, assim como todo imperativo político possui aspectos científicos e estéticos e todo gesto optativo (obra de arte) tem aspectos científicos e políticos.21

Bakhtin apresenta a seguinte explicação sobre o requisito “objetividade” no discurso jornalístico:

Mesmo o chamado estilo objectivo ou neutral de exposição de um tema, aparentemente livre de qualquer outra consideração, envolve uma certa concepção daquela a quem se dirige. Este estilo objectivamente neutral escolhe as suas palavras não apenas na perspectiva da sua adequação ao tema tratado mas também na perspectiva presumida do quadro de conhecimento daquele a quem dirige.22

A objetividade, ou o seu antônimo, a parcialidade, “são conceitos que a maioria dos cidadãos associa ao papel do jornalismo e que são consagrados nas leis que estabelecem as balizas do comportamento dos órgãos de comunicação social, em particular do setor público”.23

17

ROMÃO, Lucília Maria Sousa; TFOUNI, Leda Verdiani. Vejam, caros amigos: o litígio no discurso jornalístico. Disponível em: <http://www.achegas.net/numero/dois/lucilia_e_leda.htm>. Acesso em: 10 ago. 2009.

18

BENETTI, Márcia. Análise do discurso em Jornalismo: estudos de vozes e sentidos. In: LAGO, C.; BENETTI, M. (Org.). Metodologia de pesquisa em Jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 108.

19

ROMÃO, loc. cit.

20

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso [1952-1953]. In: Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 32.

21

FLUSSER, Vilém. A filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

22

BAKHTIN, loc. cit.

23

(16)

Entretanto, percebe-se que a imparcialidade não é ilimitada. Thereza Christina Jardim Frazão afirma que “uma parte jamais verá, será ou compreenderá inteiramente o todo a que pertence”. Assim, “um ser dotado de sentidos que traduzisse fielmente a real magnitude e proporção das coisas perderia o senso de orientação e desapareceria na sua insignificância”.24

Segundo Foucault, a produção do discurso, em toda sociedade, “[...] é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua temível e pesada materialidade”.25

Lucília Maria Sousa Romão e Leda Verdiani Tfouni, nesse sentido, declaram que “o discurso jornalístico sentencia a solução para o caso. Longe de avaliar os fatos de modo imparcial, o que se concretiza discursivamente aqui é que a única medida (único sentido adequado) é a condenação da liderança”.26

Desta maneira, conclui-se que não há que se realizar uma análise inocente dos enunciados jornalísticos, imbuídos da noção de objetividade e de imparcialidade, isso porque, “há sempre influências sócio-históricas, culturais, ideológicas que determinam o efeito de sentidos dos discursos”. 27

Como exemplo das idéias acima apresentadas, transcreve-se a análise realizada por Fernando Resende, no artigo intitulado “O discurso jornalístico contemporâneo: entre o velamento e a produção das diferenças”, acerca das notícias divulgadas na oportunidade de invasão dos Estados Unidos no Iraque, em 2003:

A título de exemplo, lembremo-nos da seguinte situação: à época da invasão sofrida pelo Iraque, em 2003, vários jornais — impressos, televisivos e outros — noticiavam o acontecimento ora sob a perspectiva dos invasores ora, diziam os objetos da mídia, sob a perspectiva dos invadidos. Os embedded journalists, acoplados aos tanques de guerra para que pudessem narrar o fato com maior fidelidade, acabaram por revelar quão frágeis são os discursos que sobrevivem de informações indicativas, estes que se apóiam na vontade de verdade como seu condicionante primeiro. Um olhar mais atento aos relatos da CNN — empresa de mídia estadunidense que, na época, vendia e propagava para o mundo as notícias oficiais sobre o que chamavam de “guerra contra o mal” — faz-nos perceber que os dizeres eram, com exclusividade, aquilo que o país invasor nos queria fazer crer. A entrada em cena da Al Jazeera — rede televisiva de origem árabe que se dizia mais apta a contemplar e relatar os fatos sob a

24 FRAZÃO, 2007, p. 26. 25 FOUCAULT, 2004, p. 9. 26 ROMÃO, 2009. 27 MARCEL, 2009.

(17)

perspectiva dos invadidos —, indubitavelmente um marco no cenário da mídia contemporânea, polarizou os discursos: se a guerra era contra o mal, o mal agora se dispunha a falar.28

Na forma como lembra o autor, essa situação “faz-nos defrontar com o fato de que cada discurso, a seu modo, em concomitância, quer se apresentar mais verdadeiro que o outro”.29 Nesse contexto, Foucault registra que o discurso verdadeiro:

[...] não pode reconhecer a vontade de verdade, essa que se impõe a nós há bastante tempo, é tal que a verdade que ela quer não pode deixar de mascará-la.

Assim, só aparece aos nossos olhos uma verdade [...] insidiosamente universal. E ignoramos, em contrapartida, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que [...] em nossa história, procuraram contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade.30

Voltando ao exemplo, Fernando Resende questiona quem ou qual relato de que lugar está dizendo a verdade, isso porque “[...] se um desses lugares tão insistentemente se propõe a falar do lado do bem, o suposto representante do mal faz o mesmo, dizendo ‘o mal não está aqui’”.31

Desta feita, através do caso concreto mencionado, denota-se que permanecem as pessoas em meio a um fogo cruzado travado pelos discursos jornalísticos, considerando a apresentação de versões, muitas vezes totalmente contraditórias, acerca da verdade dos fatos.

2.2 A ANÁLISE DO DISCURSO JORNALÍSTICO

Nas ciências classificadas como sociais e humanas, em especial nas ciências da comunicação, sublinha-se que “o olhar do pesquisador sobre a realidade

28 RESENDE, 2007, p. 83-84. 29 Ibid., p. 84. 30 FOUCAULT, 2004, p. 20. 31

(18)

deve incidir não apenas no fenômeno que procura estudar mas também no seu contexto”.32

Por essa razão, afirma-se que a análise do discurso, “embora incida sobre o objeto delimitado pelas hipóteses e perguntas de investigação (texto), deve atender ao contexto do fenômeno estudado e às circunstâncias em que este ocorre”.33

A análise crítica do discurso, de acordo com os autores especializados, inspira-se nas idéias de Foucault, assim como segue:

A teoria crítica do discurso – TCD, que fundamenta o exercício da análise crítica do discurso – ACD, surgiu sob inspiração de Foucault na década de 80 com a proposta de promover o debate a linguagem textualmente orientada e, nessa perspectiva, oferecer uma contribuição significativa para a compreensão dos processos sociais relacionados às transformações econômicas e culturais contemporâneas. 34

De acordo com Fernando Resende, a referência a Foucault mostra-se fundamental ao passo que se entende que o ato “de proferir um discurso implica o que esse autor chama de ‘vontade de verdade’”.35

Nesse sentido, anota-se a lição da Professora Cristina Ponte36

, exposta na obra “Para entender as notícias: linhas de análise do discurso jornalístico”:

A análise crítica do discurso associa a perspectiva sociológica e política sobre o jornalismo como discurso social e a atenção particular a linguagem e às suas escolhas de realização em actos de comunicação. Orientada explicitamente para a agenda sócio-política, para a preocupação em inventariar e apresentar criticamente de que formas os discursos sociais podem contribuir para a reprodução ou mudança de relações de poder, vem-se constituindo como uma área de estudo da linguagem e do discurso dos media. Foi mesmo o suporte da grande parte da sua investigação nos anos 80 e 90 no contexto anglo-saxônico, em particular britânico e australiano. Vários investigadores desta área foram já referidos: Teun Van Dijk, Roger Fowler, Norman Faiclough, Gunther Kress e Theo Van Leeuwen.37

32

SOUSA, Jorge Pedro. Introdução à análise do discurso jornalístico impresso: um guia para estudantes de graduação. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004. p. 11.

33

SOUSA, loc. cit.

34

FRAZÃO, 2007, p. 56.

35

RESENDE, 2007, p. 82

36

Obra em português lusitano.

37

PONTE, Cristina. Para entender as notícias: linhas de análise do discurso jornalístico. Florianópolis: Editora Insular/PosJor - UFSC, 2000. p. 218.

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Busca-se desvendar, com uma análise do discurso, conforme consta no livro “Introdução à análise do discurso jornalístico impresso: um guia para estudantes de graduação”, “[...] a substância de um discurso entre o mar de palavras que normalmente um enunciado possui e fazer ilações entre essas substâncias e o contexto em que o discurso foi produzido”.38

Em que pese alguns autores realizarem uma sutil diferenciação entre análise quantitativa e qualitativa, registra-se que a análise do discurso também é chamada de análise de conteúdo. Para Jorge Pedro Souza, “[...] esta distinção é inútil, pois uma análise do discurso pode ser, e em alguns casos deve ser, simultaneamente quantitativa e qualitativa”.39

Sobre a análise do discurso, Marcia Benetti Machado e Nilda Jacks descrevem que:

O texto jornalístico, verbal ou não, possui uma materialidade discursiva, manifesta nos sentidos que faz circular. Analisar estes sentidos, por meio daquilo que é mais superficial ou “material”, significa reconhecer as marcas que regem a construção do texto e guiam a interpretação, identificando e circunscrevendo as formações discursivas. Significa ainda mapear as diversas vozes presentes no discurso − mas, também, as vozes que nele não têm lugar.40

Diante disso, percebe-se que a análise do discurso, de certa maneira, “[...] joga luz sobre esse falso dilema e resolve teoricamente a questão da subjetividade”.41

A análise do discurso é um dos procedimentos científicos mais empregados em ciência da comunicação. Esse método, é muito usado “[...], por exemplo, para analisar os conteúdos de jornais e revistas, inclusivamente porque permite a obtenção de dados quantitativos que emprestam rigor à pesquisa”.42

É importante frisar, na forma como já estudado no tópico anterior desta pesquisa, que o mundo não é construído baseado apenas na consciência dos indivíduos, isso porque, em grande parte das situações, as pessoas são reféns do seu próprio inconsciente, dos seus “[...] desejos, preconceitos e sentimentos muitas

38

SOUSA, 2004, p. 48.

39

SOUSA, loc. cit.

40

MACHADO, 2009.

41

MACHADO, loc. cit.

42

(20)

vezes inconfessáveis, de marcas aparentemente legadas ao esquecimento. É essa noção de subjetividade que a Análise do Discurso vem resgatar”.43

Ao analisar essa questão, Michel Foucault apresenta o conceito de dispersão nos seguintes termos:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva [...]. Chamaremos de regras de formação as condições a que estão submetidos os elementos dessa repartição (objetos, modalidades de enunciação, escolhas temáticas).44

Aquele que enuncia um discurso, segundo Jorge Pedro Souza, tem objetivos determinados. Por isso, nas notícias, é preciso separar os objetivos das fontes citadas e os objetivos do jornalista. Ainda, conforme as palavras desse mesmo autor:

O objetivo do jornalista deve ser informar; mas os objetivos das fontes podem ser tão vastos como informar, acusar, questionar, testemunhar, prometer, aconselhar, desculpar, pedir desculpa, estabelecer consensos, etc. algumas notícias de fait-divers, visam ainda o entretenimento. Mas textos jornalísticos argumentativos, o objetivo do discurso é, habitualmente, claro: sustentar uma tese, questionar, polemizar, acusar, problematizar, etc.45

Desta maneira, o responsável pela análise do discurso jornalístico, partindo da materialidade do discurso, deve identificar “[...] as formações discursivas, mapeando em seguida as suas respectivas formações ideológicas para então, a partir destas, chegar aos enunciadores − aqueles que realmente definem o discurso”. É através desse movimento, baseado em pesquisa de profundidade e com máxima organização “[...] em torno de elementos que o próprio texto mostra, que a Análise do Discurso pode mostrar o que no jornalismo habitualmente permanece oculto: quem fala e a partir de que posição ideológica”.46

Jorge Pedro Souza ressalta que, rotineiramente, jornais e revistas introduzem textos argumentativos. Ademais, encontram-se também “[...] passagens

43

MACHADO, 2009.

44

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 43-44.

45

SOUSA, 2004, p. 64-65.

46

(21)

de natureza persuasiva (ou perlocutória) em matérias predominantemente informativas”. Com isso, para demonstrar essa situação, os autores citam Van Dijk que, por sua vez, chama a atenção para vários procedimentos que facultam a persuasão:

1) Uso de cifras e de outras referências que possam sustentar os argumentos e tornar verídicos os relatos;

2) Menção das causas dos acontecimentos (que podem ser outros acontecimentos);

3) Integração dos diferentes fatos e acontecimentos num encadeamento de causas e conseqüências e em estruturas narrativas conhecidas;

4) Inserção dos novos acontecimentos em modelos e enquadramentos familiares aos leitores;

5) Uso de argumentos e conceitos conhecidos;

6) Construção dos textos de maneira a se obterem emoções fortes do receptor;

7) Elaboração dos textos de forma a que o leitor se convença da superioridade de determinados argumentos, referenciando, mas menorizando, argumentos contrários;

8) Citação de especialistas e outras fontes credíveis que ajudem a sustentar os argumentos;

9) Referência a hipotéticas conseqüências da aplicação de determinadas idéias, evidenciando as vantagens da aplicação de umas e as desvantagens da aplicação de outras.47

Importante ponderar que a teoria da análise crítica do discurso é algo bastante complexo e que envolve inúmeros pressupostos além daqueles que estão sendo apresentados nessa pesquisa. Todavia, trata-se de uma técnica que

Pode ser utilizada para avaliar toda espécie de discurso, para criar e recriar categorias e tipologias, para revelar sentidos aparentemente ausentes dos textos, para aprofundar concepções políticas, para trazer à tona os interesses que movem a construção de certos sentidos e o ocultamento de outros. Sendo o jornalismo sempre uma narrativa, a Análise de Discurso pode se consolidar como um caminho a ser percorrido na busca do entendimento das questões do campo jornalístico.48

Repisa-se que, sem dúvida, os discursos jornalísticos incidem sobre o real. Por conseguinte, “apresentam também determinados enquadramentos ou molduras para os temas, ou seja, determinadas organizações do discurso, capazes de direcionar a construção de significados”.49 Para melhor explicar esse fenômeno, registra-se a metáfora da janela apresentada por Tuchman:

47

VAN DIJK, 1990 apud SOUSA, 2004, p. 91.

48

MACHADO, 2009.

49

(22)

A melhor metáfora para a noção de enquadramento é a de janela. Tuchman explica que a janela dá-nos uma visão de mundo, mas que essa visão é condicionada pelo tamanho da janela, pela distância que estamos, pela opacidade ou transparência do vidro, pelo posicionamento do observador, etc. A enunciação jornalística dá-nos igualmente uma visão de determinados aspectos da realidade, mas essa visão é contaminada pelos constrangimentos da linguagem, da enunciação, do enunciador e do receptor, etc., à semelhança do que acontece quando observamos o exterior por uma janela.50

Nesse passo, sublinha-se que o estilo conversacional de alguns jornais contribui para a criação de uma ilusão de informalidade, familiaridade e aproximação afetiva. Assim, no contexto da imprensa escrita, a ilusão de oralidade, segundo Cristina Ponte, é sustentada no cruzamento de fatores de índole diversa:

1. Recursos tipográficos e ortográficos que quebrem a uniformidade monolítica e que surgiram variação de intensidade, de ênfase e de ritmo (aspecto particularmente trabalhado na imprensa popular);

2. Simplificação de palavras e ênfase nos contrastes gráficos com uma função de entoação;

3. Registro lexical informal ou coloquial, com expressões idiomáticas (neologismos, provérbios, trocadilhos) e processos de nomeação e de interpelação de proximidade (uso do primeiro nome, diminutivos ou alcunhas);

4. Marcadores deíticos de pessoa, tempo e lugar;

5. Modalizações significantes de apreciações sobre o correcto, o provável, o desejável, o obrigatório, em determinados registros textuais, e a sua ausência ou minimização noutros, visando uma imagem de objectividade; 6. Actos de fala como a construção de significados para além do que é dito.51

Na análise do discurso, constitui tarefa do pesquisador “[...] localizar, identificar, selecionar, recolher, descrever e analisar elementos de interesse para a sua pesquisa”. Nesse sentido, para avaliar a comunicação escrita em um jornal, por exemplo, o pesquisador deve, inicialmente, angariar e analisar uma amostra de textos. Em seguida, de acordo com o objeto e os objetivos da pesquisa, “[...] o analista pode preocupar-se em verificar se a linguagem é complexa ou simples, se as regras gramaticais são respeitadas, como os discursos indicam as intenções dos enunciadores, etc”.52

50

TUCHMAN, Gaye. A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de objetividade dos jornalistas. In: TRAQUINA, Nélson (org.). Jornalismo: questões, teorias e "estórias". Lisboa: Vega, 1993, p. 61-73.

51

PONTE, 2000, p. 224.

52

(23)

Assim, com o objetivo de orientar o estudo crítico do discurso jornalístico, Cristina Ponte apresenta um sistema, em oito passos, de análise da produção discursiva:

1. Análise focalizada sobre os modos como mudanças mais vastas na sociedade e na cultura se manifestam em mudanças de práticas discursivas dos medias;

2. Atenção à linguagem e “textura” dos textos mediáticos, associando lingüística e semiótica;

3. Combinação de análises textuais com observação de práticas de produção e consumo de textos;

4. Análise de textos e de práticas discursivas englobada numa análise social e cultural mais vasta das práticas dos media, incluindo relações de poder e ideologia;

5. Análise textual a nível lingüístico e intertextual em termos de géneros e de discurso;

6. Análise lingüística, multifuncional dos textos, apreciando como se orientam para a representação e a constituição de relações e identidades como processos simultâneos no texto;

7. Análise lingüística de textos a diferentes níveis: léxico, gramatical, macro-estrutura semântica;

8. Perspectiva dialéctica das relações entre textos e cultura/sociedade: textos simultaneamente produtos socioculturais e constituintes de uma sociedade e cultura, não só reprodutivos mas também transformativos.53

No mesmo sentido, como orientação para uma análise crítica das notícias, Fowler indica que se deve privilegiar os estudos das estruturas verbais e narrativas das notícias e das relações entre texto e imagem, em um processo interdisciplinar, assim como segue:

1. Estudo do discurso noticioso em termos de histórias ou de tópicos com existência para além dos diversos conteúdos e tratamentos que apresentam – ou seja, a averiguação de como são representadas questões sociais; olhando jornais a partir da definição prévia de linhas de interpretação dessas questões;

2. Análise global da página como unidade manejável de texto, vendo mais do que peças isoladas mas procurando temas e enquadramentos recorrentes e caracterizando o repertório da diversidade de experiências textuais apresentada aos leitores;

3. Atenção a uma dimensão diacrônica, cronológica e histórica indo além do recorte do dia ou da incidência num evento singular e claro, procurando dar conta de mudanças na representação e de paradigmas usados na interpretação de um evento;

4. Atenção a traços de variação estilística de diversos jornais, à variação e diversidade de gêneros em cada jornal, a manifestações de intertextualidades como as alusões a outras formas discursivas e estilísticas;

5. Estudo das relações dos jornalistas com as fontes de informação, dado o predomínio da origem externa dos textos.54

53

PONTE, 2000, p. 221-222.

54

(24)

Pelo exposto, denotam-se algumas orientações e pressupostos para a realização da análise crítica do discurso jornalístico. Tal estudo mostra-se bastante relevante ao passo que permite à sociedade abandonar a repetição e, com isso, romper e/ou transformar “[...] os já-ditos (e os sentidos) que circulam no tecido sócio-histórico-cultural”.55

Desta feita, embora pacificado o entendimento de que, no âmbito do discurso jornalístico, “a objetividade, ou de forma mais quimérica, a neutralidade, é impossível pelos limites do ser humano [...]”, é preciso ter em mente que:

O poder do discurso jornalístico está ancorado na utilização de expressões de cunho definitivo e pleno. O ser humano, no caso específico, o jornalista, não pode esquecer, ao materializar o seu discurso, quão facial é o apego à certeza aparentemente inquestionável, à imputação de credibilidade a fontes de informação, ao uso de mecanismos que pedem transformar mentiras, ou dúvidas, em verdades.56

Verifica-se que essa é uma preocupação que precisa ser disseminada, especialmente no Brasil, onde os meios de comunicação exercem significante influência nos contornos da opinião pública.

Assim, com base nessas premissas, passa-se, nos próximos capítulos desse trabalho, à análise da abordagem crítica do discurso jornalístico sobre a implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

55

PEREIRA, Ariane Carla. Livro-reportagem: o discurso jornalístico “contaminado” por ideologias. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 1195-1200. p. 1199.

56

(25)

3 O SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

Após a abordagem dos principais aspectos do discurso jornalístico, dedica-se o presente capítulo à análise do surgimento do sistema de cotas nas universidades públicas brasileiras, especialmente no âmbito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

3.1 O SURGIMENTO DO SISTEMA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS

Pautada em fatos históricos que marcaram época, a exemplo da escravidão, a discussão de temas como multiculturalismo, direitos culturais ou políticas afirmativas, nas últimas décadas, ganhou uma relevante projeção, tornando-se, em determinados países, inclusive no Brasil, um dos principais vértices do debate público.57

Recentemente, o sociólogo Demétrio Magnoli lançou um trabalho, com o título “Uma gota de sangue”, afirmando que “Raças não existem. O que existe é o mito da raça, uma invenção recente, nascida há 150 anos junto com a expansão das potências européias na África e na Ásia e usada para conquistar poder político e econômico”.58

De acordo com o sociólogo,

O conceito de raça foi desinventado no final da 2ª Guerra como reação ao nazismo, ao Holocausto, aos campos de extermínio. O mundo olhou para trás e disse: “Essa idéia de que a humanidade está dividida em raças produz sangue em grande escala, não aceitamos mais isso”. A raça então foi desconstruída, combatida nas grandes declarações sobre direitos humanos, algo a ser abolido das sociedades democráticas. Mas 20 ou 30

57

NEVES, Paulo S. C. Luta anti-racista: entre reconhecimento e redistribuição. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 20, n. 59, p. 81-96, 2005.

58

MAGNOLI, Demétrio. Uma gota de sangue: história do pensamento racial. São Paulo: Editora Contexto, 2009. p. 30.

(26)

anos depois ela foi reiventada pelo multiculturalismo e suas políticas descritas como ações afirmativas.59

Nesse contexto, calcadas em projetos multiculturalistas, sugiram as denominadas ações afirmativas. De acordo com Andreas Hofbauer, a idéia de ações afirmativas foi pensada, inicialmente, com o fim de consertar injustiças históricas e, com isso, garantir, a todos, acesso igualitário aos direitos civis.60

Essas políticas, conforme escreve Júlio Araújo, da Secretaria para a Igualdade Racial, “[...] buscam aliviar as condições resultantes de um passado discriminatório por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, buscando a promoção de igualdade através de políticas compensatórias para estes grupos”.61

Logo, percebe-se que o principal fundamento das ações afirmativas consiste na premissa de que “[...] as vítimas históricas da discriminação merecem algo mais que a mera igualdade formal de oportunidades para que as conseqüências da discriminação sofrida no passado possam ser revertidas no futuro”.62

Por conseguinte, verifica-se que tais medidas geram intensos debates, assim como segue:

A proposta de introduzir ações afirmativas como meio para contrabalançar os efeitos históricos de discriminações estruturais, não consegue, porém, gerar consenso nem mesmo entre estudiosos do assunto. Enquanto alguns entendem a introdução de ações afirmativas como uma espécie de precondição para a superação da discriminação racial – uma vez que, segundo esta interpretação, a discriminação positiva ajudará os historicamente desprivilegiados a criar e fortalecer uma identidade positiva , outros vêem em tais medidas um ataque perigoso contra a “maneira tradicional brasileira” de se relacionar com as diferenças humanas, e temem que por meio delas possam ser instigados conflitos raciais abertos.63

Entretanto, segundo Júlio Araújo, é preciso ter em mente que “os direitos civis e os direitos comunitários seguem lógicas diferentes e até certo ponto

59

MAGNOLI, 2009, p. 30.

60

HOFBAUER, Andreas. Ações afirmativas e o debate sobre racismo no Brasil. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, v. 68, p. 9-56, 2006.

61

ARAÚJO, Júlio. Secretaria para igualdade racial motiva debate sobre cotas. Disponível em: <http://lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0136.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009.

62

ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de; SIMON, Henrique Smidt. Sobre a política de cota de negros no sistema de acesso ao ensino superior. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 467, 17 out. 2004.

Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5810>. Acesso em: 21 set. 2009.

63

(27)

excludentes”. Para o autor, “enquanto os direitos civis excluem estrangeiros, direitos étnicos excluem aqueles considerados ‘não-étnicos’ ou ‘semi-étnicos’”.64

Comparando com os Estados Unidos, país que adotou as políticas afirmativas desde os anos de 1960, percebe-se que não “[...] há um consenso sobre seus efeitos sobre a promoção da igualdade social”. Nesse país, a discussão mostra-se marcada, “[....] por um lado, pelas críticas à naturalização das diferenças e ao conseqüente aumento das tensões raciais que essas políticas implicam, e, por outro, pela defesa das ações afirmativas como luta contra as desigualdades sociais”.65

No entanto, alguns estudiosos afirmam que, no que tange às ações afirmativas, não dá para comparar a realidade histórica e cultural dos Estados Unidos da América com a do Brasil. Sobre o tema, anota-se:

Com efeito, os negros brasileiros não se libertaram da escravidão em uma traumática guerra civil; não tivemos sistemas de segregação racial que vedasse, como nos Estados Unidos, o acesso de negros a certos espaços públicos pelo simples fato deles serem negros; Zumbi dos Palmares não é Martin Luther King Jr. Nenhum presidente brasileiro teve que interceder junto à polícia para evitar que brancos que se relacionassem sexualmente com negras sofressem punições físicas por questões morais, como Kennedy fez com relação ao FBI. Não tivemos a Ku Klux Klan. Aqui, não há uma discussão histórica sobre o problema do negro, como houve lá.66

Mariana Lima ressalta que, no Brasil, existe uma situação peculiar de convívio, considerando que se trata de um “[...] país constituído por uma população mestiça, cuja característica é precisamente essa mistura entre os povos, tanto nos níveis orgânicos (miscigenação), quanto nas formas culturais, artísticas e religiosas (sincretismo)”.67

Todavia, verifica-se que, apesar das críticas, o debate sobre a necessidade de implantação de ações afirmativas no Brasil vem, a cada dia, ganhando mais força e adeptos. É nesse contexto que se insere a discussão sobre a adoção de políticas de cotas raciais pelas universidades brasileiras.

64 HOFBAUER, 2006, p. 9-56. 65 NEVES, 2005, p. 81-96. 66 ALMEIDA, 2009. 67

LIMA, Mariana. Pela persistência da diferença: desvendando o discurso daqueles que querem nos transformar em uma nação monocromática . 2007. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social)- Universidade de Brasília, UNB, Brasília, 2007. p. 6.

(28)

As cotas são consideradas como um dos “tipos de ações afirmativas que mais causam polêmica na sociedade, pois obrigam instituições a reservarem determinada porcentagem de suas vagas a grupos desfavorecidos”.68

Contudo, de acordo com a reportagem do site “O Brasil negro”, “tanta incerteza [...] tem um ponto positivo: a reserva de vagas gera um debate importante sobre o racismo no Brasil, um país onde o preconceito existe, ainda que de forma velada”.69

A política de cotas no Brasil pode ser entendida como um “conjunto de dispositivos legais que pretendem garantir a grupos específicos, no caso os negros, determinados benefícios diferenciados”. Essa medida, segundo Rodrigues Júnior, parte do pressuposto que “a sociedade brasileira é tanto multicultural, como multiétnica e que as desigualdades sócios-econômicas são fruto de uma legislação, se não racista, pelo menos favorecedora dos grupos brancos”.70

Nesse viés, o mencionado espaço na internet denominado Brasil Negro declara que os dados relativos à exclusão são bastante preocupantes, isso porque, segundo pesquisas recentes, “97% dos atuais universitários brasileiros são brancos, contra 2% de negros e 1% de amarelos”. Esses índices apresentam-se ainda mais significativos e discriminatórios quando constatados em um país em que 45% da população é negra.71

O texto de Júlio Araújo, por sua vez, sublinha que o sistema de cotas não é inédito no arcabouço jurídico brasileiro, isso porque “a reserva percentual dos cargos e empregos públicos para portadores de deficiência e a lei que estabelece uma cota de 30% para mulheres nas chapas que disputam as eleições” constituem típicos exemplos da aplicação da política de cotas.72

Contudo, no que se refere à política de cotas em universidades brasileiras, ressalta-se que a idéia surgiu em 2002, “[...] quando a Universidade do Estado do Rio de Janeiro as instituiu pela primeira vez no país”. Em seguida, “outras oitenta faculdades fizeram o mesmo, com modelos variados”, sendo que a UNB –

68

ARAÚJO, 2009.

69

O BRASIL NEGRO. Sistema de cotas para negros amplia debate sobre racismo. 2003. Disponível em: <http://www.consciencia.br/reportagens/negros/06.shtml>. Acesso em: 20 set. 2009.

70

RODRIGUES JUNIOR, N. Política de cotas: impasse e limites. Revista Eletrônica Espaço Acadêmico (Online), Maringá, v. v, p. 54, 2005.

71

O BRASIL NEGRO, loc. cit.

72

(29)

Universidade de Brasília, em 2003, foi a primeira instituição federal de ensino superior a implementar a política.73

Na opinião de Paulo S. C. Neves, na situação atual do país, as cotas talvez sejam de fato “[...] as únicas medidas factíveis a curto prazo para engajar o Estado no combate à discriminação racial”.74

O professor José Jorge de Carvalho, um dos idealizadores do sistema de cotas da UNB – Universidade de Brasília, “acredita que o sistema de cotas é a única forma de se resolver o problema da exclusão racial no curto prazo”. Segundo o antropólogo, o preconceito encontra-se presente nas salas de aula.75

Já para o professor coordenador do programa de pesquisa, ensino e extensão em relações étnicas e raciais, Antonio Sérgio Guimarães, da USP - Universidade de São Paulo, o importante é não adiar a resolução do problema. Para o pesquisador:

As cotas foram, até agora, o único mecanismo encontrado por algumas universidades brasileiras para resolver o difícil acesso de negros e pobres às universidades públicas. É uma iniciativa corajosa e só dentro de alguns anos poderemos avaliar se realmente cumpre a sua finalidade. As piores opções são não fazer nada ou querer nos fazer crer que está tudo bem, ou que as cotas representam um grande perigo para a cultura brasileira, para as relações raciais no Brasil, para o futuro da humanidade. O que realmente não gosto é do conservadorismo travestido de humanismo. Se existem meios melhores que as cotas para aumentar o acesso de negros à universidade pública, que se adotem esses meios, que se façam programas sérios e eficientes, sem transferir o problema para outra esfera ou outra geração.76

De acordo com os defensores das cotas, “há poucos negros na universidade e isso dificulta que eles se unam para lutar por seus direitos. É preciso mudar o tipo de relação que existe na academia. E isso só vai acontecer quando houver vários negros lá dentro”.77

Em contraponto, existe uma grande resistência ao sistema de cotas por parte de alguns pesquisadores sob o argumento de que a divisão da população em raças não é um avanço. Segundo Rodrigues Júnior, “a classificação dos sujeitos sociais a partir das suas pertenças raciais não traz em si nenhuma possibilidade de

73

PEREIRA, Camila. Uma segunda opinião. Revista Veja: Editora Abril, ed. 2102, ano 42, n.º 9, p. 66-73, mar. 2009. p. 67. 74 NEVES, 2005, p. 81-96. 75 O BRASIL NEGRO, 2009. 76

O BRASIL NEGRO, loc. cit.

77

(30)

equalizar as desigualdades sociais presentes na história brasileira”, isso porque “[...] assim como toda a classificação ela é artificial, baseada na premissa de que a sociedade brasileira é dividida entre negros e brancos”.78

Logo, para alguns estudiosos, em contraposição às cotas, “não é raciliazando o debate e as relações sociais, tornando-as um combate entre ‘raças’, que encontraremos a saída para o grave problema das desigualdades sociais do Brasil”.79

Nesse mesmo sentido, Maggie e Fry frisam que “não se vence o racismo celebrando o conceito ‘raça’, sem o qual, evidentemente, o racismo não pode existir”.80

Para Demétrio Magnoli, “algumas das maiores e mais vergonhosas tragédias da história foram plantadas por políticas públicas racistas – a escravidão, o holocausto e o apartheid”. Por isso, afirma o sociólogo que “é ingênuo pensar que o progresso social se acelera quando o estado inverte o sinal de moda que um grupo racial historicamente derrotado possa, finalmente, triunfar sobre seus algozes. Isso produz mais ódio”.81

Nesse viés, Nilson Lage, professor titular da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que:

As universidades públicas não são "escolas de terceiro grau". São centros de ensino, pesquisa e extensão. Pesquisa e extensão articulam-se com o ensino na graduação, através das bolsas de iniciação científica, de extensão, do trabalho desenvolvido em laboratórios, hospitais universitários e em ações de campo. O rebaixamento do nível de qualificação do corpo de alunos significa um golpe duro no processo de pesquisa, já que todo esforço terá que se voltar à recuperação dos problemas herdados do ensino básico e médio, sem nenhuma garantia de êxito.82

Outra questão apontada pelos pesquisadores contrários às cotas é a recorrente prorrogação das medidas afirmativas que, em regra, são instituídas para vigorarem apenas por um determinado período:

78

RODRIGUES JUNIOR, 2005, p. 54.

79

RODRIGUES JUNIOR, loc. cit.

80

MAGGIE, Yvonne; FRY, Peter. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. ENFOQUES – Revista eletrônica. Rio de Janeiro, 2002. p. 106.

81

PEREIRA, 2009, p. 68.

82

LAGE, Nilson. Educação e a política de cotas. Observatório da imprensa. 2003. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid120320031.htm>. Acesso em: 15 out. 2009.

(31)

Na Índia, a reserva de empregos e de vagas na universidade para castas discriminadas foi implantada em 1949. Era para durar dez anos, mas existe até hoje. A razão para a persistência da média é simples: ninguém quer arcar com o custo político de eliminar o benefício. Ao contrário. Ele é até ampliado. Isso já ocorre no Brasil. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que começou com cotas para negros de escola pública, atualmente também reserva vagas para índios, deficientes e filhos de bombeiros mortos em serviço. A Universidade Federal de São Carlos já reserva vagas até para refugiados políticos.83

Em meio a toda essa discussão, com opiniões contrárias e favoráveis às cotas, a estudante Marisa Santana, da graduação em ciências sociais da UFRJ, diz-se dividida:

Ser contra ou a favor limita a discussão. O importante é pensar sobre o racismo. Eu mesma fico dividida: como ativista do movimento negro, sou totalmente a favor das cotas; como cientista social, sou contra. Quando se toma um critério racial como base para a definição das cotas, fomenta-se o preconceito. Já ouvi coisas terríveis, como 'negro é tão inferior que precisa de cotas'. Acho que as cotas deveriam ser focalizadas em pobres, não em negros, como fez a UERJ. Antes da mudança, muitos dos que entraram eram negros que tiveram uma boa educação. Isso não é revolução nenhuma, talvez eles tivessem entrado de qualquer forma.84

De acordo com Demétrio Magnoli a política de cotas configura uma solução bastante simplista, pois os negros não conseguem ingressar normalmente nas universidades brasileiras porque, na maior parte dos casos, são pobres e cursaram todo o ensino básico em escolas públicas precárias. Por isso, para o pesquisador, “em vez de cotas, o Estado deveria aumentar os investimentos no ensino público. Em poucos anos, os negros passariam a ocupar as melhores vagas nas universidades”.85

Acerca da “[...] avaliação do ensino público brasileiro dos níveis fundamental e médio, abrindo-se a justa exceção para as escolas técnicas (CEFETs), há unanimidade sobre a sua baixa qualidade e o precário ensino oferecido”.86

A Prova Brasil, maior avaliação já feita no ensino fundamental brasileiro, aplicada em 2005, segundo Thereza Christina Jardim Frazão, “[...] apontou ligeira melhora na pontuação dos estudantes de 4° série em leitura e matemática”. Já “o rendimento dos alunos de 8° série em leitura, porém, piorou, tendo permanecido 83 PEREIRA, 2009, p. 73. 84 O BRASIL NEGRO, 2009. 85

O BRASIL NEGRO loc. cit.

86

(32)

estável o desempenho em matemática nessa série”. Esses “resultados foram anunciados nesta sexta-feira, pelo ministro Fernando Hadadd e mostram que o país ainda está longe de oferecer uma educação de qualidade”.87

Por essa razão, muitos autores são contrários ao sistema de cotas, afirmando que o mais adequado seria a reestruturação do ensino público de base, tornando-o capaz de preparar todos os alunos para o ingresso na universidade. Em descompasso, os defensores das cotas afirmam que a medida é emergencial e necessária e não exclui a necessidade de investimentos contínuos no ensino fornecido pelas escolas públicas.88

Entretanto, sabe-se que a melhoria na qualidade do ensino público só pode ser pensada dentro de um período considerado de médio a longo prazo.

Com base nessas citações, especialmente no que diz respeito aos argumentos contrários e favoráveis explicitados, pode-se perceber a ampla discussão que gira em torno da implantação da política de cotas raciais para ingresso nas universidades públicas brasileiras.

3.2 A IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC: PRINCIPAIS ASPECTOS

O debate a respeito da implementação do sistema de cotas na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC teve início no ano de 2002, através do Grupo de Trabalho de Etnia, Gênero e Classe (GTEGC), na Associação dos Professores da UFSC (APUFSC).89

No entanto, foi no decorrer do Colóquio “Pensamento Negro em Educação”, realizado em fevereiro de 2006 através do Núcleo de Estudos Negros (NEN), “[...] que foi explicitamente solicitada à UFSC uma política de ação afirmativa

87 FRAZÃO, 2007, p. 31. 88 Ibid., p. 29. 89

AGECOM. Agência de Comunicação da UFSC. UFSC poderá ter cotas a partir do vestibular 2008. 21.11.2006. Disponível em: <http://www.agecom.ufsc.br/index.php?secao=arq&id=4546>. Acesso em: 13 set. 2009.

(33)

no acesso e permanência de setores da população historicamente excluídos, como indígenas, negros e pessoas de baixa renda”.90

Com base nessas premissas, em abril de 2006, foi instituída uma comissão com 27 membros, para debater a possibilidade de implantação das cotas na UFSC. Essa comissão era formada por diversos segmentos, com representantes dos “Centros de ensino da UFSC, Comissão Permanente de Vestibular (COPERVE), Secretaria Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia, APUFSC, Sindicato dos Trabalhadores da UFSC (SINTUFSC), Indígenas e Movimento Negro”.91

Desta maneira, com o objetivo de expandir o debate para toda a comunidade universitária, a comissão acima mencionada promoveu “o Seminário ‘Cotas e Ações Afirmativas’, em junho de 2006, onde foram debatidos temas ligados à ação afirmativa, meritocracia, reparações e desigualdades raciais em Santa Catarina”.92

Diante de todos esses esforços, o Presidente do Conselho Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, no uso de suas atribuições, editou a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, de 10 de julho de 2007, criando o "Programa de Ações Afirmativas" da Universidade Federal de Santa Catarina.93

Sublinha-se que a UFSC foi a 17º instituição pública de ensino superior do país a adotar a política de cotas.94

O art. 1º da Resolução que instituiu a medida de cotas na UFSC declara que o “Programa de Ações Afirmativas” da Universidade é um instrumento que busca promover os “[...] valores democráticos, de respeito à diferença e à diversidade socioeconômica e étnico-racial, mediante a adoção de uma política de ampliação do acesso aos seus cursos de graduação e de estímulo à permanência na Universidade”.95

José Nilton de Almeida, representante do Movimento Negro no grupo de trabalho para elaboração do programa de cotas, “[...] destacou o papel da universidade no sentido de corrigir distorções sociais, deixando de ser também

90

AGECOM, 2009.

91

AGECOM, loc. cit.

92

AGECOM, loc. cit.

93

UFSC. Universidade Federal de Santa Catarina. Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, de 10 de julho de 2007. Cria o "Programa de Ações Afirmativas" da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em:

<http://gemaa.iuperj.br/brasil/universidades/19a%20ufsc%20-%20resolucao%20008%202007.pdf>. Acesso em: 20 set. 2009.

94

AGECOM, loc. cit.

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Referências

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