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DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.7 n.6 dez/06 ARTIGO 04

A dinâmica criativa do conhecimento: palavra, imagem e espaços virtuais The creative dynamics of knowledge: word, image and virtual spaces

por Walter Clayton de Oliveira

Resumo: Vivemos em uma civilização da imagem dos espaços virtuais. Nesse sentido, a construção e a simulação de modelos mentais constituem o principal processo cognitivo subjacente ao raciocínio, ao aprendizado, à compreensão e à comunicação. Entender uma proposição, uma idéia, uma teoria significaria ainda fazer com que modelos mentais lhes correspondessem. Comunicar equivaleria então, essencialmente, a pôr em movimento a simulação de um modelo mental no espírito do

interlocutor. Este opúsculo busca compreender, através da dinâmica criativa do conhecimento inerentemente ligada a palavra, imagem e espaços virtuais, como a espécie humana internaliza sistemas de comunicação para torná-los instrumentos de pensamento.

Palavras-chave: Conhecimento; Criatividade; Inteligibilidade; Imagem; Espaços Virtuais.

Abstract: We live in a civilization of the image of the virtual spaces. In this direction, the construction and the simulation of mental models constitute the main underlying cognitive process to the reasoning, the learning, the understanding and the communication. To understand a proposal, an idea, a theory would still mean to make with mental models corresponded to them. To communicate would be equivalent then, essentially, to put in movement the simulation of a mental model in the spirit of the interlocutor. This article search to understand, through the creative dynamics of the inherently on knowledge the word, image and virtual spaces, as the species human being intern systems of communication to become them thought instruments.

Keywords: Knowledge; Creativity; Intelligible; Image; Virtual Spaces.

Dinâmica criativa do conhecimento

Até a bem pouco tempo a ciência embalava ainda o seu sonho de conhecer o mundo "tal como ele é". Acreditava em objetividades, certezas e rigores. Defendia a autenticidade estável de teorias, de leis deterministas, de lógicas acima de qualquer suspeita.

Atualmente o mito da objetividade da ciência agoniza. Não existe ponto de vista neutro. Basta lembrar que uma construção cônica erguida no solo aparecerá sob a forma de um contorno triangular aos olhos daquele que a vê de face, e como um círculo aos olhos de quem sobrevoa o seu vértice. Sabemos hoje que a disjunção entre sujeito e objeto, ou entre conhecedor e conhecível, é ilusória. Não há

experimentador que não interfira (consciente ou involuntariamente) nas condições da experiência que suscita. Não há sistema teórico independente da relatividade do referencial que constitui o núcleo dos seus pressupostos. Não há exatidão, certeza ou "verdade", que resistam à complexidade mutante do real.

As próprias ciências matemáticas - caracterizadas pela imensa liberdade criativa da sua imaginação que se não apóia em objetos ou fenômenos materiais já não interessam hoje pelo valor qualitativo dos seus cálculos ou pelas médias estatísticas que organizam os dados em tomo de referências estáveis. A contribuição relevante que as matemáticas prestam hoje às demais ciências centra-se na sua capacidade flexível de facultar modelos potenciais, isto é, nas suas virtualidades de qualificação global e

estrutural, constantemente remodelável.

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Existem outros absurdos aos quais não reagimos, apesar do novo olhar científico sobre a realidade conhecível. Assim, por exemplo, dizemos que estamos a "agir em tempo real sobre um espaço virtual". Que sentido poderá ter esta expressão perante a interdependência espaço-temporal, definida como unidade covariacional pela teoria da relatividade?

A função espaço-tempo, matematicamente enunciada, evolui num universo único. Há que optar

relativamente à sua designação. Ou esse universo é "real" ou é "virtual": as 3 coordenadas espaciais e a 4ª coordenada temporal pertencem simultaneamente a uma estrutura cuja coerência funcional não admite fraturas entre "real" e "virtual".

As teorias contemporâneas do conhecimento - nomeadamente as que surgiram a partir do

desenvolvimento da cibernética - não se alheiam das orientações transdisciplinares e holísticas que marcam o mundo científico atual. Tendem a sublinhar cada vez mais a natureza complexa, interativa e globalizante do ato cognitivo. Integram fundamentalmente: a inteligência artificial; as neurociências; a psicologia cognitiva; a lingüística; a epistemologia.

A ciência cognitiva é uma ciência plural (FETZER, 2001), que estabelece relações essenciais entre: 1-O psiquismo; 2- 1-O cérebro; 3- A sociedade.

O psiquismo compreende, nomeadamente, afetos, sentimentos, desejos,tensões emocionais. O cérebro envolve não só o sistema cerebral, como o sistema nervoso e a totalidade funcional do corpo. Na sociedade estão presentes, por exemplo, a linguagem, a comunicação, a economia, a organização social.

As interações destes fatores são múltiplas. Assim, a relação psiquismo/cérebro dá origem, por exemplo, a: 1- neurofisiologia; 2- neuropsicologia; 3- psicopatologia.

Na intersecção psiquismo/sociedade encontram-se: 1- a psicolingüística; 2- a semântica, 3- a antropologia.

E o encontro entre cérebro/sociedade faz surgir: 1- a neurolinguística, 2- a etologia; 3- o conexionismo.

O ato cognitivo é profundamente inter-relacional. O conhecimento não concerne apenas às faculdades intelectuais do homem, mas a inteireza do seu ser (GARDNER, 1996). A ciência procura tomar o real inteligível através de representações, modelos, paradigmas. Ao fazê-lo, considera unicamente um determinado número de aspectos selecionados no seio das múltiplas propriedades do real. Age à maneira de um filtro, para poder esquematizar simplificando a complexidade dos fenômenos em estudo. A crer na seleção feita, por exemplo, pelos serviços informativos de que dispomos, no mundo dar-se-iam mais facadas do que beijos...

Uma representação "modela" artificialmente o real, criando uma imagem - ou um modo de

compreensão - necessariamente relativa e limitada. O mundo transcende sempre os modelos que o procuram captar. O conhecimento que decorre de uma teoria, ou de um modelo, só é criativo no momento em que se elabora a modelização. O tempo que decorre entre a criação do modelo ao qual aderimos e o abandono do modelo que já não nos satisfaz, é um tempo de aplicação (mais ou menos rotineira) do esquema utilizado. É um tempo de "reprodução" e não de "criação". O que não implica não se exercer nenhuma atividade criativa ao longo processo de emprego do modelo concebido. A criatividade é movimento. Traz a contribuição de um olhar original que se pousa no interior do próprio sistema cognitivo. A criatividade pode ser desejada ou apenas tolerada. Mas em princípio não ameaça o conhecimento pré-estabelecido no qual se alicerça.

Já o pensamento inovador provoca um salto qualitativo, uma ruptura no sistema de representação adotado. Não introduz só um melhoramento "bem comportado". A inovação implica criatividade, mas a inversa não é verdadeira: nem toda a atividade criativa conduz à radicalidade da inovação.

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natureza dinâmica do conhecimento.

O conhecimento consiste na relação que se estabelece com um objeto. Ao selecionarmos as componentes através das quais se vai inaugurar a nossa relação com um objeto, estamos

necessariamente a ignorar todos os outros fatores consideráveis nesse mesmo objeto. Isto implica duas opções principais em nível dos dados relacionais em jogo. A saber:

- a escolha do conjunto das nossas próprias faculdades que estamos dispostos a investir nessa relação, ou nesse conhecimento;

- a escolha do conjunto de propriedades que nos interessa nomeadamente considerar no objeto conhecível.

Destes dois níveis de opções nascerá a relação das relações que define o laço estabelecido entre o sujeito e o objeto, entre o conhecedor e o conhecido. G. Bateson (1986, 1987), ao defender a unidade essencial entre observador e observado, chama a atenção para a "transformação do ser" que este processo suscita. Nomeadamente, para a necessidade de integrar as forças afetivas nas dinâmicas cognitivas e educativas. Não se pode amputar o homem em nome de uma pretensa "pureza" do conhecimento científico.

A unidimensionalidade do olhar cognitivo conduz a dogmatização e à exclusão de aspectos mais vastos - e talvez mais válidos - do real. Rigidificar, imobilizar, excluir ou desprezar, provocam um empobrecimento simultâneo das nossas próprias faculdades perceptivas e da amplidão do conhecível. Porque "eu" e o "mundo" não constituímos realidades justapostas: conjugamo-nos na 2ª pessoa do plural, formamos um "nós".

A dinâmica do nosso pleno desenvolvimento suscita, correlativamente, a compreensão alargada do mundo. Abre-nos, dilata-nos, completa-nos. Daí que a criatividade - enquanto capacidade de olhar novo e abrangente - seja um percurso de maturação que envolve todas as apetências do ser (BODEN, 1999):

- o racional e o sensível; - a mente e a intuição; - a análise e a síntese; - a linguagem e a imagem.

Esta unidualidade dinâmica tem sido designada por várias formas em diferentes contextos histórico-culturais: a)princípio masculino e princípio feminino; b)dialética yin/yang; c)segmentação e

globalização; d)pensamento lógico e pensamento analógico.

Onde a conveniência de nos debruçarmos não só sobre a linguagem (lógica) e a imagem (analógica), mas sobre as formas criativas que esta unidade dual reveste: a saber, a imagem verbal e a imagem; visual. A tensão entre o "dizer" e o "ver" instaura, no nível da compreensão, uma eficácia que prescinde de demonstração (FREITAS, 1977).

A palavra e a imagem: a inteligibilidade e a forma

Neste contexto, tanto a palavra como a imagem são entendidas como instrumentos ao serviço do conhecimento. O conhecimento começa por ser um "ato de fé", na medida em que a fé é a adesão a qualquer coisa que suscita a nossa credibilidade. Acreditamos no sistema que construímos para

representar o real, isto é, julgamos o nosso conhecimento "credível" (a avaliação desta fidedignidade é habitualmente relegada para a filosofia das ciências ou para a epistemologia).

Um conhecimento considerado credível traduz-se, naturalmente, por um "ato de comunicação". A transmissão de um entendimento veicula um certo número de vetores que orientam unta determinada transformação do mundo. O conhecimento tende a ser um "ato eficaz".

Este ato de fé, de comunicação e de ação, vocaciona-se ao "saber". O conhecimento experienciado, vivido, interiorizado, saboreado e autenticado por quem dele se apropria chama-se "saber". Tal como uma obra de arte é marcada pela assinatura do seu autor, o conhecimento tomado saber está

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Uma nova fonte de singularidade criativa: o homem desposa o conhecimento e transforma-o de forma original ao nível da sensação, da percepção, da coerência racional, do desejo, da vontade e da

consciência. Se escutarmos certos artesões mais velhos, ouvimo-los dizer, por exemplo: "a minha arte é a de pedreiro", ou "estou a afagar a madeira". Realizaram a transmutação do conhecimento em arte, em ternura, em saber.

Os conceitos que empregamos traduzem-se por linguagem. Uma linguagem fechada nos mecanismos reguladores da língua, ou intimidada perante o seu uso padrão, não é apta para fazer descobrir, ou revelar, um mundo em evolução. A eclosão da linguagem é imprescindível para traduzir a eclosão de novos conceitos. A língua é uma herança comum, da qual não devemos recear apropriar-nos. Não nos costumamos investir pessoalmente na linguagem, não a marcamos com o nosso selo de autenticidade original.

Alfred Korzybski (1994), ao escrever "Ciência e Sanidade", alertava-nos já para a deteriorização das nossas capacidades ao nível do uso da linguagem. Afirmava mesmo que um professor que não se sentisse capaz de se autotransformar através de um processo contínuo de desconceitualização e de reconceitualização - traduzido por uma "revolução semântica" - devia pedir imediatamente a reforma. Definia o conceito como uma encruzilhada onde a liberdade metafórica toma consciência de si mesma, impedido a mente de se imobilizar intelectualmente. A "revolução semântica" que preconizava o uso da língua integrava: a liberdade de construção criativa; a consciência da relatividade das construções elaboradas; a singularidade das conexões existentes entre o racional e o imaginário.

A imagem verbal é decididamente assumida pela poesia. A poesia é a "linguagem em festa". Varre a poeira do uso quotidiano das palavras e dá cintilância ao rosto criativo do dizer. É a linguagem que se adapta ao "estado de clarividência". Viver em "estado de poesia" é viver em estado de

"recém-nascimento".

A torrente da hiper-prosa que se instaurou a partir do nosso modo de vida monetarizado,

cronometrado, atomizado, exigirá hoje (MORIN, 1998) uma corrente de hiper-poesia capaz de fazer face ao bloco econômico-técnico-burocrático.

Seria necessário que a imagem verbal se libertasse do mundo da publicidade que a usa e a abusa. Diz-se atualmente que a publicidade é a poesia dos pobres. De fato, palavras como "éden", "inefável", "cristal", "oásis", "magia", 'jaguar", "vertigem", não se tomaram mais do que nomes de perfumes ou modelos de carros.

Em português, "dar à luz" é fazer nascer. Isto é válido tanto no domínio da vida como no da imaginação. A luz parece unir o real e o virtual, o que já se manifestou e o que pode vir a ser

manifestado. Ver e compreender caminham mãos dadas. Dizemos freqüentemente: "percebe?", "está vendo?". O entendimento e a visão estão indissociavelmente unidos.

Mesmo a mais virtual das ciências - a Matemática - não só usa a luz da compreensão como se exprime em linguagem "formalizada". A formalização prende-se à forma, isto é, à esfera da visão. É a Forma que configura e ao configurar produz a Ordem. O que é a Ordem? A Ordem é compreensão. É pela produção da forma que os Imaginários e a Imaginação criam a Ordem a partir do sentido. Uma forma é um efeito do sensível e do inteligível, do concreto e do abstrato - é o laço que estabelece a sua unidade. A Imaginação, ao produzir forma, faz aparecer uma Ordem onde o vivido ganha sentido.

A atividade imaginária tanto aparece como instrumento ao serviço da racionalização, como escapa a qualquer processo racional. Para Castoriadis (1987), "o homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razão".

As ciências e as práticas sociais recorrem à metáfora, à analogia, ao símbolo, sempre que partem em busca de novas hipóteses ou antecipações, sempre que se re-constroem ou se re-significam. .A própria ficção é uma espécie de "irracional domesticado".

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numa época curiosa: a nossa civilização tecnológica santificou a razão e criou, ao mesmo tempo, a era planetária da imagem.

A imagem, quer a nível verbal quer a nível visual, exige hoje uma atenção intensa por parte dos educadores. Pertence ao domínio público da comunicação e apela para uma atribuição urgente de sentido humano vivencial.

Convirá distinguir, no mundo feérico e vitorioso das mídias, o que é fantasia, criatividade, invenção e imaginação. Como diz Bruno Munari (1987):

- a fantasia é tudo o que anteriormente não existe, ainda que irrealizável;

- a criatividade é tudo o que anteriormente não existe, mas realizável de forma essencial e global; - a invenção é tudo o que anteriormente não existe, mas fazível a nível exclusivamente prático, sem atender à problemática da estética.

Quer estejamos ou não de acordo com este esboço de definições, certamente concordamos com a necessidade de estabelecer uma nítida distinção entre comunicar, utilizar e significar. Discernimento aplicável simultaneamente à "realidade real" e à "realidade virtual", à palavra verbal e à palavra visual. Umberto Eco (2001) lembra-nos que a educação através das imagens tem sido típica de toda a

sociedade absolutista e paternalista, desde o Antigo Egito à Idade Média. A imagem era o resumo visível da elaboração cultural construída pela elite dirigente e dirigida à massa submetida. A elite usava, entre si, a palavra escrita, enquanto o povo só tinha acesso aos produtos visuais.

Hoje a palavra está a ser vertiginosamente evacuada dos produtos visuais, ou virtuais, que nos propõem. Degrada-se nas suas formas mais simplificadas quando não é praticamente eliminada dos programas audiovisuais comentes. Nomeadamente, a massificação provocada pelas emissões televisivas - nas quais l0 segundos é a duração máxima considerada suportável para se expor um raciocínio - mantém as audiências numa assustadora menoridade mental.

A função da imagem visual não é definir nem explicar. Completa a palavra na medida em que evoca, suscita, induz, apela. O sobressalto ou a pacificação que provoca ligam-se ao domínio íntimo do nosso psiquismo. Despertam sonhos, desejos, sensibilidades, intuições, afetos, impulsos. Assim, para Marcel Duchamp apud Andrew Stafford (2004), a imagem não é exatamente aquilo que temos diante dos olhos, mas o impulso que esse sinal comunica ao espírito daquele que olha.

A imagem desperta reações subjetivas, sem dúvida; mas que também estão indubitavelmente ligadas à memória coletiva da humanidade, à herança de arquétipos que todos recebemos ao nascer. Pessoais e ancestrais, as imagens verbais e as imagens visuais completam-se mutuamente. As primeiras dizem respeito ao regime diurno (ou masculino) da imaginação, as segundas ao seu regime noturno (ou feminino). Entre o consciente e o inconsciente, intertecem o pulsar do nosso conhecimento sobre nós próprios, os outros e o mundo.

É próprio da imagem uma grande riqueza polivalente de sentidos. Por exemplo, a imagem "barco" evocará, para um professor sedento de férias, a idéia de viagem, No entanto simbolizará, para um pescador, a árdua labuta quotidiana. Para uma gaivota será a gostosa imobilidade do repouso. Para um peixe, apenas uma nuvem flutuante que o priva da claridade. A flexibilidade ambígua da imagem nem sempre prescinde do apoio da linguagem.

Estas duas linguagens - Informação e Imagem - não exprimem apenas duas vertentes complementares do ato humano de cognição. Fornecem também origem a duas grandes categorias de arte: as da palavra e as da imagem, que correspondem a duas formas diferentes de viver o espaço e de viver o tempo. Os povos nômades, polarizados pela extensão do espaço a percorrer, deixam fluir livremente o caudal do tempo. Os povos sedentários, ao habitarem uma porção determinada de espaço, fixam

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Já os nômades, vivendo em estado permanente de viagem, dão-se como obrigação galgar o espaço. Concedem liberdade ao tempo e enfeitam-no, assim, com os ritmos e as artes da palavra: música, canto, poesia, literatura oral.

Curiosamente, os espaços virtuais tornam-nos viajantes sem fronteiras, transnacionais e

transterritoriais. Facultam-nos o acesso a um estado de nomadismo "imaterial". Ao contrário do que aconteceu historicamente, este novo nomadismo tende a prescindir do mundo, ou das artes, da palavra. O conhecimento é olhar e é palavra; é um ato de visão e de enunciação, de constante visão e re-formulação. A mobilidade artificial que provoca a cisão entre o mundo da imagem e o mundo da palavra não poderá deixar de preocupar os que têm responsabilidades no campo da educação tecnológica.

A imersão nos espaços virtuais

A realidade virtual liga-se à realidade visual, na medida em que a sua metodologia se enraíza na óptica, na informática e na robótica. Acrescenta ao nosso universo quotidiano um novo espaço que se justapõe ao "real", sem com ele tecer interações. Os mundos real e virtual são mundos disjuntos. Etimologicamente, a palavra "virtual" associa-se a potencialidade não atualizada: neste sentido é uma "utopia", isto é, um possível por realizar. A realidade virtual propõe uma viagem a regiões construídas através de dados numéricos armazenados na memória de um computador. Assim, o espaço virtual é um "não-lugar", é um inexistente. Somos convidados a fazer uma viagem a lugar nenhum, quando nos imergimos num mundo artificial.

A "imersão" distingue-se da "simulação", pois o simulacro permanece inabalavelmente ligado ao real que procura reproduzir com o maior rigor. A simulação precedeu a realidade virtual; os seus modelos são caracterizados por um "imaginal sintético", isto é, a imaginação é chamada a contribuir para a expressão globalizante de uma determinada realidade.

Enquanto na simulação o operador se situa fora do computador, na realidade virtual o operador coloca-se no coloca-seu interior. Por outras palavras: na simulação a pessoa distingue-coloca-se do instrumento utilizado e da realidade a traduzir; no espaço virtual, o computador absorve simultaneamente o utilizador e a realidade construída, fundindo-os no seio do monitor.

Ao debruçarmos sobre as teorias do conhecimento, definimos um meio virtual como uma experiência multidimensionada, total ou parcialmente criada por um computador, e susceptível de ser validada em termos cognitivos pelos participantes. Abraham Moles (1990) é de opinião que os mundos virtuais não são só imagens potenciais de coisas que não existem mas que poderiam existir: são uma forma de "questionar a realidade física em nome da própria representação".

A realidade virtual, embora possa produzir simulacros, privilegia sobretudo a abordagem inédita de novos "mundos" recorrendo à criatividade e à imagem. Estes mundos são freqüentemente aureolados de poderes fabulosos, míticos. As novas formas de ludismo, introduzidas pelos videogames,

sobejamente ilustram o recurso ao fantástico mitificado. A sua força consiste em mergulhar o homem no produto "visível" do seu pensamento construtivo.

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Hoje, parte do meu desejo de infância foi conseguido. Realizou-se a forma, não o conteúdo: o que a realidade virtual transmite são só os sonhos que construímos acordados.

O utilizador de mundo artificial age sobre o meio virtual em "tempo real", através de uma experiência imersiva que se desenrola num plano imaginário. Mas a experiência imersiva não nasceu com os computadores. Qualquer espetáculo nos propõe uma visão diferente do mundo e nela nos imerge ao isolar-nos das interferências exteriores. Tanto num concerto como num teatro ou num cinema, a penumbra está ao serviço do "ver": só o palco ou o monitor se encontram iluminados, só o que neles acontece realmente existe para nós naquele momento.

Na realidade virtual, à imersão e à imaginação acrescenta-se a "interação". Aquele que concebe um universo virtual goza da liberdade de imaginar as leis que regem o mundo que cria. Aquele que participa num universo virtual, goza da liberdade - ou do poder - de agir sobre o modelo artificial que lhe propõem.

As suas decisões/ações resultam de efeitos gerados pelo computador: pressionar um botão pode torná-lo transparente ou dar origem a uma exptorná-losão espetacular. Existe uma "facilidade funcional" da qual o utilizador se apropria no interior do mundo proposto.

Os sistemas virtuais caracterizam-se por três fatores predominantes:

- a "autonomia" (quantifica a capacidade que o modelo informatizado possui ao nível de reação a um estímulo/acontecimento)

- a "interação" (relacionada com o acesso aos parâmetros informáticos, faculta a possibilidade de os alterar de forma a produzir respostas/efeitos imediatos)

- a "presença" (quantifica o número e o tipo de estímulos trocados entre o operador e o sistema virtual).

A ação perspectivada num mundo virtual pode-se conjugar na primeira pessoa ou na segunda pessoa. No primeiro caso a visão subjetiva radica-se no operador, que tem a sensação de estar "presente". No segundo caso, o utilizador desdobra-se num duplo que aparece no monitor e que ele comanda a seu bel-prazer: cria-se uma personagem virtual, também chamado "ator virtual" ou "clone".

A simbiose do homem e do virtual lida com os mecanismos da lógica intuitiva e com os arcanos das faculdades humanas de representação que escapam a qualquer tentativa de racionalização. A

biocibernética debruça-se justamente sobre a forma de integrar a vida na imaterialidade informatizada. As técnicas dos mundos virtuais são inúmeras, desde o "walk through" ao "fly by", passando pelo "glow flow" e pelas "luvas sensitivas".

Podemos deslocar o ponto de vista e ter novas perspectivas das trajetórias, travar, acelerar, mudar de rumo ou de altitude. Um arquiteto, passeando-se virtualmente pelo modelo de síntese virtual de um shopping center, pode alterar o projeto sem deitar abaixo muros nem pagar mão de obra suplementar. Um deficiente físico pode percorrer, na sua cadeira de rodas virtual, o apartamento que lhe está destinado, corrigindo o declive das rampas ou ajustando os interruptores da luz à altura que lhe convém.

Num mundo virtual tanto podemos gozar dos benefícios participativos das teleconferências ou das telepresenças (nas quais intervêm clones por nós comandados), como usufruir os estímulos eróticos da tele-sexualidade. A aprendizagem dos comportamentos corretos em caso de choque -nomeadamente os ocorridos em acidentes de viação- pode ser adquirida sobre modelos ergonômicos. As visitas a museus ou a galerias são agradavelmente sublinhadas pelo "glow flow" que reage interativamente - através de alterações de correntes luminosas ou sonoras - à nossa passagem pelos diferentes locais de exposição. A arte visual põe em cena imagens que se afastam de qualquer laço Com o real e rejeitam qualquer referência. As aplicações televirtuais na terapia comportamental são inúmeras: treinos a partir de realidades simuladas são usados em casos de claustrofobia, vertigens cansadas pela altitude, fobia de circular nas estradas, tensão emocional experimentada diante do vazio etc. Ao mesmo tempo

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O horizonte de possibilidades que as realidades virtuais nos proporcionam tem vindo a suscitar uma reflexão séria por parte daqueles que se preocupam com os rumos que o nosso mundo atual tende a tomar. Um dos grandes pensadores críticos deste fim de milênio, Jean Baudrillard (1997), fala-nos da impotência do virtual. O seu pensamento debruça-se sobre a nossa época pós- moderna, caracterizada pelo "triunfo dos objetos sobre os indivíduos". Vitória produzida por aquilo que chama "as estratégias fatais", que reduzem as massas humanas a meras espectadoras dos media, silenciosas e resignadas aos mundos "virtuais" ou "hiper-reais" que lhes propõem.

O colapso do real parece tornar-se inevitável: os homens assistem - inertes e exaustos - à morte dos sonhos de desalienação e de transformação. A era da "hiper-realidade" alicerça-se na desconstrução do princípio de significação. Ora o princípio da realidade é indissociável do princípio da significação. Compreender, querer e atribuir valores caracterizam a vida consciente. Os mundos artificiais estão a provocar uma agonia vertiginosa do sentido - nada já parece querer dizer alguma coisa.

A situação em que nos encontramos não decorre só das novas imagens de simulação à distância, mas de todo o ciberespaço comandado pela geofinança, desde os multimídias as auto-estradas da

informação. A este propósito, J. Baudrillard (1997) observa que a extensão incondicional do virtual implica na desertificação sem precedentes do espaço real e de tudo o que nos rodeia. A incomunicação entre o espaço real e o espaço virtual não só cria o deserto territorial, mas também o deserto do social, do corpo e do trabalho.

A aceleração vertiginosa deste processo provoca uma grave cisão no mundo dos homens, uma distorção que separa e que exclui. Temos, por um lado, a elite ultra-sofisticada e ultraconectada que tem acesso ao último grito das técnicas midiáticas. Temos, por outro lado, o resto do mundo

desertificado que não é mais do que "o quarto mundo da desinformatização".

Não se estará a preparar uma catástrofe interna neste universo virtual? Ao "big bang" das redes de informação não se sucederá o "big crunch" que as farão explodir? Há um limite crítico da expansão desenfreada; as auto-estradas da informação parecem fazer os possíveis e os impossíveis por o atingirem e o ultrapassarem.

A maravilhosa expansão centrífuga, tão louvada pelos bons apóstolos dos media, estará a aproximar-se perigosamente de uma densidade de saturação que provocará a implosão automática dos universos virtuais. A questão que aqui se põe é a dos "donos do mundo". O otimismo tecnológico delirante e a encantamento messiânico do virtual criaram uma nova elite: a dos senhores do "Microsoft" e do "telecapitalismo".

Ora a intoxicação midiática que sofremos tende a intoxicar ao mesmo tempo essa própria elite. Das duas uma: ou essa elite detém um "poder real", e nós já estaremos "virtualmente" apagados dos seus mapas territoriais (aniquilados porque "realmente inexistentes); ou o poder do virtual é exclusivamente um "poder virtual" e essa elite continuará a enquistar-se nos seus próprios códigos, nas suas redes imaginárias e nas suas órbitas artificiais.

A impotência do virtual consistirá, pois, em não haver uma "estratégia do virtual" nela um "poder do virtual". No virtual só existirão estratégias e poderes virtuais. Assim, para Baudrillard (1997) não há 'donos do mundo', só há mestres da imaterialidade. E não é por o seu dinheiro, os seus produtos ou as suas idéias atravessarem sem obstáculos as fronteiras de um mercado mundializado que somos obrigados a inclinar-nos perante esta supremacia do virtual. Porque ela não é mais do que uma nova forma de servidão voluntária.

Enquanto educadores do mundo de hoje, cabe perguntarmo-nos se continuamos a querer que seja a aranha a construir a teia, ou se decidimos que seja a teia a construir a aranha.

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Até quando continuaremos a saber distinguir o perfume de uma violeta do de uma glicínia? Até quando saberemos descobrir, encostando o ouvido ao peito de um gato que ronrona, a força oceânica da sua harpa íntima, o marulhar vulcânico da sua respiração transfigurada pela ternura? A realidade tende ser abolida pela reprodução de milhões de cópias das quais se perdeu já a própria noção de original. A singularidade do ser desvanece-se num mundo em que a produção standardizada de modelos substitui a pessoa "pessoal".

Cremos que haverá esperança enquanto os educadores puderem dizer intimamente, a cada um dos seus alunos, que outro mundo é possível.

Referências Bibliográficas

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Walter Clayton de Oliveira

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