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POÉTICAS DO ATOR NO AUDIOVISUAL o ator co-criador na produção brasileira contemporânea

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Walmeri Kellen Ribeiro

POÉTICAS DO ATOR NO AUDIOVISUAL

O ator co-criador na produção brasileira contemporânea

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

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Walmeri Kellen Ribeiro

POÉTICAS DO ATOR NO AUDIOVISUAL

o ator co-criador na produção brasileira contemporânea

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para o b t e n ç ã o d o t í t u l o d e D o u t o r e m Comunicação e Semiótica sob a orientação do Prof. Dr. Arlindo Machado.

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BANCA EXAMINADORA

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“ Melhor se guarda o vôo de um pássaro, do que um pássaro sem vôos”.

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Agradecimentos

Ao professor Arlindo Machado pela generosidade e pelo acompanhamento durante este percurso.

À professora Cecília Almeida Salles pelo carinho e pela delicada e sabia condução por entre os caminhos da crítica de processo.

Aos diretores Luiz Fernando Carvalho e Roberto Moreira, e aos preparadores Sérgio Penna e Fátima Toledo, por dividirem comigo nuances, singularidades e inquietações pessoais que motivam e alicerçam seus trabalhos e obras.

Ao Cesar, pelo carinho, cuidado, compreensão e, sobretudo, pelo amor com que esteve ao meu lado ao longo de todos esses anos. Pelas leituras atentas e pelas palavras de incentivo que me fizeram acreditar que seria possível.

Aos meus mais novos amigos e colegas de trabalho, do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará, Beatriz Furtado, Cristiana Parente, Diego Hoefel, Osmar Gonçalves, Shirley Martins e Wellington Jr, pelas conversas, trocas, livros, cafés e, sobretudo, pelo carinho e contribuições para a elaboração final desta tese.

Ao meu eterno mestre Renato Cohen, pelo incentivo e motivação inicial que continuou permeando todo o pensamento tecido neste estudo.

Aos colegas do grupo de pesquisa em Processos de Criação da PUC-SP, pelas trocas fundamentais à esta tese.

À Silvia Valentin e Yann Regard, pela hospedagem e carinho durante meu período de pesquisa na França.

À Fafate Costa, pela leitura atenta e revisão dos meus textos sempre em processo.

À Ana Cristina Pilchowski, amiga e companheira de treinamentos, investigação, experimentação e criação.

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RESUMO Percorrendo a hipótese de que a produção audiovisual brasileira contemporânea, apresenta como elemento fundamental de seu processo criativo o ator como co-criador da obra, esta tese investiga os procedimentos de criação que alicerçam o trabalho deste ator, bem como os desdobramentos desta relação de co-criação.

Partindo da análise dos processos de criação dos filmes Bicho de Sete Cabeças, Cidade de Deus, Lavoura Arcaica, Contra Todos, Céu de Suely, Crime Delicado e das minisséries Pedra do Reino e Capitu e fundamentada pela

Critica de Processo, conforme proposto por Cecília Almeida Salles (2006), esta pesquisa, aponta o laboratório de criação como lócus de investigação, experimentação e emergência da obra audiovisual, no qual a prática improvisacional configura-se como um procedimento empregado na busca de possibilidades criativas e estéticas.

Com esta afirmação, ao propor um diálogo entre os estudos do audiovisual (Machado, Burch e Aumont), do ator (Artaud, Grotówski, Stanislávski, Barba e Burnier) e da produção cênica na contemporaneidade (Cohen, Zumthor, Fischer-Lichte, Lehmann), pontuamos alguns desdobramentos e deslocamentos na tradicional práxis cinematográfica. Como resultado destes procedimentos acontece uma transformação nos modos de produção audiovisual, aproximando-os dos modos de criação cênicos contemporâneos. Visando a compreensão dos processos comunicacionais próprios aos regimes de sentido do objeto audiovisual, o referencial teórico desta pesquisa é estabelecido a partir de conexões teóricas entre diversas áreas do conhecimento, das teorias do audiovisual, do ator e da criação cênica, conforme apontados acima, ao processo de criação em rede (Salles), a teoria do corpomídia (Greiner, Katz), da co-criação e complexidade (Morin), da emergência (Jonhson) e da fluidez e mobilidade (Bauman).

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ABSTRACT

Actorʼs poetics in audiovisual production

The actor as a co-creator in contemporary Brazilian production

Considering the hypothesis that Brazilian audiovisual production presents, as a fundamental element of itʼs creative process, the actor as a co-creator of the final audiovisual work, this thesis investigates the creation procedures which are the basis of this actorʼs work, such as the unfoldings of this co-creation relation.

Using the analysis of creation processes of the films Bicho de Sete Cabeças (Brainstorm), Cidade de Deus (City of god), Lavoura Arcaica (To the Left of the Father), Contra Todos (Up against them all), Céu de Suely (Love for Sale), Crime Delicado (Delicate Crime) and of the miniseries Pedra do Reino and Capitu, and having the Critica de Processo (Process critics), proposed by Cecília Almeida Salles (2006) as a basis, this study sees the creation laboratory as a locus of investigation, experimentation and emergence in audiovisual work, in which the improvisation practice is configured as a procedure to be used in the search of creative and aesthetic possibilities.

With this assumption, by proposing a dialog between audiovisual studies (Machado, Burch and Aumont), studies of the actor (Artaud, Grotówski, Stanislávski, Barba and Burnier) and of the contemporary scenic production (Cohen, Zumthor, Fischer-Lichte, Lehmann), weʼll point out some unfoldings and displacements in tradicional cinematographic praxis. As a result of these procedures, a transformation finds its course, in the modes of audiovisual production, approaching those with modes of contemporary scene creation.

Aiming the comprehension of the audiovisual objectʼs meaning regimes own comunication processes, the theoretical reference of this research is established upon theory connections between many knowledge fields, audiovisual theories, actor and scenic creation studies, as mentioned above, the process of creating in a net (Salles), and the theories about “corpomídia” (or “mediabody”, by Greiner, Katz), co-creation and complexity (Morin), emergence (Johnson), fluidity and mobility (Bauman).

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SUMÁRIO

Notas da autora

INTRODUÇÃO _________________________________________________ 13 I POÉTICAS DO CORPO EM CENA

Por uma dramaturgia do corpo _____________________________ 22 Ações Físicas ______________________________________ 23 Impulso, Estímulo e Partituras __________________________ 25 Corpo e Intensida ____________________________________ 29 Organicidade, Fluidez e Espontaneidade _________________ 33 Atuação e Presença __________________________________ 35 Corporeidade e Naturalismo ___________________________ 39 II O ATOR CO-CRIADOR

Ator e co-criação ________________________________________ 44 Procedimentos de criação

Laboratório – investigação e experimentação ______________ 47 Improvisação ______________________________________ 49 A prática improvisacional – do desenho à cena _____________ 51 Criação Colaborativa _________________________________ 54

Contribuições Estéticas

Espontaneidade e ideia de tempo presente ________________ 58 Leveza e Fluidez ____________________________________ 63 III – O ATOR CO-CRIADOR E A CENA AUDIOVISUAL

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Laboratórios de criação Audiovisual

Lavoura Arcaica, Pedra do Reino e Capitu: Encenação como experiência investigativa ______________________________ 86 Céu de Suely: Imersão e potencialização do ator co-criador ___ 91 Contra Todos: Ator-autor e work in process ________________ 93

Crime Delicado: o percurso como espaço da criação _________ 95

IV DESDOBRAMENTOS DE UMA PRÁTICA LABORATORIAL

Deslocamentos _________________________________________ 101 Ator Co-Criador | Diretor-encenador ____________________ 102 Partituras de encenação _____________________________ 105 A fluidez das etapas de produção ______________________ 115

Desdobramentos de uma articulação entre

corpo, espaço e tempo _____________________________ 119 Montagem e Organicidade ___________________________ 121

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Notas da autora

Tecer fios que alinhavam um pensamento, - traduzindo experiências, observações e inquietações, - em palavras, certamente é a parte mais difícil de uma pesquisa. No entanto, é esta textura de palavras que proporcionará um espaço de troca, intercâmbio de idéias e de experiências.

Fruto de uma inquietação inconteste, este estudo encontra-se em construção, em fluxo, assim como o objeto por ele abordado. Pois, como falar da arte do ator e de processos criativos, se não tecendo ainda mais perguntas e novos questionamentos?

Percursos que antecederam esta pesquisa

Se pudesse definir, diria que esta pesquisa iniciou-se em 2002, quando ingressei no Programa de Pós-Graduação em Artes da UNICAMP. Entretanto, os estudos, ou (ao menos) as inquietações acerca das relações de criação do ator no audiovisual, germinaram bem antes disso. Atriz, ao ingressar num curso de graduação em Rádio e TV, muito me inquietava não haver uma só disciplina de direção de atores. De forma empírica, passei a investigar as possibilidades de criação advindas da inserção de atores em laboratórios de criação audiovisual. Eram apenas experiências, que resultaram em vários trabalhos e acabaram tornando-se minha pesquisa de final de curso, quando realizei a seleção e a preparação dos atores para o curta-metragem “Hoje de Madrugada” adaptado da obra homônima de Raduan Nassar e dirigido por Vinicius Galera e Fabiana Souza.

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nenhuma pretensão acadêmica, ingressei na UNICAMP em 2002, com orientação do Professor Dr. Rubens Brito e Co-orientação do Professor Dr. Renato Cohen.

Os estudos com Cohen me proporcionaram o conhecimento da prática da

Performance e contato com a obra de Sérgio Penna, que naquele momento tinha acabado de lançar o primeiro longa-metragem: Bicho de Sete Cabeças (2001), em que tinha atuado como preparador de elenco.

Apenas após o falecimento de Cohen resolvi aproximar-me de Sérgio Penna, já em 2004. Ao chegar ao espaço onde seria realizada a oficina com Penna, na Rua Girassol, na tradicional Vila Madalena em São Paulo, pude compreender porque Cohen tanto me dissera para procurar por Sérgio. Com um abraço apertado fui recebida pelo preparador, que me apresentou todo o material de registro da preparação dos atores de Bicho de Sete cabeças e de

Contra Todos.

Diria que as inquietações que movem a realização desta tese iniciaram-se ali, naquele momento. Como sempre dizia Renato Cohen, naquele ritual (oferecido por Penna) fui afetada. Criou-se um elo de afeto, no sentido Artaudiano do termo.

Em 2004, finalizei minha dissertação de mestrado, entretanto, não houve tempo hábil para que todas as inquietações emergentes do encontro com a preparação de elenco no Brasil, através de Penna, fossem naquele momento investigadas. Ao finalizar o mestrado a única certeza que tinha era de que havia muita coisa a ser estudada e experimentada.

Essas inquietações ficaram adormecidas entre 2005 e 2006, anos em que no comando de um programa de TV, abandonei as salas de ensaio e, consequentemente, meus estudos.

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Ao intitularmos este estudo como Poéticas do ator no audiovisual1, de

forma plural e não singular -Poética-, apontamos desde o início para a multiplicidade de poéticas presentes nos processos de criação audiovisual contemporâneos. Poéticas que seguem desde as relações mais tradicionais de interpretação de uma personagem - baseada no texto e na representação -, até as relações de co-criação entre ator e obra, nas quais o ator cria sua própria personagem e colabora para o desenvolvimento da obra como um todo.

No entanto, neste estudo, nos detivemos nas poéticas emergentes da inserção do ator co-criador e nos desdobramentos e contribuições que a presença deste ator gera no processo criativo da obra audiovisual.

Para nos lançar no espaço da fluidez, presente na criação atoral e em processos de criação laboratoriais, agarramo-nos nas propostas apontadas pela

Crítica de Processo de Cecília Almeida Salles (2006), realizando um acompanhamento teórico-crítico, dos processos de criação e produção de obras audiovisuais brasileiras lançadas entre 2000 e 2008.

Ao propor o conceito de Criação em Rede, ou seja, compreender o processo de criação como um sistema complexo que se estabelece em rede através de trocas entre os sujeitos e do intercâmbio de ideias, num amplo campo de interações das linguagens e dos meios, a Crítica de Processo (SALLES: 2006), que possui base geneticista e é embasada pela semiótica Peirceana, apresenta como metodologia de pesquisa a análise de documentos e registros dos processos de criação de obras artísticas, midiáticas e científicas, bem como a própria obra.

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como a realização de entrevistas com os diretores e preparadores de elenco, cujas obras serão abordadas neste estudo.

Ao analisarmos os documentos de processo, alguns índices persistiam, entre eles as relações de criação ator-obra, o espaço laboratorial de criação denominado pelos diretores como preparação do ator, a presença de preparadores de elenco nas equipes de produção e a improvisação como mola propulsora do desenvolvimento do texto/roteiro e da encenação.

Diante da análise desses índices, estruturamos a hipótese que alicerça esta pesquisa, a de um ator como co-criador da obra audiovisual. No entanto, como uma via de mão-dupla, a inserção de um ator que colabore para a emergência da obra gera a necessidade de novas relações de criação, causando assim deslocamentos de alguns procedimentos inerentes a uma

práxis fundamentada no rigor e na precisão, como a cinematográfica.

Diante da hipótese construída, abrimos uma ampla frente de reflexão sobre a fundamentação do trabalho atoral na criação audiovisual. Pois, que ator é este que esta em cena? Quais são as bases de criação e preparação deste ator? Como se estabelece a relação de co-criação do ator com a obra audiovisual?

Ao lançarmos um olhar para a história do cinema observamos importantes diretores e diferentes “métodos” e propostas de abordagem do trabalho do ator, conforme abordado pela teórica francesa Jacqueline Nacache em LʼActeur de cinéma (2003), no entanto, é facilmente percebido que grande parte maioria das produções cinematográficas estão fundamentadas num “textocentrismo”, ou seja, baseadas no roteiro e em busca de um ator que decore seu texto e interprete uma personagem. Por outro lado, poucos são os estudos que se debruçam sobre a análise do trabalho do ator e suas bases de criação no cinema, pois, a grande maioria da bibliografia nesta área, reduz-se a biografias de atores ou análise dos métodos de direção.

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Grotówski, Artaud, Barba e Burnier, não com o intuito de investigar esses sistemas ou aplicá-los como “métodos” para a prática criativa do ator na contemporaneidade, mas utilizando-os como um campo de referência para a leitura dos procedimentos para uma dramaturgia do corpo, uma dramaturgia que emerge da ação e transforma-se em cena audiovisual.

Ao lançarmos um olhar sobre os processos de criação da recente produção audiovisual brasileira, sobretudo a cinematográfica, percebemos que, em sua grande parte, os diretores, não buscam por atores que decorem um texto e interpretem uma personagem, já delineada por um roteiro cinematográfico, tão pouco se debruçam sobre decupagens ou roteiros técnicos para pensar a encenação, mas sim propõem uma dramaturgia e uma encenação que sejam desenvolvidas conjuntamente com os atores. Aproximando-se, assim, das propostas de criação presentes na performance, na dança e no teatro contemporâneo.

Em busca da compreensão dos procedimentos que impulsionam estas propostas de criação pautadas no corpo e que, a nosso ver, balizarão o trabalho deste ator que estamos nomeando como co-criador, desenvolvemos a primeira parte desta tese. Intitulada como “Poéticas do corpo em cena”, nesta parte pontuamos alguns procedimentos, que acreditamos serem importantes para a fundamentação do trabalho do ator co-criador. Procedimentos como as ações físicas (Stanislavski)e seus desdobramentos, partitura física, impulso e estímulo

(Grotówski), que em busca de um trabalho do ator sobre si mesmo e do desvelamento deste, propõem a relação do ator como criador da obra cênica e, apontam, para um partitura física do ator que é sempre renovada no aqui e agora da ação.

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Seguindo os apontamentos destes procedimentos, nos agarramos nas propostas Artaudianas para refletir sobre a relação corpo e intensidade, fundamentando as relações de atuação e presença nos processos criativos contemporâneos.

Permeados pela idéia do “ser” e não do interpretar, os processos de criação audiovisuais contemporâneos nos apontaram para a necessidade de investigação sobre esta plenitude do ator em cena e essa ruptura com a interpretação de uma personagem, em busca da individualidade do ator. Detivemo-nos nos escritos de Artaud, Barba e no Treinamento energético ou

Dança pessoal de Luis Octávio Burnier, bem como na Extrojeção conforme proposto por Renato Cohen, para compreender essas relações que tanto nos aproximam dos estudos da Performance e do Teatro contemporâneo.

Entretanto, para a análise desta dramaturgia do corpo na cena audiovisual, tomamos também as proposições de Helena Katz e Christine Greiner em Teoria do Corpomídia (2005) para compreender este corpo como um sistema dinâmico e auto-organizativo.

Se num primeiro momento o que nos interessava eram os procedimentos empregados na preparação dos atores, conduzindo-os à relação de co-criação, estas questões levaram-nos a novos questionamentos, intrínsecos à presença deste ator co-criador na produção audiovisual.

Neste momento, foi importante compreender o que Cecília Almeida Salles pontua como projeto poético do artista. Segundo Salles (2008) são princípios direcionadores, de natureza ética e estética, presentes nas práticas criadoras, princípios relativos à singularidade do artista, um projeto pessoal (e singular), inserido no tempo e no espaço da criação.

Fruto de um projeto poético estabelecido, a relação de co-criação do ator é um princípio direcionador que persiste em processos de criação de diferentes diretores, entretanto, cada qual com sua singularidade, como veremos no decorrer desta tese.

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também algumas tendências, sobretudo relativas à inserção do ator co-criador nos processos de criação audiovisual, que persistem.

Estas tendências que, segundo Salles (2006), são rumos vagos que orientam os processos de construção das obras no ambiente da incerteza e da imprecisão, são observadas como atrativas do processo criativo, e serão pontuadas neste estudo como possibilidades de procedimentos criativos para a obra audiovisual. Assim, ao propormos os laboratórios como espaço de investigação e experimentação, tornando-se o grande lócus criador da obra, apontamos a improvisação e a criação colaborativa como princípios direcionadores que persistem nos processos de criação pautados na presença do ator co-criador.

Na construção da segunda parte deste estudo delimitada pela reflexão sobre o ator co-criador, ao estabelecermos um diálogo entre os laboratórios de criação audiovisual e os laboratórios cênicos, buscamos apontar como esses laboratórios se estruturam. Pautados na desordem e permeados pela incerteza

(MORIN: 2007) - estabelecendo-se como sistemas complexos, ao propor uma prática improvisacional como procedimento para a emergência da obra, gerando o que estamos denominando com partituras de encenação ou partituras do diretor, - os laboratórios configuram-se como um sistema botton-up, conforme apontado pelo pesquisador americano Steven Jonhson (2003).

A partir do arcabouço das teorias da complexidade, buscamos apontar as relações de criação estabelecidas para a emergência do roteiro, das partituras físicas do ator e das partituras de encenação, contribuindo para o desenvolvimento da obra audiovisual.

A partir desses apontamentos, tornou-se clara a busca estética que permeia as propostas criativas fundamentadas nas proposições ora apresentadas. Assim, após realizarmos as conexões entre as propostas laboratoriais para a criação audiovisual e a criação cênica, sobretudo nos diálogos com a Performance, debruçamo-nos sobre estas buscas estéticas.

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que performe em cena, reavivando no aqui e agora da ação, suas partituras físicas e as partituras de encenação, pontuamos esta busca dos diretores como uma busca pela espontaneidade em cena.

Permeada pela fluidez e pela ideia de tempo presente, esta espontaneidade do ator rompe com a ideia de realismo, propondo à cena a impressão de algo construído diretamente em cena, o que nos leva a pontuar esta busca por uma estética da espontaneidade.

Seguindo este pensamento, retornamos, na terceira parte deste estudo, às obras e análises dos filmes e minisséries que impulsionaram todas essas reflexões. Ainda que de modo breve, buscamos apresentar neste capítulo, um panorama da produção brasileira entre 2000 e 2008, apontando obras que trazem o ator como co-criador das mesmas, abrindo espaço para a fluidez criativa e para a colaboração na produção audiovisual.

Ao apresentarmos os processos criativos dessas obras, bem como apontar traços dos laboratórios de criação dos filmes Contra Todos (2004), Céu de Suely (2005), Lavoura Arcaica (2001) e Crime Delicado (2005); e das minisséries Pedra do Reino (2007) e Capitu (2008), discutiremos conceitos como o work in process (COHEN: 2008) na cena contemporânea e as bases de preparação dos atores para o desenvolvimento dessas obras, lançando um olhar sobre os procedimentos empregados por dois preparadores do cinema brasileiro: Sérgio Penna e Fátima Toledo.

Como já pontuado, ao inserir o ator como co-criador da obra audiovisual, num processo de criação fundamentado na investigação laboratorial e na colaboração, há um deslocamento de alguns procedimentos da tradicional práxis

cinematográfica.

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Esta parte do estudo abordará então, temas como as partituras de encenação ou partituras do diretor, o diretor como encenador da obra audiovisual, a fluidez das etapas de produção diante da mobilidade do processo criativo, a composição de figurinos e objetos de cena como desdobramentos de uma articulação entre corpo, espaço e tempo e a organicidade da montagem.

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Por uma dramaturgia do corpo

Ao entender o corpo como um sistema dinâmico e auto-organizativo2,

permeado incessantemente pelo fluxo de informações a partir da relação corpo-espaço-tempo, o ator, este corpo artista que traz consigo toda a complexidade humana, ao ser inserido em um processo de criação como co-criador, propõe possibilidades de ação e encenação, descobre caminhos, constrói sua própria dramaturgia. Uma dramaturgia que emerge do corpo, da ação.

Conforme explicitado por Christine Greiner (2005, p.73), o modo como esta dramaturgia se organiza em tempo e espaço é também o modo como as imagens do corpo são construídas e organizadas como processos de comunicação.

Na condução desta dramaturgia do corpo3, muitos foram os sistemas,

métodos, procedimentos ou dispositivos, desenvolvidos por pensadores da arte do ator. Para a realização deste estudo, com o intuito de apontar as bases de estruturação do trabalho do ator conduzindo-o a relação de co-criador da obra audiovisual, percorreremos alguns desses sistemas, não com o objetivo de refletir sobre eles como um todo, ou localizá-los historicamente numa linha de pensamento, mas sim, compreender alguns procedimentos que contribuam para o embasamento do que denominamos de ator co-criador e, sobretudo, para a prática criativa deste ator na cena audiovisual.

Por uma dramaturgia do corpo, abriremos um forte diálogo com os estudos da performance, do teatro físico e do teatro contemporâneo. Entretanto, iniciaremos por pensar as contribuições de Stanislávski e Grotówski, a partir do estudo das ações físicas, do impulso e da partitura, bem como de Antonin

2 O entendimento sobre o corpo na contemporaneidade, rompe com os paradigmas mecanicistas (relacionados à ideia do corpo máquina) e vitalistas (do organismo como regido por forças vitais), abordando-o como um sistema dinâmico e auto-organizativo.” (Nunes:2006, p.11).

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Artaud, Eugênio Barba e Luiz Otávio Burnier, no desenvolvimento de procedimentos para a potencialização corpórea do ator, o que nos conduzirá a discussão sobre o rompimento com a representação, em busca da presença e da intensidade, do “Ser” em cena.

Para que, num segundo momento, possamos adentrar questões pertencentes ao campo da estética e apontar as intersecções entre estes procedimentos e a prática criativa no trabalho do ator co-criador no audiovisual.

Ações físicas

Durante toda sua pesquisa sobre a arte atoral, Stanislávski apontou a necessidade do trabalho do ator sobre si mesmo. Sua sistematização (como todo sistema, dinâmica), passou por várias mudanças ao longo de sua trajetória, sendo a base de estruturação do treinamento do ator mais difundida no ocidente, e que influenciou outros grandes diretores, pensadores e escolas4.

Já no final de sua vida, durante o processo de criação do espetáculo “The Government Inspector” (1936, p.37), Stanislávski desenvolveu, o que muitos consideram, uma das suas maiores contribuições para a arte do ator: o “método das ações físicas”, o que, segundo o diretor e pedagogo argentino Raúl Serrano (SERRANO apud NUNES, 2006), é um marco epistemológico para as teorias do ator contemporâneo.

Durante todo seu percurso de trabalho com atores, Stanislávski, partiu de procedimentos experienciais. Como toda experiência, cada prática leva a novas questões a serem investigadas. E, assim, o diretor chega à seguinte questão:

Se o intelecto pode inibir e as emoções são volúveis, como o ator pode começar sua exploração da personagem? Pelo que é mais imediatamente disponível ao ator, respondendo facilmente seus desejos. O corpo. (BENEDETTI: 1989, pg. 67/68)

4 Dentre elas, o Actor Studios, dirigido por Lee Strasberg. Fundado em 1951 e localizado em Nova Iorque, nos Estados Unidos, “The Actor Studios” tornou-se a grande referência na formação de atores para cinema .

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A partir de então, Stanislávski propôs a seus atores, um trabalho de investigação e experimentação que tinha como ponto de partida o corpo e os ritmos corpóreos. Para ele, a noção de ação era inseparável das questões do ritmo, rompendo com a prática de criação pautada nas impressões do ator sobre o texto e sua personagem; o que, segundo o diretor, poderia conduzi-lo à superficialidade. “A lógica e coerência das ações físicas, direcionadas, resultam em uma lógica coerente com a vida psicológica da personagem” (ibidem, p. 68-69)

Segundo a atriz Maria O Knebel5, “A pedra fundamental do novo método

era de que o ator deveria tornar-se criador independente de seu papel.”6

(KNEBEL apud DAMOUR, 2008) .

Nunca desconectado do pensamento da época, Stanislávski ao afirmar que as emoções não são confiáveis, nem os sentimentos, propõe que o universo afetivo do ator, antes despertado por processos mentais, deveria passar a ser despertado por processos físicos.

Como adverte a pesquisadora Marta Isaacsson (2004), Stanislávski não afirmava que a ação gera emoção, mas insistia sobre o fato de reviver, pressupondo a existência da memória afetiva, “onde reside um fundo de afetos passíveis de serem despertados no presente, agora através da ação física”. (2004, p. 12)

Segundo Benedetti, para o diretor russo, com o método das ações físicas, ele propõe que a emoção torne-se um processo. “Se a seqüência de ações é suficientemente bem trabalhada, o ator decola.” (BENEDETTI: 2000, p.69).

Essa sequência de ações se daria através da improvisação de ações físicas e, as mais simples ações levariam o ator às ficções imaginárias, criação de circunstâncias propostas, ou seja, ao ato criador.

5 Maria O Knebel foi atriz de Stanislávski no teatro de Arte de Moscou, em 1948 juntamente com Kedrov (assistente de Stanislavki) fundou o Stanislavsky Drama Theatre.

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Entretanto, é importante compreender que as ações físicas são entendidas, por Stanislávski e seus sucessores, como expressão de uma necessidade e não como uma simples atividade corporal.

Segundo Isaacsson (2004), para o diretor, as ações físicas são resultado de uma lógica do próprio comportamento do ator e de suas próprias experiências, não havendo espaço para o acaso. Contudo, nunca devemos esquecer que essas ações são reavivadas com a interferência do presente, pois, como explicitado por Helena Katz e Christine Greiner em “Teoria do Corpomídia” (2005), o corpo não é um meio por onde a informação simplesmente passa ou é abrigada, mas sim o resultado do cruzamento entre as informações que chegam e as que lá já estão.

O que Nunes (2006) ressalta, é que ao realizar uma ação física, o ator aciona simultaneamente, circuitos responsáveis pelos processos emocionais e racionais. O ator alcançaria então, a memória afetiva, não a partir do intelecto, mas, sim, a partir do corpo.

No livro “Stanislávski & The Actor”(1998), o autor inglês Jean Benedetti, pontua uma série de exercícios propostos por Stanislávski a seus atores, ao pesquisar o método das ações físicas, que nos mostra que o diretor não abandonou todos os procedimentos de criação que propunha aos atores, mas alterou o ponto de partida - que passa a ser o corpo, e não mais o intelecto. Este último, que acabou sendo difundido, sobretudo pelos americanos, como psicológico.

Com a morte de Stanislávski em 1938, poucos foram os escritos deixados pelo diretor sobre o novo método. Entretanto, o caminho apontado por ele tornou-se o ponto inicial para o desenvolvimento das pesquisas de outros diretores, entre eles, Jerzy Grotówski.

Impulso, Estímulo, Partitura e Desvelamento

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Laboratório - a ampliação do pensamento sobre o ator criador, fundamentando-o no desvelamento do ator, ou seja, na doação total deste, num desnudar-se, desautomatizar-se, abrindo espaço para a espontaneidade e para a fluidez criativa.

Grotówski (1992) também requisitou um ator que pensa com o corpo, ou melhor, com suas ações. Um pensar-em-ação ou pensar-em-movimento mais próximo de uma organicidade proveniente do corpo em ação em tempo presente. (NUNES: 2006, p.23)

Até o fim de sua vida, Grotówski trabalhou sobre o método das ações físicas, inicialmente propondo o desbloqueio do que ele denominou como “corpo-memória” e conferindo ao corpo a liberdade de variações de ritmo; Além disso, pontuou a necessidade da precisão técnica corporal e a partitura física desenvolvida pelo ator como um sistema sígnico.

As contribuições de Grotówski para a arte do ator são muitas; porém, nos deteremos em três pontos: os impulsos, que segundo o diretor precedem as ações físicas, os estímulos e as partituras físicas.

Inicialmente, é necessário entender o que é uma ação física. Segundo Stanislávski, a ação física não é um simples gesto, movimento ou atividade corporal. Grotówski explicou isso em uma palestra proferida durante o festival de teatro de Santo Arcângelo (Itália) em junho de 19887. Segundo o diretor, as

atividades como lavar prato, limpar chão, fumar cachimbo, não são ações físicas, são atividades, entretanto, podem se tornar ação quando há uma intenção, uma solidez. Já o gesto é uma ação periférica do corpo, não nasce no interior do corpo, mas na periferia. As ações, ao contrário, estão radicadas na coluna vertebral e habitam o corpo. Já o movimento, por si só não é uma ação, mas cada ação pode ser colocada, em uma forma, em um ritmo. "Cada ação física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada.” (GROTÓWSKI, 1988)

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Segundo Thomas Richards (1993), para o diretor polonês, as ações físicas são a porta de entrada para a corrente vivente dos impulsos. Os impulsos precedem as ações físicas sempre, dizia Grotówski. O impulso requer uma ação interna e a ação interna exige, eventualmente, a ação externa (ISAACSSON: 2004).

Consideramos que são morfemas os impulsos que transbordam do interior do corpo para encontrar o “exterior”. Eu disse o interior do corpo; trata-se aqui de uma certa esfera, que ao modo arriére-pensée definiria como arriére-être, que compreende também todas as motivações do interior do corpo... (GROTÓWSKI: 2007, p.132)

Para Grotówski, o ator não deveria representar, mas penetrar no território da própria experiência, reencontrando os impulsos que fluem do próprio corpo, ativando não somente os estímulos que compõem a ação, mas também a sensação que conduz o ator à emoção da personagem e da cena. Estes impulsos estão profundamente arraigados e, ao despertá-los, acontece o desbloqueamento, conduzindo o ator a um corpo que transcende a funcionalidade cotidiana.

Dos apontamentos de Grotówski, pontuamos ainda, a importância da técnica e do rigor da precisão, algo que percorreu toda sua pesquisa, até mesmo quando rompe com teatro, passando a se dedicar as performnings arts ou a “Arte como veículo”, conforme nomeado por Peter Brook.

Somados à importância da técnica, estão as partituras corporais e o estímulo no processo criativo do ator. Para Grotówski, estímulo é aquilo que nos ajudar a reagir, ou seja, é um agente motivador. Já as partituras, são ações construídas pelo ator, que ao serem repetidas exaustivamente, conduzem o ator a organicidade da ação.

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construção de uma partitura de ações a partir de suas lembranças da infância. Somente após a construção desta partitura, e já munido de tamanha organicidade, por dominar esta partitura completamente, é que Grotówski trouxe-lhe algumas questões da personagem.

No início existe então a partitura de impulsos vivos, que depois é possível articular em um sistema de signos, porque no fundo não abandonamos definitivamente essa última ideia.(...) A obra deveria evitar tudo o que é casual, a obra deve possuir uma certa estrutura e, nesse sentido, a pesquisa da estrutura se reduz inevitavelmente à articulação dos impulsos que fluem da vida .”(ibidem, p.133)

Sendo todo processo de criação, um processo de semiose, a partitura física do ator, construída a partir dos impulsos, constitui a base da atuação. Sendo uma estrutura externa (física), percorrida pelo ator para reavivar os impulsos (internos) e, assim, transformar tal estrutura a partir das possibilidades surgidas na relação com o aqui e agora da ação.

Stanislávski nomeava a partitura como “linha de ações”. Mas, para Grotówski as partituras do ator, não estão fixadas a tal ponto de serem imóveis, pelo contrário, “são como leito de um rio” (GROTÓWSKI apud JIMENEZ: 1990). E estão abertas à imprevisibilidade e à possibilidade de emergir novas ações. Pois, embora Grotówski pontue o rigor da precisão, este corpo imbricado no tempo e no espaço nunca repete tudo de forma idêntica. Para o diretor, a espontaneidade, assim como a improvisação, são frutos de uma perfeita preparação técnica e de princípios objetivos de atuação.

Para Stanislávski e Grotówski o ator criador é este que trabalha sobre si mesmo, buscando no seu corpo, todos os impulsos que o levam à criação. E a estrutura desta criação (partituras), torna-se um procedimento para a improvisação e para a espontaneidade.

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bem como na improvisação no set de filmagens. Pois, a criação audiovisual contemporânea, sobretudo a brasileira, ao propor como parte do processo criativo, um laboratório de criação com os atores, que tem como princípio norteador o ator como co-criador da obra, busca, ainda que de forma intuitiva e investigativa, base para o desenvolvimento das dramaturgias do corpo no audiovisual.

Corpo e intensidade

Para o diretor francês Antonin Artaud, o trabalho do ator advém de um processo físico, um corpo em vida, potencializado para a cena, acreditando que qualquer ator possa, através do conhecimento físico do corpo, alcançar a espontaneidade em cena. E essa espontaneidade é que leva o ator a contribuir para o desenvolvimento da encenação, estabelecendo a relação como criador. Contudo, a espontaneidade está diretamente relacionada ao rigor necessário ao trabalho do ator.

Em seus escritos sobre o Teatro da Crueldade, Artaud diz: “O espírito da crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacável, determinação irreversível, absoluta”8 ( OC9, p. 566).

Adentrando as proposições Artaudianas, iniciaremos por pensar na relação corpo-respiração, ou no ator como um “atleta afetivo”10 como propunha o

diretor. Para ele a respiração reacende a vida, atiça-a em sua substância. Assim, “É preciso admitir, no ator, uma espécie de musculatura afetiva que corresponde a localizações físicas dos sentimentos.” (1999: 151).

8 “Lʼesprit cruauté signifie rigueur, application et décision implacable, detérminacion irréversible, absolue.”

9 Obras Completas.

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Baseando-se na cabala e na acupuntura chinesa para os apontamentos da ação da respiração sobre o corpo, Artaud diz:

Tomar consciência da obsessão física, dos músculos tocados pela afetividade, equivale, como no jogo das respirações, a desencadear essa afetividade potencial, a lhe dar uma amplitude surda, mas profunda, e de uma violência incomum.(...) E assim qualquer ator, mesmo os menos dotados, pode, através desse conhecimento físico, aumentar a densidade interior e o volume de seu sentimento, e uma tradução ampliada segue-se a este apossamento orgânico. (ARTAUD: 1999, p. 158)

Ainda que uma das críticas mais comuns ao trabalho do diretor francês, seja a falta de proposições claras e metódicas, é extremamente precisa a relação apontada por Artaud entre ação-respiração e rigor-espontaneidade, na arte atoral. Segundo o teórico Jean-Jacques Roubine (1998), ao propor uma prática sobre a relação ação-respiração, Artaud criou bases para um trabalho, que “...permita o ator dominar, condensar e exteriorizar a energia difusa de seus estados afetivos elementares”.

Empregando o termo esforço, o diretor francês relaciona a respiração e o esforço corpóreo, como a base do ator para potencialização deste corpo e o alcanço das diferentes qualidades de sentimento.

Os movimentos musculares do esforço são como a semelhança de um outro esforço em dobro, e nos movimentos do jogo dramático se localizam sobre os mesmos pontos. Onde o atleta se apóia para correr, é onde o ator se apóia para lançar uma imprecação espasmódica, mas esta corrida é lançada para o interior . (ARTAUD: OC, p. 584)

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conhecimento de que tudo é dirigido, objetivado, e que este “conhecimento”, traria consigo as energias despertadas.

Proponho à renúncia ao empirismo das imagens que o inconsciente carrega ao acaso (...) Proponho a volta, através do teatro, a uma ideia do conhecimento físico das imagens e dos meios de provocar transes, assim como a medicina chinesa conhece, em toda a extensão da anatomia humana, os pontos que devem ser tocados e que regam até as funções mais sutis. (ARTAUD: 1999, p. 90/91)

Toda emoção tem bases orgânicas. É cultivando sua emoção em seu corpo que o ator carrega sua densidade voltaica (...) conhecer as localizações do corpo, é portanto, refazer a cadeia mágica. (ARTAUD: 1999, p. 160)

Esta energia corpórea, que torna o trabalho do ator vivo, pulsante, capaz de afetar o espectador, como proposto pelo diretor francês, ao longo do tempo, continuou sendo pesquisada por diversos diretores e foi uma forte referência para o teatro energético, proposto pelo filósofo francês Jean-François Lyotard (1973), “um teatro para além do drama, um teatro de forças, afetos, presença”. (LEHMANN: 2007, p. 58), que é bastante revisitado na contemporaneidade.

Sobre o conceito de energia no trabalho do ator, o diretor Eugênio Barba diz em seus estudos sobre as diversas técnicas de representação no Oriente, publicado no livro A Arte Secreta do Ator - Dicionário de Antropologia Teatral (1991), que toda tradição teatral possui uma maneira própria de dizer se o ator funciona ou não, e esse “funcionamento” tem muitos nomes, no ocidente os mais comuns são: “energia, vida, ou simplesmente a presença do ator.”

Para adquirir esta força, esta vida, que é uma qualidade intangível, indescritível e incomensurável, as várias formas teatrais codificadas usam procedimentos muito particulares, um treinamento e exercícios bem precisos. Esses procedimentos são projetados para destruir as posições inertes do corpo do ator, a fim de alterar o equilíbrio normal e eliminar a dinâmica dos movimentos cotidianos. (BARBA e SAVARESE: 1991, p. 74)

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Um dos fatos mais importantes para a arte do ator é a capacidade de ele dinamizar energias interiores que normalmente se encontram em estado potencial no seu interior (...) A conexão ação física-energia potencial do ator é fundamental. É o que vai dar vida às ações físicas, tranformando-as em ações vivas, e a técnica em técnica-em-vida. (BURNIER: 2001, p. 54)

Outra contribuição de Burnier, de extrema importância para o estudo da potencialização corpórea do ator é o Treinamento energético ou Dança pessoal.

Segundo o diretor (2001) o treinamento energético visa revelar a humanidade, a pessoa em si, e além de apontar caminhos, resulta em um conjunto de ações físicas que possuem uma forte ligação com o ator.

O treinamento energético vai além das fronteiras do puramente técnico. Ele possibilita ao ator entrar em contato e revelar, livre do crivo do intelecto e do racional, a geografia das regiões mais profundas de sua pessoa. O “treinamento” provoca e ocasiona uma diminuição do lapso de tempo existente entre impulso e a ação. O ator extravasa ações corporais e sonoras genuínas, repletas de sensações e de emoções muitas vezes contraditórias. (PUCCETI, apud BURNIER: 2001, p. 139)

Fundamentando na exaustão física, o treinamento energético ou a dança pessoal, propõe que a partir do cansaço físico do corpo, este se abra para possibilidades de ação. O corpo está cansado, mas motivado, potencializado de tal maneira que propõe ações por si mesmo, ou seja, segue um fluxo de energia que o leve a ação.

Nesse sentido e relacionando suas proposições a de Artaud e Stanislávski, Burnier aponta a importância de encontrar no trabalho do ator, a materialidade, a corporeidade, dos aspectos interiores. “Esse correspondente corpóreo, dilatado, é o que constituirá as bases da arte de ator, sem o que ele se perde no caos das sensações, traduzidas como “sentimentos” e “emoções”. (BURNIER: 2001, p. 142)

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Essa relação do “Ser” ao invés do interpretar é elucidada pelo teatro japonês, sobretudo pela dança Butô, na qual a individualidade de cada ator ou dançarino é a base para o encontro de técnicas próprias e particulares.

É importante a compreensão que o “Ser” a que se refere Burnier, bem como será constantemente abordado neste estudo, não é o ser psicologizante, mas sim a ideia de individualidade, de corporeidade, como no Butô.

Nesse sentido, a Dança Pessoal proposta por Burnier11, colabora para

refletirmos sobre a ideia de intensidade e presença, bem como com a constante atualização do fluxo energético, no aqui e agora da ação.

Organicidade, fluidez e espontaneidade

Na pesquisa desta potencialização corpórea e na transposição da energia para a cena, a organicidade, no sentido de algo arraigado no corpo, ou seja, orgânico, tornando-se assim, uma ação espontânea, natural, singela, é constantemente revisitada.

A organicidade, para Grotówski, indica algo como a potencialidade de uma corrente de impulsos do corpo humano, quase uma corrente biológica, que vem do interior e é empregada na construção de uma ação precisa. Já para Stanislávski, a organicidade significa que as leis naturais da vida, por meio de uma estrutura e composição, aparecem na cena e se torna arte.

Entretanto, conforme apontado por Burnier (2001), existem dois planos, sobre os quais podemos trabalhar. O primeiro é de uma organicidade “real” interna, que tem a ver com o fluxo de vida que alimenta uma ação, ou seja, “estamos falando do que é vivo, da vida que emana de um ator”. O segundo é a impressão de organicidade, “da artificial naturalidade de que nos fala Craig, ou seja, ao fluir coerente da linha de força de uma ação física ou de uma sequência de ações físicas” (BURNIER: 2001, p.53)

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Atreladas à fluidez, as partituras físicas desenvolvidas pelo ator, a partir dos impulsos e dos estímulos, serão sempre renovadas no aqui e agora da ação e, portanto, geram uma impressão de espontaneidade. Impressão, pois a espontaneidade no trabalho do ator, é algo construído, fruto da preparação e do processo criativo no qual o ator está inserido.

No trabalho do ator no cinema, a fluidez, bem como a espontaneidade é algo recorrente, sobretudo na contemporaneidade, diante das opções estéticas dos diretores. Como disse Peter Brook, realizar uma ação aparentemente simples de modo que pareça tão natural, requer toda a competência de um artista, pois este tem que ir muito além da imitação, para que a vida inventada seja também uma vida paralela, para que não possa distinguir da realidade em nível algum.

Recorrente nas artes performáticas e no teatro contemporâneo, para a compreensão desta ideia da espontaneidade como algo construído, tomaremos como exemplo a obra 18 happenings em 6 partes, de Allan Kaprow, apresentada em 1959 na Reuben Gallery em Nova Iorque. Uma obra que marca o início do happening como forma artística.

Segundo Jorge Glusberg (2009), os seis performers executam ações simples, episódios da vida cotidiana como espremer laranjas, ler textos, produzir filmes, sons, ruídos e pinturas. No entanto, “o caráter de espontaneidade implícito nesta nova forma, 18 happenings foi ensaiado durante duas semanas antes da estreia” (2009, p. 33), e, além disso, os performers seguem um roteiro minucioso com marcação de tempo e movimento.

A espontaneidade traz consigo a singeleza e o frescor de algo que acontece no aqui e agora da ação, tornando-se, por um lado, uma característica estética, mas por outro um procedimento, gerando a necessidade da preparação do ator e da inserção de um laboratório de criação.

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seja a estética adotada na construção de uma obra cênica, deve existir no trabalho do ator uma relação entre as partituras das ações físicas e os impulsos internos, os chamados, por Barba, de “pontos de apoio”. Ainda sobre a relação de realismo e naturalismo, o diretor diz não existir ações naturais ou não naturais, mas apenas inúteis ou necessárias. “A ação necessária é aquela que compromete o corpo todo, que muda perceptivelmente a sua tonicidade, que implica um susto de energia, mesmo na imobilidade” (BARBA: 2009, p.184).

Portanto, ao falarmos em uma dramaturgia do corpo na cena audiovisual, apontamos com base nos procedimentos de preparação e treinamento do ator, abordados até o presente momento, para uma cena que emerge da ação, desenvolvida em laboratórios de criação a partir do trabalho físico do ator, que poderá ter como base um roteiro, um livro, um quadro ou qualquer outro referencial dramatúrgico; no entanto, é construída em cena, a partir do desenvolvimento de partituras físicas, das improvisações que geram partituras, das investigações e experimentações que emergem do corpo. Um corpo potencializado, que é capaz de gerar “ações necessárias” e não inúteis. Um corpo preparado para desenvolver ações espontâneas, para lidar com o acaso, com a câmera e com as rupturas, ou como preferimos chamar, deslocamentos da linguagem cinematográfica.

E é diante desta relação com a espontaneidade que nos aproximamos dos estudos da performance, para discutir a relação entre atuação e presença.

Atuação e presença

Marcada por um movimento de rupturas, a Performance propõe uma dessacralização da arte em busca da proximidade arte-vida, trazendo como característica estética a espontaneidade e a ideia de tempo presente, ou seja, a ideia de algo que é construído ao vivo, aqui e agora.

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performativa na produção artística ocidental. Intitulada por Lichte como

“performative turn”, ou seja, virada performativa, esta tendência permeia todas as formas de expressão artística.

Contudo, se a década de 60 foi marcada pelo experimentalismo, pelas rupturas com a estética moderna vigente, foi na década de 70 com experiências mais conceituais e sofisticadas que a Performance Art pontuou suas marcas estéticas.

Na música, a introdução da aleatoriedade, dos ruídos e do silêncio de Stockhausen e Jonh Cage. Na literatura, o fluxo de James Joyce. Nas artes plásticas, assemblages e environments de Duchamp, Kaprow, Beuys. Na dança, Isadora Duncam e Merce Cunnigham, inseriram em seus repertórios movimentos cotidianos, o que foi um passo para a ruptura com a rigidez coreográfica e, mais adiante, tornou-se a fundamentação da dança contemporânea realizada por coreógrafos como Pina Baush e Willian Forsythe.

Uma dança que busca não mais bailarinos que decorem suas coreografias e marcações, mas sim, intérpretes-criadores que propõem suas trajetórias coreográficas segundo André Lepecki: aprendendo a escutar, a olhar e a transpor o real para a sala de ensaio.

Ele deve saber como reescrever este real a fim de fornecer ao coreógrafo, não mais uma matéria primeira, mas já um ʻarranjo artificialʼ. A matéria para a composição já está composta. A tarefa do coreógrafo consiste então em extrapolar esta matéria e encontrar uma lógica que lhe sirva melhor, sem deixar de preservar a pureza de sua essência. (LEPECKI apud DANTAS: 2005, p.37)

Do teatro, a Performance incorporou o laboratório de Jerzy Grotówski e o Teatro Ritual de Antonin Artaud, rompendo com a ideia de representação e instituindo a atuação.

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É importante ressaltar, como bem apontado por Renato Cohen (2007), que na performance vão conviver espetáculos de grande espontaneidade, criados praticamente ao vivo, mas também aqueles altamente formalizados, que seguem um roteiro estabelecido, são ensaiados e preparados, mas que trazem como marca a espontaneidade e a atuação.

Ao transitar, do ponto de vista estético, pela tênue linha da espontaneidade, a performance foi responsável por abrir caminho para o improviso e para o acaso na criação cênica.

Na produção audiovisual, a discussão acerca das relações com a performance se estabeleceu, inicialmente, com a vídeoarte e o cinema experimental dos 60 e 70. Na atualidade, quem ganha destaque é a New Media Art, sobretudo por ser uma cena de simultaneidades, e abrir um amplo campo de diálogo entre as artes cênicas, visuais, música e a tecnologia.

Entretanto, a relação com a espontaneidade e a busca pela atuação proposta pela performance, no audiovisual, é marca fundante dos filmes de Godard.

Jean Luc-Godard, conhecido pela sua não-direção de atores, buscava trabalhar diretamente com a singularidade do ator e a liberdade de criação deste, como ponto de partida para a construção de suas obras. É bastante conhecida a frase de Godard, em que o diretor francês diz que: a melhor preparação para o ator é andar cinco quilômetros de bicicleta para chegar ao set de filmagens.

Frase que é empregada na prática, segundo a atriz Nathalie Baye. Em uma entrevista, durante a Semana de Cinema de Paris, em 2008, a atriz - ao falar sobre sua relação com Godard - faz uma comparação com o modo como Truffaut tratava seus atores, com toda atenção. Disse que, para realizar o filme

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pela manhã, não se maquiasse, pegasse a bicicleta e fosse encontrá-lo. “Assim é trabalhar com Godard!”, afirma a atriz.

No artigo intitulado “La non-direction dʼacteur selon Godard” (“A não-direção de ator segundo Godard” in BINH: 2006), o diretor e crítico francês Alain Bergala, diz que Godard partilha com Rossellini e Antonioni “a recusa, para não dizer o horror, da interpretação”. Para esses cineastas o ator não deve compreender, ele deve ser.

Uma das premissas dos cineastas da Nouvelle Vague era romper com a maneira que atores e diretores trabalhavam, reinventando os corpos, para que esses pudessem ser bons condutores de ritmo, de gesto e de ocupação do espaço.

Em oposição à mise-en-scène, Godard propunha a liberdade de criação para seus atores, estabelecendo um jogo entre ator e diretor, no qual a espontaneidade e a improvisação eram fundamentais, assim como a mobilidade da câmera em seguir os atores, e não mais os atores atuarem para a câmera.

O diretor diz ter aprendido com Bresson e Rossellini estratégias para que o ator não ensaie sua personagem, “incorporando” um outro e não ele mesmo. Primeiro, consiste em não dar o roteiro aos atores, mesmo que ele exista. Segundo, se recusa a dar explicações para o ator sobre o personagem que ele deve interpretar. “Godard sempre respondeu aos atores que lhe perguntavam sobre as relações ou perfil das personagens que interpretariam no filme: ʻNós saberemos quando o filme terminar, quem é este personagemʼ. (BERGALA: 2006, p. 69)

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tampouco trabalhar com atores não profissionais; mas sim, propõe uma criação diretamente em cena, num jogo entre ator, diretor e câmera, trazendo como resultado estético a espontaneidade, a fluidez e a ideia de tempo presente.

Para isso Godard lança mão de um método específico de treinamento de seus atores. No caso de Nathalie Baye para o filme Sauve qui peut (la vie), o convívio em seu dia-a-dia para conhecê-la com mais profundidade, e uma semana de solidão profunda, fazendo com que a atriz se aproximasse do ritmo idealizado pelo diretor para o filme, do silêncio e das emoções necessárias à sua personagem e às cenas.

Na atualidade, a busca pela atuação, está presente nas obras de diretores como Mike Leigh, Ken Loach, Nomi Kawase, Apichatpong Weerasethakul e com bastante ênfase, em grande parte das produções brasileiras. A medida que estas propõem um processo criativo que exija “mais presença do que representação” (LEHMANN: 2007, p.130), buscando uma cena ativa, construída diretamente em cena, apontam para o que estamos chamando de estética da espontaneidade.

Corporeidade e naturalismo

Segundo Renato Cohen, a preparação do ator-performer busca pelo aprimoramento de habilidades psicofísicas e pelo seu desenvolvimento pessoal, na qual o objetivo é criar a personagem partindo do próprio ator, num processo denominado pelo encenador como Extrojeção: “[...] O processo vai se caracterizar por uma extrojeção (tirar coisas, figuras suas) do que uma introjeção”. (2007, p.105).

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trabalha-se com as partes da cada atuante. Elas “afloram” nos processos de laboratório” (idem, p.106)

Dessa maneira, a performance trabalha como a ideia da individualidade do ator-performer ou atuante. Como vimos na Dança pessoal, proposta por Burnier, essa ideia de individualidade, do “ser” e não interpretar, está também presente no teatro, entretanto, este pensamento se dá a partir do momento que o ponto de partida da criação teatral se torna o corpo. Ou seja, o trabalho começa a partir do físico, dissociando o corpo da ideia de algo meramente emocional ou sentimental e dando ao “Ser” o sentido de estar presente, de presença, fazendo com que a individualidade do ator torne-se parte da criação. É deste ponto de vista, que compreendemos quando Renato Cohen diz que o trabalho do performer é muito mais Artaudiano que Stanislavskiano.

Na linha de um teatro que busca no corpo do ator e na sua individualidade o material expressivo, comunicacional, para o desenvolvimento da obra, surge a denominação Teatro físico. Com forte relação com a mímica, com a dança, com o circo e com pensadores como Jacques Lecoq, Etienne Decroux, Philippe Gaulier, Monika Pagneux, o Teatro Físico12, segundo a

pesquisadora Lúcia Romano (2008), tem como ponto germinal a junção entre teatralidade e corporeidade, o que o aproxima também das propostas de Eugênio Barba, Grotówski e Burnier.

O Teatro físico quer enfatizar a materialidade do evento; physical poderia ser traduzido como “conectado ou relativo ao corpo”, correspondendo àquilo que pode ser sentido ou visto e que não existe apenas numa dimensão espiritual ou mental. A produção eclética, reunida pelo conceito Teatro Físico, é identificada com a tensão que se apresenta no duplo legado do nome que caracteriza a ação: uma ação sobre a fisicalidade, gerando uma certa disposição do corpo, em função de uma teatralidade específica. (ROMANO: 2008, p. 16)

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Ao estabelecer uma relação entre o Teatro Físico e a Performance, Romano diz que, “o corpo produz a obra que produz o corpo” (2008, p.47). É uma relação cíclica. Na construção dessa corporeidade a técnica materializa o impulso criador, “estabelecendo o fluxo comunicativo entre a pessoa do ator e seu fazer no e através do corpo” (idem, p.180).

Ao discutirmos sobre a relação de criação a partir do corpo, dois termos aparecerão com frequência: fisicidade e corporeidade. Para o entendimento destes, recorreremos aos escritos de Burnier (2001, p. 55). Para o diretor a corporeidade é a maneira como as energias potenciais do corpo se corporificam, é a transformação destas energias em músculo, que originarão as ações físicas. Assim, a corporeidade antecede a fisicidade “Como corporeidade entendo a maneira como o corpo age e faz, como ele intervém no espaço e no tempo, o seu dinamoritmo”. Já a fisicidade, “é o aspecto puramente físico e mecânico da ação física (...) a fisicidade da ação é para nós a forma dada ao corpo”.

No entanto, ao falarmos em Teatro Físico, tão logo surge a imagem de um teatro com ações fortemente codificadas, de um corpo “extra-cotidiano”13. Mas,

neste teatro vão conviver, assim como na performance, uma corporeidade teatral, no sentido, de uma corporeidade codificada, “artificial” e uma corporeidade próxima ao corpo cotidiano, as ações “naturalistas”.

Segundo o diretor Robert McCrea (in ROMANO: 2008), o resultado de uma obra do Teatro Físico pode ser totalmente naturalista, pois o que interessa é o ponto de partida do processo de criação, que usa o corpo dos atores um a um. Assim, podemos falar em “naturalismo físico” e em “veracidade”, no entanto, um naturalismo que é de outra ordem de um corpo cotidiano, é um naturalismo cênico, como podemos acompanhar em alguns trabalhos do grupo inglês DV8 Physical Theatre ou no trabalho do diretor canadense Robert Lepage, por exemplo.

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Ator e co-criação

Calvino em “Seis propostas para o próximo milênio” diz:

Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, “Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis. (1990, p.138)

No jogo da criação, o trabalho atoral é permeado por esse remexer e reordenar constantemente essa enciclopédia que se encontra em fluxo contínuo. Pois, o ator, este corpo dinâmico, reorganizável, imbricado biológica e culturalmente a partir de uma lógica de organização, que é sempre singular, conforme explicitado pelo biólogo Jakob Von Uexküll (apud GREINER: 2005, p. 54), repleto de experiências, que segundo Helena Katz e Christine Greiner, “[...] são fruto de nossos corpos, de nossas interações com o ambiente e com outras pessoas dentro da nossa cultura [...]” (2005, p.132) ao ser inserido num processo laboratorial de criação contribui para o desenvolvimento deste.

Contribuição que tem como base de sustentação, técnicas e procedimentos apontados por diversos pensadores da arte do ator, mas que ao serem revisitados, são também automaticamente modificados, adequando-se às singularidades do corpo e do processo de criação em si, pois, na construção da corporeidade a técnica é o impulso criador.

Propor um olhar sobre a dramaturgia do corpo, sobre a relação de co-criação do ator com a obra, é, portanto, discutir processos éticos e estéticos da criação audiovisual.

Se, por um lado, o ator co-criador contribui com a encenação, com a dramaturgia, com o figurino, ao apontar possibilidades para estes, por outro, traz como marca estética para a obra, a espontaneidade, a leveza e a fluidez .

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reordenando-a a partir da relação com o outro e com o universo da obra, num fluxo contínuo entre a pessoa ator e seu fazer no e através do corpo.

O ator co-criador atua em cena, privilegiando o ato performance, que como exposto por Paul Zumthor (2000) terá sempre a ideia de presença de um corpo.

A ideia de presença, deste corpo potencializado, pleno, pronto para lidar com os acasos das filmagens, não nos distancia de um trabalho fundamentado no desenvolvimento de partituras físicas, muito pelo contrário, pois estas servirão, conforme dito anteriormente, para despertar a energia corpórea, reavivar os impulsos internos, colaborando também como um procedimento para lidar com a fragmentação das filmagens, conforme abordaremos adiante.

Podemos dividir, então, o trabalho do ator co-criador no audiovisual em duas partes: na criação laboratorial e nas filmagens.

Na inserção do ator co-criador no desenvolvimento da obra audiovisual, o espaço do laboratório torna-se fundamental. É o locus criador, é onde a obra germina.

Fruto de um processo de investigação, pautado na incerteza (MORIN) e aberto aos “acasos e erros construtores” (SALLES: 2006), o laboratório é fundamentado em duas ações que poderão acontecer simultaneamente: a preparação ou treinamento do ator e a improvisação das cenas.

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Ao acompanhar, com olhos atentos, o treinamento e as improvisações dos atores, os diretores e preparadores lançam estímulos, gerando pouco a pouco os desenhos das cenas. Como rascunhos que ganham mais força, mais nitidez e começam a se articular.

Neste processo, temos então, duas partituras, a do ator e a do diretor. A partitura do ator é incorporada, no sentido de embodied, ou seja, de compreender no gesto e na ação da experiência humana, as possibilidades de qualidade daquilo que foi vivido, colocando o sujeito como epicentro do conhecimento e da cognição, da experiência e da ação (GREINER: 2005, p.35), já a partitura do diretor é anotada, desenhada ou simplesmente registrada por um olhar “fotográfico”.

Assim, as improvisações, acompanhadas pelos olhos atentos de diretores, preparadores e (algumas vezes) de equipe técnica, são como molas propulsoras da criação, impulsionam a criação atoral, alimentando a dramaturgia, propondo possibilidades de encenação, de sons, música, objetos de cena, figurino etc.

Munidos de suas partituras, sejam pertencentes ao corpo ou rascunhadas em um papel, atores, diretores e equipe seguem para a segunda etapa, as filmagens. Em busca desta estética da espontaneidade, o jogo, entre os atores co-criadores é que conduz a transposição do frescor das improvisações para a cena. Neste palco, mediado pelo olho da câmera, os atores atuam, performam.

O encontro com o aqui e o agora, interfere, propõe, modifica as partituras desenvolvidas nos laboratórios, mas como diz Grotówski espontaneidade e disciplina coexistem, e, portanto, essas modificações colaboram com a atuação, estabelecendo novamente o jogo e a improvisação. Entretanto, neste momento já seguindo um desenho rascunhado anteriormente.

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Numa alusão ao “teatro vivo” de Antonin Artaud, podemos falar em uma cena audiovisual viva, pulsante, orgânica, fluida, desenvolvida a partir do e no jogo entre ator e câmera, criando possibilidades de enquadramento e de movimentação no ato da filmagem.

Ao atuar o ator co-criador rompe com a interpretação ou representação de uma personagem já instituída por um roteiro, para lidar com o fluxo das experiências humanas, propondo possibilidades para sua personagem e para a obra como um todo. Entretanto, se a presença, a improvisação e o jogo permeiam a atuação, a plenitude de um corpo em cena, como algo construído, é a base preparatória para este ator se lançar no processo de criação.

Como característica comum, os processos de criação que contam com a inserção do ator co-criador possuem bases de criação colaborativas, propõem uma investigação laboratorial e se fundamentam na improvisação como elemento propulsor da criação.

Procedimentos de criação

Laboratório – investigação e experimentação

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