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É ciência ou é doutrinação, professora? Os desafios do ensino de sociologia frente às atuais concepções de escola e sociedade

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Academic year: 2022

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É ciência ou é doutrinação, professora? Os desafios do ensino de sociologia frente às atuais concepções de escola e sociedade

Por Andréa Lúcia da Silva de Paiva Universidade Federal Fluminense – Campos dos Goytacazes

andrealpaiva@gmail.com

1.Introdução

O objetivo desse trabalho é apresentar experiências que versam a relação escola e sociedade tendo como base de observações dois fatores: as observações in loco durante as pesquisas e estágios realizados nas escolas presentes no município de Campos dos Goytacazes e dos licenciados ao longo do estagio de Ciências Sociais-Licenciatura da Universidade Federal Fluminense de Campos dos Goytacazes.

O destaque estar em compreender como a religião se faz presente no cotidiano escolar brasileiro e como ela é capaz de envolver as aulas de sociologia apresentando uma relação de aproximação e distanciamento frente aos desafios didáticos e profissionais. Tais relações tendem a colocar em jogo a identidade da disciplina enquanto conhecimento crítico visto que a moral e a ética passam a ser apresentarem como elementos em novas perspectivas sociais.

Nesse sentido, o trabalho traz como relevância pensar a relação escola e sociedade dinamizando pelas experiências cotidianas da disciplina sociologia no Ensino Médio. Essas relações são envolvidas por diferentes relações dentre elas o trabalho visa destacar as que remetem os desafios e perspectivas frente a ciência e religiosidade.

É nesse sentido que o presente busca trazer alguns pontos de observações que envolvem a relação entre sujeito e escola, apresentando como cenário os discentes e docentes no ensino de sociologia.

2.Pensando a noção de escola e religiosidade

Quando se descreve uma escola imagina-se um local, a priori, de definição homogênea quanto a um único sentido em sua essência: o da aprendizagem. Fora dessa concepção a escola nos traz diferentes associações de âmbitos políticos, culturais e sociais bem como os sujeitos que dela fazem parte. Até mesmo o sentido de aprendizagem pode trazer um objetivo

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mais pragmático, mas que está dotado de diferentes formas de se fazer conhecimento. O papel da escola está estritamente relacionado ao dos indivíduos que ali convivem e que constituem o anseio de grupos sociais. Trata-se de um papel imanente das normas que confere à experiência um quadro crítico visto que o indivíduo não poderá pensar sobre a sua experiência sem levar em consideração a sua relação com os outros.

Dubet (1994) e suas reflexões acerca da escola e das experiências entre aluno e professor descreve a importância de pensar uma sociologia da experiência que segundo o autor tem como objetivo visar uma combinação de lógicas de ação, lógicas que ligam o ator a cada uma das dimensões de um sistema”:

(...) o autor é obrigado a articular lógicas de ações diferentes, e é a dinâmica gerada por esta atividade que constitui a objetividade do ator e a sua refletividade. Esta definição de experiência como objeto sociológico pede três grandes princípios de análise, recolhidos, essencialmente, em Weber (DUBET, 1994, p. 107).

A referência a Weber ocorre pelo fato de ser um teórico da sociologia compreensiva e da ação significativa, mas também pelo fato dele, segundo o autor, propor uma tipologia da ação múltipla onde, assim, não há um sistema único de ação, mas um “pluralidade não hierárquica” (DUBET, 1994, p.108).

Ainda é importante destacar que para Weber, o desencantamento do mundo irá ocorrer em sociedades religiosas o que leva a noção de ser o mesmo um processo religioso. Por sua vez a secularização já implica um certo abandono do status ou visão religiosa visto que há a necessidade de se libertar da mesma.

Ao analisar as sociedades, em especial a brasileira, foco de destaque em questão, percebemos a forte presença da religião seja em decorrência de um forte crescimento de diferentes segmentos, ou seja, pela liberdade do indivíduo portar um determinado tipo de crença.

Para pensar a respeito é importante destacar a questão da liberdade de culto na sociedade brasileira. Desde a primeira Constituição de 1824 que o catolicismo se apresenta como a única religião oficial do Estado. Poderia haver liberdade de culto a outras religiões, mas somente no âmbito doméstico (sem haver qualquer demonstração em local público):

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permittidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de Templo (NOGUEIRA, 2012, p. 66).

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Os próprios cargos políticos ocorriam mediante a manutenção de uma liberdade desde que fosse assegurada a religiosidade católica. Todos os que pudessem ser eleitos somente poderiam ser nomeados deputados se professassem a religião do Estado seja para o cargo de Conselheiro de Estado, deputado e até mesmo para o cargo de Imperador:

“Art. 5o Os Conselheiros, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de manter a religião católica, apostólica, romana, observar a Constituição e as leis, ser fiéis ao Imperador, aconselhá-lo segundo suas consciências, atendendo somente ao bem da Nação (NOGUEIRA, 2012, p. 42).

Art. 103. O Imperador antes de ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio; observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber (NOGUEIRA, 2012, p. 77).

Ainda a respeito da liberdade religiosa, há a presença de um dado culto à liberdade, mas desde que haja o respeito à religiosidade do Estado como demonstra o Art 179: “V.

Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica” (NOGUEIRA, 2012, p. 85).

No entanto, o poder religioso não deixou de se fazer presente até mesmo nas constituições posteriores mesclando entre a busca de um Estado Laico garantindo as religiões por lei embora muitas ações religiosas foram enquadradas como criminosas onde a questão racial se faz como fundo operante diante das práticas classificadas como “curandeirismo”,

“charlatanismo” e um exercício ilegal da medicina. A Constituição de 1988 foi a primeira a versar sobre a importância do pluralismo religioso trazendo a relevância de uma diversidade cultural brasileira frente aos direitos individuais e coletivos:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei1.

Temos assim, o direito à crença desde que a laicidade se faça presente. Mas, é importante destacar que a laicidade no Brasil não o confere uma “identidade secular”. É complexo falar de secularização quando se tem um país em diversidade religiosa.

Pesquisando sobre religiosidade no Brasil venho identificando que essa pluralidade de crença

1 http://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142- publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em 30/07/2018.

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não se encontra apenas na forma institucional da religião, mas nas diferentes formas de crença e culto que os indivíduos assumem perante a sua relação com o sagrado e o profano.

Dubet (1994) ao refletir ser a escola uma instituição ou não inicia questionamento sobre essa própria definição. Conceito central na teoria sociológica o autor afirma que a classificamos a instituição como um aparelho socialização encarregado de transmitir “uma cultura e de distribuir qualificações”. Sendo assim, a escola deve ser compreendida em sua relação capaz de identificar e demonstrar as desigualdades existentes produzidas e as reproduzidas. Para ele, a escola enquanto instituição é capaz de garantir três funções hierárquicas que não se encontram necessariamente integradas, mas na realidade observada e de forma instável, a saber: “uma função de educação, uma função de seleção, uma função de socialização” (DUBET, 1994, p. 170).

Em conjunto a instituição escolar há as instituições religiosas que percorrem a vida de muitos dos docentes e discentes. Por sua definição, com base em Durkheim (1996) a religião e comporta por crenças e práticas. Se o sentido da religião est´ano culto prestado a divindade, em outrina ou crença religiosa, um dever sagrado, sinal de respeito, ela também traz o seu relativismo presente em definição de clássicos como Durkheim ao apontar que:

No fundo, portanto, não há religiões falsas. Todas são verdadeiras a seu modo: todas correspondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência humana. (...) Todas são igualmente religiões, como todos os seres vivos são igualmente vivos, dos mais humildes plastídios aos homens (DURKHEIM, 1996, p.

VII).

Sendo assim, o individuo carrega as diferentes formas de apresentação da religião sejam em seus rituais, das cerimônias e símbolos. É importante destacar que a religião tem como objetivo implementação de um papel social quando coloca vários indivíduos coletivamente diante de suas crenças e símbolos em dado local. Boas (2007, p.47) por sua vez analisava que “... cada grupo cultural tem sua história própria e única, parcialmente dependente do desenvolvimento interno peculiar ao grupo social e particularmente de influências exteriores às quais ele tenha estado submetido.”

Muito das vezes é na instituição escolar que a instituição escola fará presente seja pela percepção das dicotomias e apresentações entre os conhecimentos científicos e religiosos, ou seja, pela contextualização da época.

A respeito da constituição da época é preciso destacar a presença do projeto Escola sem Partido na sociedade brasileira. O projeto surge da iniciativa de alguns alunos e pais religiosos que se organizaram visando o fim da doutrinação política e ideológica. Um dos

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autores centrais é Miguel Nagib que também é coordenador do projeto. O projeto surgiu em 2004, mas é a partir do ano de 2015 que ele veio a se tornar um projeto de lei oficialmente proposto pelo Deputado Izalci do Partido Social Democrático Brasileiro do Distrito Federal (PSDB-DF) e desde então espera andamento no processo (FRIGOTTO, 2017).

O Projeto Escola Sem Partido é uma proposta de lei que torna obrigatória a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio de um cartaz com o seguinte conteúdo: o professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; o professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas; o professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula, nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade - as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.

3.Das observações in loco: desafios e perspectivas no ensino de sociologia

Em observação no campo podemos perceber que um dos destaques desafiadores no ensino de Sociologia está na ação do professor transportar os conteúdos. Ensinar ao aluno o conteúdo, mas a priori fazendo as devidas adaptações para que o aluno consiga construir o seu conhecimento acerca das disciplinas.

Para tal, o professor deve se apropriar de metodologias e técnicas de didáticas capazes de tornar a sala de aula assim como os conteúdos uma atração proveitosa para os alunos. No entanto essas ações dispõe um complexo de situações e experiências vivenciadas pelo docente com descrevem as observações que seguirão. O desafio dentre tantos atribuídos ao docente da disciplina de sociologia no Ensino Médio está em descrever o seu posicionamento frente às temáticas a ser discutidas e a disciplina enquanto ciência. Se por uma lado tanto os relatos do senso comum quanto o científicos são formas de conhecimentos para um docente e discente fiel podem assumir a legitimidade de um conhecimento. Como destaca Latour (1994) em sua abordagem sobe a ciência:

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Se os fatos não ocuparem o lugar ao mesmo tempo marginal e sagrado que nossas adorações reservam para eles, imediatamente são reduzidos a meras contingências locais e miseras negociatas. Contudo, não estamos falando do contexto social e dos interesses do poder, mas sim de seu envolvimento nos coletivos e nos objetos (LATOUR, 1994, p.11).

É nesse sentido que serão descritas aqui duas observações trazidas pelos estudantes ao longo dos estágios supervisionados do curso de Ciências Sociais – Licenciatura. Importante destacar que tais observações são resultantes de uma pesquisa a qual coordeno na Universidade Federal Fluminense (UFF) e que tem como objetivo apresentar a relação entre docente e discente no ensino de Sociologia através da discussão entre ciência e religião visando pensar as problemáticas, os limites e perspectivas, entre alunos e professores. A pesquisa visa compreender de que maneira os conceitos de ciência e religiosidade são desenvolvidos nas escolas apresentando como questionamento o estudo sobre a história e cultura Afro-Brasileira e Indígena no ensino de Sociologia, estabelecidos de acordo com a Lei nº 11.645/08 que inclui essa temática como obrigatória nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados.

O primeiro acontecimento envolve um professor de sociologia e a turma quando o mesmo, ao chegar na escola, se depara com um grupo de alunos em roda rezando uma oração.

O sinal toca e o professor entra junto com os alunos que acabavam de desfazerem a roda religiosa. O professor segue em seu primeiro pronunciamento com a turma afirmando que para compreender o ensino de sociologia cabe aos alunos serem ateus. Tal afirmativa traz um conjunto de olhares e reprovações pela maior parte dos alunos. A partir dessa definição ou desse marco ritual que se estabelece na relação entre professor e aluno esses últimos passam a ver o professor e as aulas de sociologia como “negativas”, “inválidas”, “destruidoras”, “sem rumo” e “sem sentido” para a vida dos mesmos. Se o objetivo da disciplina era visar a imaginação sociológica (MILLS, 1975) aproximando os alunos da realidade social a reação foi de conflito e desinteresse pela disciplina. Muitos alunos passam a ver no professor uma recusa à disciplina pela atitude tomada. Em conversa, o professor havia comentado em sala que a sua afirmativa tinha sido uma “provocação” para despertar nos alunos o estranhamento e a desnaturalização, componentes essenciais ao ensino de sociologia como se explicava. No entanto, o mesmo passou a ser visto como “preconceituoso”, “imoral”, “doutor de uma só ideologia” e “antiético” por parte de grande parte dos alunos dificultando o relacionamento entre docente e discente e pelo conflito já estabelecido.

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O segundo caso relatado está no questionamento de alunos a uma professora de sociologia quando a mesma, na unidade sobre Poder, Política e Estado escreve o contexto atual brasileiro vivenciado com a prisão do ex-presidente e as incertezas da eleição de 2018.

Logo se ouve uma voz bem alta: “É ciência ou é doutrinação, professora?” se referindo a aula.

A docente começa uma narrativa visando explicar a importância da sociologia enquanto uma ciência crítica e aponta para análise as injustiças sociais e metidas cometidas. Apontou para a aluna, através de alguns questionamentos econômicos, se a vida dela havia melhorado. A discente responde que não a interessava, pois ela não daria elementos para que a professora permanecesse doutrinando ela e a turma e, logo em seguida, diz: “A aula hoje é sobre o Estado, não é? Então voltamos para o livro”. Muitos alunos concordaram com a colega seguindo um pensamento comum: mulher, futebol e política não se discutem. A professora, ao perder o apoio da turma, que começava a classificar a disciplina sociologia como “doutrina”

ainda se esforçou para desmistificar o discurso apontando o papel da disciplina, porém tão logo percebeu que não haveria como proceder com a aula mediante os olhares reprovadores e desinteressados da turma em sua grande maioria. Mas, se ouviu uma colocação alta em pleno silêncio docente a base de risos: “Vou te denunciar heim professora, se continuar assim!”

Durante o acompanhamento do estágio docente passei a ouvir dos estagiários algumas significativas narrativas sobre os questionamentos ao longo das aulas de sociologia (assim como de outras disciplinas em especial das áreas humanas) por viés muitos próximos ao relatado acima: frente à classificação discente a respeito das aulas. As interrogações geram em um discurso inverso onde se questiona o papel do professor. Os mesmos são acusados de doutrinadores, imorais, antiéticos e ateus. O discurso assim se aproxima muito do projeto Escola Sem Partido.

Percebe-se, no contexto atual brasileiro a existência da aproximação de dois momentos, o político e o religioso que se mesclam como narrativas de verdades frente à salvação seja ela espiritual e econômica. O período está frente à prisão de um ex-presidente a aproximação de um líder religioso ao poder e que se constitui como um adepto ao projeto Escola Sem Partido.

A Escola Sem Partido dispõe de um site oficial onde encontramos a organização do projeto onde é postado denúncias de casos de “doutrinação” nas escolas assim como escritas que defendam a proposta. Há uma área denominada de “Flagrando o doutrinador”, “Planeje sua denúncia”, “Doutrina da doutrinação”, “Síndrome de Estocolmo”, “Educação moral” onde

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autores e personagens históricos como Karl Marx, Che Guevara são apontados como um ataque educacional pelo pensamento de esquerda “comunista”. Importante destacar o grande número de seguidores que postam e curtem vídeos e imagens de professores “fazendo doutrinação”, despertando assim uma ideologia do medo e do ódio, uma inversão de valores e morais onde o questionamento científico é constantemente questionado e ameaçado pela vertente de uma nova verdade: a narrativa dos eus onde cada sujeito traz sua narrativa de verdade como oficial frente ao que discorda. É nesse sentido que por diferentes frentes as ciências humanas como um todo vêm se transformando como objetos de ataques como podemos constatar em notícias recentes sobre o pesquisador, seu objeto empírico e às diferentes interpretações e manipulações que a sociedade vem assumindo ao recebe-las. Tais ações são realizadas mediantes o discurso da “verdade” apresentada por cada indivíduo de acordo com as instituições as quais fazem parte delas (tais como a família, igreja, escola dentre outras). Nesse sentido, os conhecimentos do senso comum e o científico parecem assim se distanciarem de seu processo relacional como já apontava Alves (1981, p. 9): “A aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum. Só podemos ensinar e aprender partindo do sendo comum de que o aprendiz dispõe”.

4. Breves considerações finais

Há compreensão de que a abordagem de religiosidade em sala pode causar tensões devido à diversidade religiosa existente e a defesa que o indivíduo que crer desperta e conduz em seus diferentes campos de reflexão sobre a visão de mundo. Ao mesmo tempo em que tal questão traz tensão emana também uma ação desafiadora ao docente a sua abordagem em sala, mas consciente de sua entrada em um campo de negociação com as diferentes fronteiras que versam a relação entre indivíduo e sociedade: a família, a escola, o casamento, o trabalho e por que não citar também o campo das emoções que se faz presente junto ao que se define ou se pretende ao campo da razão?

Esses casos e outros que vem sendo observados nos faz pensar sobre o seguinte ponto:

mesmo a intolerância religiosa e por que não atualmente não dizer a respeito de uma intolerância científica também?

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Por intolerância religiosa compreendemos a atuação negativa sobre o outro que dispõe de formas diferentes de pensar. Basta pensarmos as perseguições às religiões de matriz africana. O docente em sala de aula deve trazer e analisar dados de pesquisas para apresentar a temática religiosa ou qualquer outra como da esfera política, por exemplo, uma temática que precisa ser discutida demonstrando pontos de vistas divergentes, analisando e debatendo reconhecendo a alteridade, os desafios de se compreender para quem e o que se fala diante de uma diversidade cultural.

Mas, tais desafios e propostas vêm sendo postas em interrogações, pois há um outro fator importante para compreendemos o atual contexto político brasileiro frente aos questionamentos das ciências humanas e que traz também desafios pedagógicos e estruturais:

a Base Nacional Comum Curricular (2017), documento que estabelece o conjunto de aprendizagens que devem ser aplicados e desenvolvidos durante a Educação Básica.

Em sua última versão as disciplinas de sociologia, filosofia, história e geografia sejam colocadas como competências a serem trabalhadas de forma interdisciplinar dentro de uma grande área classificada como Ciências Humanas, não havendo mais separação entre elas2. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) legitima a Lei 13.415, sancionada em 16 de fevereiro de 2017, trazendo Reforma do Ensino Médio. A grande questão que se coloca é a dificuldades nas abordagens de diferentes conceitos, teorias e temas científicos que não mais serão tratados em sua essência metodológica e especificidades tão menos em suas problematizações. uma vez que as ciências não serão tratadas em suas especificidades e metodologias. Nesse contexto faz sentido pensar como ocorrera o ensino da sociologia como de demais disciplinas frente a nova configuração o que nos conduz na direção de deságios e perspectivas sem possibilidades de um debate mais amplo. Consequentemente, no meio dessa questão estão os desafios docentes: a legitimidade e preservação de sua identidade como docente e da própria disciplina.

Venho demonstrando que o uso da religião, seja como conceito, seja como tema, está relacionado a um desafio central que vem dinamizando a didática do ensino de Sociologia: a necessidade de despertar no aluno a imaginação sociológica. A proposta está em pensar como a religião pode contribuir para reflexões a respeito do ensino de Sociologia, quando trabalhada como atividade interlocutora dessa disciplina.

Por sua vez o desafio se faz mais desafiante diante de tais contextos atuais e diante das

2 A Base Nacional Comum Curricular foi homologada pela Portaria nº 1.570, publicada no D.O.U de 21/12/2017, Seção 1, pág. 146.

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ações que já são visualizadas nas escolas: a presença de crucifixos, imagens de santos, por exemplos. O aluno ao ingressar na escola carrega consigo um conjunto de fronteiras que se fazem presente na relação escola e sociedade. A questão está em observar como se processam essa mediação.

O desafio destas indagações está em pensar e despertar como a abordagem sobre religião em sala de aula pode nos permitir a obter um debate complexo a respeito não apenas dessa questão, mas também do próprio ensino de Sociologia, buscando soluções mais adequadas para o exercício da atividade docente.

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