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SINASE: uma análise crítica da socioeducação

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Academic year: 2022

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Faculdade de Serviço Social

Márcia Helena de Carvalho

SINASE: uma análise crítica da socioeducação

Rio de Janeiro

2015

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Márcia Helena de Carvalho

SINASE: uma análise crítica da socioeducação

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.

Orientadora: Prof.ª Dra. Vânia Morales Sierra

Rio de Janeiro 2015

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.

____________________ __________________

Assinatura Data

C331 Carvalho, Márcia Helena de.

SINASE: uma análise crítica da socioeducação /Márcia Helena de Carvalho. – 2015.

159 f.

Orientadora: Vânia Morales Sierra

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Serviço Social.

Bibliografia.

1. Assistência a menores – Teses. 2. Controle social – Teses. I. Sierra, Vânia Morales. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Serviço Social. III. Título.

CDD 362.74

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Márcia Helena de Carvalho

SINASE: uma análise crítica da socioeducação

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.

Aprovada em: 18 de Maio de 2015.

Banca Examinadora:

__________________________________

Prof.ª Dra. Vania Morales Sierra (Orientadora) Faculdade de Serviço Social – UERJ

_________________________________

Prof. Dr. Ney Luiz Teixeira de Almeida Faculdade de Serviço Social – UERJ

__________________________________

Prof. Dr. Renato dos Santos Veloso Faculdade de Serviço Social – UERJ

_________________________________

Prof. Dr. Elionaldo Fernandes Julião Universidade Federal Fluminense – UFF

Rio de Janeiro 2015

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação aos adolescentes em conflito com a lei com os quais cruzava semanalmente nas escadarias do bairro Rio Comprido, cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde me hospedava para estudar. Fortemente armados estes adolescentes gerenciavam o comércio varejista de drogas me proporcionando indiretamente e inconscientemente a possibilidade de confrontar a teoria acadêmica com a dura realidade deste país.

Experiência ímpar no processo de elaboração deste estudo, pois até então eu só conhecia esta realidade contraditória através dos meios de comunicação social.

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AGRADECIMENTOS

Quando penso na enorme quantidade de pessoas a quem devo agradecimentos sou tomada por um sentimento ambíguo. De um lado, alegra-me pensar em cada uma delas e no quanto foram e são importantes para mim. De outro, angustia-me a necessidade de me ater nesse espaço limitado às referências singelas que não dão conta de revelar a importância de cada uma dessas pessoas no caminho que percorri.

Em primeiro lugar agradeço a Deus pela paz inquieta e o senso de justiça frente as históricas desigualdades sociais. Pela vida e com ela tudo aquilo que tem me proporcionado até o presente momento.

Quem acompanhou esta conquista sabe que o mestrado devido as condições objetivas que se incidem sobre a minha vida parecia um sonho impossível de se realizar (morar e trabalhar em Minas enquanto se estudava no Rio e educava a filha de 06 anos de idade... parecia um desafio grande demais) e teria sido se não fosse o apoio incondicional da minha mãe Raimunda Maria de Carvalho e meu pai José Andreza de Carvalho. Por isso, agradeço imensamente a eles por apostar e contribuir com esta trajetória que durou dois anos.

À minha filha Marcelly Andreza de Carvalho, que a cada despedida, com lágrima nos olhos, me fazia experimentar o preço deste título. “Antes de ser mãe, eu não conhecia a dor e a alegria de ter meu coração batendo fora de meu corpo”.

Obrigado pelo carinho sincero e a compreensão diante das ausências necessárias.

À minha admirável orientadora Vânia Morales Sierra, pelo privilégio de juntas realizarmos esse trabalho, compartilhando seu saber crítico, adensando reflexões e incômodos que me proporcionaram um aprendizado ímpar; sem o qual esta dissertação jamais teria sido objetivada. Por acreditar no meu potencial e dedicar muito de si a mim serei eternamente grata.

Aos professores componentes da banca, agradeço as sugestões e colaborações. Sobretudo ao professor Ney Luiz, figura de referência na minha trajetória acadêmica. Seu rigor teórico não sufocou a dimensão humana de suas ações, proporcionaram-me mais do que conhecimento teóricos e metodológicos, mas uma lição de vida, de ética e de comprometimento.

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Agradeço também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelo incentivo financeiro, que sem rupturas ou atrasos, me proporcionaram a possibilidade de concluir mais esta etapa de formação.

E por fim, agradeço de maneira muito especial a administração da Faculdade Gerencial de Manhuaçu (FACIG) por ter se adequado às minhas necessidades.

E aos meus amados alunos, que souberam me estimular política e academicamente durante esta trajetória.

Finalmente, gostaria de agradecer à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – instituição significativa na história do Serviço Social brasileiro – por ter aberto as portas para que eu pudesse realizar o sonho da minha vida – MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL. Sinto orgulho de fazer parte desta instituição.

Como ninguém vence sozinho, OBRIGADA A TODOS!

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Na medida em que o Direito Penal se apropria do conceito de educação, o faz contextualizando com a finalidade ressocializadora da pena, transformando-a em instrumento de controle (MONTEIRO, 2006, p.70).

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RESUMO

CARVALHO, Márcia Helena de. SINASE: uma análise crítica da socioeducação.

2015. 159 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

A Lei nº 12.594/2012 – que institui o Sistema Nacional Socioeducativo – embora seja considerada um avanço legal ao propor um modelo de “imputabilidade especial” amparado no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas diretrizes internacionais de Direitos Humanos funciona como aparelho ideológico do Estado capitalista neoliberal à medida que reedita os tradicionais procedimentos técnico- operativos de controle social presentes no “Código de Menores”. Através da utilização estratégica do discurso contemporâneo da socioeducação o SINASE propõe atendimento pedagógico orientado por princípios liberais de responsabilização, meritocracia e “reconstrução do projeto de vida” com o objetivo de corrigir o comportamento do adolescente a quem se atribui a prática de atos infracionais como se ele fosse o problema, escamoteando as históricas desigualdades sociais e contribuindo para o reforço à criminalização destes adolescentes. Pela análise da normativa é possível perceber que o aparato pedagógico arquitetado para a implementação desta política é construído visando um tipo de intervenção mais terapêutica do que social pois concentra ações que visam a transformação da identidade do adolescente, trata-se de “formar um novo sujeito”, o “sujeito de direitos”, “individualizado, “dividido” e submetido ao

“autocontrole”. Assim, para a compreensão desta proposta, resgatou-se o processo de formação do Estado Moderno e os aparatos utilizados para a manutenção da ordem social dominante. Constatou-se que, com o sistema capitalista de produção e a divisão da sociedade em classes, os mecanismos de controle social do “inimigo”

adquiriram uma nova roupagem tornando-se ainda mais fetichistas. Esta

“modernização conservadora” das técnicas de controle social provocaram transformações significativas no direcionamento na política criminal que passou a se utilizar de instrumentos legais embasados no discurso paradoxal dos direitos humanos para propor uma “humanização da pena”, através da “reinserção social do detento”, trata-se de uma estratégia pretensiosa que esconde por traz de si a velha culpabilização do indivíduo. É neste contexto, que surge no Brasil o SINASE com seu discurso de “ressocialização” do adolescente a quem se atribui a prática de atos infracionais. Entendendo a proposta “socioeducadora” do SINASE como funcional à manutenção da ordem burguesa, esta dissertação apresenta algumas contribuições reflexivas sobre a condução teórica (desenho) e metodológica (operacionalidade) das medidas socioeducativas no Brasil, tomando por base o método crítico dialético de onde foram extraídas categorias analíticas que puderam orientar as avaliações no exame da realidade.

Palavras-Chave: SINASE. Direitos Humanos. Socioeducação. Controle Social.

Manutenção da Ordem Capitalista.

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ABSTRACT

CARVALHO, Márcia Helena. SINASE: a critical analysis of socio-educational. 2015.

159 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.

Law No. 12,594 / 2012 - establishing the National System Socio - although it is considered a legal breakthrough by proposing a model of "special liability" supported the Statute of Children and Adolescents and the International Guidelines on Human Rights functions as ideological apparatus of the State neoliberal capitalist as reissues traditional technical and operating procedures of social control present in the

"Children's Code". Through the strategic use of the contemporary discourse of socioeducation the SINASE proposes pedagogical service oriented liberal accountability principles, meritocracy and "reconstruction of life project" in order to correct adolescent behavior to whom is attributed the practice of infractions like he was the problem, concealing the historical social inequalities and helping to strengthen the criminalization of these adolescents. The rules of analysis we can see that the educational apparatus devised for the implementation of this policy is built aiming at a kind of most therapeutic intervention than social because it concentrates actions aimed at transforming the teenager's identity, it is "to form a new subject "the"

subject of rights "," individualized, "split" and subjected to "self". So, to understand this proposal, it rescued the process of formation of the modern state and the apparatus used to maintain the dominant social order. It was found that, with the capitalist system of production and the division of society into classes, the social control mechanisms of the "enemy" took on a new look making it even more fetishists. This "conservative modernization" of social control techniques caused significant changes in direction in criminal policy that came to be used in grounded legal instruments in the paradoxical discourse of human rights to propose a

"humanization of punishment," through "social reintegration of the detainee" , it is a pretentious strategy that hides behind him the old blame the individual. It is in this context that arises in Brazil the SINASE with his speech of "rehabilitation" of adolescent to whom is attributed the practice of infractions. Understanding the proposal " socioeducadora " the SINASE as functional to the maintenance of the bourgeois order , this work presents some reflective contributions to the theoretical driving ( drawing) and methodological (operation ) of educational measures in Brazil , based on the critical dialectical method from which they were extracted analytical categories that might guide the assessments in examining the reality.

Keywords: Sinase. Human rights. Socioeducation. Social Control. Capitalist Order Maintenance.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CF Constituição Federal

CP Código Penal CM Código de Menores

CNI Conferência Nacional da Industria CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CONANDA Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente DOU Diário Oficial da União

DP Direito Penal

ECRIAD Estatuto da Criança e do Adolescente FACIG Faculdade de ciências Gerenciais

FAPERJ Fundação de amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menos

FUNABEM Fundação Nacional do Bem Estar do Menor LA Liberdade Assistida

LOA Lei Orçamentária Anual MG Minas Gerais

MST Movimento Sem Terra

NEVUSP Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo PIA Plano Individual de Atendimento

PP Plano Plurianual

PNBM Política Nacional para o Bem-Estar do Menor PNDH Plano Nacional de Direitos Humanos

PPGSS Programa de Pós-graduação em Serviço Social PSC Prestação de Serviço à Comunidade

PT Partido dos Trabalhadores RJ Rio de Janeiro

SAM Serviço de Assistência ao Menor

SEDH Secretaria Estadual de Direitos Humanos SGD Sistema de Garantia de Direito

SINASE Sistema Nacional Socioeducativo

UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12 1 O ESTADO MODERNO NA CONSTITUIÇÃO DA ORDEM BURGUESA ... 17 1.1 Breves considerações sobre a natureza do Estado e sua posição frente as classes sociais antagônicas: Hegel, Marx e Gramsci. ... 17 1.2 Os Direitos Humanos na Hegemonia do Estado Democrático de Direito: a retomada à crítica marxista... 31 1.3 Direitos Humanos no Brasil: da luta contra o poder à construção da nova hegemonia ... 42 2 IDEOLOGIA PUNITIVA E SEUS ARSENAIS: instrumentos legais, discursos de direitos humanos e instituições de atendimento ... 60 2.1 Construção histórica da ideologia punitiva e a utilização do medo como mecanismo de manutenção da Ordem dominante. ... 61 2.2 A criminalização do adolescente pobre no Brasil e os Processos de acumulação da Violência: o inimigo agora é o “Menor”? ... 75 2.3 Entendendo a trajetória histórica da política de atendimento à criança e ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional no Brasil:

evolução e modernização dos instrumentos punitivos ... 90 3 O SINASE E OS PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DE ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA: Desvendando intencionalidades ... 118 3.1 Construção de um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo no Brasil: rupturas ou continuidades? ... 119 3.2 A finalidade da socioeducação e a função do Plano Individual do Plano Individual na subjetivação do adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional. ... 135 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 145 REFERÊNCIAS ... 149

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INTRODUÇÃO

No âmbito da legislação brasileira ato infracional é considerado “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 2009), assim o adolescente a quem se atribui a prática de atos infracionais, a partir da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD), no Brasil, em 1990, está sujeito a um conjunto de sanções pedagógicas chamadas de medidas socioeducativas. Tais medidas são elencadas hierarquicamente de acordo com a gravidade do ato cometido indo da advertência até internação em estabelecimento educacional.

Este modelo brasileiro de responsabilidade penal juvenil é regido –desde o momento da apuração do ato infracional até a execução das medidas socioeducativas – pelo Sistema Nacional Socioeducativo(SINASE), criado em 2006 e instituído pela Lei nº12.594 em 2012. Trata-se de um conjunto integrado de ações que reúnem princípios, regras e critérios para a execução de medidas socioeducativas e programas de atendimento aos adolescentes de 12 a 18 anos, e excepcionalmente jovens até 21 anos de idade a quem se atribui a prática do atos infracionais.

Ancorado na premissa dos direitos humanos o SINASE reafirma as diretrizes do ECRIAD sobre a natureza pedagógica da medidas socioeducativas e prioriza as medidas em meio aberto – Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (LA) – em detrimento das restritivas de liberdade –Semiliberdade e Internação em Estabelecimento Educacional. Assim, as tendências apresentadas por este modelo de responsabilidade penal são “a ênfase na afirmação dos direitos juvenis, a atenção integral e prioritária ao desenvolvimento dos adolescentes, a intervenção penal mínima e a extinção discricional típica do modelo tutelar”

(CAFFAGNI, 2012, p. 23).

Neste contexto, a socioeducação aparece como um conceito relacionado as atividades pedagógicas realizadas nas entidades e programas de atendimento aos adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais cujo principal objetivo é evitar a reincidência.

Diante destas inovações, embora seja inegável que o SINASE represente um avanço ao ordenar e articular um conjunto de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, foi possível observar durante a trajetória profissional como assistente do programa Liberdade Assistida do

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município de Manhuaçu (MG) – 2009 a 2012 –, que o modelo socioeducativo ao assumir o caráter híbrido – sancionatório e pedagógico – tende a conduzir suas práticas na direção do controle social. Numa perspectiva de ajustamento de conduta, responsabiliza-se o adolescente pelo cometimento e/ou reincidência de atos infracionais desconsiderando os condicionantes sociais, vínculos familiares, comunitários, a ausência de políticas públicas, bem como os limites do próprio programa de atendimento.

Diante desta percepção e considerando o papel da academia na produção de conhecimentos acerca das histórias expressões da questão social1, assim como, suas formas de enfrentamento, escolheu-se como tema desta dissertação “SINASE:

uma análise crítica da socioeducação”. Assim sendo, o objetivo da presente pesquisa é esclarecer os seguintes questionamentos: a) A Lei 12.594/2012 realiza a superação do disciplinamento tão criticada no formato anterior da política? b) De que forma o SINASE interfere na subjetividade dos adolescentes a quem se atribui a prática de atos infracionais? c) O que implicam as inovações na política social para adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas? d) qual é significado da política administrativa de um sistema penal juvenil centrado na identidade do adolescente a quem se atribui a prática de atos infracionais? e) O que pode ser entendido como socioeducação, segundo o SINASE?

Embora estas inquietações já estivessem presentes desde a elaboração do projeto de qualificação, o caminho metodológico para respondê-las foi enriquecido profundamente pela intervenção dos componentes da banca, que propuseram dentre outras questões: a) discutir o SINASE enquanto política pública de segurança, o que implicaria em tese, entender a relação que se estabelece entre Estado e sociedade civil; b) abordar o papel desempenhado pelas política sociais na atual conjuntura, encarando-a como um campo de disputas sociais; c) demonstrar a importância dos Conselhos de Direitos na contra hegemonia; d) apresentar a vinculação do SINASE com o Direito Penal.

Como se trata de uma pesquisa documental, foi realizada uma leitura criteriosa das normativas legais que inspiraram o direito das crianças e dos adolescentes no Brasil: Constituição Federal (CF) de 1988, Lei n° 8.069/1990 que

1 Para Iamamoto, a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intervenção do Estado

(IAMAMOTO, 2001, p.16).

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cria ECRIAD e a Lei nº 12594/2012 que institui o SINASE. Além destes instrumentos jurídicos, foram estudadas produções teóricas que tratam e/ou subsidiam a discussão da socioeducação como instrumento de controle social.

Dentre os principais autores que contribuíram na produção desta dissertação, destaca-se: a) Hegel, Marx e Gramsci – para entender as relações sociais que se estabelecem no Estado Moderno; b) Bobbio (2004), Franco (2003), Dallari (1999), Douzinas (2011), Rushe e Kirchheimer (1999), Marques (2011) – para analisar o fetiche em torno dos direitos humanos na atualidade; c) Netto (2011), Freire (2014) e Barcellos (1983) – para analisar a conquista paradoxal e contraditória do Estado Democrático de Direitos no Brasil; d) Foucault (1987), Wacquant (2001), Pavarine (1987), Greco (2005), Batista (2004), Barata (2009), Zaffaroni (1996), Misse (2008), entre outros – para compreender as estratégias utilizadas para o controle social das classes perigosas desde o século XIX até os dias atuais; e por fim, e), Lima (2009), Rizzini (1999), Rosa e Lopes (2011) – para subsidiar a análise do SINASE como um moderno instrumento de controle social dos adolescentes pobres a quem se atribuí a prática de atos infracionais.

Para a análise do conteúdo pesquisado utilizou-se o método crítico dialético, com o intuito de desvendar a intencionalidade do SINASE camuflada através do discurso da socioeducação. Assim, através da pesquisa constatou-se que o modelo socioeducativo representa a continuidade histórica da proposta de controle social presente nas formas de atendimento anteriores – modelo indiferenciação e tutelar, porém, com inovações oriundas das novas estratégias neoliberais: subjetivação.

O modelo socioeducativo, através da utilização de práticas “pedagógicas” e do discurso de direitos humanos procura incutir nos adolescentes valores liberais como a responsabilização e o mérito, trata-se de formar outro tipo de adolescente, o

“sujeito de direitos”. Este sujeito é o adolescente cobrado do “autocontrole”,

“individualizado”, “polivalente”, capaz de superar as atrocidades da vida, sendo, portanto, funcional ao sistema capitalista de produção. Para o alcance desta finalidade, atualiza-se instrumentos técnico-operativos que servem à vigilância e avaliação do comportamento dos adolescentes dentro e fora dos programas de atendimento. Desta forma, o SINASE mais do que um avanço legal na direção de

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um Direito Infracional cumpre o papel de representar a ideologia de burguesa do Estado2.

Diante destas descobertas utilizou-se como metodologia de exposição a divisão da pesquisa bibliográfica e documental em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta o Estado Moderno e suas estratégias de manutenção da ordem. Através de Hegel, Marx e Gramsci expõe-se as diferentes concepções de Estado e sociedade civil demostrando como cada clássico, a seu modo, considera o Estado como uma esfera importante na regulação da vida social. Assim, o enfoque da análise é sobre a relação entre o Estado, a ideologia e a construção da hegemonia dominante.

O segundo capítulo denominado “Ideologias punitivas e seus arsenais:

instrumentos legais, discursos de direitos humanos e instituições de atendimento”, retrata a construção de uma política criminal pautada na perseguição do inimigo da ordem e a criação de instrumentos legais para o processo de incriminação, dentre eles o Código Penal e o SINASE.

Através da trajetória histórica demonstra-se como a figura do adolescente oriundo das classes subalternas no Brasil foi sendo sutilmente associada ao inimigo da ordem. Nesta seara, apresenta-se o esforço das normativas legais e dos programas de atendimento, em diferentes períodos da história, em neutralizar esta ameaça através da institucionalização dos adolescentes. Utilizando-se do discurso falacioso “afastá-los da criminalidade”, criou-se diferentes técnicas de controle social, deixando assim transparecer a prevalência da mentalidade de que é necessário incriminar- institucionalizar- para reeducar.

O terceiro capítulo trata do SINASE e os processos de subjetivação de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. As reflexões apresentadas resultam da análise da proposta socioeducativa apresentada na lei nº 12594 de 2012 e os seus efeitos para a vida do adolescente a quem se atribui a prática de atos infracionais. Para uma análise crítica do documento em questão, utiliza-se como subsídio teórico documentos produzidos pelas entidades responsáveis por administrar o SINASE em nível de Estado e União, e bibliografias que tratam criticamente o tema, tendo por objetivo compreender a intencionalidade

2 Gramsci explica que pela ideologia uma classe pode exercer a hegemonia sobre as demais. Assim, o filosofo alemão considera a ideologia como um fator que direciona e organiza os indivíduos, uma vez que ela é o “terreno sobre os quais os homens se movimentam, adquirem consciência da sua posição, lutam, e etc (GRAMSCI, 1978, p.377).

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da socioeducação presente neste modelo de responsabilidade penal especial de cunho pedagógico.

É válido esclarecer, no entanto, que não existe interesse em negar os avanços normativos obtidos com o SINASE, mas se trata de levar em conta suas limitações, considerando que sua proposta não é apenas uma idealização, mas um dispositivo de poder que revela em suas diretrizes os fundamentos da ordem social estabelecida, contribuindo, inclusive, com seu reforço.

Esta crítica se justifica pelo fato do SINASE ainda se encontrar em processo de implantação no território nacional – o que faz deste modelo socioeducativo uma realidade em movimento – que ainda permite alterações. Outro elemento que se deve levar em consideração ao analisá-lo é o contexto de sua formulação. Foi gestado e implantado durante a vigência do neoliberalismo no Brasil, desta forma, sua implementação e legitimidade só se tornaram possíveis graças a sua funcionalidade frente à hegemonia da ordem burguesa.

Diante destas considerações e sem a pretensão de esgotar toda a temática, pretende-se que esta contribuição seja significativa, uma vez que as análises críticas em torno do instrumento jurídico adotado são relativamente novas, apresentando-se como um tema de extrema relevância para todos os sujeitos que se encontram envolvidos, direta e/ou indiretamente com o Sistema Nacional de Medidas Socioeducativas.

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1 O ESTADO MODERNO NA CONSTITUIÇÃO DA ORDEM BURGUESA

Tratar a questão do Estado e, posteriormente, os mecanismos de controle utilizados por ele para manter o domínio burguês sobre a classe trabalhadora, requer retomar criticamente os fundamentos do Estado moderno no marco do desenvolvimento e consolidação da sociedade capitalista.

Nesse sentido, torna-se fundamental, por um lado, resgatar a concepção Hegeliana de Estado e sociedade civil, na medida em que foi esse clássico quem primeiro formulou teoricamente a descrição do Estado burguês moderno. Por outro lado, é essencial retomar em Marx as categorias ideologia, consenso e hegemonia, pois elas nos possibilita decodificarmos os fenômenos em pauta. E por fim, em Gramsci, a compreensão de sociedade política e sociedade civil, para compreendermos o papel das leis e a função ideológica desempenhada pelo discurso de direitos humanos na construção do consenso, integrando o conjunto dos aparelhos que estabelecem a hegemonia política e cultural das classes dominantes.

Sabe-se, que o Estado capitalista sempre se utilizou de estratégias de dominação para manter a hegemonia da classe dominante, seja através da garantia de direitos sociais mínimos – consenso, ou através da força – coerção social. Ele sempre esteve presente como o guardião da ordem social.

O resgate da formulação desses autores sobre o tema será tratado a partir da crítica marxista, visando estruturar a base dos fundamentos teórico-político do controle social, a partir da concepção geral de manutenção da ordem no capitalismo3.

1.1 Breves considerações sobre a natureza do Estado e sua posição frente às classes sociais antagônicas: Hegel, Marx e Gramsci

Hegel, por dominar a economia política, foi o primeiro clássico a formular uma teoria acerca do Estado burguês moderno (SOUZA FILHO, 2006, p. 45). O filosofo alemão concebe o Estado como reino onde impera o interesse coletivo, chegando à

3 Na atualidade, várias propostas teóricas de segurança pública se intercruzam: “tolerância zero”,

“vidraça quebrada”, “justiça com cidadania”, “direito alternativo”, porém o ponto de convergência entre elas é o “controle antecipado e hipotético de crimes futuros” (SALES, 2012, p.322).

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conclusão de que a sociedade civil é o reino do privativo, do individualismo e do particularismo estreito.

Para o autor do livro “Princípios da Filosofia do Direito” toda ação humana é motivada por interesses. Sendo assim, o que distingue a sociedade civil do Estado é a natureza, particular ou geral, do interesse que move os seres humanos à ação. As ações motivadas por interesses particulares derivam da sociedade civil. Por outro lado, o Estado é o resultado do interesse geral de toda a coletividade. É a unidade da liberdade subjetiva com a objetiva que se realiza no universal o concreto (HEGEL, 1997).

Dentro desta dinâmica, Hegel considera a sociedade civil também como

“sistema de carências”, pois, surge da satisfação de necessidades particulares – através do trabalho e/ou propriedade privada, sendo o espaço da particularidade através do qual é possível o exercício do livre arbítrio.

Para o filósofo de Berlim,

É graças à propriedade privada que o indivíduo se insere no corpo social e jurídico. Emerge, portanto, a propriedade como um momento destacado do desenvolvimento humano, pois a mesma destaca-se como porta de inserção dos indivíduos na vida legal. Hegel entende que, neste contexto, o indivíduo necessita trabalhar para satisfazer as suas necessidades e incrementar sua propriedade. Contudo, ninguém pode satisfazer sozinho, mediante seu próprio trabalho, todas as suas necessidades, assim como o que produz e possui, necessita do outro (SILVA, 2010, p. 03).

Nesta interpretação da sociedade civil, embora cada pessoa seja um fim para si mesmo, ao almejar o outro para satisfazer seu egoísmo, entra em relação com outras particularidades, o que acaba por gerar uma dependência universal. Essa interdependência é expressão da divisão social do trabalho que vincula todos os indivíduos entre si, de modo que, só fazendo parte dela, cada indivíduo pode assegurar sua sobrevivência. Hegel vê essa dialética da divisão social do trabalho como um meio pelo qual os indivíduos aprendem a querer o que é universal.

Assim sendo, é necessário construir outras instâncias sociais para que a universalidade possa de fato se efetivar e, assim, realizar concretamente a verdadeira liberdade, pois a propriedade rompe com os limites da individualidade na sua ação unilateral e a põe em relação com outras. Esse reconhecimento, todavia, permanece precário, porque da mesma forma que se pode reconhecer alguém como proprietário de alguma coisa, pode-se também deixar de reconhecê-lo como tal. Daí porque a propriedade só pode ser assegurada mediante uma instituição que obrigue a todos os indivíduos a se reconhecerem como proprietários. E só pode fazê-lo na condição de ser posto por um ente exterior à dos proprietários, ou seja, se assumir a forma de lei, isto é, se for posto pelo Estado (NETO, 2010, p. 40).

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Para este filosofo alemão, só se ultrapassa a limitação individualista da sociedade civil no capitalismo se o que passar a conferir-lhe racionalidade for o Estado, que é o princípio e o agente da universalidade. O Estado é produto de uma ação que obedece ao interesse geral de toda a coletividade. De acordo com Netto (2011), “para Hegel não há dúvida nenhuma, é o Estado que expressa a dimensão universal de que é carente a sociedade civil” 4. Assim, Hegel aceita o ideal liberal da propriedade privada e, ao mesmo tempo, reivindica uma estrutura universal de intervenção na sociedade para proporcionar o bem-estar particular, numa perspectiva de interesse comum.

Diferentemente da perspectiva liberal clássica, Hegel defendeu a necessidade de intervenção do Estado na sociedade visando eliminar distorções do sistema para garantir a efetivação do interesse comum. Ao mesmo tempo, o autor alemão, em conformidade com os teóricos gregos clássicos, identifica a vida coletiva como o verdadeiro fim do indivíduo e o Estado como a expressão objetiva da vida pública (SOUZA FILHO, 2006, p.

45).

Podemos dizer que Hegel, assim, estabelece uma ordem social em que a propriedade e os fins particulares de bem-estar devem estar subordinados à dimensão universal do Bem. Ou seja, dialeticamente, a primeira expressão da liberdade, que é a realização da vontade particular através da propriedade está preservada sob a condição de existir na sociedade a expressão da vontade em sua universalidade que é o Bem e, dessa forma, ser possível a realização da liberdade em sua totalidade. Em outras palavras, para Hegel a liberdade está vinculada simultaneamente à propriedade, condição básica para o indivíduo objetivar seu livre-arbítrio através da vontade e do Bem Universal – é uma liberdade realizada através da unidade do conceito da vontade particular com o bem coletivo (SOUZA FILHO, 2006, p.39).

A concepção de liberdade vinculada à propriedade leva Hegel a estruturar o seu sistema buscando garantir a manutenção da propriedade privada. Para este autor, uma sociedade que suprime a propriedade privada é injusta com os indivíduos, pois não lhes permite exercer a liberdade. No entanto, como ele mesmo analisa um sistema baseado exclusivamente na propriedade privada produz as desigualdades sociais, pois deixa às margens das decisões políticas e econômicas grupos sociais que não possuem os meios de produção. A partir dessa constatação, Hegel identifica no Estado a capacidade de conciliar os interesses divergentes das

4 Anotação da vídeo aula: “Curso sobre Marx, Hegel e a origem do Estado”. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=0czrxUcseog. Acessado em 16 de janeiro de 2015 ás 14:14.

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classes antagônicas, garantindo, por um lado, a manutenção do sistema produtor de mercadorias – fundamento da liberdade, pois baseado na propriedade privada – e, por outro lado, viabiliza o interesse comum - universalidade por meio de políticas públicas. Dessa forma, consegue evitar o acirramento da desordem e os efeitos da desigualdade e da miséria produzidas por esse mesmo sistema.

Essa perspectiva é um componente central da resignação hegeliana com a realidade de sua época, na medida em que nitidamente assume o ponto de vista burguês e não vislumbra alternativa para a ordem do capital (...) Hegel considera o modo de produção vigente, um modo de produção anárquico, devasso e irracional do ponto de vista da produção e distribuição das mercadorias e da construção do interesse comum. No entanto, apesar da estrutura econômica fundada na propriedade privada impedir a construção do interesse comum, Hegel não vê possibilidade de supressão dessa ordem na medida em que ela expressa a realização da liberdade (SOUZA FILHO, 2006, p.39).

Ao identificar na intervenção do Estado burguês a possibilidade de enfrentamento das desigualdades sociais e a manutenção da ordem social, Hegel não concebe a luta de classes no interior da sociedade civil como forma de romper com o modo de produção capitalista, mas propõe a conciliação dos interesses das classes historicamente antagônicas. A seu ver, apenas o Estado poderá mediar as disputas particulares movidas pelos conflitos divergentes entre os interesses materiais que dominam a sociedade. Assim, Hegel embora reconheça o conflito de interesses particulares no interior da sociedade civil, acredita que essa disputa de interesses particulares é superada por meio da ação do Estado moderno.

De acordo com o filósofo alemão, o Estado “é o fim e a realidade em ato da substância universal e da vida pública nela consagrada” (HEGEL, 1997, p. 149).

Com este pensamento, Hegel refuta a filosofia de Kant – a razão está no indivíduo–, e afirma o direito positivo. Ele é o primeiro filósofo a enxergar a contradição, e chega a afirmar o capitalismo como sistema de injustiça, porém acredita que o Estado é capaz de reconciliar a vontade individual com a universal constituindo assim o Estado Ético, como síntese das contradições.

Funcional ao sistema capitalista de dominação, Hegel demonstrou a necessidade de intervenção do Estado na sociedade visando à eliminação de distorções do sistema para garantir a efetivação do interesse comum, mas de um interesse comum embasado no ideário burguês, pois está baseado na preservação da propriedade privada. Dentro desta perspectiva, o papel do Estado, ou de qualquer organização política adequada, é o de zelar para que as contradições inerentes à estrutura econômica não destruam todo o sistema.

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O Estado deve assumir a função de controlar os processos sociais e econômicos conflitantes. Ele apresenta-se como uma forma de garantir a vigência do interesse comum, num mundo sob a égide do capital. Para Hegel, a sociedade individualista burguesa precisa da contraposição do Estado para propiciar a realização da liberdade. O sistema hegeliano, dessa forma, indica que:

(...) a ordem social dada, baseada sobre a integração das necessidades através da troca de mercadorias, era incapaz de assegurar e estabelecer uma comunidade racional. Essa ordem permanecia essencialmente uma ordem de anarquia e de irracionalidade, governada por mecanismos econômicos cegos-permanecia uma ordem de contradições sempre repetidas, na qual todo o progresso era apenas uma temporária unificação de opostos. A exigência hegeliana de um Estado forte e independente deriva de sua compreensão das contradições inconciliáveis da sociedade moderna. Hegel foi o primeiro na Alemanha a atingir esta compreensão.

Sua justificação de um Estado forte fundava-se em que este seria um suplemento necessário à estrutura contraditória da sociedade individualista por ele analisada (MARCUSE, 1978, p.68).

Assim, Hegel não propunha a superação das contradições da sociedade capitalista, ao contrário, sugere uma intervenção que visa controlá-las através da

“dimensão universal” do Estado. Para o autor em questão, o verdadeiro fundamento da sociabilidade humana se encontra ao nível da esfera política, e não da economia.

Revertendo a lógica hegeliana e embasado em uma análise da economia política, Marx conceitua a sociedade civil5 como o sujeito do Estado, e não o predicado. Para ele, não é o Estado que funda a sociedade civil, ao contrário, é por meio da sociedade civil que se pode compreender o surgimento do Estado, seu caráter de classe, a natureza de suas leis, as representações sociais sobre as quais ele se apóia6, e assim por diante (SOUZA FILHO, 2006). Desta forma, Marx desmistifica a concepção hegeliana mostrando que o Estado deve ser analisado a partir da constituição da sociedade civil:

...na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência (MARX, 1996, p.

52).

5 Marx, assim como Hegel, entende que a sociedade civil e a sociedade política seriam duas esferas sociais separadas: a primeira, o conjunto de carências individuais e fins particulares; a segunda, o grupo social especializado, cuja função seria “identificar” e “gerir” os interesses gerais (SOUZA FILHO, 2006).

6 É sempre oportuno lembrar que as representações sociais expressam o pensamento e o interesse de grupos sociais diversos.

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E mais, o Estado, “criatura” da sociedade civil, constitui-se num instrumento garantidor da manutenção das bases pelas quais a sociedade civil se apóia. O Estado, para Marx, é a expressão legal dos interesses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção. Não é uma imposição divina aos homens, nem é o resultado de um pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante – capitalista, garante seus interesses e sua dominação sobre o conjunto social. Desta forma, o que Hegel considera como a expressão da universalidade – o Estado, Marx entende como uma mistificação, pois se trata de um Estado que toma partido da classe dominante, que representa os seus interesses em detrimentos da classe que vive do trabalho.

Ora, o Estado político e a sociedade civil-burguesa, dirá Marx, não encerram o "reino da necessidade" hegeliano. Ao contrário, intensifica-o.

Marx demonstra que as disputas entre os interesses particulares se materializam na anarquia dos mercados, onde a mercadoria será a mediação universal das relações sociais. Longe de ser o "reino da liberdade", a sociedade civil-política burguesa, regida pela lógica da acumulação de capital, lança milhares de seres humanos em uma situação de pobreza extremada – será criada uma superpopulação relativa que será sistematicamente expulsa do mercado de trabalho, única via de manutenção de sua sobrevivência (SOUZA, 2010, p. 50).

Ao revelar o conteúdo de classe do Estado, Marx desmistifica-o como representação da Razão Universal e conceitua-o como órgão repressivo de dominação política e de manutenção da exploração econômica da qual se beneficia a classe burguesa, demonstrando a falsa aparência de regulador neutro das desigualdades. Em sua Crítica à filosofia do Direito de Hegel (1843), demonstra que o filosofo alemão foi quem melhor descreveu a aparência do Estado capitalista, ou seja, como o Estado capitalista apresenta-se para a sociedade e não o que ele é efetivamente. Marx, nesses termos, considera o caráter universal do Estado como aparência do fenômeno (SOUZA FILHO, 2006, p. 51). O Estado, dessa forma, não é a expressão da universalidade, mas sim a expressão das relações sociais de produção existentes na sociedade capitalista, portanto, uma “universalidade alienada”. No caso da sociedade capitalista, o Estado será estruturado tendo como base a relação de exploração estabelecida pelo capital. Assim, explica a forma real do Estado, a sua aparência e os discursos ideológicos em torno dele.

Para Marx, à medida que Hegel vê no Estado a realização da razão na história, o problema da história para Hegel está resolvido. Em contrapartida, na medida em que Marx diz que este Estado não é um Estado conforme a razão é um Estado que expressa uma sociedade muito conflituosa, ele está afirmando que este

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reino do privativo não poderia engendrar uma universalidade real, a universalidade verdadeira (NETTO, 2011). Ao contrário disso, o Estado, dessa forma, não é a expressão da universalidade, mas sim a expressão das relações sociais de produção existentes na sociedade capitalista, portanto, uma “universalidade alienada”.

Para este filosofo alemão, o Estado não pode desenvolver-se nos termos da universalidade se não for superada a estrutura de desigualdade que está presente na sociedade civil. Desta forma, Marx propõe uma concepção materialista, da qual o Estado é entendido de acordo com as relações sociais das distribuições dos excedentes sociais, do caráter do direito, de representações ideológicas, da organização das relações sociais como define Hegel sob o nome de sociedade civil (SOUZA, 2010).

Na compreensão de Marx, o Estado é a forma pela qual os diversos interesses das diferentes classes dominantes que historicamente existiram encontram uma forma de unificação interna e se impõem – pelo uso da violência, mas também do convencimento por meio da ideologia7 – sobre o conjunto social (MARX E ENGELS, 2007). Nesta interpretação, o Estado resulta da relação entre classes sociais e, portanto, encontra sua razão de ser nesta relação. A aparência de separação – legitimada e reforçada pelos filósofos que sustentavam uma burguesia em ascensão – é a forma pela qual opera exatamente a ideologia. Supor um Estado com lógica própria, distinta daquela que permeia a vida social, permite justificar a perpetuação desta mesma forma de organização da vida social.

Assim, diferente do que pensa Hegel, para Marx o Estado não expressa o interesse geral e nem está voltado para o bem comum, simplesmente ele atende a determinados interesses das classes subalternas como forma de conciliação visando garantir a ordem e manter a estrutura de dominação fundada na propriedade privada. Nas palavras de Marx e de Engels, o executivo do Estado configura-se como “um comitê para administrar os negócios coletivos da classe burguesa”

(MARX, 1998, p.7). Assim, o Estado foi estruturado tendo como base a relação de exploração estabelecida pelo capital, como instrumento da classe economicamente forte, assume os interesses particulares como uma ferramenta universal. O direito,

7 Com relação ao conceito de ideologia, Gramsci considera que cada período histórico produz uma (ou mais) “concepção de mundo”, que se torna,muitas vezes, hegemônica e dirige e impõem limites às demais concepções existentes no período.

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mediado pela ideologia da classe dominante burguesa garante a posse da propriedade e seus interesses tanto internos quanto externos permitindo a existência do Estado. Conforme afirma Marx:

O Estado é a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e que sintetiza a sociedade civil inteira de uma época, segue-se que todas as instituições coletivas são mediadas pelo Estado, adquirem por meio dele uma forma política. (MARX, 2007, p. 76)

Desse modo Marx relaciona o Estado a serviço da classe dominante com a sua atribuição política, ou seja, o Estado é uma instituição a serviço da burguesia.

Para manter, validar e proteger seus interesses, que nada mais são que o lucro, a propriedade e a exploração do trabalho assalariado, ele se utiliza de um conjunto de aparatos, tais como, a política, os tribunais, as forças da repressão, as ideologias, o exército e as polícias. Dentro desta concepção, o direito protege a propriedade, beneficiando os economicamente privilegiados. Inegavelmente,

No capitalismo, as classes fundamentais que representam o capital e o trabalho possuem interesses, do ponto de vista estrutural, antagônicos e inconciliáveis, pois a participação nas decisões fundamentais da produção (o que produzir quanto produzir e como distribuir) são assimétricas, já que o poder está nas mãos de quem detém os meios de produção e se apropria da riqueza produzida e não daqueles que participam do processo a partir de sua força de trabalho. No entanto, isso não significa dizer que alguns interesses da classe trabalhadora não possam ser atendidos no capitalismo.

Nesse sentido, o Estado mostra-se como o elemento viabilizador desses determinados interesses, apresentando-se, ideologicamente, como representante dos “interesses gerais”, “expressão da racionalidade e universalidade” (SOUZA FILHO, 2006, p.53).

Verificamos que para Hegel, o direito é aquilo que o Estado diz que é direito.

Já Marx percebe que o direito é a imposição das classes sociais dominantes sobre as classes sociais dominadas, a fim de proteger a propriedade privada. A liberdade na constituição seria a liberdade contratual e o direito apenas o de posse da propriedade. Para Marx, o Estado existe para que as contradições da sociedade civil continuem e só ilusoriamente, visa ao bem comum. Este não representa o interesse geral e sim, dos que possuem propriedade privada. Assim, Marx contesta a dominação do Estado (burocracia) sobre a sociedade civil e defende a supressão do Estado moderno. Para o Marx de 1843- 44, a extinção do Estado (burocracia e mecanismos de representação política) seria a pré-condição da verdadeira democracia, de maneira que cada homem poderia ser representante de si mesmo.

Em sua crítica ao Estado, Marx estabelece uma diferença entre Estado e democracia, e afirma ser a democracia “o enigma resolvido de todas as constituições” (2010, p.50). Considera que

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Em todos os Estado que diferem da democracia o que domina é o Estado, a lei, a constituição, sem que ele domine realmente, quer dizer, sem que ele penetre materialmente o conteúdo das restantes esferas não políticas. Na democracia, a constituição, a lei, o próprio Estado é apenas uma autodeterminação e um conteúdo particular do povo, na medida em que esse conteúdo é constituição política. (MARX, 2010, p.51)

Na Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, Marx estabelece uma diferença fundamental para as democracias, ao entender que não estão fundadas numa concepção formal de homem. Neste sentido, afirma que “o homem não existe em razão da lei, mas a lei existe em razão do homem, é a existência humana (grifos do autor), enquanto nas outras formas de Estado o homem é a existência legal” (MARX, 2010, p.50).

Embora na época de Marx existissem socialistas que ao invés de lutarem contra o Estado lutavam para uma reforma dentro do Estado, Marx demonstra que a luta revolucionária é para destruir o Estado, e contra a tradição de sua época, demonstra que nem o indivíduo, nem o povo, nem o Estado, são capazes de chegar a esta plenitude. Somente uma classe que luta, porque é explorada diariamente, é capaz de fazer acontecer a revolução. Em outras palavras, enquanto houver classes sociais haverá Estado e enquanto houver Estado os diferentes interesses da sociedade, sob dominação de uma determinada classe, serão atendidos de forma diferenciada, mostrando a aparente perspectiva universal do Estado. Para Marx, a aniquilação da propriedade privada se sucederá a partir do controle e posse coletiva dos meios de produção, sendo o passo para o comunismo e fim do Estado enquanto instrumento de uma classe dominante.

Porém, em suas Anotações sobre o livro Estatismo e Anarquia de Bakunin, Marx sublinha que “uma revolução social radical está vinculada a determinadas condições históricas do desenvolvimento econômico” (MARX, 2003, p.152). Propõe que se reconheça no Estado uma estrutura que deve ser utilizada em favor dos interesses da classe trabalhadora que é a única com a possibilidade de expressar-se como classe universal, pois “não pode emancipar-se a si mesma, nem se emancipar de todas as outras esferas da sociedade sem as emancipar a todas (...) só pode redimir-se a si mesma por uma redenção total do homem” (MARX, 2002, p. 58).

Eliminando qualquer possibilidade de interpretação voluntarista e politicista de sua concepção, explicita que é o Estado que garante ao proletário, no momento em que esse assume a posição de classe dominante – portanto o momento posterior à derrubada da burguesia do poder –, a utilização dos “meios universais de

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constrangimento “para combater as classes economicamente privilegiadas. Nesse sentido, o proletário não se encontra mais isolado em sua luta. O poder do Estado, a partir desse momento, passa a servir aos interesses da classe trabalhadora, enquanto classe dominante, até que medidas cada vez mais amplas sejam implementadas no sentido da coletivização dos meios de produção, visando a supressão da propriedade privada e da condição de assalariado dos trabalhadores, portanto, eliminando a divisão de classes e, conseqüentemente, a estrutura utilizada para dominação.

Vemos nesse processo a dialética do Estado: a necessidade de sua intervenção na sociedade, sob a direção dos trabalhadores, para estabelecer o processo de sua própria extinção. Na interpretação leniniana no Estado e a Revolução, o Estado sob a ditadura do proletariado não é mais o Estado propriamente dito, pois está voltado para sua extinção – ou seja, para extinção da sociedade de classes – e não para a manutenção da dominação de classe. O Estado, enquanto estrutura de dominação, extingue-se na medida da constituição do comunismo.

Para Lênin, a justiça e a igualdade só serão realizadas na segunda fase da sociedade comunista, ou seja, durante a existência do “Estado de transição”

(ditadura do proletariado) - “primeira fase da sociedade comunista” – a justiça e a igualdade não se realizarão plenamente. Se isso acontece é porque determinados interesses do capital ainda estão em vigência, ratificando o entendimento de que o Estado atende aos diferentes interesses presentes na sociedade. Então, enquanto houver classes sociais haverá Estado, dominação de uma classe sobre a outra, e atendimento de diferentes interesses. Paradoxalmente, o Estado só deixa de atender a interesses de diferentes classes sociais quando da extinção das mesmas e, portanto, de sua própria existência.

Uma contribuição significativa ao marxismo para pensar o Estado vem de Gramsci (1891-1937). Este autor altera a estrutura de análise hegeliana acerca da relação entre o Estado e sociedade civil. Afirma que o Estado Moderno é composto por sociedade civil e sociedade política8, ou seja, articula ao mesmo tempo

8 Para Gramsci, a sociedade é composta por organizações privadas que são as instituições que compõem a sociedade, como a igreja, os sindicatos, a maçonaria, as universidades, as escolas, o exército etc. São as instituições que tecem as relações sociais que tornam possível a constituição hegemônica de um grupo social perante o conjunto da sociedade. Portanto, para Gramsci, é o conjunto destes organismos que se denomina sociedade civil (SOUZA, 2009, p.50).

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consenso e coerção no seio da superestrutura9. Nesta concepção, não existe uma organização social em que haja apenas o consentimento como base da hegemonia ou apenas a coerção. Ele entende que o “Estado tende a criar e a manter certo tipo de civilização e de cidadão – convivência e relações individuais. Tende a fazer desaparecer certos costumes e hábitos e difundir outros, o direito será o instrumento para este fim” (GRAMSCI, 1976, p. 96).

Inegavelmente, é por meio do Estado que classes ou grupos sociais estabelecem relações de hegemonia que lhes garantem a “perpetuação” das relações sociais materiais e ideológicas. Diante desta interpretação, a coerção para garantia da manutenção da ordem pode ocorrer diante de duas situações:

Um habitual, que consiste no controle dos grupos sociais que não

“consentem” na direção da classe fundamental: esses grupos – as classes subalternas – entram em contradição com a classe dirigente em certo grau da evolução das relações sociais e econômicas. Esta utiliza, pois, a coerção mais ou menos “legal” para manter a sua dominação; a segunda situação é mais excepcional e temporária, na medida em que trata dos períodos de crise orgânica: a classe dirigente perde o controle da sociedade civil e apóia na sociedade política para lograr e manter sua dominação (PORTELLI, 1977, p. 31).

A prevalência de uma dessas situações depende do movimento exercido no bloco histórico. De forma que, se houver um equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil, a coerção se restringe aos grupos “rebeldes”, sendo legitimada pelo direito estabelecido. No entanto, em períodos de crise orgânica, a única forma de haver a manutenção da ordem é o apego do grupo dirigente pela sociedade política, exercendo a coerção até que se restabeleça o consenso e, conseqüentemente, o consentimento que garanta a legitimidade da dominação.

O desequilíbrio entre sociedade civil (consenso) e sociedade política (força) indica a existência de crise hegemônica do grupo no poder, o que se resume na reorganização do grupo hegemônico sob o aparato estatal na forma de regimes autoritários. Isso acontece porque, em períodos de crise orgânica, o grupo dominante perde o controle da sociedade civil e apóia na sociedade política para lograr e manter sua dominação. Além do mais, “a estrutura definitiva do Estado depende das características da atividade dos intelectuais10, entendidos como ‘agentes’ da classe dominante, para o

9 Não é usada apenas para indicar dois níveis da sociedade que são dependentes, ou seja, o estado e a consciência social. Pelo menos uma vez, na terceira parte de O dezoito bromarão de Luís Bonaparte, a expressão “superestrutura” parece referir-se à consciência ou visão de mundo de uma classe: “sobre as diferentes formas de propriedade, sobre as condições sociais de existência, ergue- se toda uma superestrutura de sentimentos, ilusões, modos de pensar e visões da vida distintos e formados peculiarmente. Toda classe cria e forma esses elementos a partir de suas bases materiais e das relações sociais que elas correspondem” (BOTTOMORE, 2001, p. 27).

10 Os intelectuais são células vivas da sociedade civil e da sociedade política: são eles que elaboram a ideologia do grupo dominante, dando-lhe assim consciência de seu papel. Desta maneira,

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exercício da direção política e cultural do bloco histórico” (PORTELLI, 1977, p. 36).

Ao colocar a sociedade civil dentro do Estado, na sua concepção ampliada, Gramsci quer chamar a atenção para o fato de que é na sociedade civil que se dá a disputa pela direção intelectual e moral das massas.

A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos como

“domínio” e como “direção intelectual e moral”. Um grupo social domina os grupos adversários que visam “liquidar” ou a submeter, inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados (GRAMSCI, 2002, p. 62 apud ALMEIDA, 2006, p.54).

Estes intelectuais, encarregados de gerir a superestrutura do bloco histórico, fazem a mediação entre sociedade civil e sociedade política. Em alguns casos, ocupando postos como funcionários do aparato estatal, têm a função de tecer a ideologia do grupo ou classe que detém o poder (SOUZA, 2009, p.20). Esta ideologia é que garantirá o consenso e formará a hegemonia desse grupo. A tensão entre a classe dominante e a classe dominada se desenvolve num jogo constante de força e poder. É no momento de equilíbrio desta relação que se estabelece a hegemonia.

Quando não há este equilíbrio, o grupo que quer se garantir no poder recorre à sociedade política, garantindo a dominação por meio da coerção, configurando-se, assim, um governo autoritário ou uma ditadura. Esta última forma de governo seria uma transição entre formas hegemônicas, ou seja, a garantia da ordem pela força até que se constitua uma nova forma hegemônica do grupo dominante e não seja mais necessária exclusivamente a força para garantir a dominação (SOUZA, 2009, p. 24).

Gramsci nos indica que embora a sociedade civil e política não se confundam, elas mantém uma relação orgânica. “A sociedade civil (responsável pela formação do consentimento ativo ou passivo) compõe junto com a sociedade política (responsável pelo monopólio legítimo da coerção) o campo ideo-político que garante a supremacia do Estado na modernidade” (ALMEIDA, 2006, p.55). Desta forma, o entendimento de como se processa a relação entre sociedade política e sociedade civil é fundamental para a compreensão dos novos processos de legitimação do Estado Moderno e as possibilidades de eliminação da sociedade de classes. Nas palavras de Coutinho (1989, p. 89), enquanto,

Nas formações “orientais”, a predominância do Estado coerção impõe a luta de classes uma estratégia de ataque frontal, uma “guerra de movimento”, voltada diretamente para a conquista do Estado em sentido restrito; no

“ocidente”, ao contrário, as batalhas devem ser travadas inicialmente no

transformam em concepção de mundo suas ideias, que serão legitimadas e justificadas como naturais (SOUZA, 2009, p. 10).

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âmbito da sociedade civil, visando a conquista de posições e de espaços (“guerra de posição), da direção política ideológica e do consenso dos setores majoritários da população [...].

Numa perspectiva Gramsciana, é graças a sua hegemonia, ou seja, a sua capacidade de dirigir politicamente as demais classes e frações de classe, em especial as classes subalternas que a burguesia tem conservado a supremacia, diante das sucessivas “crises” da história do capitalismo mundial, sobretudo, neste último século (ALMEIDA, 2006, p.60).

Pensados a partir de novas estratégias políticas, jurídicas e institucionaiso direito na atualidade desempenha papel fundamental na construção do consenso, integrando o conjunto dos aparelhos que estabelecem a hegemonia política e cultural das classes dominantes. Como aparelho de hegemonia, o direito esta a serviço da classe dominante, sendo aplicado na condição da igualdade abstrata, a todos os cidadãos.

Esta é precisamente a função do direito no Estado e na sociedade; através do “direito”, o Estado torna “homogêneo” o grupo dominante e tende a criar um conformismo social que seja útil a linha do desenvolvimento do grupo dirigente. A atividade geral do direito (que é mais ampla que a atividade puramente estatal e governativa, e também inclui a atividade diretiva da sociedade civil, naquelas zonas que os técnicos do direito chamam de

“indiferença jurídica”, isto é, na moralidade e costume em geral) serve para compreender, concretamente, o problema ético, que na prática é a correspondência “espontânea e livremente aceita” entre os atos e as omissões de cada indivíduo e os fins que a sociedade se propõe como necessários, correspondência que é coercitiva na esfera do direito positivo tecnicamente entendido e é espontânea e livre (mais estritamente ética) naquelas zonas em que a “coação” não é estatal, nas de opinião pública, de ambiente moral, etc. (GRAMSCI, 2002, p. 240).

Assim, a função máxima do direito é o conformismo de todos os cidadãos.

Conforme Gramsci (1978), a burguesia emprega estratégias para eliminar qualquer possibilidade de resistência por parte da classe por ela dominada. No direito, a ideologia burguesa se eleva a esfera da legalidade, na intenção de conformar as condutas e as instituições, ampliando a sua legitimidade. Sabe-se que Gramsci, assim como Marx, entende que na sociedade de classes constitui-se um impedimento à igualdade, pois somente com a superação de tal estrutura, esta realidade se faria possível. Vale lembrar que, nesta perspectiva, a ideologia não se resume a um sistema de ideias, mas é também práxis e instituições. Neste sentido, o direito é ideologia e como tal remete a uma disputa pela direção cultural, um instrumento para o exercício do poder político na transformação dos costumes e da cultura.

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